Ciclones
'devastadores' no Brasil são culpa das mudanças climáticas?
A
passagem de um ciclone extratropical pelo sul do Brasil tem gerado chuvas
intensas e vendavais pelo país, provocando estragos em diversas regiões,
principalmente no Centro-Sul.
Três
mortes foram registradas na cidade de Palhoça, em Santa Catarina, que nas
últimas 24 horas registrou um acúmulo de chuva de 137 mm, de acordo com o
MetSul.
Fortes
ventos também atingem os Estados de Minas Gerais e São Paulo - situados em uma
região ainda periférica em relação ao centro do ciclone.
Segundo
a concessionária de energia Enel, 36% dos clientes da Região Metropolitana de
São Paulo estavam sem energia por volta das 16h, somando mais de 2,3 milhões de
pessoas com o abastecimento interrompido.
A
Defesa Civil de São Paulo registra quedas de árvore, destelhamentos e
alagamentos em diversos municípios. Ventos na Lapa, Zona Oeste da capital,
chegaram a 98 km por hora.
Na
capital, mais de 514 chamados para queda de árvores foram registrados até às
14h.
Meteorologistas
consideram o ciclone de "altíssimo risco", com previsão de rajadas de
vento que podem chegar a 120km/h.
Para
climatologistas ouvidos pela BBC News Brasil, por mais que a ocorrência de
ciclones seja comum no hemisfério sul, não há como negar o impacto das mudanças
climáticas em eventos intensos como esse.
"Não
é incomum ter um ciclone esta época do ano, o que é incomum é a intensidade que
estamos vendo. E os estudos indicam que esse cenário é uma tendência do
aquecimento global", afirma o climatologista José Marengo, que coordena o
Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
Nos
últimos anos, diversos ciclones foram registrados no Brasil, muitos com chuvas
intensas, rajadas de vento, principalmente na região sul.
O mais
recente foi registrado em novembro, ocasionando a formação de um tornado que
atingiu o Paraná e destruiu 90% da cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no interior
do estado.
Seis
pessoas morreram e mais de mil moradores ficaram desalojados. Os ventos
chegaram a 250km/h.
Segundo
Franscisco Aquino, climatologista e professor da UFRGS, nem todo evento
meteorológico é resultado das mudanças do clima, mas a frequência e a
intensidade dos ciclones extratropicais aumentou nas últimas décadas no
hemisfério sul.
Ele
avalia que há uma relação direta entre os efeitos dessas mudanças, sobretudo na
Antártica, e o aumento de ciclones que atingiram o Brasil desde setembro.
Aquino
explica que, neste ano, a Antártica registrou baixa extensão de gelo marinho,
tanto no verão quanto no inverno.
Essa
redução de gelo coloca a oscilação Antártica em fase negativa, empurrando o
cinturão de ciclones extratropicais para o sul do Brasil, o que explica essa
sequência incomum de tempestades e eventos extremos.
"Como
a atmosfera está mais quente, e o planeta segue em mudança climática, não tem
como entender que não há uma combinação desses fatores, nesse caso reduzindo o
gelo marinho, deixando a fase negativa no sul, e permitindo a formação de
ciclones mais intensos", afirma.
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'Ciclones-bombas'
O
ciclone que atinge o sul do Brasil é apontado por meteorologistas como um
evento atípico esta época do ano pela combinação de vários fatores, entre eles
a pressão excepcionalmente baixa e sua intensidade.
É
esperado que ele alcance um valor mínimo de pressão atmosférica abaixo de 1000
hPa (hectopascal), valores considerados "excepcionalmente baixos e
raríssimos".
Enver
Gutierrez, pesquisador e Chefe da Divisão de Previsão de Tempo e Clima do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que as ondulações de
jatos — correntes de ventos que ficam na parte superior da atmosfera e são
responsáveis por organizar o clima do planeta — registradas nesse ciclone foram
muito intensas, algo que é comum no inverno, e não na primavera.
Com
isso, os ventos se projetaram para as camadas de baixo, contribuindo para a
intensificação do ciclone.
Segundo
ele, essas características são apontadas em estudos como possíveis efeitos de
mudanças climáticas.
"Estudos
desses cenários de aquecimento global indicam que os ciclones estariam mais
intensos, e nesse caso, foi registrada uma ondulação bem intensa, o que
corrobora com esses estudos", declarou.
Marengo
acrescenta que tem-se observado no Brasil uma tendência na formação de ciclones
chamados "ciclones-bombas", com ventos intensos, aproximação do
continente.
A
frequência desses eventos costuma ser associada ao aquecimento da temperatura.
Apesar
de pontuar que ainda é cedo para classificar como "ciclone-bomba" o
sistema que atualmente atravessa o Rio Grande do Sul, Marengo afirma que não há
dúvidas de que ele seja um "ciclone intenso, com alta probabilidade de
desastres".
Especialistas
alertam que esses 'ciclones devastadores' tendem a se intensificar cada vez
mais se seus impactos não forem suavizados.
Isso
engloba ter uma agenda focada nas mudanças do clima, com soluções baseadas na
natureza, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, mas também uma
estrutura voltada para a população, argumenta Aquino.
"Neste
momento é preciso aumentar a estrutura da Defesa Civil, criar alertas
antecipados, criar métodos para melhorar a comunicação e permitir que as
pessoas possam se informar dos riscos e se proteger. É muito importante que a
população esteja atenta a alertas no smartphone, à previsão do tempo. Só assim
conseguimos reduzir impactos."
Fonte:
BBC News Brasil

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