O
tensionamento nacional extremo, a polarização política e o esgarçamento do
tecido institucional, além do desemprego avassalador, atingiram o paroxismo, e
voltaram-se como bumerangue contra seus antigos beneficiários, a exemplo do
ilegítimo presidente Michel Temer e do revanchista senador Aécio Neves. O fato
político evidente é que Temer já era, acabou. Mas as forças conservadoras agora
preparam a permanência e renovação da crise política com a eleição indireta
para o restante do mandato presidencial. Eis a nova peça central do desmonte do
país, em prejuízo direto ao povo.
A
queda de Temer, em si mesma, é um fato alvissareiro para a democracia.
Remove-se a maior expressão do golpe do impeachment contra a presidente Dilma.
O afastamento de Temer significa uma grande derrota para as correntes
direitistas na sociedade brasileira. Esse revés não deve ser subestimado. Temer
era o condutor das reformas trabalhista e previdenciária, que assim ficam
chamuscadas. O colapso do governo Temer é um alívio temporário importante para
as forças progressistas, até há pouco acossadas, acuadas, massacradas, pelo
ataque concentrado e permanente do consórcio político, judiciário e midiático.
Dois
fatores abalaram a unidade e o controle da iniciativa política pelo conjunto
das forças conservadoras:
-
o repúdio estrondoso da grande maioria da população à reforma da Previdência,
desde março passado,
-
e o episódio no dia 17 de abril das negociatas de Temer com Joesley Batista, em
registro gravado.
A
cena política mudou. Agora, é a vez dos holofotes mirando a atração principal,
o espetáculo patético do governo Temer em estrebucho, nas ânsias da morte. Os
dias que retardam a queda do usurpador dilaceram ainda mais o campo das forças
da direita. Rachou a aliança conservadora, inclusive com a divergência dentro
do monolítico partido da mídia, entre a Globo, de um lado, e a Folha, Estadão,
de outro lado. Posto em marcha, o atual curso político ganha vida própria,
dinamismo, surgem o tempo todo novo fatos, desdobramentos, encadeamentos, a
exemplo de prisões de mais assessores de Temer, do pedido de prisão de Aécio e
assim por diante. Por enquanto, é o movimento político, que se autoalimenta,
irrefreável, de dificuldades para os direitistas. É nesta nova dinâmica
essencialmente política que podem ser mobilizados aquelas grandes massas
trabalhadoras que até o momento têm mantido uma atitude geral passiva, sem
participação direta, sem intervenção nos acontecimentos principais da vida
pública nacional. Os fatos políticos vão despertando o interesse, a atenção, o
envolvimento dessas camadas mais profundas da nossa sociedade, afastando
confusões, desinformação e narrativas conservadoras.
De
onde veio essa crise de Temer? Foi uma ação autônoma da Procuradoria Geral da
República, de Janot, no embalo da onda messiânica e moralista de procuradores?
Foi por causa do “pânico que bateu” em Joesley Batista, dono da JBS? Três
motivos e circunstâncias, uns mais aparentes do que outros, produziram a crise
Temer, sem falar na recessão econômica.
Primeiro,
há uma persistente crise de natureza política desde as jornadas de junho de
2013. A crise política continuou na polarização das eleições de 2014.
Radicalizou-se quando jogaram gasolina no incêndio com a campanha pelo
impeachment de Dilma entre 2015 e 2016, culminando na usurpação da presidência
por Temer e seus aliados direitistas. As reformas ultraliberais (Lei do Teto do
Gastos contra as políticas sociais e em favor dos ricos parasitários da dívida
pública; Trabalhista; Terceirização; Previdenciária) tomaram a forma de insulto
imperdoável ao povo, provocaram a indignação popular, quando foram tocados nos
parcos direitos da aposentadoria dos trabalhadores, em um país com extremos
clamorosos de desigualdades sociais.
Segundo,
a realidade de um governo sem qualquer respaldo popular, com um presidente
cercado de ministros investigados por corrupção, com uma política
provocadoramente antinacional, antissocial e antidemocrática.
Terceiro,
a necessidade urgente das forças conservadoras de descartar Temer para reciclar
a dominação política direitista no país e salvar o projeto de reformas
ultraliberais contra os trabalhadores, de entrega do patrimônio nacional, a
exemplo de partes da Petrobras e do pré-sal, de desmonte da saúde e da educação
e de cerceamento das liberdades das manifestações e entidades populares.
Como
fica claro na atitude da Globo, a queda de Temer e a eleição indireta terminam
colaborando para limpar o caminho para a condenação de Lula e evitar sua
candidatura a presidente, com o discurso de que a Justiça atinge a todos, até o
presidente Temer. Não é só o PT, é também o PSDB, com Aécio e outros, repete a
retórica conveniente da Globo neste momento.
Temer
reaglutinará a maioria das forças conservadoras e sobreviverá? Não dá mais.
Contra
Temer há:
(i)
as
deserções partidárias (PSB, PPS, PTN e os diretórios estaduais do PSDB no RJ e
RGS etc.);
(ii)
a
dinâmica do inquérito dos três crimes de Temer (corrupção passiva, obstrução da
justiça e organização criminosa), sem ambiente político para recuos do STF; a
impossibilidade da Globo voltar atrás e defender o Fica Temer; o isolamento
perante as entidades da sociedade civil, como patenteia-se no pedido de
impeachment da OAB e na oposição da CNBB à reforma da Previdência; e a
expectativa de aumento das manifestações de rua contra o usurpador e suas
reformas.
Os
acontecimentos políticos refutaram uma tese em voga até há pouco: a
impopularidade do presidente Temer como vantagem para impor medidas contra o
povo. Depois do explosivo repúdio social à reforma da Previdência, os setores
mais astutos da direita descobriram agora que precisam de alguém, supostamente,
com um verniz de apoio, credibilidade, reputação. Estão em procura frenética
deste nome para a eleição indireta. No instante em que a maioria dos líderes
conservadores chegar a um acordo a respeito deste nome, Temer sai do Palácio do
Planalto.
O
principal argumento contrário à eleição indireta é que ela será um instrumento
para a reciclagem do ataque sobre os direitos sociais, trabalhistas e
previdenciários da grande maioria população brasileira, sob os auspícios de um
novo governo das mesmas forças conservadoras que colocaram Temer na
presidência. Neste sentido, de forma substantiva, a eleição indireta é ataque
às condições materiais de vida dos trabalhadores.
As
políticas e as reformas ultraliberais contra os trabalhadores e os interesses
nacionais são a razão de ser da aliança entre políticos conservadores, a mídia,
o empresariado e o mercado financeiro. Para eles, a Constituição de 1988 tem
direitos de mais. A CNI e a FIESP querem recuperar suas margens de lucro,
através da redução de custos resultante dos cortes de direitos trabalhistas. Os
bancos e o mercado financeiro querem a reforma da Previdência para manter
intocado o assalto bilionário do dinheiro público para os juros da dívida
pública. Os banqueiros estão salivando à espera do suculento prato dos lucros
da sua previdência privada em lugar da previdência social. A Globo e a Folha de
São Paulo estão unidas, todo o partido da mídia está coeso na defesa do
liberalismo econômico radical. Feita a eleição indireta, todo o bloco
direitista, conservador, da sociedade brasileira, em todas as suas esferas, vão
desencadear a mais obstinada ofensiva em favor das reformas trabalhista e
previdenciária.
Ademais,
o pior, o mais reacionário, o mais corrupto Congresso da história do país não
tem a mínima autoridade para sustentar a eleição indireta. O Congresso do
impeachment e das reformas contra o povo não tem legitimidade para escolher
presidente da República. A grande maioria dentro Congresso já provou sobejamente
sua insensibilidade e seu ódio de classe contra os trabalhadores.
A
Constituição que tem sido modificada facilmente para atentar contra a
democracia e os direitos sociais, pode agora ser alterada, trocando a eleição
indireta, agora por eleições livres, diretas e gerais, para Presidente e para o
Congresso Nacional. O poder delegante e soberano é do povo. A saída da crise
política tem que ser colocada nas mãos do povo. Como condição de legitimidade
do processo eleitoral, é preciso previamente descartar as reformas trabalhista
e previdenciária. A eleição indireta, se imposta, tomará o sentido de um
insulto, uma provocação, contra o povo, como ocorreu com a proposta da reforma
da Previdência. A eleição indireta, se vingar, será a fonte da renovação da
crise política, em desfavor do Brasil.
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