quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Eleições: As lutas cidadãs para barrar o mercado de votos

Do voto de cabresto ao orçamento secreto, a compra e o sequestro de votos se atualizaram sem nunca desaparecer. Para 2026, retorna a articulação de mutirões civis para reconstruir a representatividade e resgatar a democracia capturada...

O foco ou objetivo da Campanha pelo fim da compra de votos é podermos um dia contar com um Poder Legislativo que não seja“inimigo do povo” – na expressão que já viralizou nas redes sociais. Em sentido inverso, que as leis elaboradas e aprovadas pelo Poder Legislativo — que num Estado Democrático de Direito todos temos que respeitar — sejam a favor do povo e não dos interesses de minorias privilegiadas e do poder econômico.

Ora, o que é hoje mais do que evidente é a enorme mudança que isso exige na composição e na representatividade de nossos Parlamentos, do nível municipal ao federal, assim como uma real elevação do nível de consciência ética de seus membros. Suas atuais maiorias (que são quem aprova as leis) vem se formando graças a parlamentares que estão a serviço de seus interesses pessoais e dos que financiam suas campanhas eleitorais. Ou, em outras palavras, quem aprova nossas leis são de fato vereadores, deputados e senadores mais fiéis à lei de Gerson — é preciso sempre levar vantagem — do que às demandas populares.

O mais incrível, no entanto, é que quem os elege é o mesmo povo que eles esquecem! Ou, falando de forma direta, é o povo que lhes dá o poder de legislar contra os interesses de quem os elege! Como tal absurdo pode ocorrer? Onde se escondeu nossa democracia?

Essa é uma história que já dura quase duzentos anos! Começou a ficar mais evidente logo depois que nossas leis passaram a ser feitas pelos representantes do povo brasileiro por ele eleitos, quando o Brasil se tornou um país independente.

Era então muito reduzido o número de eleitores e de funções preenchidas por eleição. Mas entre os primeiros candidatos a essas funções, os mais espertos logo perceberam que seriam mais facilmente eleitos se cercassem eleitores em currais eleitorais — o voto no cabresto —, ou comprando votos com favores e benefícios — voto comprado —, ou fraudando atas eleitorais — voto falsificado a bico de pena.

No entanto, se já no início do Império, em 1830, essas práticas foram consideradas criminosas, quando foi criada a Justiça Eleitoral em 1932, muitas décadas depois, ainda não lhe tinham sido dados instrumentos para punir tais crimes (obviamente os membros do Poder Legislativo, que o deviam fazer, eram na realidade seus beneficiários). E como as leis penais já previam a possibilidade de muitos recursos, o tempo passava com raríssimas punições.

Nesse quadro, tais práticas, usuais ao longo do Império e na República, foram se “naturalizando”, e passaram a fazer parte da cultura eleitoral brasileira, como ainda ocorre na maioria dos países menos desenvolvidos. Isto apesar dos esforços dos que lançavam campanhas pelo “voto consciente”, porque poucos dos seus promotores se davam conta de que isso não bastava. Com a eleição do Legislativo concomitante à do Executivo, nossas eleições se centravam, como até hoje, na escolha do ou da Chefe do Executivo, ficando secundária a escolha dos membros do Legislativo.

Mas, por melhor que seja o Presidente, Governador ou Prefeito eleito, ele só pode fazer o que a lei o autorize, como manda a Constituição. E se quem a elabora é o Legislativo, nós de fato o entregamos às chantagens insaciáveis dos parlamentares espertalhões que compram ou sequestram votos para serem eleitos.

<><> A estratégia

Ora, um dos resultados da Campanha da Fraternidade lançada pela CNBB em 1976, com o tema “Fraternidade e Política”, tinha sido a tomada de consciência, por muita gente, desse caminho torto usado por muitos dos que querem se tornar “políticos” – uma das “profissões” mais cobiçadas para enriquecer sem maiores sustos, defendendo seus próprios interesses e os dos que financiem suas campanhas.

A Comissão Brasileira Justiça e Paz teve então a ousadia de propor uma estratégia para enfrentar esse desvio de conduta: evitar legalmente que candidatos desse tipo fossem eleitos. E para isso propôs o uso de um instrumento ainda pouco conhecido, criado dez anos antes na Constituinte: um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que punisse eficazmente quem comprasse ou sequestrasse votos.

Juristas especializados em Direito Eleitoral descobriram os meios para a Justiça Eleitoral punir eficazmente esse crime. E depois de dois anos com centenas de pessoas recolhendo — com a ajuda ostensiva da CNBB — o milhão de assinaturas necessárias à apresentação do Projeto, a CBJP seguiu sua tramitação no Congresso, passo a passo, durante sete semanas, no último ano do século XX. Surgiu assim a Lei 9840/99, apesar da zombaria dos que achavam que era mais fácil uma vaca voar do que tal lei ser aprovada. E a Justiça Eleitoral ganhou um novo instrumento contra o crime do uso do poder político e econômico para entrar no Legislativo.

Ora, mal começado o novo século, os cidadãos e cidadãs que persistentemente tinham colhido o milhão de assinaturas se lançaram numa nova tarefa: agir pela efetiva aplicação da nova Lei, denunciando à Justiça Eleitoral quem comprasse e sequestrasse votos. Criaram para isso o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, e durante dez anos foram cassados os registros de centenas de candidatos, flagrados cometendo esses crimes. E como a nova Lei determinava que se declarasse sua inelegibilidade durante oito anos, nosso Estado Democrático de Direito viu a possibilidade de se livrar de uma prática eleitoral que poderia destruí-lo.

Passados dez anos, a CNBB e a Comissão Justiça e Paz alcançaram uma nova vitória, fazendo voar outra vaca, ainda mais pesada, por já exigir um milhão e meio de assinaturas de apoio: a aprovação, depois de longos sete meses de acompanhamento de sua tramitação, do Projeto de Lei de Iniciativa Popular conhecido como da Ficha Limpa. E com a articulação dessa Lei com a 9840/99, mais de mil candidatos já não conseguiram se tornar membros corruptos da classe política.

Mas ainda foi muito pouco, face ao número de aproveitadores e oportunistas eleitos para constituir o “baixo clero” de nossos parlamentos. E hoje, passados vinte e cinco anos, a compra e sequestro de votos estão de novo quase “naturalizados”. Pior: suas formas foram aperfeiçoadas.

Em vez da exploração individual das carências populares, passou-se a comprar e sequestrar votos por atacado, por cabos eleitorais e lideranças políticas e religiosas; surgiram fundos eleitorais para partidos e candidatos; os algoritmos na internet passaram a ser usados para direcionar mensagens que rendam votos; foram inventadas as emendas impositivas ao orçamento público, para o uso de ainda mais dinheiro público, chegando-se ao orçamento secreto e ao atual festival de diversos tipos de emendas. E para culminar, o crime organizado, com sua violência, começou a eleger legisladores que defendam seus interesses… A democracia passou a correr grandes riscos.

Foco e estratégia hoje

Ora, os remanescentes ainda vivos, apesar de seus cabelos brancos, dos que tiveram em 1997 a ousadia de enfrentar a inércia legislativa interessada do Congresso Nacional, tiveram ainda a força e a coragem de lançar, no começo deste ano de 2025, mais uma etapa do esforço hercúleo feito até agora pela elevação do nível ético e da representatividade do Poder Legislativo de nossos parlamentos, em seus diversos níveis.

Redigiram um Manifesto, já assinado até agora por mais de 700 pessoas ( https://ocandeeiro.org/manifesto-contra-venda-votos/ ) e lançaram um plano de três grandes mutirões nacionais pelo fim da compra de votos: em 2026, 2028 e 2030. Prevendo a hipótese de mais mutirões em seguida, porque não será em cinco anos que se poderá mudar uma cultura política cristalizada em quase duzentos anos, e agora reforçada pelo aumento vertiginoso da bandidagem em nosso país — que nosso atual Congresso já tentou proteger — provocada pela lógica capitalista que conseguiu dominar o mundo.

Foi mantido o foco da campanha, mas ampliada sua estratégia, dando-lhe mais vigor e organização, pela pretensão de contar com a participação de muito mais brasileiros e brasileiras, bem mais jovens do que os “sonhadores” de 1999.

Que no início do próximo ano comecem a surgir, nas telas de nossos celulares e nos muros de nossas cidades, cartazes e convocações de eleitores e eleitoras para o primeiro Grande Mutirão Nacional de denúncia da compra e sequestro de votos em 2026. E que, ao mesmo tempo, que se inicie e se expanda a criação de Comitês Populares para a árdua tarefa de identificar e denunciar os compradores e sequestradores de votos, em cada comarca de todo o território nacional. E para isso ocorrer, espera-se também multiplicar o número de facilitadores/apoiadores em cada município do Brasil, a quem caberá estimular a formação desses Comitês e dar-lhes a informação e o apoio necessários

>>>> PS.

Com a formação de uma rede desse tipo no Brasil, poderemos enfrentar juntos muitos outros desafios! E quem se animar imediatamente, que assuma a função de facilitador/animador em sua região de moradia, ou de animador de um Comitê Popular de denúncia. Ou nos indique quem se interesse em assim se integrar à empreitada. Ou contribua com cartazes e posts nas redes sociais, que chamem cada vez mais gente para os mutirões. Ou… siga seu interesse e disposição…

>>>> LEIA  O MANIFESTO

Manifesto pela erradicação da prática ilegal de compra e venda de votos

nas eleições e decisões legislativas

<><> Não à compra e venda de votos!

Considerando que as relações do Congresso (Senado e Câmara dos Deputados) com o Executivo vêm piorando, de forma perigosa para a democracia, a partir do crescente uso abusivo e irregular por parlamentares da maioria oposicionista do seu direito de apresentar emendas ao orçamento, desde que o Congresso criou, em 2015, o privilégio das emendas “impositivas”;

Considerando que num Estado Democrático de Direito a lei está acima de tudo; que ninguém pode fazer o que não esteja previsto em lei e que essa maioria está se recusando a aprovar as leis de que o Executivo precisa para poder cumprir suas promessas de campanha, desrespeitando o equilíbrio constitucional entre os poderes da República;

Considerando o fato de que as atuais maiorias do Congresso se formaram apoiando-se em grandes bancadas temáticas que se opõem aos anseios de justiça social e igualdade da maioria do povo brasileiro, que elegeu a atual chefia do Executivo;

Considerando que parte dessas bancadas se elegeu graças ao crime de compra de votos, prática que corrompe o ato fundacional da democracia, a eleição livre e soberana dos(as) que devam governar o país, pelo voto secreto das cidadãs e dos cidadãos;

Considerando que esse comércio de votos é um crime tipificado há duzentos anos, ainda no Império, no artigo 101 do Código Penal de 1830, com pena de prisão, que criminalizava inclusive a prática das “ameaças”;

Considerando que essa tipificação foi confirmada na República – no artigo 166 do Código Penal de 1890 – que incluiu nas penas a perda dos direitos políticos, e foi consolidada no primeiro Código Eleitoral brasileiro, de 1932, com a formulação básica usada desde então: “dar, oferecer, prometer ou receber, para si ou para outra pessoa, qualquer vantagem, como dinheiro, bens ou favores, em troca de votos”;

Considerando que o Código de 1932 – que também criou a Justiça Eleitoral para coibir e punir esse crimes – não estabeleceu meios e instrumentos legais específicos para cumprir eficazmente essa missão, a não ser os já previstos na legislação penal, com a lentidão própria à Justiça, e que assim fizeram todos(as) os(as) legisladores(as) desde então, cerceados(as) pelos interesses dos(as) criminosos(as) que usavam essa prática;

Considerando que, assim, o crime da compra e venda de votos foi se espalhando Brasil afora por quase duzentos anos, como a forma mais fácil e rarissimamente punida de se eleger como parlamentar, com efeitos perversos na qualidade ética e política de nossos parlamentos, nos seus três níveis, tornando-se um elemento constitutivo da cultura política brasileira;

Considerando que essa é a prática recorrente de candidatos(as) oportunistas e mal-intencionados(as), que descobrem que comprar votos é o modo mais fácil de se eleger, sem o “penoso” trabalho de ter que convencer eleitores das próprias boas intenções, bastando-lhes contar com muito dinheiro e atender às carências do(a) eleitor(a), e enganá-lo(a) com promessas irrealizáveis;

Considerando que, ao assumirem cargos públicos, a pobreza ética e política desses candidatos(as) lhes permite acumular riqueza pessoal de forma insaciável e ilícita;

Considerando que, dentro da mesma lógica comercial que os fez se candidatarem para enriquecer, tais candidatos(as) passam a vender seus próprios votos nas decisões do Legislativo;

– por último, mas decisivamente – que uma Lei de Iniciativa Popular, com um milhão de assinaturas, a Lei 9840/99, foi aprovada no último ano do século passado, com seu lema “voto não tem preço, tem consequências”, dando à Justiça Eleitoral meios eficazes para sua ação punitiva;

Nós, subscritores(as) deste Manifesto, decidimos fazer o apelo contido no seu título, propondo aos concidadãos e concidadãs e às suas organizações, entidades representativas, movimentos sociais, assim como aos partidos que apoiam as causas populares que, no início dos anos de 2026, 2028 e 2030, em vez de se interessarem somente pela eleição dos(as) chefes do executivo, prestem maior atenção às eleições para os(as) integrantes das casas legislativas, para que, por meio da organização de três grandes mutirões nacionais de fiscalização das eleições quanto à compra de votos, nos períodos eleitorais de 2026, 2028 e 2030, apoiados na Lei 9840/99:

– não sejam eleitos(as) criminosos(as) nem cúmplices do crime de corrupção de eleitores pela comercialização de seus votos para as casas legislativas e que

– em 2032, ao fim de dois séculos do Código Penal de 1830, possamos comemorar a erradicação dessas práticas eleitorais ilegais, com potencial de matar por dentro nossa democracia!

Declaro, ainda, que, ao assinar este Manifesto pela erradicação da prática ilegal de compra e venda de votos nas eleições e decisões legislativas, disponho-me a apoiar campanhas com esse objetivo que venham a ser feitas pela sociedade civil, em associação com partidos contrários ao crime de compra e venda de votos.

¬¬¬¬ Por Antônio Funari (Comissão Justiça e Paz/SP), Chico Whitaker (Universidade Mútua), Fred Ghedini (Movimento G-68, RedeD) e Luciano Santos (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)

 

Fonte: Por Chico Whitaker, em Outras Palavras

 

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