Alfredo
Attié: A República dos Homens Toscos ou os novos trogloditas
Antes
de fazer um discurso digno do velho Conselheiro Acácio – personagem célebre de
Eça de Queiroz, que se comprazia em proferir coisas óbvias com ar de
solenidade-, exaltando a “Cadeira da República,” Hugo Motta havia determinado
que fossem expulsos do recinto da Câmara dos Deputados, nessa ordem, os
jornalistas e o Deputado Glauber Braga. O corpo policial legislativo havia sido
chamado para realizar, custasse o que custasse, em termos de violência verbal e
física, a evacuação do plenário e das galerias. As cenas de grave atentado
contra a democracia, a dignidade parlamentar, a livre expressão e a liberdade
de informação, o direito de resistência e a Constituição, contudo, foram
fotografadas e filmadas pelos parlamentares que não apenas assistiram às cenas
grotescas protagonizadas pelos agentes legislativos, mas procuraram, do modo
possível, evitar que as agressões atingissem patamar ainda mais vergonhoso.
Demétrio
Magnoli, da Rede Globo, diante da agressão a colegas jornalistas disse,
empregando uma feliz figura de linguagem, que em Hugo Motta havia descompasso
entre as palavras ações. Em bom português, chamou o Presidente da Câmara dos
Deputados de mentiroso.
Dizer
que houve mentira, porém, é pouco.
Outros
jornalistas, comentando o ocorrido nos canais da mídia corporativa, criticaram
o comportamento de Glauber Braga, mas observaram que a reação de Motta foi
desproporcional. Na filmagem amadora de um dos parlamentares é, de fato,
possível ouvir de alguém a afirmação de que a expulsão se dava sem que fosse
precedida sequer de diálogo, isto é, uma negociação simples, para entender a
reivindicação de Braga e convencê-lo de que o processo que estava pautado, de
decisão sobre sua cassação, seria, ao menos, justo, com a garantia de seus
direitos. E, sobretudo, afastar a aproximação de seu caso ao de Carla Zambelli,
cuja cassação deveria ter ocorrido, em decisão automática da Mesa da Câmara.
Hugo
Motta não quis ouvir o parlamentar, nem lhe deu as mais de quarenta e oito
horas que concedera a outros congressistas – até hoje impunes – que invadiram a
Câmara, tomaram sua Mesa e impediram que os trabalhos do ano legislativo de
2025 se iniciassem. Nem mesmo o longo
tempo de tolerância dado ao deputado preso, acusado de ser mandante do
assassinato da Vereadora Marielle Franco, antes do início do processo de sua
cassação, fato que se repete em relação a outros dois deputados já condenados
definitivamente pelo cometimento de crimes, que se encontram, uma, presa na
Itália, aguardando cumprimento de pedido de extradição, outro, foragido nos
Estados Unidos. Também, outro deputado, que se encontra em périplo
internacional, de modo irregular, buscando comprometer a imagem do Brasil,
faltando a sessões da Câmara, sem justificativa, conta com a complacência do
atual Presidente da Câmara, sem que se paute o debate sobre sua cassação. Não,
nada disso se mostrava urgente a seus olhos, nem passível de uma decisão liminar
e de determinação de uso de força e violência incompatíveis com a natureza do
Poder legislativo.
Um grau
acima de leniência com a ilicitude, Hugo Motta convocava seus pares a votarem o
“PL da Dosimetria,” eufemismo da anistia parcial aos golpistas condenados pelo
Supremo Tribunal Federal.
Para
cidadãos e cidadãs que a tudo isso puderam assistir, pela televisão e pelas
redes sociais, restou uma sensação de mal-estar, se não de desilusão, diante de
tanta desfaçatez parlamentar.
Para o
jurista, contudo, não basta a mera indignação – marca da verdadeira cidadania,
que se revolta diante do descumprimento do liame de confiança e legitimidade
que deveria existir sempre entre povo e representantes eleitos. É preciso
qualificar os atos a que todos, perplexos, presenciamos, mesmo que de modo
vicário e distante, nas telas de computador e de TV.
Desse
ponto de vista, que examina os acontecimentos pela lente jurídica da
Constituição, o Presidente da Câmara extrapolou o limite da licitude.
Três
atos gravemente ilícitos foram cometidos:
a) a
expulsão, violência e linguagem grosseira contra jornalistas:
b) a
agressão a deputados;
c) a
permanência da sessão, malgrado a informação de que deputados estariam
impedidos de comparecer, em decorrência das agressões.
Para a
Constituição Cidadã, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não podem sofrer qualquer
restrição, sendo proibida toda e qualquer censura de natureza política ou
ideológica (artigo 220 e seu § 2º). Ainda, que se deve respeito irrestrito ao
livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5º XIII).
Já o
Regimento Interno da Câmara dos Deputados refere nos limites das atribuições do
Presidente da Câmara, especificando que lhe cabe tão somente “convidar o
Deputado a retirar-se do recinto do Plenário, quando perturbar a ordem” (alínea
i do inciso I do artigo 17), jamais expulsá-lo, ainda mais com uso de
violência. Cabe, ainda, ao mesmo Presidente, como dever regimental, “zelar pelo
prestígio e decoro da Câmara, bem como pela dignidade e respeito às
prerrogativas constitucionais de seus membros, em todo o território nacional”
(alínea g do mesmo inciso).
Esses
dois dispositivos foram infringidos por Hugo Motta, na gestão escandalosa da
sessão de 9 de dezembro de 2025, dia fatídico para a democracia brasileira e
para a dignidade parlamentar.
Essa
dignidade significa decoro e respeito. Agir contra ela leva ao cometimento de
delito grave, pela chamada falta de decoro parlamentar, regulada no mesmo
Regimento e no Código de Ética da Câmara.
São
esses diplomas legais, na regulamentação do que prevê a Constituição, que
estabelecem ser “incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos
definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro
do Congresso Nacional” (§ 1º), uma vez que são deveres fundamentais de todo
deputado e deputada “promover a defesa do interesse público” (art. 3º, inciso
I), respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e
do Congresso Nacional (inciso II), zelar
pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e
representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo (inciso III), e exercer o mandato com dignidade e respeito à
coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade (inciso
IV), tratar com respeito e independência os colegas, as autoridades, os
servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da
atividade parlamentar, não prescindindo de igual tratamento (inciso VII),
e prestar contas do mandato à sociedade,
disponibilizando as informações necessárias ao seu acompanhamento e
fiscalização (inciso VIII).
São
normas claras, que o Presidente deve respeitar acima de todos os demais membros
da Casa legislativa.
A
infringência, clara e de ordem pública e notória, uma vez que redes nacionais
de mídia transmitiram fotos e vídeos (tomados por parlamentares, uma vez que a
imprensa foi proibida de estar presente, após sua expulsão ilegal e
arbitrária), levando Hugo Motta a se sujeitar às penalidades e ao processo
disciplinar previstos no Código de Ética e Decoro Parlamentar. Esse Código
afirma que constituem “procedimentos incompatíveis com o
decoro
parlamentar, puníveis com a perda do mandato (artigo 4º, inciso I) abusar das
prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional
(Constituição Federal, art. 55, § 1o), e praticar ofensas físicas ou morais nas
dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar
(artigo 5º, inciso III).
Muito
bem, neste breve texto é meu dever apontar que as medidas para que esse
Presidente seja processado e punido pelos atos que cometeu devem ser tomadas
pela Comissão da Ética da Câmara, que não pode deixar de iniciar, de imediato e
de ofício, o procedimento disciplinar, sob pena de cometimento de crime de
prevaricação.
Se
houver omissão, caberá ao Ministério Público tomara as providências para a
apuração das responsabilidades perante a Constituição brasileira.
Isso
sem prejuízo de eventual nulidade do prosseguimento da sessão que acolheu –
para o espanto nacional – a inconstitucional proposta de dar anistia parcial
aos criminosos de janeiro de 2023.
Trogloditas,
diz a etimologia do termo, seriam seres que vivem em buracos e não a céu
aberto. Não se pode admitir que o Estado Democrático de Direito seja diminuído
ao ponto de ser substituído por uma falsa república, dominada por homens
toscos.
• Frouxo por natureza, ditador por
ocasião. Por Ricardo Nêggo Tom
"Está achando ruim essa composição do
Congresso? Então espera a próxima: será pior. E pior, e pior...". Quando
Ulysses Guimarães através desta frase vaticinou que o nível do Congresso
Nacional ficaria muito pior a cada legislatura, não imaginávamos que a piora
seria tão intensa e degradante. Tão degradante ao ponto de vermos um presidente
da Câmara dos Deputados ordenar que a Polícia Legislativa, responsável pela
segurança da casa, retire um parlamentar do plenário sob agressões e deliberada
truculência. Pior do que isso, foi a ordem dada por esse mesmo presidente para
que a transmissão da TV Câmara fosse cortada, e a imprensa proibida de
registrar a cena mais constrangedora já vista numa casa legislativa.
Não
apenas o deputado Glauber Braga foi agredido, mas também as deputadas Sâmia
Bomfim e Célia Xakriabá, duas mulheres parlamentares que sofreram com a
violência de homens da Polícia da Câmara, dias depois de um levante de mulheres
em todo o Brasil contra a violência de gênero. Outros deputados de esquerda
também apanharam da Polícia de Hugo Motta, e sentiram na pele o peso da
parcialidade daquele que atualmente preside a casa. O mesmo Hugo Motta que ao
ver o plenário da mesma Câmara ser ocupado por bolsonaristas, e a sua cadeira
usurpada por um deputado da referida organização político-criminosa, limitou-se
a agir com a frouxidão que ao seu caráter lhe é inerente.
E
quando um frouxo por essência e por excelência decide agir como um ditador, ele
coloca os pés pelas mãos sobre os outros. E assim foi feito pelo aspone de
Arthur Lira que senta na cadeira da presidência da Câmara. A pretexto de manter
a ordem, Hugo Motta instaurou um regime de exceção parlamentar contra deputados
de esquerda. A maciez e a doçura exibidas com a gangue bolsonarista que lhe
enfiou o dedo na cara e em outras partes tão obscuras quanto o seu projeto
político, deu lugar a uma macheza irreconhecível e inexplicável. A nota lida
por Motta evidencia o descaramento de sua postura diante dos fatos lamentáveis
que o Brasil inteiro acompanhou com perplexidade. Falar que sua atitude tinha o
objetivo de combater o “extremismo” de Glauber Braga, que apenas estava
exercendo o seu mandato no seu local de trabalho.
Hugo
Motta não quis combater o extremismo dos bolsonaristas que obstruíram os
trabalhos da casa por 48 horas, sem que a Polícia Legislativa interviesse com
truculência para retirá-los do plenário. Para tornar o momento ainda mais
constrangedor, na mesma sessão em que Hugo Motta leu a sua nota autoritária em
defesa da ordem na Câmara, ao seu lado estava sentado Zé Trovão, o deputado
bolsonarista que colocou a perna a sua frente para impedi-lo de chegar a sua
cadeira de presidente durante a ocupação do plenário pela extrema-direita. A
censura ao trabalho da imprensa para que ela não registrasse o absurdo de suas
ordens contra um parlamentar no exercício do seu mandato, além de lembrar os
“bons tempos” da ditadura militar, deixou evidente que a intenção de Motta era
de exorbitar sua competência como presidente da Câmara, ordenando o
espancamento, se necessário, de parlamentares contrários à sua agenda de
salvação para os golpistas criminosos do 08 de janeiro.
Se Hugo
Motta tem o seu DOPS, nós temos a força popular. E tal força, manifestada nas
ruas, é a única “força policial” capaz de retirá-lo da cadeira da presidência
da Câmara. E, se necessário, com a mesma força imposta contra o deputado
Glauber Braga, e as deputadas Sâmia Bomfim e Célia Xakriabá. Hugo Motta não
reúne mais condições de permanecer na Câmara dos Deputados, nem como presidente
da casa, nem como parlamentar, nem como porteiro do prédio. Em qualquer país
sério do mundo, um deputado que ordene uma agressão contra seus pares deve
responder judicialmente por isso. Deputados agredidos já anunciaram que
entrarão com uma queixa crime contra ele, e esperamos que ele responda pela
vergonha a qual submeteu o parlamento, e pelo crime de agressão cometido contra
colegas parlamentares.
E o
povo deve sair às ruas contra Hugo Motta tendo como bandeira uma frase dita por
ele na vergonhosa nota que ele leu na Câmara: “O extremismo testa a democracia
todos os dias, e todos os dias a democracia precisa ser defendida” Motta e os
bolsonaristas, pautando a anistia para extremistas que tentaram dar um golpe na
democracia, precisam ser combatidos, interrompidos e defenestrados do
parlamento brasileiro. A democracia precisa ser defendida todos os dias dessa
corja golpista que testa a paciência do povo brasileiro.
• Policial desmente Hugo Motta sobre
expulsão de jornalistas na Câmara
A
confusão ocorrida no Salão Verde da Câmara dos Deputados na terça-feira (9),
que terminou em empurrões e agressões contra profissionais de imprensa, ganhou
novo capítulo com o depoimento do policial legislativo Marcelo Guedes de
Resende. No episódio, registrado em vídeos que circularam nas redes sociais e
exibidos por diversos telejornais, repórteres e cinegrafistas foram retirados à
força enquanto acompanhavam a ocupação da cadeira da presidência pelo deputado
Glauber Braga (PSOL-RJ).
De
acordo com a Band, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tentou
se desvincular da ação ao afirmar, por meio de sua assessoria, que não havia
determinado a retirada dos jornalistas do local.
A
versão oficial, no entanto, foi frontalmente contestada por Marcelo Guedes de
Resende, diretor da Coordenação de Segurança Orgânica da Casa e responsável
pela atuação da equipe de segurança no plenário no momento do tumulto. Em seu
relato, ele confirmou que a ordem para remover os profissionais de imprensa
partiu da própria presidência da Câmara, contrariando o que havia sido dito
anteriormente pela assessoria de Motta.
As
imagens amplamente divulgadas mostram Resende empurrando repórteres e
cinegrafistas na área reservada à cobertura jornalística. O registro visual
reforçou as críticas à condução da operação e ampliou a cobrança por
esclarecimentos sobre o episódio, que colocou em xeque a relação da presidência
da Casa com a liberdade de imprensa dentro do Parlamento.
Fonte:
Brasil 247

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