sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Chile à direita reflete incoerência política de Boric e falta de projeto da esquerda, dizem analistas

Chile entrou na reta final da corrida presidencial. O desfecho acontece no próximo domingo, 14 de dezembro, quando, no segundo turno, se enfrentam a militante comunista e candidata da centro-esquerda, Jeannette Jara, e o republicano José Antonio Kast, um fanático religioso e defensor da ditadura de Augusto Pinochet (1973/90), que chega como favorito.

A candidata governista, que há um mês venceu o primeiro turno com 26,85%, enfrenta um cenário muito difícil, pois os votos obtidos por Kast (23,92%) somados aos de outros dois candidatos de direita deram ao setor quase 51% das preferências. E é provável que poucos eleitores conservadores migrem para Jara.

Ciente disso, a aspirante — de 51 anos, administradora pública e ex-ministra do Trabalho do presidente Gabriel Boric — se lançou em uma campanha dura, destacando Kast como um risco para direitos sociais dos quais foi uma das principais gestoras: a redução da jornada laboral de 48 para 40 horas semanais — uma conquista muito valorizada — e a reforma previdenciária, cujo caráter solidário abalou o modelo de poupança individual, permitindo aumentar a pensão básica de dois milhões de pessoas.

Na semana passada, em um debate por rádio com 4,5 milhões de ouvintes, Jara atacou duramente Kast ao denunciar seu potencial ministro da Fazenda, Jorge Quiroz, lembrando que foi sancionado por ter idealizado o “cartel do frango”, um acordo ilegal entre empresas avícolas e supermercados entre 2008 e 2011 que ocasionou o aumento superficial dos preços. Quiroz também figurou no “cartel das farmácias”, quando foi acordado o preço de 200 medicamentos essenciais entre 2007 e 2008.

“Há em sua equipe pessoas que prejudicam o povo. Você prejudica o povo. O problema é que você os ampara em sua equipe”, disparou Jara, enquanto Kast o defendia: “Ele está aqui presente e me sinto muito orgulhoso; tem todo o meu respaldo.”

Jara tem a oportunidade de seguir sua ofensiva nesta terça-feira (9), quando ambos participam de um debate televisivo.

<><> Ataques a imigrantes e defesa de torturadores

Kast, 59 anos, advogado, pai de nove filhos, é candidato pela terceira vez — antes em 2017 e 2021. Sua campanha, além de culpar o atual presidente por todos os males do país e de associá-lo à sua rival — “Jara é Boric e Boric é Jara”, conforme afirmou neste domingo (7) —, baseia-se em um discurso anti-imigrante, prometendo expulsar 330 mil pessoas em situação irregular. “Não vamos expulsar 300 mil pessoas em um dia, mas quem quiser voltar terá que ir embora”, declarou.

O pinochetista articulou ainda uma narrativa que apela ao medo da delinquência, marcada pela violência de crimes muitas vezes cometidos por sicários venezuelanos e colombianos. Por outro lado, evita responder sobre aborto, matrimônio igualitário, eutanásia, controle de natalidade, educação sexual, e utiliza o termo “ideologia de gênero” para se referir ao feminismo. Para justificar a fuga destes temas, alega que o país “está caindo aos pedaços” e que seu governo será um “governo de emergência”. Enquanto isso, visita condenados por crimes de lesa-humanidade — a maioria militares — e defende enviá-los para cumprir suas penas em casa.

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<><> Análises sobre Kast

Segundo a socióloga Silvia Lamadrid, o fato de Kast evitar uma retórica aberta contra feministas e diversidades sexuais não significa que tenha mudado suas convicções, “que tem praticado consequentemente em sua própria família. Sua visão das relações de gênero é patriarcal, e nela o papel das mulheres é a maternidade e o cuidado dos outros, renunciando ao seu próprio projeto de vida.”

O economista Eugenio Rivera, diretor da Fundação Casa Comum, afirma que “com Kast chegaria ao governo um partido que tem se negado a acordos. Isso se viu no segundo processo constitucional (2023), quando os republicanos quiseram impor uma Constituição que representava um retrocesso das liberdades e dos direitos das pessoas para viverem de acordo com seus valores e aspirações.”

Álvaro Ramis, reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão, escreveu que Kast representa “a defesa da ordem, da autoridade vertical e da homogeneidade cultural”, um conservadorismo que “costuma ocultar privilégios, justificar hierarquias e minimizar a diversidade como um problema, mais do que reconhecê-la como riqueza democrática”.

<><> Autocrítica na esquerda

Se Kast vencer — e mesmo na improbabilidade de que isso não ocorra —, a esquerda chilena terá de encontrar respostas sobre como isso se tornou possível: em que errou para que, após seis governos progressistas desde 1990 e a 52 anos do golpe militar de 1973, o oposto de tudo aquilo que defendia se transformasse em maioria; e por que, seis anos após a explosão social de 2019, aquilo que pareceu anunciar o início da superação do neoliberalismo agora rebenta contra si mesma.

O resultado do primeiro turno levantou muitos debates sobre as possibilidades da esquerda e as causas de ter obtido o que se descreve como o pior desempenho eleitoral em décadas. Os 26,85 pontos obtidos por Jeannette Jara seriam a menor porcentagem de votos de uma coalizão para a presidência que vai desde a Democracia Cristã, de centro, até o Partido Comunista.

Na publicação digital El Porteño, que se autodefine como uma “revista de esquerda”, seu diretor, Gustavo Vargas, escreveu que “o primeiro turno deixou um cenário que expressa cruamente a magnitude do desmoronamento: a extrema direita – que representa em conjunto quase 70% do eleitorado – se inscreve sem matizes como a força institucional dominante, enquanto o oficialismo apenas consegue uma votação que o relega à condição de força subsidiária.”

Vargas acrescenta que, no Parlamento, “o oficialismo sofre um desfalque histórico que liquida toda possibilidade de exercer algum contrapeso e que, em termos políticos, o converte em um espectador irrelevante do processo em curso”.

Na Câmara de Deputados, composta por 155 membros, a extrema-direita e a direita tradicional totalizam 76; a centro-esquerda, 64; e o Partido da Gente (PDG), uma força populista “antissistema” que competiu pela segunda vez, ficou com 14 — o que o converte em uma “dobradiça de ouro” para decidir políticas.

Segundo o cientista político Cristián Fuentes, por sua vez, aponta-se que os resultados desta eleição seriam uma “cobrança” à presidência de Gabriel Boric. “O Poder Executivo fracassou em muitas das coisas que se propôs a fazer, houve uma má administração, não termina bem. Agora, para ser preciso, desde 2010, ou seja, a primeira presidência de Michelle Bachelet, nunca se repetiu um governo de idêntico signo, nenhum mandatário entregou a faixa a alguém do seu próprio campo, e parece que agora ocorrerá o mesmo”, assinala.

Sobre o futuro da esquerda, Fuentes afirma: “É preciso reformular quem são seus representados; isso não está claro, eles os perderam de vista. Antes havia um discurso e um projeto de classe; isso não está claro agora.”

O sociólogo Axel Callís analisa que “no Chile, aconteceu algo similar ao que ocorreu na França: os setores vulneráveis, operários e de maior fragilidade econômica abandonaram a esquerda. Os setores que sustentam Boric são a classe média e média alta, não os pobres. E esse é um grande problema de coerência política.”

Callís assinala que “ante todas as indefinições da esquerda, a direita aparece com definições bastante claras, que fazem muito sentido para uma parte importante da cidadania” e que a falta de projeto “é o grande problema da esquerda e da centro-esquerda”.

As esquerdas, acrescentou, “vão ter que aprender a trabalhar em unidade porque têm um adversário muito mais potente e em sintonia com a cidadania, mais sensível às mudanças que estão ocorrendo no Chile e no mundo.”

¨      Manobra de Trump causou “virada dramática” nas eleições de Honduras? Especialista explica

Entre as colunas formadas por milhares de hondurenhos que caminhavam pelas intermináveis estradas do México, lado a lado com outros milhares de migrantes salvadorenhos e guatemaltecos – literalmente desde o rio Suchiate, em Chiapas, até a garita de El Chaparral, em Tijuana, trajeto percorrido pelas históricas caravanas de 2018 e 2019 –, de tempos em tempos se erguia uma consigna que só para os catrachos tinha sentido. E eles eram maioria na gigantesca coluna do êxodo humano.

— Fora JOH! Fora JOH!

JOH é a sigla do nome do ex-presidente de Honduras Juan Orlando Hernández. Até 3 de dezembro, esteve preso em um presídio de Hazelton, Virgínia, extraditado por acusações de narcotráfico apenas semanas após deixar a presidência, em 2022, e ser declarado culpado. Foi indultado por Donald Trump, apesar de um tribunal de Nova York, a Agência de Repressão às Drogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) e o Departamento de Justiça dos EUA terem comprovado, em 2024, sua responsabilidade no envio de 400 toneladas de cocaína aos Estados Unidos (passando por território mexicano). Hoje está livre.

Sua força política é o direitista Partido Nacional, que agora lança Nasry Asfura — em empate técnico com seu rival Salvador Nasralla, do Partido Liberal — na disputa pela presidência.

Em 2018, os setores populares de Honduras repudiavam JOH porque ele havia tornado seu país inabitável para os pobres, à mercê de grupos criminosos que invadiram todos os cantos e impuseram sua lei, convertendo-o em uma das nações com maior número de assassinatos violentos do mundo.

Cerca de um milhão de hondurenhos havia emigrado até 2020, quase 10% da população. As remessas enviadas por esses migrantes constituem 27% do PIB da nação centro-americana. Mais de 30 mil hondurenhos foram deportados dos Estados Unidos nas recentes batidas do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês).

Essa etapa do passado – violenta, marcada por uma oligarquia voraz e cúmplice de narcotraficantes – retorna ao presente hondurenho.

<><> O que os observadores não viram

Em 30 de novembro, um numeroso corpo de observadores internacionais se espalhou pelo território de Honduras para fiscalizar o processo eleitoral. Sua principal exigência, especialmente da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi garantir um jogo limpo e livre de intervenções externas.

Concluída a jornada eleitoral, validaram a correção das eleições presidenciais e legislativas, nas quais o projeto progressista de Rixi Moncada, do partido governista Libre, saiu como o grande derrotado.

Todos ignoraram a ação intervencionista mais visível e determinante vivida na eleição hondurenha. Horas antes do início das votações naquele domingo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu três golpes na mesa que mudaram por completo o tabuleiro político de Honduras. Primeiro, expressou — com todo o peso de seu poder — seu apoio a Asfura, cuja legenda, o Partido Nacional, há décadas representa os interesses da oligarquia inamovível e nas pesquisas pré-eleitorais ainda não tinha o caminho livre.

“Temos muita confiança nele… vamos apoiá-lo com todo o potencial para garantir seu sucesso”, escreveu o mandatário estadunidense em sua conta no X. Sobre Rixi Moncada, ex-ministra da Defesa do governo de Xiomara Castro, Trump afirmou que “Fidel Castro é seu ídolo” e completou: “Não posso trabalhar com ela e com os comunistas”. Também declarou que suspenderia toda a cooperação com Honduras caso o oficialismo vencesse.

A ameaça implícita não podia passar despercebida aos eleitores. Honduras, um dos países mais pobres do continente, depende fortemente da cooperação internacional, especialmente a estadunidense. Usar o dinheiro como a cenoura da carroça sempre pesa mais do que mil discursos políticos.

No mesmo parágrafo daquela publicação trumpista veio o terceiro golpe: a promessa de indultar o ex-presidente Juan Orlando Hernández, correligionário de Tito Asfura, como é conhecido popularmente o prefeito de Tegucigalpa. JOH havia sido sentenciado em 2024 a mais de 45 anos por uma corte de Nova York pelo envio de cocaína aos Estados Unidos, junto a seu irmão Tony, condenado à prisão perpétua. O trabalho de anos da DEA e do Departamento de Justiça para penetrar nas redes do narcotráfico da América Central foi descartado com apenas algumas mensagens presidenciais.

<><> Washington define

Depois dessas mensagens da Casa Branca, Gustavo Irías, diretor-executivo do Centro de Estudo da Democracia (Cespad), afirmou: “O processo eleitoral hondurenho teve uma virada dramática com a ingerência de Trump”.

Para o jornalista hondurenho Óscar Estrada, autor de Tierra de narcos: cómo las mafias se apropiaron de Honduras, o recado “transcende o candidato, estimula um setor do Partido Nacional, encurrala Nasralla e situa o Libre no terreno onde Trump coloca as ameaças transnacionais”.

O descrédito internacional da figura de Hernández é irrelevante para os objetivos de Trump, cuja intenção é “a recuperação simbólica do Partido Nacional como sócio confiável de Washington”, acrescentou Estrada em artigo publicado em seu blog. “Honduras vota, Washington define o tabuleiro”. Só a partir dessa legitimação “seria possível reconstruir publicamente o passado recente sem que o perdão a JOH fosse lido como uma defesa crua de um ex-presidente condenado por narcotráfico”.

Em algumas publicações jornalísticas da América Central, JOH já era chamado de “o Bukele antes de Bukele”, devido aos seus métodos repressivos — durante seu governo, a líder Lenca Berta Cáceres e cinco ativistas Garifuna da costa atlântica foram assassinados, entre centenas de outros —, sua corrupção descarada e, sobretudo, sua amizade-cumplicidade com Trump, que então cumpria seu primeiro mandato.

Desde o início do século 20, com a ascensão de grandes fortunas acumuladas à sombra das plantações de banana subservientes a Washington — daí o termo “república das bananas” —, um sistema político bipartidário de liberais e nacionalistas se alterna e disputa o poder em Honduras. São sempre os mesmos sobrenomes que dominam o jogo, onde a Casa Branca sempre puxa os cordões: os Rosentals, Buesos, Flores Facusés, Canahuatis, Kafies, Corrales Álvareses, Maduros, Ferraris, Atalas, Farajs e Casanovas, entre outros. E Asfura também. É por isso que o candidato de extrema-direita é o favorito do presidente dos Estados Unidos. O impacto de suas duas postagens nas redes sociais será visto na contagem final.

 

Fonte: La Jornada/Diálogos do Sul Global

 

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