Eleições:
As lutas cidadãs para barrar o mercado de votos
Do voto
de cabresto ao orçamento secreto, a compra e o sequestro de votos se
atualizaram sem nunca desaparecer. Para 2026, retorna a articulação de mutirões
civis para reconstruir a representatividade e resgatar a democracia
capturada...
O foco
ou objetivo da Campanha pelo fim da compra de votos é podermos um dia contar
com um Poder Legislativo que não seja“inimigo do povo” – na expressão que já
viralizou nas redes sociais. Em sentido inverso, que as leis elaboradas e
aprovadas pelo Poder Legislativo — que num Estado Democrático de Direito todos
temos que respeitar — sejam a favor do povo e não dos interesses de minorias
privilegiadas e do poder econômico.
Ora, o
que é hoje mais do que evidente é a enorme mudança que isso exige na composição
e na representatividade de nossos Parlamentos, do nível municipal ao federal,
assim como uma real elevação do nível de consciência ética de seus membros.
Suas atuais maiorias (que são quem aprova as leis) vem se formando graças a
parlamentares que estão a serviço de seus interesses pessoais e dos que
financiam suas campanhas eleitorais. Ou, em outras palavras, quem aprova nossas
leis são de fato vereadores, deputados e senadores mais fiéis à lei de Gerson —
é preciso sempre levar vantagem — do que às demandas populares.
O mais
incrível, no entanto, é que quem os elege é o mesmo povo que eles esquecem! Ou,
falando de forma direta, é o povo que lhes dá o poder de legislar contra os
interesses de quem os elege! Como tal absurdo pode ocorrer? Onde se escondeu
nossa democracia?
Essa é
uma história que já dura quase duzentos anos! Começou a ficar mais evidente
logo depois que nossas leis passaram a ser feitas pelos representantes do povo
brasileiro por ele eleitos, quando o Brasil se tornou um país independente.
Era
então muito reduzido o número de eleitores e de funções preenchidas por
eleição. Mas entre os primeiros candidatos a essas funções, os mais espertos
logo perceberam que seriam mais facilmente eleitos se cercassem eleitores em
currais eleitorais — o voto no cabresto —, ou comprando votos com favores e
benefícios — voto comprado —, ou fraudando atas eleitorais — voto falsificado a
bico de pena.
No
entanto, se já no início do Império, em 1830, essas práticas foram consideradas
criminosas, quando foi criada a Justiça Eleitoral em 1932, muitas décadas
depois, ainda não lhe tinham sido dados instrumentos para punir tais crimes
(obviamente os membros do Poder Legislativo, que o deviam fazer, eram na
realidade seus beneficiários). E como as leis penais já previam a possibilidade
de muitos recursos, o tempo passava com raríssimas punições.
Nesse
quadro, tais práticas, usuais ao longo do Império e na República, foram se
“naturalizando”, e passaram a fazer parte da cultura eleitoral brasileira, como
ainda ocorre na maioria dos países menos desenvolvidos. Isto apesar dos
esforços dos que lançavam campanhas pelo “voto consciente”, porque poucos dos
seus promotores se davam conta de que isso não bastava. Com a eleição do
Legislativo concomitante à do Executivo, nossas eleições se centravam, como até
hoje, na escolha do ou da Chefe do Executivo, ficando secundária a escolha dos
membros do Legislativo.
Mas,
por melhor que seja o Presidente, Governador ou Prefeito eleito, ele só pode
fazer o que a lei o autorize, como manda a Constituição. E se quem a elabora é
o Legislativo, nós de fato o entregamos às chantagens insaciáveis dos
parlamentares espertalhões que compram ou sequestram votos para serem eleitos.
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A estratégia
Ora, um
dos resultados da Campanha da Fraternidade lançada pela CNBB em 1976, com o
tema “Fraternidade e Política”, tinha sido a tomada de consciência, por muita
gente, desse caminho torto usado por muitos dos que querem se tornar
“políticos” – uma das “profissões” mais cobiçadas para enriquecer sem maiores
sustos, defendendo seus próprios interesses e os dos que financiem suas
campanhas.
A
Comissão Brasileira Justiça e Paz teve então a ousadia de propor uma estratégia
para enfrentar esse desvio de conduta: evitar legalmente que candidatos desse
tipo fossem eleitos. E para isso propôs o uso de um instrumento ainda pouco
conhecido, criado dez anos antes na Constituinte: um Projeto de Lei de
Iniciativa Popular que punisse eficazmente quem comprasse ou sequestrasse
votos.
Juristas
especializados em Direito Eleitoral descobriram os meios para a Justiça
Eleitoral punir eficazmente esse crime. E depois de dois anos com centenas de
pessoas recolhendo — com a ajuda ostensiva da CNBB — o milhão de assinaturas
necessárias à apresentação do Projeto, a CBJP seguiu sua tramitação no
Congresso, passo a passo, durante sete semanas, no último ano do século XX.
Surgiu assim a Lei 9840/99, apesar da zombaria dos que achavam que era mais
fácil uma vaca voar do que tal lei ser aprovada. E a Justiça Eleitoral ganhou
um novo instrumento contra o crime do uso do poder político e econômico para
entrar no Legislativo.
Ora,
mal começado o novo século, os cidadãos e cidadãs que persistentemente tinham
colhido o milhão de assinaturas se lançaram numa nova tarefa: agir pela efetiva
aplicação da nova Lei, denunciando à Justiça Eleitoral quem comprasse e
sequestrasse votos. Criaram para isso o Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral, e durante dez anos foram cassados os registros de centenas de
candidatos, flagrados cometendo esses crimes. E como a nova Lei determinava que
se declarasse sua inelegibilidade durante oito anos, nosso Estado Democrático
de Direito viu a possibilidade de se livrar de uma prática eleitoral que
poderia destruí-lo.
Passados
dez anos, a CNBB e a Comissão Justiça e Paz alcançaram uma nova vitória,
fazendo voar outra vaca, ainda mais pesada, por já exigir um milhão e meio de
assinaturas de apoio: a aprovação, depois de longos sete meses de
acompanhamento de sua tramitação, do Projeto de Lei de Iniciativa Popular
conhecido como da Ficha Limpa. E com a articulação dessa Lei com a 9840/99,
mais de mil candidatos já não conseguiram se tornar membros corruptos da classe
política.
Mas
ainda foi muito pouco, face ao número de aproveitadores e oportunistas eleitos
para constituir o “baixo clero” de nossos parlamentos. E hoje, passados vinte e
cinco anos, a compra e sequestro de votos estão de novo quase “naturalizados”.
Pior: suas formas foram aperfeiçoadas.
Em vez
da exploração individual das carências populares, passou-se a comprar e
sequestrar votos por atacado, por cabos eleitorais e lideranças políticas e
religiosas; surgiram fundos eleitorais para partidos e candidatos; os
algoritmos na internet passaram a ser usados para direcionar mensagens que
rendam votos; foram inventadas as emendas impositivas ao orçamento público,
para o uso de ainda mais dinheiro público, chegando-se ao orçamento secreto e
ao atual festival de diversos tipos de emendas. E para culminar, o crime
organizado, com sua violência, começou a eleger legisladores que defendam seus
interesses… A democracia passou a correr grandes riscos.
Foco e
estratégia hoje
Ora, os
remanescentes ainda vivos, apesar de seus cabelos brancos, dos que tiveram em
1997 a ousadia de enfrentar a inércia legislativa interessada do Congresso
Nacional, tiveram ainda a força e a coragem de lançar, no começo deste ano de
2025, mais uma etapa do esforço hercúleo feito até agora pela elevação do nível
ético e da representatividade do Poder Legislativo de nossos parlamentos, em
seus diversos níveis.
Redigiram
um Manifesto, já assinado até agora por mais de 700 pessoas (
https://ocandeeiro.org/manifesto-contra-venda-votos/ ) e lançaram um plano de
três grandes mutirões nacionais pelo fim da compra de votos: em 2026, 2028 e
2030. Prevendo a hipótese de mais mutirões em seguida, porque não será em cinco
anos que se poderá mudar uma cultura política cristalizada em quase duzentos
anos, e agora reforçada pelo aumento vertiginoso da bandidagem em nosso país —
que nosso atual Congresso já tentou proteger — provocada pela lógica
capitalista que conseguiu dominar o mundo.
Foi
mantido o foco da campanha, mas ampliada sua estratégia, dando-lhe mais vigor e
organização, pela pretensão de contar com a participação de muito mais
brasileiros e brasileiras, bem mais jovens do que os “sonhadores” de 1999.
Que no
início do próximo ano comecem a surgir, nas telas de nossos celulares e nos
muros de nossas cidades, cartazes e convocações de eleitores e eleitoras para o
primeiro Grande Mutirão Nacional de denúncia da compra e sequestro de votos em
2026. E que, ao mesmo tempo, que se inicie e se expanda a criação de Comitês
Populares para a árdua tarefa de identificar e denunciar os compradores e
sequestradores de votos, em cada comarca de todo o território nacional. E para
isso ocorrer, espera-se também multiplicar o número de facilitadores/apoiadores
em cada município do Brasil, a quem caberá estimular a formação desses Comitês
e dar-lhes a informação e o apoio necessários
>>>>
PS.
Com a
formação de uma rede desse tipo no Brasil, poderemos enfrentar juntos muitos
outros desafios! E quem se animar imediatamente, que assuma a função de
facilitador/animador em sua região de moradia, ou de animador de um Comitê
Popular de denúncia. Ou nos indique quem se interesse em assim se integrar à
empreitada. Ou contribua com cartazes e posts nas redes sociais, que chamem
cada vez mais gente para os mutirões. Ou… siga seu interesse e disposição…
>>>>
LEIA O MANIFESTO
Manifesto
pela erradicação da prática ilegal de compra e venda de votos
nas
eleições e decisões legislativas
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Não à compra e venda de votos!
Considerando
que as relações do Congresso (Senado e Câmara dos Deputados) com o Executivo
vêm piorando, de forma perigosa para a democracia, a partir do crescente uso
abusivo e irregular por parlamentares da maioria oposicionista do seu direito
de apresentar emendas ao orçamento, desde que o Congresso criou, em 2015, o
privilégio das emendas “impositivas”;
Considerando
que num Estado Democrático de Direito a lei está acima de tudo; que ninguém
pode fazer o que não esteja previsto em lei e que essa maioria está se
recusando a aprovar as leis de que o Executivo precisa para poder cumprir suas
promessas de campanha, desrespeitando o equilíbrio constitucional entre os
poderes da República;
Considerando
o fato de que as atuais maiorias do Congresso se formaram apoiando-se em
grandes bancadas temáticas que se opõem aos anseios de justiça social e
igualdade da maioria do povo brasileiro, que elegeu a atual chefia do
Executivo;
Considerando
que parte dessas bancadas se elegeu graças ao crime de compra de votos, prática
que corrompe o ato fundacional da democracia, a eleição livre e soberana
dos(as) que devam governar o país, pelo voto secreto das cidadãs e dos
cidadãos;
Considerando
que esse comércio de votos é um crime tipificado há duzentos anos, ainda no
Império, no artigo 101 do Código Penal de 1830, com pena de prisão, que
criminalizava inclusive a prática das “ameaças”;
Considerando
que essa tipificação foi confirmada na República – no artigo 166 do Código
Penal de 1890 – que incluiu nas penas a perda dos direitos políticos, e foi
consolidada no primeiro Código Eleitoral brasileiro, de 1932, com a formulação
básica usada desde então: “dar, oferecer, prometer ou receber, para si ou para
outra pessoa, qualquer vantagem, como dinheiro, bens ou favores, em troca de
votos”;
Considerando
que o Código de 1932 – que também criou a Justiça Eleitoral para coibir e punir
esse crimes – não estabeleceu meios e instrumentos legais específicos para
cumprir eficazmente essa missão, a não ser os já previstos na legislação penal,
com a lentidão própria à Justiça, e que assim fizeram todos(as) os(as)
legisladores(as) desde então, cerceados(as) pelos interesses dos(as)
criminosos(as) que usavam essa prática;
Considerando
que, assim, o crime da compra e venda de votos foi se espalhando Brasil afora
por quase duzentos anos, como a forma mais fácil e rarissimamente punida de se
eleger como parlamentar, com efeitos perversos na qualidade ética e política de
nossos parlamentos, nos seus três níveis, tornando-se um elemento constitutivo
da cultura política brasileira;
Considerando
que essa é a prática recorrente de candidatos(as) oportunistas e
mal-intencionados(as), que descobrem que comprar votos é o modo mais fácil de
se eleger, sem o “penoso” trabalho de ter que convencer eleitores das próprias
boas intenções, bastando-lhes contar com muito dinheiro e atender às carências
do(a) eleitor(a), e enganá-lo(a) com promessas irrealizáveis;
Considerando
que, ao assumirem cargos públicos, a pobreza ética e política desses
candidatos(as) lhes permite acumular riqueza pessoal de forma insaciável e
ilícita;
Considerando
que, dentro da mesma lógica comercial que os fez se candidatarem para
enriquecer, tais candidatos(as) passam a vender seus próprios votos nas
decisões do Legislativo;
– por
último, mas decisivamente – que uma Lei de Iniciativa Popular, com um milhão de
assinaturas, a Lei 9840/99, foi aprovada no último ano do século passado, com
seu lema “voto não tem preço, tem consequências”, dando à Justiça Eleitoral
meios eficazes para sua ação punitiva;
Nós,
subscritores(as) deste Manifesto, decidimos fazer o apelo contido no seu
título, propondo aos concidadãos e concidadãs e às suas organizações, entidades
representativas, movimentos sociais, assim como aos partidos que apoiam as
causas populares que, no início dos anos de 2026, 2028 e 2030, em vez de se
interessarem somente pela eleição dos(as) chefes do executivo, prestem maior
atenção às eleições para os(as) integrantes das casas legislativas, para que,
por meio da organização de três grandes mutirões nacionais de fiscalização das
eleições quanto à compra de votos, nos períodos eleitorais de 2026, 2028 e
2030, apoiados na Lei 9840/99:
– não
sejam eleitos(as) criminosos(as) nem cúmplices do crime de corrupção de
eleitores pela comercialização de seus votos para as casas legislativas e que
– em
2032, ao fim de dois séculos do Código Penal de 1830, possamos comemorar a
erradicação dessas práticas eleitorais ilegais, com potencial de matar por
dentro nossa democracia!
Declaro,
ainda, que, ao assinar este Manifesto pela erradicação da prática ilegal de
compra e venda de votos nas eleições e decisões legislativas, disponho-me a
apoiar campanhas com esse objetivo que venham a ser feitas pela sociedade
civil, em associação com partidos contrários ao crime de compra e venda de
votos.
¬¬¬¬
Por Antônio Funari (Comissão Justiça e Paz/SP), Chico Whitaker (Universidade
Mútua), Fred Ghedini (Movimento G-68, RedeD) e Luciano Santos (Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral)
Fonte:
Por Chico Whitaker, em Outras Palavras

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