domingo, 4 de junho de 2017

“Onde estaria a eficiência da Receita?” Por Francklin Roozewelt de Sá

Primeiro tivemos a “roubalheira do Banestado” junto com a corrupção de Furnas. Em seguida veio o “mensalinho mineiro”. Depois assistimos o “escândalo do mensalão do PT”. Nem bem esfriou, nos defrontamos com a “Operação Lava Jato”, por fim a população brasileira é presenteada com as “delações bomba da Odebrecht e da JBS”, apenas para citar alguns escândalos financeiros, tudo envolvendo grandes grupos empresariais e políticos bastantes conhecidos, circulando bilhões de reais em contas dos mesmos e em paraísos fiscais, sem que os nossos órgãos que dizem serem responsáveis pela fiscalização do dinheiro, terem conhecimento da sua existência. Se é que não sabiam e se omitiram.  
Diante do volume de recursos envolvidos, o brasileiro começa a se perguntar onde está  a decantada “eficiência” do Banco Central e da Receita Federal, no que tange à fiscalização da circulação de dinheiro em nosso País? Ou esta fiscalização só existe para a classe média e menos abastada da sociedade?
A dúvida maior recai sobre a Receita Federal, órgão considerado tão eficiente na fiscalização das contas da população - especialmente quando esta fiscalização é sobre a classe média -, onde ninguém entende como não descobriu essa dinheirama que as empresas delatoras como a Odebrecht e  JBS disse ter doado aos políticos?
E olha que foram milhões e milhões de reais que passaram nas contas, não se está se falando de migalhas. Agora vá você assalariado esquecer de declarar de ter adquirido um bem, por mais ínfimos que seja. Aí você cai na malha fina e tem que passar pelo dissabor de ter que se penitenciar junto ao auditor de plantão, como se fosse um criminoso. E é assim  que você é tratado pela eficiente máquina de moer a classe média brasileira.
Nos depoimentos que os brasileiros assistem diariamente pela TV e na grande imprensa nacional, os delatores falam em milhões de reais, em dezenas de notas frias para esquentar o dinheiro, depósitos no exterior, aquisições de bens, malas e malas de dinheiro vivo e a Receita Federal - aquela mesma que nos trata como bandidos quando sonegamos alguns centavos -, através de seu corpo de auditores e técnicos preparados, com seus avançados computadores, com um corpo de profissionais qualificados, não conseguiram detectar nada, em nenhuma das fases das operações? No mínimo estranho o comportamento e a atuação da nossa Receita Federal, não acham?
Se analisarmos o sufoco que a plebe passa no período em que é obrigado a fazer sua declaração de renda anual, o que o brasileiro assiste em relação as delações dos envolvidos nas falcatruas com o ambiente político, é no mínimo assombroso. Até porque, só para relembrar, quando vamos declarar o Imposto de Renda é um deus nos acuda, diante das ameaças que a Receita Federal faz. É um verdadeiro sufoco que ela transforma a vida da população da classe média. É um corre, corre junto a contadores, é um pegar e guardar notas de aluguéis, dentista, médico, comprovantes disto e daquilo, etc., etc., etc. Ao menor deslize a Receita Federal de forma eficaz notifica, multa, o coloca na malha filha e assim por diante.
Até aí tudo bem e até se entende, já que tem equipe qualificada para tal. Agora, o que não dá para entender é que diante da quantidade de dinheiro que circulou e circula através das diversas práticas de corrupção e desvio de dinheiro público em que se envolveram a classe empresarial, políticos e até alguns juristas esta mesma Receita Federal não tenha detectado nada. Sem querer levantar suspeita, mais debaixo deste angu, tem alguma carne podre. Com certeza alguma coisa está errada.
É muito fácil se omitir. Mais fácil ainda se calar ou jogar a culpa nos outros, mais não dá para compreender que órgãos como o Banco Central e a Receita Federal, que existem basicamente para fiscalizarem a circulação de dinheiro e as receitas, seja da pessoa física ou pessoa jurídica, não tenham detectados algo de suspeito, feita ao longo de vários anos e de forma continuada.  Se são considerados órgão de cuja eficiência nas suas atuações como uns dos melhores do mundo, aí é que fica ainda mais difícil da sociedade brasileira entender tamanha falha como órgãos fiscalizadores.
Quem costuma viajar de avião, por exemplo, observa a eficiência da fiscalização nos aeroportos, na hora do embarque. É raio - x pra lá e prá cá com o objetivo de detectar a mínima irregularidade que o passageiro transporte. Isto quando o embarque é feito pelas vias normais, pois se sabe que nas salas vips, todo aquele controle deixa de existir, pois por ali só trafegam autoridades, altos empresários, políticos, ministros do judiciário e convidados ilustres. São brasileiros acima da média, que deveriam também ser homens acima de qualquer suspeitas. E é por ali que as coisas acontecem, infelizmente.
É por ali que são transportadas as malas de dinheiro, que todo brasileiro desconfia, menos a Receita Federal. É por ali que os milhões de reais trafegam. É por ali que os milhões de dólares circulam.
Vejam bem. Não vamos muito longe. Lembremos apenas do último depoimento. O do delator da JBS. Segundo o delator, não sou eu que estou afirmando, mais os brasileiros assistiram na TV, o mesmo saiu distribuindo dinheiro a rodo, sem a menor cerimônia ou sem medo de qualquer fiscalização. Disse o delator da JBS em letras garrafais e amplamente divulgada que deu 20 milhões de reais a um; 150 milhões de dólares a outros; 60 milhões a um outro; 30 milhões para mais um; foi mala de dinheiro pra lá e pra cá; foi dinheiro em carro e em aeroporto; teve deputado que pediu 150 milhões pra comprar 30 deputados, cada qual, a 5 milhões, como se fosse uma mercadoria. Enfim, foi um verdadeiro festival de dinheiro, e a Receita Federal, cega como sempre quando as coisas envolvem a elite brasileira, nada viu, ou fez que nada viu e que não era com ela.
O interessante a observar é que este não oi um fato isolado, muito pelo contrário, esta é uma relação promiscua que vem rolando há anos, desde a década de 70, que passa pela OAS (empresa conhecida na época de ACM, como Obras Autorizadas pelo Sogro, em razão da empresa ter como sócio majoritário um genro de ACM); vai até a Odebrecht, com seu crescimento meteórico naquela década e continua com as demais empreiteiras conhecidas e envolvidas na Lava Jato, as quais em sua maioria surgiram e cresceram de forma extraordinária, exatamente no período da ditadura militar. E como disse o delator da Odebrecht, este já era um fato corriqueiro nas licitações, já naquela época.
Mesmo sendo uma relação promíscua iniciada lá atrás, há muitos anos e de forma rotineira e continuada, estranhamente os computadores da Receita Federal e seus técnicos, volto a afirmar, qualificados, nada descobriram ou detectaram ao longo de tanto tempo. Sem querer entrar no mérito, mais não seria estranho, um homem público, ficar milionário da noite para o dia, exercendo unicamente a atividade de parlamentar, prefeito, governador, vereador ou secretario de governo, seja no âmbito estadual ou municipal, quando eles mesmo dizem que o salário não compensa o sacrifício, e todos sabem que os vencimentos recebidos, quando somados, não daria para adquirir, talvez a casa que reside?
Não é estranho que um candidato a prefeito, por exemplo, gaste R$ 1 milhão para sua campanha, quando o salário do prefeito seria de R$ 15 mil mensal. Ora, o cálculo é simples 15 mil x 48 meses = R$ 720.000,00. Este seria o seu faturamento, não? Portanto ainda ficaria devendo R$ 280.000,00. Mais em lugar de sair com saldo devedor, pelo contrário, de homem de classe média, deixa o governo milionário. Não deveria ser alvo de uma fiscalização? Como é que um governador que ganha R$ 25 mil reais consegue comprar um apartamento de R$ 4 milhões de reais? Não tem conta de chegar que pague este investimento. Só a Receita não detecta. E por aí vai.

O mais estranho ainda, é que mesmo diante de todos estes escândalos, em nenhum momento a Receita Federal se sentiu na obrigação de vir a público para esclarecer o porque de tamanha falha em sua fiscalização. Afinal os seus funcionários são servidores públicos, portanto pagos pela população brasileira a quem deveriam dá satisfação dos seus atos. Mais não estão nem aí. Estão apenas preocupados em arrochar a classe média. Mas elites, ah as elites, estas eles tratam como meus senhores. É a relação de senhorio e vassalos. 

“Aécio, Andrea e os bastidores da mídia”. Por Helena Sthephanowitz

Os áudios dos grampos autorizados pela quebra de sigilo telefônico do senador Aécio Neves (PSDB) e de sua irmã Andrea pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas investigações sobre as delações de Joesley Batista, dono da JBS (Friboi), e que foram divulgados nesta quarta-feira (31), revelam mais que o "mal-estar" entre os tucanos, como enfatiza a relação entre Aécio Neves e imprensa. Uma relação já conhecida, porém, até então, sem provas.
Em meio à troca de "fogo amigo" ou no calor de uma operação "salve-se quem puder", com direito a ameaças veladas – "nós estamos do mesmo lado nessa história"; "porque te envolve"; "sabe o que vai acontecer? joga você no meio" – as conversas, carregadas de palavrões por parte de Aécio, trazem à tona também o modus operandi de uma turma que é profissional em pressionar e calar qualquer crítica ou dissonância na imprensa em relação aos seus interesses.
Nos áudios, o presidente nacional do PSDB, o senador afastado, dá ordens expressas ao governador do Paraná, o também tucano Beto Richa, para acionar sua assessoria de imprensa ("pessoal mais qualificado"), a fim de intervir para tirar rapidamente do ar a matéria "Aliado do Paraná já considera Aécio na cadeia", postada (e retirada) pelo UOL do Paraná.
Na matéria, que causou celeuma no ninho tucano poucos minutos depois de ir ao ar no UOL Paraná, repercutia um comentário de Valdir Rossoni, secretário-chefe da Casa Civil do governo Beto Richa dizendo que visitaria Aécio Neves na cadeia, quando ele fosse preso por causa das contas mantidas na Suíça com as propinas recebidas do esquema de corrupção. O link para a matéria está inacessível, mas seu depoimento é reforçado por um vídeo, também contundente, contra Aécio.
Nesse meio tempo, a própria assessoria de Aécio Neves já teria partido para a ofensiva sobre os correspondentes do portal UOL em Brasília, com receio da viralização do vídeo e do impacto nacional das declarações de Rossoni, que Aécio orienta tachar de "má interpretação dos fatos".
Em outro momento, Aécio conversa com outra pessoa subordinada a ele, provavelmente um assessor, chamado "Flávio", e ordena a retirada do ar também do vídeo de Rossoni e manda que o subordinado volte a ligar no celular de Richa para conseguir isso. Ele orienta o que dizer ao governador: "O senador tá muito chateado (...) Tudo bem que o UOL tirou, mas o cara (Rossoni) tem de tirar a postagem, porque eles estão agora explorando a postagem do cara", diz Aécio.
Como os grampos estão apenas ligados às investigações sobre as delações dos empresários da JBS, disponíveis na quebra de sigilo do STF, as conversas divulgadas só revelam as comunicações entre Aécio e sua irmã. Os diálogos entre os tucanos Richa e Rossoni ou das assessorias intimidando os veículos de comunicação não estão no foco dessa investigação.
A suposta "teimosia" do chefe da Casa Civil de Beto Richa, ambos (governador e secretário) com interesses eleitorais bem definidos, soa como uma tentativa de blindagem de mais um escândalo envolvendo Richa e Rossoni, bem como de se distanciar das denúncias e do avanço de investigações que cada vez mais batem às portas palacianas no Paraná.
Existem mais arquivos de gravações disponibilizados pelas quebras de sigilo do STF, bem como ocorre seletividade por parte dos veículos da imprensa grande na escolha dos trechos, enfoques e versões. Uma escolha a dedo sobre o quê e quem beneficiar ou colocar em maus lençóis.

Curioso que, todas as vezes em que o senador afastado sugeriu ao governador do Paraná estarem todos no mesmo barco ou do mesmo lado dessa história, recebeu a concordância de Richa: "Eu sei (...) É, estamos todos!".

O jornalismo corrompido por Aécio Neves. Por João Paulo Cunha

A ocupação do prédio onde funcionou o jornal Hoje em Dia, em Belo Horizonte (MG), revela a superfície de um crime contra os trabalhadores. Cerca de 150 funcionários demitidos da empresa não receberam seus salários e acertos, enquanto o edifício era negociado, com superfaturamento, para drenar dinheiro para Aécio Neves. O “predinho”, como ficou conhecido jocosamente nos depoimentos de executivos da JBS à Polícia Federal, é um símbolo do jornalismo praticado sob os auspícios dos Neves: vale menos que seu preço e é menor do que parece.
O antigo dono da empresa, Flávio Carneiro, serviu de laranja na operação, o que é pouco perto dos outros serviços prestados ao senador afastado durante a campanha presidencial. Inclusive com a publicação de pesquisas que contrariavam todos os institutos sérios e o bom senso, abrindo uma fatura promissora que seria cobrada com a vitória que não se confirmou. Além de laranja, ele deveria ficar roxo de vergonha. O jornal perdeu a credibilidade, foi vendido na bacia das almas para o ex-prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, político com problemas recorrentes com a Justiça. Nessa lambança, os trabalhadores pagaram a conta.
Se há um crime contra os jornalistas, gráficos e funcionários administrativos da empresa, há outro ilícito ainda maior que afeta a própria concepção de democracia. Quando um jornal deixa de ser um espaço de informação para ser um instrumento de poder, de manipulação das informações e silenciamento, algo de muito importante se perde no caminho. A imprensa é uma garantia da
democracia, desde que siga seus preceitos fundamentais: publicar sempre a verdade, ouvir todas as vozes, ampliar o debate público. São imperativos técnicos, éticos e políticos.
O jornalismo brasileiro anda capenga nos três. E, o que é mais grave, tem mostrado dificuldade em avançar para um novo contexto informativo. O atual ambiente da comunicação hegemônica é tóxico, marcado por interesses privados e defesa de pautas partidárias, no sentido amplo do termo. A imprensa brasileira, ancorada na defesa de valores empresariais liberais, da desnacionalização e da voracidade financista, deixou de lado o fundamento de independência para promover a primazia do mercado. Em vez de se considerar a questão do direito à informação, defende-se o privilégio concedido às empresas de comunicação.
Dois exemplos: Reinaldo e Andrea
Dois fatos recentes evidenciam alguns elementos dessa crise. O primeiro foi o vazamento de uma conversa entre Reinaldo Azevedo, articulista da Folha de S. Paulo e blogueiro até então hospedado na revista Veja, com Andrea Neves, irmã e mentora do investigado Aécio Neves. Muitos jornalistas, inclusive ligados à esquerda, saíram a campo para defender o princípio da inviolabilidade da fonte e manifestar sua solidariedade ao jornalista. Todos seguiram o mesmo roteiro, criticando o resultado do trabalho do profissional, mas defendendo seu direito a usar prerrogativas do ofício.
Acredito que Reinado Azevedo não merece a consideração de colegas pelo simples fato de que ele não é jornalista. O que ele faz é panfleto, incitação ao ódio, estímulo ao preconceito e distorção dos fatos. Em outras palavras, o contrário da função de um jornalista. Que defendam o sigilo da fonte, mas que não se aliste na hipoteca de solidariedade o trabalho sério de profissionais de verdade. Ele não é um dos nossos, deveriam dizer os jornalistas. No entanto, o caso parece ter servido como marketing pessoal, já que a Rede TV! Apressou-se a contratá-lo de olho nos analfabetos políticos que ele ajudou a cevar na Veja, em sua detestável trajetória.
A pauta é boa?
O segundo caso também envolve Andrea Neves. Quando a irmã de Aécio chegava à Polícia Federal em Belo Horizonte, no dia 18 de maio, presa por determinação da Justiça, ouviu de uma jornalista que cobria o fato uma pergunta: “A pauta é boa, Andrea?”. Alguns analistas da imprensa interpretaram a questão como provocação e exercício covarde de poder contra uma pessoa em desvantagem. Discordo. A pergunta é boa e relevante. Não pela carga de crítica que trazia, mas pelo que apontava acerca do contexto que levou à prisão.
O que a jornalista evidenciava com seu questionamento era um comportamento que se repetiu durante mais de uma década em Minas Gerais, quando o jornalismo era manietado e censurado pelo Palácio da Liberdade, sob o comando da primeira-irmã. O mantra de Andrea era perguntar pela qualidade da pauta, como se seu julgamento fosse jornalístico e não ideológico.
No comando da imagem do governo do irmão e em seguida de Anastasia, ela ameaçava jornalistas, censurava notícias, impunha conteúdos e definia a distribuição de verbas publicitárias no estado. Além disso, criou uma estrutura de monitoramento que ia das manifestações pessoais em redes sociais a notícias publicadas em todo o país, nos mais diversos veículos. Não escapava de seu radar nem mesmo as ferramentas de busca. Ela queria dominar até os algoritmos.
Por isso a pergunta da jornalista é pertinente. A pauta da prisão de Andrea Neves é uma oportunidade de debater a liberdade de imprensa, o uso do dinheiro público para publicidade oficial em troca de apoio ou silêncio, a relação sempre sombria entre corrupção e meios de comunicação e agências de publicidade. A pergunta foi feita em palavras firmes, como deve ser, mas nem por isso arrogantes ou indignas, como as flagradas nas conversas pouco republicanas dos Neves agora reveladas diariamente.

A ocupação do Hoje em Dia marca um novo patamar de afirmação dos jornalistas como categoria profissional no campo das relações de trabalho em Minas Gerais. Agora é ocupar o terreno ainda mais conspurcado da liberdade de informação. A democracia só tem a ganhar com essa pauta.

A eleição indireta será a nova crise. Por Renildo Souza

O tensionamento nacional extremo, a polarização política e o esgarçamento do tecido institucional, além do desemprego avassalador, atingiram o paroxismo, e voltaram-se como bumerangue contra seus antigos beneficiários, a exemplo do ilegítimo presidente Michel Temer e do revanchista senador Aécio Neves. O fato político evidente é que Temer já era, acabou. Mas as forças conservadoras agora preparam a permanência e renovação da crise política com a eleição indireta para o restante do mandato presidencial. Eis a nova peça central do desmonte do país, em prejuízo direto ao povo.
A queda de Temer, em si mesma, é um fato alvissareiro para a democracia. Remove-se a maior expressão do golpe do impeachment contra a presidente Dilma. O afastamento de Temer significa uma grande derrota para as correntes direitistas na sociedade brasileira. Esse revés não deve ser subestimado. Temer era o condutor das reformas trabalhista e previdenciária, que assim ficam chamuscadas. O colapso do governo Temer é um alívio temporário importante para as forças progressistas, até há pouco acossadas, acuadas, massacradas, pelo ataque concentrado e permanente do consórcio político, judiciário e midiático.
Dois fatores abalaram a unidade e o controle da iniciativa política pelo conjunto das forças conservadoras:
- o repúdio estrondoso da grande maioria da população à reforma da Previdência, desde março passado,
- e o episódio no dia 17 de abril das negociatas de Temer com Joesley Batista, em registro gravado.
A cena política mudou. Agora, é a vez dos holofotes mirando a atração principal, o espetáculo patético do governo Temer em estrebucho, nas ânsias da morte. Os dias que retardam a queda do usurpador dilaceram ainda mais o campo das forças da direita. Rachou a aliança conservadora, inclusive com a divergência dentro do monolítico partido da mídia, entre a Globo, de um lado, e a Folha, Estadão, de outro lado. Posto em marcha, o atual curso político ganha vida própria, dinamismo, surgem o tempo todo novo fatos, desdobramentos, encadeamentos, a exemplo de prisões de mais assessores de Temer, do pedido de prisão de Aécio e assim por diante. Por enquanto, é o movimento político, que se autoalimenta, irrefreável, de dificuldades para os direitistas. É nesta nova dinâmica essencialmente política que podem ser mobilizados aquelas grandes massas trabalhadoras que até o momento têm mantido uma atitude geral passiva, sem participação direta, sem intervenção nos acontecimentos principais da vida pública nacional. Os fatos políticos vão despertando o interesse, a atenção, o envolvimento dessas camadas mais profundas da nossa sociedade, afastando confusões, desinformação e narrativas conservadoras.
De onde veio essa crise de Temer? Foi uma ação autônoma da Procuradoria Geral da República, de Janot, no embalo da onda messiânica e moralista de procuradores? Foi por causa do “pânico que bateu” em Joesley Batista, dono da JBS? Três motivos e circunstâncias, uns mais aparentes do que outros, produziram a crise Temer, sem falar na recessão econômica.
Primeiro, há uma persistente crise de natureza política desde as jornadas de junho de 2013. A crise política continuou na polarização das eleições de 2014. Radicalizou-se quando jogaram gasolina no incêndio com a campanha pelo impeachment de Dilma entre 2015 e 2016, culminando na usurpação da presidência por Temer e seus aliados direitistas. As reformas ultraliberais (Lei do Teto do Gastos contra as políticas sociais e em favor dos ricos parasitários da dívida pública; Trabalhista; Terceirização; Previdenciária) tomaram a forma de insulto imperdoável ao povo, provocaram a indignação popular, quando foram tocados nos parcos direitos da aposentadoria dos trabalhadores, em um país com extremos clamorosos de desigualdades sociais.
Segundo, a realidade de um governo sem qualquer respaldo popular, com um presidente cercado de ministros investigados por corrupção, com uma política provocadoramente antinacional, antissocial e antidemocrática.
Terceiro, a necessidade urgente das forças conservadoras de descartar Temer para reciclar a dominação política direitista no país e salvar o projeto de reformas ultraliberais contra os trabalhadores, de entrega do patrimônio nacional, a exemplo de partes da Petrobras e do pré-sal, de desmonte da saúde e da educação e de cerceamento das liberdades das manifestações e entidades populares.
Como fica claro na atitude da Globo, a queda de Temer e a eleição indireta terminam colaborando para limpar o caminho para a condenação de Lula e evitar sua candidatura a presidente, com o discurso de que a Justiça atinge a todos, até o presidente Temer. Não é só o PT, é também o PSDB, com Aécio e outros, repete a retórica conveniente da Globo neste momento.
Temer reaglutinará a maioria das forças conservadoras e sobreviverá? Não dá mais.
Contra Temer há:
(i)                  as deserções partidárias (PSB, PPS, PTN e os diretórios estaduais do PSDB no RJ e RGS etc.);
(ii)                 a dinâmica do inquérito dos três crimes de Temer (corrupção passiva, obstrução da justiça e organização criminosa), sem ambiente político para recuos do STF; a impossibilidade da Globo voltar atrás e defender o Fica Temer; o isolamento perante as entidades da sociedade civil, como patenteia-se no pedido de impeachment da OAB e na oposição da CNBB à reforma da Previdência; e a expectativa de aumento das manifestações de rua contra o usurpador e suas reformas.
Os acontecimentos políticos refutaram uma tese em voga até há pouco: a impopularidade do presidente Temer como vantagem para impor medidas contra o povo. Depois do explosivo repúdio social à reforma da Previdência, os setores mais astutos da direita descobriram agora que precisam de alguém, supostamente, com um verniz de apoio, credibilidade, reputação. Estão em procura frenética deste nome para a eleição indireta. No instante em que a maioria dos líderes conservadores chegar a um acordo a respeito deste nome, Temer sai do Palácio do Planalto.
O principal argumento contrário à eleição indireta é que ela será um instrumento para a reciclagem do ataque sobre os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários da grande maioria população brasileira, sob os auspícios de um novo governo das mesmas forças conservadoras que colocaram Temer na presidência. Neste sentido, de forma substantiva, a eleição indireta é ataque às condições materiais de vida dos trabalhadores.
As políticas e as reformas ultraliberais contra os trabalhadores e os interesses nacionais são a razão de ser da aliança entre políticos conservadores, a mídia, o empresariado e o mercado financeiro. Para eles, a Constituição de 1988 tem direitos de mais. A CNI e a FIESP querem recuperar suas margens de lucro, através da redução de custos resultante dos cortes de direitos trabalhistas. Os bancos e o mercado financeiro querem a reforma da Previdência para manter intocado o assalto bilionário do dinheiro público para os juros da dívida pública. Os banqueiros estão salivando à espera do suculento prato dos lucros da sua previdência privada em lugar da previdência social. A Globo e a Folha de São Paulo estão unidas, todo o partido da mídia está coeso na defesa do liberalismo econômico radical. Feita a eleição indireta, todo o bloco direitista, conservador, da sociedade brasileira, em todas as suas esferas, vão desencadear a mais obstinada ofensiva em favor das reformas trabalhista e previdenciária.
Ademais, o pior, o mais reacionário, o mais corrupto Congresso da história do país não tem a mínima autoridade para sustentar a eleição indireta. O Congresso do impeachment e das reformas contra o povo não tem legitimidade para escolher presidente da República. A grande maioria dentro Congresso já provou sobejamente sua insensibilidade e seu ódio de classe contra os trabalhadores.

A Constituição que tem sido modificada facilmente para atentar contra a democracia e os direitos sociais, pode agora ser alterada, trocando a eleição indireta, agora por eleições livres, diretas e gerais, para Presidente e para o Congresso Nacional. O poder delegante e soberano é do povo. A saída da crise política tem que ser colocada nas mãos do povo. Como condição de legitimidade do processo eleitoral, é preciso previamente descartar as reformas trabalhista e previdenciária. A eleição indireta, se imposta, tomará o sentido de um insulto, uma provocação, contra o povo, como ocorreu com a proposta da reforma da Previdência. A eleição indireta, se vingar, será a fonte da renovação da crise política, em desfavor do Brasil.