domingo, 6 de novembro de 2016

O capitão do mato do neo liberalismo golpista. Por Neggo Tôm

A figura do capitão do mato surgiu na sociedade brasileira por volta de 1694, após a destruição do Quilombo dos Palmares, com o intuito de impedir a fuga de escravos e resgatar escravos fugidos. E ganhavam bem para isso. O pagamento poderia ser em dinheiro ou até mesmo algum pedaço de terra. Os senhores de engenho e outras autoridades da corte portuguesa, estavam preocupados com o número cada vez mais crescente de seres humanos escravizados querendo se libertar e resolveram criar uma espécie de política de segurança pública da época. Tanto é que não seria nenhuma bobagem afirmar que a figura do capitão do mato deu origem a policia militar, também criada ainda no período do Império, em 1809.
O capitão do mato, em sua maioria, eram escravos libertos, o que lhes dava uma falsa impressão de melhor posicionamento social e superioridade pessoal sobre os demais. Claro que a escolha de escravos libertos para policiar escravos não libertos foi proposital. É claro, também, que esses escravos "promovidos" a capitães do mato fizeram por merecer tal recompensa. Entregar a cabeça de seus pares, por exemplo. Pura meritocracia. Trazendo para os dias de hoje, é como aquele seu colega de trabalho que puxa o saco do chefe e cagueta a turma toda para subir na empresa. Digamos ainda que para chegar a capitão do mato, o indivíduo tinha que ter um perfil evolutivo.
O neo liberalismo vive tentando produzir remakes dessa personagem de nossa história. Pelé, mesmo não oficialmente, foi empossado no cargo e como se comporta bem do jeitinho que a casa grande gosta, nunca perderá sua Majestade. Tanto que ganhou o título de rei. O ministro Joaquim Barbosa foi "sondado" para ocupar essa função, mas graças a Deus e a sua inteligência acima da média, percebeu que estava sendo usado e declinou a tempo do convite. Tudo parecia ir bem, mas quando ele declarou apoiar a política de cotas, reconheceu resultados nas políticas afirmativas criadas pelo governo do PT e se posicionou publicamente contra o impeachment de Dilma, a decepção foi geral no reino de Dom João. Esse não serve mais! Precisamos de alguém com menos personalidade, com mais necessidade de ascensão, sem muita estima as suas origens e sem nenhum sentimento pelo sofrimento de seus antepassados.
Assim nasce Fernando Holiday. O capitão do mato do neo liberalismo. A escolha do rótulo do produto é sensacional. Negro, pobre e gay. Um legítimo representante das minorias exaltado pela direita conservadora, sempre acusada de preconceito e de elitismo. Como somos injustos com eles. Só que não! Não precisa raciocinar muito para perceber o que o jovem, coordenador nacional do movimento Brasil livre, tem por missão. Enquanto acusa a esquerda de promover uma divisão na sociedade, promovendo uma guerra entre classes, raças e gêneros, a direita promove a divisão entre os próprios membros das classes, das raças e dos gêneros. E eles são bons nisso.
Fernando Holiday publica vídeos cheios de atitude na internet, grita, sapateia, esperneia, põe o dedo em riste para a câmera. Seu discurso tem uma estrutura tucana, verbetes bolsonaristas e muitos malafaiagismos. Já rasgou o hino à negritude em plena tribuna da câmara dos deputados, já tentou desmoralizar Eduardo Suplicy, já se declarou contrário às cotas raciais, já disse que Zumbi era um assassino e que preto gosta de se fazer de vítima. Só faltou dizer que é branco. Talvez ele até acredite que seja, pelo fato de ser o capitão do mato do momento, movido pela vaidade e financiado por algum senhor de engenho preocupado com a perda de seus escravos e empenhado em captura-los ou recuperar alguns, através da lei da oferta e da procura.
Quando Holiday diz que os negros não precisam de favores ou de cotas e devem conquistar os seus objetivos apenas por mérito, ele não está querendo dizer que você pode e basta lutar. Na verdade ele apenas reproduz o discurso dos racistas, que de maneira inteligente, usam um negro para conter os outros descontentes, fazendo-os crer que toda luta por igualdade e respeito não passa de uma bobagem, afinal, somos todos iguais, as oportunidades são iguais e racismo é coisa da cabeça de gente complexada e incapaz. Ao mesmo tempo em que é "vendido" como o preto exemplar ou negro de alma branca, Fernando Holiday se submete ao que há de mais deprimente para a honra de um homem.
A sua eleição para a câmara dos vereadores de São Paulo, foi um prêmio à sua fidelidade canina a agenda golpista e uma tapa na cara dos movimentos esquerdistas. Uma forma de a direita conservadora dizer, falsamente, vinde a mim todos os pretos, pobres e outras minorias, e eu vos elegerei. Não temos nada contra vocês! Desde que estejam ao nosso lado. Desde que adotem o nosso discurso. Jesus Cristo também fora tentado de forma semelhante quando o diabo o levou ao topo de uma montanha e de lá, apresentando as belezas do seu reino, o propôs abandonar os seus e a sua missão, em troca de toda a riqueza e status que ele poderia lhe oferecer. Vai ficar nessa de lutar pelos pobres, pelas minorias e de ficar pregando justiça e igualdade social? Os ricos vão te odiar e os poderosos vão pedir a sua cabeça. Sai dessa! Eu tenho coisa melhor pra você. Como Jesus não era golpista e muito menos se esquecia de suas origens, seguiu em frente. Sai diabo!
A direita sempre contra ataca, e na maioria das vezes, o intuito é retroceder. Trazer o país que eles acham que é só deles, de volta. Quando os mais pobres começam a ter acesso à educação superior, eles cortam os investimentos. Quando as mulheres conquistam independência, eles dizem que elas devem ser belas, recatadas e do lar. Quando os negros e pobres decidem lutar por igualdade e respeito, sem hipocrisia e falsa meritocracia, eles apresentam Fernando Holiday. Essa postagem em sua página do Facebook, talvez diga alguma coisa:
"Como Vereador, lutarei para:
- Combater o vitimismo:
Todos, independente de cor de pele, podem alcançar o sucesso sem precisar de migalhas do Estado para isso.
- Acabar com as cotas raciais em concursos públicos municipais:
Chega de segregacionismo institucionalizado. Todos somos iguais!
- A revogação do dia da consciência negra em São Paulo:
É um absurdo que exista uma data como esta, e que acima de tudo, homenageie um homem assassino escravagista."
É a personificação do padrão meritocrata dos golpistas. Ou seja, só está lá porque pensa como eles, age como eles, se sente como eles e gostaria de ter nascido como eles. Mas sabe que nunca será de fato, como eles. Será sempre visto como um agregado social, que deve favores aos seus senhores e mentores. Exagero? Ele que ouse a contrariá-los.
Até lá, ele seguirá como paradigma da elite para ilustrar como deve ser e se comportar, os pobres e os negros desse país, para serem bem aceitos pela casa grande. Ele é realmente um fenômeno. É negro e não sofre racismo. É pobre e é bem vindo à alta roda. É gay e agrada aos radicais conservadores da direita. Já prevejo um globo repórter especial com a tradicional chamada de Sergio Chapelin dizendo: quem é, onde vive, do que se alimenta e qual é o segredo de Fernando Holiday? Que não é feijão, mas se tornou o preto mais querido de alguns brasileiros.
Dez entre dez golpistas o preferem. Feijão, quer dizer, Fernando Holiday, tem gosto de festa, é melhor e mal não faz aos interesses dos senhores de engenho da nova era. E ainda combate o vitimismo. Oi?
Que não sirva de exemplo a resistência.

"Libertei mil escravos. Podia ter libertado mais mil, se eles soubessem que eram escravos." Harriet Tubman.

A verdadeira guerra? Contra a Mãe Terra. Por Vandana Shiva

Fala-se de guerra para indicar campos de batalha como a Síria, a Líbia, a Ucrânia, o Iraque ou o Afeganistão. Mas a maior guerra que está sendo travada atualmente é contra o nosso planeta.
Poucas multinacionais tentam se assegurar do controle dos recursos da Terra, a despeito dos mais elementares limites éticos e ecológicos. A nossa água, os nossos genes, as nossas células, os nossos órgãos, os nossos conhecimentos, a nossa cultura e o nosso futuro estão diretamente ameaçados como em um campo de batalha tradicional. Não se vê a onipresença e a retórica guerreira da agroindústria? Que se torna evidente quando se mencionam os nomes dos herbicida da Monsanto: Roundup ("rodeio", "blitz"), Machete, Lasso ("laço"). As indústrias que produziam venenos e explosivos para matar durante as guerras são as mesmas que hoje fabricam produtos agroquímicos. Nos anos 1960, a Monsanto produzia particularmente o Agente Laranja, descarregado pela aviação dos EUA sobre as florestas vietnamitas durante a guerra para envenenar as árvores e as pessoas que elas protegiam.
Além dos inúmeros tumores e malformações provocados na época, muitos outros casos aparecem ainda hoje. Os pesticidas têm origem nas armas químicas: foi utilizando o cloro durante a Primeira Guerra Mundial (por exemplo, no gás mostarda), que foram postas em evidência as propriedades inseticidas dos compostos à base de cloro, mais tarde abandonados, incluindo o DDT, largamente difundido antes de ser proibido.
Depois, a engenharia genética pretendeu oferecer uma alternativa aos produtos tóxicos. Na realidade, ela incrementou a utilização de pesticidas e herbicidas. Enquanto isso, os Estados apoiam cada vez mais os grandes grupos na sua marcha rumo à apropriação dos recursos.
Surgiu um poder que coaliza Estado e indústria para impor as suas prioridades ao planeta e aos povos. Constatamos isso sem temor de contradição na Índia, onde o Exército é regularmente chamado a intervir para expropriar as populações que residem nos territórios desejados pelas empresas.
Mas o método é idêntico quando manifestantes gregos ou espanhóis sofrem os ataques das forças da ordem, mesmo que apenas denunciem uma evidência: as crises econômicas, alimentares, financeiras estão aí para demonstrar que o sistema está se esgotando e que um crescimento sem limites é impossível em um planeta com recursos limitados.
Os cientistas anunciaram que entramos em uma nova era: o antropoceno. Isso significa que as consequências químicas, urbanas, nucleares dos nossos estilos de vida ficarão gravadas nos arquivos geológicos do planeta por milhares de anos.
Porém, mesmo entre aqueles que admitem essa verdade e o dado de que a humanidade se encontra em um impasse, existem aqueles que ainda reagem de maneira belicosa, por exemplo com a geoengenharia. Eles se recusam a baixar as armas para deixar a natureza se regenerar e desejam uma luta tecnológica contra os fenômenos naturais. Projetam intervenções de grande escala para influenciar o sistema climático e retardar o aquecimento: envolver a Terra com partículas de sulfato para resfriar o planeta, inseminar os oceanos de ferro para estimular o fitoplâncton ou capturar o carbono acumulado na atmosfera.
Manipulações que são fruto de uma total falta de humildade e uma arrogância sem limites. São o sintoma de uma perversão ética e ecológica.
Quem as promove vê no ser humano, mais uma vez, o proprietário e senhor da natureza, não um elemento que simplesmente faz parte dela. Por conseguinte, defender os direitos da Mãe Terra é a luta mais importante, tanto para o ambiente quanto para os direitos humanos e a justiça social.

Levando em conta tal contexto, essa é a luta com as melhores chances de levar a paz duradoura e a uma situação de estabilidade.

Desligue a TV e leia um livro. Por Wellington Calasans

Li num recente artigo do jornalista e escritor sueco Erik Wijk para uma publicação deste país nórdico, chamada Flamman, “Sobre a necessidade humana de simplificar” (tradução livre do sueco para o português de “Om ett mänskligt behov av att förenkla”), que estamos habituados a receber interpretações mastigadas. Para Wijk, na crítica ao modo simplista de informar e receber informações, “não há necessidade de palavras extravagantes”, pois “a simplificação é pedagogia, eficaz e indispensável na propaganda”.
Relaciono isso ao modo alvinegro de comunicar, amplamente utilizado pela velha imprensa brasileira, concentrada nas mãos de poucas famílias, que molda aquela típica mentalidade em preto e branco do seu público e que está convicta de que isso já é mais do que o suficiente para que seja mantido o exército de analfabetos políticos. Exército este que baba ódio contra o desconhecido e transforma manchetes desta mesma imprensa/elite em teses de mestrado.
A máquina de alienação, aqui carinhosamente chamada de PIG – Partido da Imprensa Golpista, sabe que o silêncio ou poucas palavras cumprem melhor o papel do “finjo que informo e você finge que é bem informado”. Para o PIG, o não informar é mais valioso, pois como diz o jornalista Fernando Brito: “a política sem polêmica é a arma das elites”. Até mesmo o insuspeito ACM ratificou a existência desta estratégia quando certa vez afirmou que “Se o Jornal Nacional não deu, não aconteceu”. Graças a isso, figuras nefastas como José Serra, FHC e tantas outras blindadas pela imprensa/elite, ainda existem na vida pública brasileira e até falam sobre ética e deontologia.
Nesses tempos em que no Brasil a opinião sintética de qualquer subcelebridade ganha uma importância inversamente proporcional ao valor da mensagem proferida, o valor da leitura de livros ganha parâmetros jamais imaginados em outros tempos. Parece paradoxal que em tempos de internet, onde a produção diária de conteúdos informativos é maior do que toda a produção anterior ao surgimento desta rede, as pessoas estejam mais alienadas. O êxito do PIG ao “gerar debates” com as frases que destilam ódio e preconceito, amplamente divulgadas e compartilhadas nas redes sociais, é justificado diante da necessidade de se criar uma cortina de fumaça que possa ser utilizada para encobrir os absurdos praticados na política e justiça do Brasil.
Ocorre que o simplificar não pode ser uma prática comum aos que devem, por obrigação, comunicar com isenção e imparcialidade. É preciso ampliar o leque de possibilidades para que toda e qualquer pessoa, nas diferentes classes sociais, possa desempenhar um papel superior àquele possível a um papagaio. A ignorância política da maioria dos brasileiros ainda é usada como instrumento de manutenção de privilégios pela imprensa/elite, mas isso é arriscado para todos, inclusive para aqueles que vivem a surfar nas ondas do censo comum.

A estratégia da imprensa/elite de reduzir em manchetes a discussão que merecia ser ampla, inclusive aquelas em torno do papel da comunicação social na construção da sociedade, só não resistirá ao resgate da leitura de livros. Talvez os dois primeiros passos sejam desligar a TV e ler mais livros. Se isso ainda soa como algo utópico, faço-o para tentar dizer aos robotizados que é necessário sair da caixa, pensar a partir das próprias percepções e até necessidades pessoais. “Não pense que a cabeça aguenta se você parar”, já nos disse o imortal Raul Seixas.

Aposentado vai pagar o pato do golpe! Por Altamiro Borges

Nas marchas golpistas pelo "Fora Dilma", em vários cantos do país, era possível observar a presença expressiva de pessoas idosas com as suas camisetas amarelas da "ética" CBF. Muitos delas já deviam estar curtindo a aposentadoria ou estavam próximas de gozar deste direito. Com base nas informações que pipocaram na mídia nos últimos dias, parte desta turma ruidosa deve estar com a sensação de que fez o papel de otária e serviu de massa de manobra aos que sempre desejaram estuprar esta conquista. Do ventre do covil golpista de Michel Temer partem propostas para elevar a idade da aposentadoria e também a contribuição previdenciária. Na semana passada, um novo fantasma surgiu no horizonte. O governo ilegítimo cogita obrigar os que já estão aposentados a pagar pela sua aposentadoria.
Segundo matéria publicada na Folha no sábado (29), "a equipe responsável pela proposta de reforma da Previdência, subordinada ao presidente Temer, estuda mudar a Constituição para abrir caminho à cobrança de contribuição previdenciária de todos os aposentados. A ideia é que o governo federal, os Estados e os municípios tenham autonomia para estabelecer a cobrança. Isso pode impactar tanto os segurados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) quanto os servidores públicos. Atualmente, a Constituição prevê que a contribuição deve ser paga apenas por inativos que recebem acima do teto do INSS (R$ 5.189,82). Ou seja, na prática só funcionários públicos são cobrados".
Pela maldade em estudo no covil golpista, a Constituição passaria a prever que a União, os Estados e os municípios terão competência de, por meio de leis, instituir a tributação. Eles poderão estabelecer qual será a alíquota e taxar até quem recebe o piso previdenciário. "Para cobrar dos aposentados do INSS, que hoje não pagam a contribuição, caberia ao governo federal enviar ao Congresso um projeto de lei. O trabalhador do setor privado que recebe um salário mínimo, por exemplo, paga R$ 70,40 de INSS (alíquota de 8%) e fica com R$ 809,60 líquidos. Ao se aposentar, ele deixa de pagar essa taxa e fica integralmente com os R$ 880".
Chora "midiota"
É uma baita maldade. O aposentado manietado pela mídia - que foi às ruas gritar pelo "Fora Dilma" e que até carregou aqueles patinhos amarelos da Fiesp - acabou virando o autêntico pato do "golpe dos corruptos". Chora "midiota"! Enquanto isto, os ricaços que orquestraram e financiaram a conspiração festejam suas fortunas. Na semana passada, a imprensa noticiou que, mesmo num cenário de crise, o dinheiro brasileiro remetido aos paraísos fiscais cresceu nos últimos meses. A soma de depósitos nas Bahamas, Bermudas, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Luxemburgo, Panamá e Suíça foi de US$ 156,8 bilhões, segundo o último relatório disponível do Banco Central.
Em tempo-1: Ao mesmo tempo em que investe contra os aposentados, usando a desculpa esfarrapada do "ajuste fiscal", a corja de Michel Temer sinalizou também na semana passada que poderá estender os programas que oferecem subsídios financeiros e desonerações tributárias à elite patronal - que já foram batizados de "Bolsa Empresário". Estas benesses não foram cortadas pelo governo e deverão custar aos cofres públicos R$ 224 bilhões em 2017 - ou 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Antes do impeachment de Dilma, os golpistas garantiam que extinguiriam estes programas. Depois do assalto ao poder, porém, eles deixaram de lado a promessa, contando com a falta de memória dos "midiotas" - que só acreditam nas manchetes dos jornalões e nos comentários "neutros" da televisão!

Em tempo-2: No antro golpista, os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Geddel Vieira (Secretaria de Governo) são os dois maiores entusiastas da regressiva reforma da Previdência. No maior cinismo, eles adoram bravatear sobre o tema diante das câmeras de TV. Curiosamente, ambos são beneficiários do extinto Instituto de Previdência dos Congressistas e recebem supersalários de mais de R$ 50 mil todo mês - mais do que o dobro do famoso teto do funcionalismo público. "A Folha perguntou se eles se sentiam constrangidos ao terem uma situação pessoal gritantemente diversa da reforma que defendem. Nem um pio. Como nas clássicas transcrições policiais, nada mais foi dito nem nada mais lhes foi perguntado. Um silêncio assaz eloquente", comentou um colunista do jornal privatista.

Não pense, trabalhe. O conservadorismo e o emburrecimento. Por Cida de Oliveira

A intenção do governo de Michel Temer (PMDB) de sabotar a educação pública veio à tona em 8 de setembro, logo que o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) mostrou que o ensino médio continuava patinando, sem atingir a meta estipulada para 2015. No mesmo dia, o ministro Mendonça Filho anunciou que tomaria medidas urgentes para resolver os problemas de uma etapa marcada por evasão e notas baixas e longe de oferecer formação adequada para quem vai para a universidade ou precisa ingressar no mercado de trabalho.
Nos dias seguintes, a secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), a tucana Maria Helena Guimarães Castro, criticou a escola e defendeu uma reforma baseada na fragmentação do curso, para torná-lo mais interessante. O protagonismo do estudante ficaria limitado à escolha, lá pela metade do segundo ano, se vai continuar tendo disciplinas acadêmicas, com vistas ao ensino superior, ou optar por disciplinas técnicas, com direito a canudo de técnico de nível médio no final. A ampliação do tempo na escola também foi defendida, mas os urgentes investimentos estruturais, como modernização dos prédios, e na carreira docente, com mais formação e salários adequados, nem sequer foram abordados – possivelmente por não caberem na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 que engessa gastos com educação, entre outros, por duas décadas.
Baseada nesses preceitos, a Medida Provisória (MP) 746, editada no último dia 22 de setembro e anunciada com pompa e circunstância pela equipe de Temer, causou indignação. Educadores, estudantes, gestores, trabalhadores e movimentos em defesa da educação, envolvidos nos debates para a construção coletiva e democrática da Base Nacional Curricular Comum, determinada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), foram todos atropelados. E a discussão para o detalhamento das competências que os estudantes brasileiros devem dominar ao longo de cada etapa escolar pode ser jogado no lixo com uma proposta que ­Mendonça Filho e seus auxiliares tiraram da cartola da noite para o dia.
"Alguns iluminados se fecharam em um gabinete e decidiram tirar educação física, artes, e nem foi com projeto de lei. Não se consultou a população. O Estado democrático de direito é aquele que amplia direitos, aquele que complementa a democracia representativa mediante a participação popular", disse em 26 de setembro o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em aula ministrada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). A constitucionalidade da MP está sendo questionada no STF pelo Psol e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Diante de tamanha reação, é provável até que a medida seja estrategicamente retirada. Mas não esquecida. Afinal, é uma reforma moldada e costurada com a "cabeça de mercado" que domina o governo, sob medida para aos interesses de moldar um povo que não pense nem reclame, apenas trabalhe.
Consenso entre todos os críticos é o caráter autoritário da medida. "O cotidiano das escolas vai ser alterado profundamente com mudanças no formato de distribuição de aulas. E o novo percurso de escolarização vai fazer com que as escolas públicas repensem a distribuição das aulas", avalia o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. "O preocupante é uma decisão de tal envergadura ser encaminhada por medida provisória, mecanismo oriundo de decreto da ditadura, pelo qual o Executivo passa a ser um superlegislador, quando deve ser tomada após debate com os professores e com os alunos, como aconteceu em diversas partes do mundo. Uma decisão temerária e que precisa ser discutida e combatida pela sociedade", avalia.
Mordaça
Permitir ao secundarista escolher entre um percurso mais dedicado a ciências humanas, da natureza, matemática ou formação técnica-profissionalizante de nível médio, como prevê o projeto, é positivo. "Porém, no núcleo comum, todos devem aprender as questões relacionadas à cidadania e ao pensamento crítico, como nas aulas de Filosofia e Sociologia, que ficam escanteadas", ressalta Cara.
Segundo ele, a oferta dessas disciplinas será opção das escolas, que dificilmente poderão ampliar o número de matrículas e manter uma grade além da determinação da lei. "Sem esse processo de construção crítica na escolarização, teremos uma sociedade com ampla maioria acrítica; e ainda mais cindida entre aqueles que têm uma formação técnica e tecnológica, para o mundo do trabalho, e aqueles com uma formação mais ampla, que serão os tomadores de decisão."
Desigualdade
A exemplo de projetos em tramitação, como a PEC 241, que congela investimentos, e medidas já tomadas, como cortes em programas sociais, a proposta de reforma terá como um dos efeitos o agravamento da desigualdade. Primeiro, por causa da divisão do curso, ofertando para poucos uma educação ampla. Para a maioria, que mais necessita de ensino de qualidade, aceleração dos estudos para o ingresso no mundo do trabalho, como diz Daniel Cara. Segundo, pelo estímulo à ampliação do ensino em tempo integral, que terá efeito contrário. Ter mais tempo na escola é necessário. Mas essa escola precisa ser discutida e ser para todos.
"Se for para reproduzir o que hoje já acontece na escola pública, com aula ruim, desinteressante, isso não vai adiantar em nada." A presidenta interina da União Nacional dos Estudantes (UNE), Moara Correa Saboia, vislumbra maior abismo entre os alunos das redes pública e privada. "Os filhos da classe trabalhadora terão formação mais pobre, mecânica. Tudo coerente com o pensamento de Mendonça Filho e seu grupo, que sempre votaram contra tudo criado para democratizar o acesso à universidade."
O projeto é temerário também por abrir ainda mais brechas para a entrada do setor privado no ensino público, aumentando seus lucros. "A MP reúne questões perigosas, como liberar processos administrativos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para transferência de recursos, estimular parcerias público-privadas, abrindo espaço para a privatização com a flexibilização a partir das disciplinas profissionalizantes", diz Moara. A presença privada é crescente também a partir de convênios com governos de diversos estados para o apoio ou gestão das escolas em tempo integral.

Quanto ao objetivo de reduzir as taxas de abandono, a proposta de Temer poderá ter efeito contrário. Ao estimular o ensino em tempo integral, desestimula a rede a continuar oferecendo ensino noturno – quando deveria incentivá-lo e melhorar sua qualidade. "Como eu precisava ajudar minha família, fiz ensino médio noturno", lembra a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel. "A MP dialoga com o enxugamento de gastos em saúde e educação e com o tratamento que será dado aos servidores desses setores no país – o que está diretamente ligado ao desmonte do ensino público."

A força da TV nas urnas. Por Lalo Leal

Sem experiência eleitoral anterior, o candidato tucano à prefeitura de São Paulo consegue em poucas semanas de exposição na mídia tornar-se amplamente conhecido e vencer no primeiro turno as eleições municipais. Tal sucesso tem uma explicação: o poder da televisão em nosso país. Daí a disputa acirrada de partidos e candidatos pelos espaços nos horários reservados à propaganda política. O vencedor em São Paulo teve 30% do tempo fixo total, o maior entre todos os concorrentes. Além de contar com experiência anterior diante das câmeras e de uma certa visibilidade por apresentar programas de entrevistas e entretenimento.
A condução da política moderna está nas mãos do Príncipe Eletrônico, a televisão, na feliz definição do professor Octavio Ianni. É ela que conduz a ação política nos nossos dias, como antes o fizeram o príncipe de Nicolau Maquiavel ou o príncipe moderno, na forma de partido político, como concebido por Antonio Gramsci. O crescimento do acesso à internet e às redes sociais por meio dos mais diferentes dispositivos, dos computadores de mesa aos telefones celulares, ainda não é suficiente para abalar o poder da televisão. Ela segue na frente fazendo a cabeça das pessoas, como mostram as pesquisas sobre consumo de mídia e as evidências de sua importância nas campanhas eleitorais. Não cabe aqui o argumento dos que – principalmente na academia – acreditam na possibilidade do livre arbítrio do telespectador que seria, segundo eles, capaz de exercer um olhar crítico sobre as mensagens recebidas e refutá-las.
Isso pode até acontecer, mas em proporções residuais, se levarmos em conta o total da população. O que se vê no Brasil é um verdadeiro massacre eletrônico, com as emissoras de televisão e de rádio alinhadas na defesa de um único conjunto de ideias. A possibilidade do contraditório inexiste.
A exposição no horário eleitoral obrigatório combina-se com a criminalização cotidiana da política realizada especialmente nos noticiários de maior audiência. A mídia brasileira, incluindo aí além da TV as emissoras de rádio, jornais e revistas, conseguiu impregnar na sociedade a ideia de que política é algo repulsivo que precisa ser execrado.
Claro que muitos políticos dão motivos para isso, mas não são todos – e nem a atividade política é nefasta em si. Ao contrário, trata-se de elemento vital para a vida em sociedade. Aos que diziam não gostar de política, Platão na República lembrava que não existia nada de errado com essas pessoas, mas elas seriam simplesmente “governadas por aqueles que gostam”. Cabe lembrar que quase 2 milhões de eleitores paulistanos se abstiveram de votar nas eleições municipais. Exatos 21,84% dos que tinham direito ao voto deixaram de ir às urnas. Sem falar nos que votaram nulo ou em branco, 11,35% e 5,29%, respectivamente. Ao fazer com que as pessoas rejeitem a política, a televisão entrega essa atividade para aqueles que gostam e, em grande maioria, a usam em proveito próprio, muito distante dos interesses dos que os elegeram.
O candidato que venceu as eleições paulistanas afinou o seu discurso com o das emissoras de TV, apresentando-se ao público como um não-político, um empresário incapaz de participar dessa atividade tão malvista. Cansou de repetir durante a campanha o bordão “não sou político, sou empresário”, como se isso fosse uma grande virtude. Dessa forma, fechou-se o cerco.

A TV – e a mídia em geral – criminalizando a política e, ao mesmo tempo, um partido oferecendo ao eleitor um candidato que diz não ser político, que é imune aos vícios da política. Tabelinha perfeita realizada diante das urnas. Não há livre arbítrio que resista a isso, como provam os resultados eleitorais paulistanos. O candidato explorou com sucesso essa combinação de fatores. Sua vitória é a derrota da política como criação humana, indispensável para a vida em sociedade.

Democracia não cabe no neoliberalismo, e vice-versa. Por Emir Sader

A retomada do modelo neoliberal, fracassado nos anos 1990, derrotado sucessivamente em 2002, 2006, 2010 e 2014, só pode se dar mediante um governo não democrático. Golpista no acesso ao poder, porque não obteria maioria democrática nos processos eleitorais com um projeto tão antipopular e autoritário, porque tem que governar contra o interesse da grande maioria da população.
Um governo que se coloca como objetivo a aplicação de um duro ajuste fiscal, que corta direitos adquiridos pela massa da população, que acentua ainda mais a recessão econômica e, com ela, o desemprego e a perda de poder aquisitivo dos salários, é incompatível com a democracia, porque governa contra a grande maioria dos brasileiros. Temer disse que se conforma com ter o apoio de 5% da população, porque sabe que governa para essa minoria. Mesmo contando com o apoio da velha mídia, não conseguiria obter apoio popular para um programa tão antipopular.
Daí o endurecimento não apenas repressivo do governo, mas das ações concertadas com a Polícia Federal, com promotores, com a Procuradoria-Geral da República, com o Supremo Tribunal Federal, para blindar o sistema politico, para dificultar ao máximo que as forças populares possam voltar a ganhar eleições presidenciais e desfazer o que o governo golpista está fazendo.
O pouco tempo em que está governando foi suficiente para demonstrar que o governo golpista não tem nem discurso e nem medidas que possam conquistar um mínimo de apoio na sociedade. Seu núcleo estratégico, a equipe econômica, só tem a prometer um duro ajuste fiscal, com a esperança de recuperar o que considera o equilíbrio das contas públicas em 2017 ou talvez só em 2018. Não tem o mínimo que se pudesse chamar de projeto hegemônico, que conseguisse organizar um bloco social coerente para governar e um bloco social de apoio.
Ao contrário, o Temer foi indispensável para o golpe, pelo seu cargo de vice-presidente, nada mais do que isso. Seu discurso inicial de "reunificação" do país se choca com o seu isolamento absoluto. A recuperação da economia não tem horizonte futuro algum. Até o equilíbrio fiscal, que poderia ser o objetivo essencial, está afetado pelos gastos desequilibrados do governo.
Não lhe resta discurso algum, senão o da ordem e o da economia de recursos, que se traduzem em repressão às manifestações e em medidas antipopulares. Temer se resigna, dizendo que não lhe importaria ter 5% de apoio, se "colocar a economia nos trilhos", mas em trilhos que atendem a esses 5% e não à grande maioria.
Em escala mundial o neoliberalismo produz governos impopulares, que têm pânico das eleições e só se mantêm pela repressão. As políticas de austeridade na Europa desgastam a todos os governos que as assumem e causam crise permanente de legitimidade. Na América Latina, em países como o México, o Peru, o Chile, os governos se desgastam logo que são eleitos e mantêm o modelo neoliberal, nunca conseguem eleger seus sucessores. As pessoas se interessam cada vez menos pela política, porque os partidos se sucedem, mas reproduzem o programa de governo.
O capitalismo, na sua fase neoliberal, se choca assim, frontalmente, com a democracia. Tem que apelar, cada vez mais, para a repressão, para blindar os sistemas político-eleitorais, para tentar impedir que a esquerda eleja presidentes que ponham em prática projetos alternativos aos seus.

No Brasil, conforme a direita retoma o mesmo modelo neoliberal, a impopularidade fará com que o governo se choque, cada dia mais, com a democracia, se torne cada vez mais autoritário e impopular. Viveremos dois anos de grande disputa política em torno da continuidade desse modelo ou de uma nova derrota sua, se conseguimos recuperar para o povo o direito de decidir sobre os seus destinos.

As convicções e o fascismo. Por Mauro Santayanna

Convicções arraigadas, quando não nascem da ­informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do preconceito, da ignorância ou do ódio. Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, convicção acima da razão. Por ter forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais eram seres sub-humanos, os nazistas praticaram atrocidades como guardar em vidros de formol milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisioneiros, esquartejar pessoas­ para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajures, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.
De tanta mentira, distorção e hipocrisia impostas cotidianamente à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, absorvidos e disseminados como verdades, que adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar a veracidade. Senão, vejamos: muitíssimas pessoas têm convicção de que o PT quebrou o país. Como têm convicção de que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi um sucesso econômico. Certo? Errado.
Números oficiais do Banco Mundial provam no governo ­Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco, o PIB recuou de US$ 534 bilhões para US$ 504 bilhões e a renda per capita, de US$ 3.426 para US$ 2.810. Nos governos do PT, esses mesmo indicadores aumentaram de US$ 504 bilhões para US$ 2,4 trilhões e de US$ 2.810 para US$ 11.208, respectivamente, entre 2002 e 2014. Assim como o salário mínimo subiu também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período.
A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo. A maioria das pessoas – incluídos ministros do atual governo que exageram os problemas para vender a sua “competência” e seus projetos ligados a interesses privados – tem convicção de que o Brasil está endividado até o pescoço. Certo? Errado.
Nona economia do mundo em 2016 – éramos a 14ª em 2002 –, o Brasil ocupa, apenas, o 40º lugar entre os países mais endividados. Temos uma dívida pública bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a de 2002 (80%). Menor que a dos Estados Unidos (104%), Zona do Euro (90%), Japão (220%), Alemanha (71%), Inglaterra (89%), França (96%), Itália (132%), Canadá (91%). Além de possuirmos mais reservas internacionais (mais de US$ 370 bilhões) do que qualquer uma dessas nações. E de não estar devendo um centavo para o Fundo Monetário Internacional – pelo menos até a redação deste texto, dia em que o ministro da Fazenda se reunia com... o FMI. Uma grande pilantragem midiática tenta justificar, entre outras coisas, o absurdo teto de despesas públicas proposto pelo atual governo, os juros pornográficos pagos aos bancos e a privatização e entrega de empresas estatais brasileiras a estrangeiros.
Tripé do capital
Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção de que o PT é um partido contrário às Forças Armadas, bolivariano e comunista. Certo? Errado.
O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro. Apoiou as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro, expandindo o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando vendas com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio com bilhões de reais ao Plano Safra, duplicando a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.
Na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando a Estratégia Nacional de Defesa, e bancando o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira. Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos.
Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, de que o PT é o partido mais corrupto do Brasil. Certo? Errado.
Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à ­Corrupção Eleitoral em 2012 – que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso –, o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM. Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só seis nomes são do PT, como o eram apenas 20 do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014.
Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção só existe na proporção que ocorre porque serve como bandeira, desde o início, à direita e à extrema-direita. A esquerda, que costuma cair com facilidade nessa esparrela moral dos imorais, precisa tratar de outros temas, sem deixar – prudentemente – de colocar suas barbas de molho. Por exemplo, o futuro do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, com foco nas áreas social, científica, da educação, da indústria bélica, naval e de petróleo e de infraestrutura.
Ou a defesa da democracia, do Estado de direito e da soberania nacional, em tempos de risco de inserção subalterna do país em um processo de globalização que não deixa outras opções: ou se fortalece, ou capitula. Tudo isso, no contexto do urgente estabelecimento de uma aliança que permita manter a estabilidade da República e evitar a vitória da antipolítica – e a ascensão­ do fascismo – em 2018.
Proporções franciscanas
É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que têm “convicção” de que o ex-presidente Lula é o chefe supremo da corrupção nacional. Que ele, que nunca teve contas no exterior, como Eduardo Cunha ou Paulo Maluf, teria recebido “virtualmente”, para o padrão de consumo de nossa impoluta elite, acostumada a apartamentos em Paris, Miami e Higienópolis, um modesto apartamento de 215 metros quadrados – no qual nunca dormiu e do qual não sem tem notícia de escritura em seu nome. Além de um sitiozinho, mambembe até mesmo para o gosto de nossa pseudoclasse média paneleira, que também não está em seu nome. E de uma ajuda para a guarda de seus documentos presidenciais – de inestimável valor histórico nacional.
Tudo isso apresentado como a parte do leão, do “comandante”, de um suposto esquema de propina, o qual o mesmo MPF, mesmo admitindo não ter provas cabais, afirma ter movimentado a extraordinária soma de R$ 42 bilhões em desvios da Petrobras­ (antes eram R$ 6 bilhões, segundo “impecável auditoria” da “honestíssima” consultoria norte-americana Pricewaterhouse).
Cinismo por cinismo, poderíamos dizer que, na hipótese, difícil de provar, que tivesse recebido os alegados R$ 3,7 milhões em propina pelos quais foi acusado, ante um negócio de mais de R$ 40 bilhões, Lula seria o mais “ingênuo” ou um dos mais “modestos” políticos brasileiros, considerando-se a quantidade de empregos, negócios, projetos, obras e programas que ajudou a proporcionar à economia nacional.
E o PT, que teria pedido miseráveis R$ 5 milhões para pagar contas atrasadas devidas a publicitários, em um contrato de aproximadamente US$ 1 bilhão para construção de duas plataformas de petróleo pela empresa do senhor Eike Batista – um sujeito que resolveu depor “espontaneamente”, depois de ter recebido bilhões do BNDES, durante anos, em apoio às suas empresas falidas –, teria sido, diante das franciscanas proporções da solicitação, de uma tacanhice digna de fazer corar outras legendas e personagens do espectro político nacional.
Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores­ ou o senhor Lula, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo, na mesma proporção de seus erros. O que nos deixa indignados e fora do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a “caradurice”, a hipocrisia institucionalizada com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual surto de “convicções”.

Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações de Powerpoint que pelo exagero, ausência de lógica e verossimilhança – como mostram matérias e editoriais dos jornais estrangeiros – vão ridicularizar o Ministério Público e o J­udiciário brasileiros junto à opinião pública internacional. Correndo o risco, seus “convictos” acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em herói, se for impedido de concorrer à Presidência da República. Ou em mártir, perante o mundo – caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão.