Vale
a pena abraçar os Direitos Humanos?
O Alto
Comissário dos Direitos Humanos, VolkerTürk, em seu informe apresentado ao
Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro passado declarou que “ninguém
está seguro quando os direitos humanos são atacados”. Ele se referia ao
desrespeito crescente aos acúmulos multilaterais que foram constituindo o
Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vem junto a impunidade para quem o
pratica – o que torna tudo ainda mais grave. Esta preocupação indica uma
dinâmica que desenha uma das centralidades de um balanço da situação dos
direitos humanos em 2025.
O
enfraquecimento crescente do multilateralismo e das instâncias de proteção
global dos direitos humanos não é de agora. Mas certamente ganhou força em
2025, e um dos principais fatores para isso são os ataques da principal
potência militar do Ocidente contra os organismos internacionais e sua retirada
ou ameaça de retirada de vários destes mecanismos. O novo mandato de Trump
enseja este tipo de aprofundamento. Soma-se a ele a posição de outros
autocratas pelo mundo, no oriente e no ocidente, no norte e no sul. O resultado
principal é deixar aqueles/as mais desprotegidos/as ainda mais
desprotegidos/as, ao abandono, à morte. A humanidade está ainda em maior risco
e ainda mais desprotegida.
A
publicação da National Security Strategy of the United States of America
[Estratégia Nacional de Segurança dos Estados Unidos da América] é a expressão
final do que advoga o fim do “império do direito”, no multilateralismo, e a
sabotagem ao que dele decorre, e as loas ao “império do poder da força do mais
forte”. Interessante que não refere os direitos humanos (ao menos
expressamente) no documento, mas aos “direitos naturais dados por Deus” [the
God-given natural rights of its citizens], como aparece em vários momentos.
Além de reeditar a doutrina Monroe para as Américas [“os Estados Unidos
reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência
americana no Hemisfério Ocidental”], reedita o imperialismo norte americano num
novo contexto.
Ao
invocar os “direitos naturais dados por Deus”, recupera uma das noções mais
caras aos ultraconservadores em matéria de direitos humanos: enfatiza um
sentido para os direitos humanos e para escolhas que vão abrigar determinados
direitos em detrimento de outros. Acolhe, inclusive, uma agenda explicitamente
anti-direitos – selecionando direitos a promover, como privilégios, e outros a
atacar. E tanto é assim que, quando se lê no documento o reconhecimento ao
avanço da xenofobia, do autoritarismo e das pautas anti-direitos, saudados como
se fossem sinais de renovação democrática, percebe-se a radicalidade desta
escolha.
Outro
aspecto que denota a posição é quando entende a migração como “ameaça
sistêmica” à segurança e à “continuidade civilizacional” dos Estados Unidos e
da Europa. Os migrantes, junto com mulheres, ambientalistas, professores,
artistas, jornalistas e vários outros que por algum motivo não concordam com a
posição de Trump, passam a ser “culpados convenientes”, alvos de ataque
prioritário e permanente, servem para absorver a frustração social e afastar a
percepção de quem realmente é responsável pelos problemas contemporâneos.
Inimigos fictícios têm serventia para confundir, enquanto os poucos
endinheirados seguem acumulando, mais e mais. O documento é um alerta forte às
vésperas do dia dos direitos humanos… parece que não haverá futuro para eles e
com isso para a maior parte da humanidade e dos seres viventes, exceto àqueles
que aceitarem se subjugar e fazer a vez de sabujos dos desejos do império, de
sempre… que tenta, a todo custo, se manter.
O
avanço dos movimentos ultraconservadores anti-direitos humanos cresce e,
sobretudo avança no uso instrumental e interessado, interesseiro, dos direitos
humanos. Uma mudança no modo como corriqueiramente estes setores
político-ideológicos lidam com direitos humanos, visto que sua prática
histórica (e remonta aos anti-revolucionários franceses) sempre foi de ataque e
rejeição total aos direitos humanos. A postura agora é outra: invocar
seletivamente direitos humanos – não todos, alguns, aqueles que são convenientes
– não para todos, mas para os “amigos” – uma forma de “política da amizade” ao
avesso – e para aqueles a quem Deus criou como seres com direitos – não no
sentido do universalismo cristão originário, por exemplo, mas daquele
cristianismo da prosperidade e do domínio.
Os
direitos humanos são transformados em recursos para atender a “privilégios” e a
“privilegiados”, rompendo com uma das noções mais caras – e não por isso menos
polêmicas – aos direitos humanos: sua universalidade e, em consequência, a
condenação de toda discriminação. Direitos humanos assim, não são direitos
humanos e, por isso, talvez Trump sequer os nomeie em seu documento. Está
aberta a temporada de ataque a determinados direitos e a determinados/as
sujeitos/as de direitos. Está em curso o uso dos direitos para garantir
privilégios. O monstro grande pisará ainda mais forte a inocência das pessoas.
Por
outro lado, alguns acontecimentos marcam a importância da resistência, ainda
que frágil e insuficiente, a esta dinâmica de desmonte da estrutura
multilateral de proteção em 2025. Um exemplo é a aprovação de um tratado sobre
pandemias pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em maio, em sua 78ª
Assembleia Mundial. Outro é a realização da COP30 no Brasil, sem a presença dos
Estados Unidos. Ainda que não se tenha aprovado um “mapa do caminho”, o
encontro avançou em questões de direitos humanos, direitos trabalhistas, povos
indígenas, afrodescendentes e mulheres como necessários na transição justa. Mas
eles vieram antes da “declaração de guerra aos direitos e à vida” apresentada
por Trump neste início de dezembro. A resistência haverá de ser ainda mais forte
e organizada, permanente e consistente, se de fato quiser fazer frente à
máquina mortífera de destruição em curso e agora declarada como “estratégia”.
Diante
de tudo isso, ainda perplexo, mas animado e encorajado, lembro de Mercedes
Sosa: “eu só peço a deus” (1978): “que a dor não me seja indiferente”… “que a
injustiça não me seja indiferente”… “que a guerra não me seja indiferente”…
“que a mentira não me seja indiferente”… enfim, “que o futuro não me seja
indiferente”. Que nenhum/a de nós fique indiferente a tudo isso e que nos
despertemos para os grandes desafios que o momento nos coloca no campo dos
direitos humanos. O maior deles, lembrando o que disse Conceição Evaristo
falando de negras e negros – e que pode ser válido para o conjunto de quem
defende direitos humanos: “Eles combinaram de nos matar, nós combinamos de não
morrer” e, mais, de seguir juntos/as, em luta, pela vida, em abundância. Viva os
direitos humanos… hoje talvez mais como desejo do que como garantia! Mesmo
assim, viva a luta por direitos humanos!
Fonte:
Por Paulo César Carbonari, em Outras Palavras

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