Gustavo
Tapioca: O projeto continental de poder do cristofascismo no Brasil
Se o
Brasil não confrontar a estrutura religiosa, emocional e geopolítica que
fabricou Bolsonaro, outro “ungido” surgirá — mais perigoso...
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A comemoração justa e a ilusão perigosa
A
prisão de Jair Bolsonaro derruba um galho podre, mas nada altera o tronco
vigoroso do cristofascismo brasileiro — um projeto continental de poder que,
desde os anos 1960, opera para sufocar a Teologia da Libertação, capturar
afetos populares e reconfigurar o Brasil como laboratório autoritário.
É justo
comemorar a prisão de Jair Bolsonaro. A imagem de um ex-presidente algemado é,
por si só, um marco civilizatório após anos de ameaças golpistas, delírios
messiânicos e ataques ao STF. Mas, como alerta a pesquisadora e influencer
Alina Câmara, “é só o começo”.
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A
estrutura que produziu Bolsonaro — midiática, psicológica, religiosa, militar e
empresarial — continua ativa, intacta, robusta. E já prepara o próximo passo.
Como escreveu Adorno em 1951, após o nazismo: “O fascismo pode voltar sob
formas diferentes, adaptado ao espírito de cada época.” A nossa época é a era
das redes, dos púlpitos eletrônicos e do mercado de afetos religiosos. O
fascismo voltou — e voltou com a Bíblia na mão como arma de guerra.
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Cristofascismo: a teologia que santifica o autoritarismo
O
conceito de cristofascismo não é invenção retórica da esquerda. É um termo
técnico criado pela teóloga alemã Dorothee Sölle para descrever a fusão entre
fundamentalismo religioso, culto ao líder, masculinidade autoritária, violência
moralizada, hierarquia patriarcal, demonização do outro. Sölle escreveu:
“Quando Deus é usado para legitimar o poder, temos idolatria — e não fé.”
No
Brasil, essa fusão produziu um fenômeno novo: o fascismo gospel, cujo
imaginário combina guerra espiritual, teologia da prosperidade, apocalipse
moral, ódio racial, patriarcado armado, neoliberalismo sacralizado. Bolsonaro
não inventou esse ecossistema. Ele apenas se tornou o avatar político perfeito
desse imaginário.
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O ataque “from USA”: a guerra religiosa contra a Teologia da Libertação
Pouco
se discute no debate público brasileiro o papel dos Estados Unidos na formação
do nosso fundamentalismo religioso contemporâneo. O cristofascismo brasileiro é
resultado direto de um projeto internacional de poder. A partir dos anos 1960,
os EUA passaram a ver a Teologia da Libertação — que pregava justiça social,
opção pelos pobres e crítica ao imperialismo — como ameaça geopolítica.
A
resposta foi uma guerra teológica importada, que operou por envio massivo de
missionários conservadores; financiamento de megaigrejas alinhadas ao
anticomunismo; rádios, jornais e TVs, editoras e universidades religiosas;
treinamento de pastores latino-americanos em seminários do sul dos EUA; difusão
sistemática da Teologia da Prosperidade; demonização da esquerda e das lutas
sociais.
Essa
estratégia, documentada por pesquisadores como Jeffrey Gould, Paul Freston e
David Stoll, tinha um objetivo inequívoco: despolitizar o cristianismo
latino-americano, destruir a Teologia da Libertação e alinhar o Brasil e região
ao neoliberalismo norte-americano.
O que
hoje chamamos de “bolsonarismo evangélico” é o herdeiro direto desse projeto.
Não é coincidência que as igrejas de guerra espiritual e de prosperidade tenham
se tornado a espinha dorsal do fascismo brasileiro.
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Fromm e Adorno: a psicologia do seguidor autoritário
O
bolsonarismo abraçado pela extrema-direita não é apenas um fenômeno político. É
um fenômeno emocional.
Para
compreendê-lo, a pesquisadora influencer Alina Câmara recorre a dois pensadores
fundamentais no seu vídeo divulgado recentemente pelo YouTube e alerta: “Não se
iluda com a prisão de Bolsonaro. O fascismo cristão continua vivo no Brasil.”
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1. Erich Fromm — O medo à liberdade
Fromm
escreveu:
“Quando
a liberdade exige responsabilidade, muitos preferem regressar à servidão.”
O
seguidor autoritário teme a complexidade; busca respostas simples; deseja um
líder forte; projeta suas frustrações em inimigos imaginários.
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2. Theodor Adorno — A personalidade autoritária
Adorno
identificou os traços do fascista típico: submissão ao líder; agressividade
contra minorias; anti-intelectualismo; moralismo cruel; paranoia política.
A
descrição parece escrita para o Brasil de hoje. O bolsonarista típico não segue
Bolsonaro: segue o conforto psicológico da autoridade.
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Carl Schmitt: o jurista do fascismo cristão
Nenhum
autor explica tão bem o autoritarismo religioso quanto Carl Schmitt, jurista do
nazismo, que afirmava:
• “Soberano é quem decide o estado de
exceção”
• “A política é sempre a distinção entre
amigo e inimigo.”
Pastores
extremistas brasileiros aplicam Schmitt sem o citar: o “ungido” acima da lei; o
STF como “inimigo”; a democracia como obstáculo; o mundo dividido entre “povo
de Deus” e “filhos das trevas”. O resultado é uma teologia do poder, não da
compaixão.
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Eco: o bolsonarismo cumpre todos os critérios
Em O
Fascismo Eterno, Umberto Eco listou 14 características do fascismo moderno.
Culto à tradição e ao mito; rejeição da modernidade; medo da diferença; apelo
às classes frustradas; patriotismo tóxico; machismo; populismo seletivo;
obsessão pelo complô; linguagem empobrecida; culto à violência purificadora. A
extrema-direita bolsonarista cumpre todas.
Eco
escreveu: “O fascismo pode retornar quando menos esperamos, porque nunca foi
embora.” No Brasil, ele voltou pelos púlpitos. E voltou querendo ficar por
muito tempo.
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Os púlpitos que plantaram o fascismo brasileiro
O vídeo
de Alina Câmara demonstra como as igrejas neopentecostais se tornaram máquinas
políticas: transformaram a fé em guerra espiritual; criaram inimigos;
santificaram o líder; militarizaram a moral; organizaram um exército emocional;
capturaram subjetividades periféricas.
Como já
analisamos em artigos anteriores, trata-se de uma teocracia neoliberal de
massas, que converte dor em voto, medo em obediência e fé em projeto de poder.
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A Árvore Cristofascista
A
metáfora da árvore citada pela pesquisadora e influencer Alice Câmara é
precisa.
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Raízes: racismo, desigualdade, patriarcado, colonialidade.
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Tronco: fundamentalismo religioso, militarismo, neoliberalismo messiânico.
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Galhos: Bolsonaro, Milei, Bukele, Trump, Kast — líder ultraconservador chileno,
defensor declarado da ditadura de Pinochet e articulador continental da
extrema-direita, ameaça ganhar no segundo turno as eleições chilenas em 14 de
dezembro.
Todos
eles são intercambiáveis entre si. Todos são versões de um mesmo projeto
internacional. Aqui, o galho Bolsonaro caiu. Mas, a árvore segue viva.
Crescendo. E querendo continuar a crescer.
Estamos
em plena campanha presidencial. E o que está em jogo é mais do que uma eleição:
é o destino espiritual, político e civilizatório do Brasil. Dois projetos de
país. Duas visões de história estão no cenário eleitoral de 2026.
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O projeto democrático-popular
As
pesquisas indicam que Lula caminha para uma reeleição provável, sustentado por
políticas de reconstrução dos quatro anos trágicos do governo da
extrema-direita bolsonarista
;
inclusão social; defesa da democracia; combate ao ódio; soberania
internacional; respeito às instituições; diálogo com setores democráticos da
fé. O projeto que representa o Brasil plural, o Brasil real, o Brasil que
existe fora das bolhas teológicas e digitais.
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O projeto conservador-autoritário
Três
forças convergem neste campo: a extrema-direita cristofascista; a direita
liberal, o centro fisiológico. Todas têm um objetivo comum: destruir o projeto
democrático-popular e restaurar uma ordem oligárquica, patriarcal e teocrática.
E todas contam com a mesma estrutura religiosa que produziu bolsonarismo.
A
prisão de Bolsonaro é histórica. Mas não encerra nada. O Brasil só derrotará o
fascismo quando derrubar não apenas o galho, mas a árvore inteira — suas
raízes, seu tronco, seus frutos envenenados.
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2026: a encruzilhada entre Democracia e Teocracia
A
eleição de 2026 não é apenas mais um capítulo da política brasileira. É o juízo
histórico de uma nação inteira. De um lado, o projeto democrático-popular,
adotado por Lula nos seus três governos, reconhecido pelas pesquisas como
favorito, em 2026, e sustentado pela reconstrução de direitos, pela
recomposição da soberania nacional, pela valorização das instituições e pela
promessa de um Brasil real, plural, vivo, com espaço para a diversidade, a
ciência, a cultura e a dignidade.
Do
outro lado, uma aliança sombria entre a extrema-direita cristofascista; direita
liberal autofágica; centro-direita fisiológica; e o subterrâneo
militar-empresarial que nunca aceitou 1988. Forças que operam em ritmos
diferentes, com discursos distintos, mas convergem para o mesmo destino:
recolonizar o Brasil, reduzir sua democracia à obediência econômica, entregar
sua soberania espiritual às máquinas evangélicas importadas dos EUA e
reinstalar o país como periferia disciplinada do capitalismo global.
E o
fazem com uma arma que a esquerda tradicional ainda subestima: o poder
emocional e teológico dos púlpitos e dos altares. Uma máquina que produz
ressentimento, culpa, medo, esperança distorcida e uma moralidade artificial
que transforma milhões de cidadãos em soldados de uma guerra que eles sequer
sabem que estão travando.
Enquanto
Lula propõe um país com pão, vacina, escola, emprego, livro, universidade,
soberania, futuro e alegria, a extrema-direita e seus aliados oferecem
apocalipse, vingança, ódio, um “líder-mártir” e um projeto de nação submetido à
vontade de um Deus armado.
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Uma escolha muito difícil?
A
escolha entre estes dois projetos de poder se aproxima. Em 2026, o projeto
democrático-popular do governo Lula e do campo progressista de um lado; e o
projeto conservador-autoritário da extrema-direita e da direita liberal, de
outro, disputarão não apenas um governo, mas o destino da própria democracia. A
decisão pode ser no primeiro turno, em outubro, ou no segundo, em novembro de
2026. O ano que já começou.
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O recado de Lula aos eleitores
Ao
tratar do cenário político eleitoral nesta terça-feira 8, o presidente Lula
afirmou que a continuidade das políticas sociais depende diretamente do
resultado das próximas eleições.
“Depende da qualidade dos deputados, das
deputadas, dos senadores, dos governadores e do presidente da República que
vocês elegerem”, disse.
E
alertou, do jeito Lula de ser, com a metáfora: “nunca deu certo colocar raposa
para tomar conta de galinheiro”.
Fonte:
Brasil 247

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