sábado, 27 de agosto de 2016

“O grande salto para trás de Michel Temer”. Por Wanderley Guilherme dos Santos

Um grande salto à frente lembra a fracassada tentativa da China, entre 1958-1961, de impulsionar o crescimento da economia além do fisicamente possível. O grande salto para trás de Michel Temer tem tudo para dar certo: uma burguesia econômica tíbia, profissionais liberais (engenheiros, médicos, dentistas, advogados, etc.) conservadores em sua maioria, heterogêneo apêndice do terciário de mão de obra rudimentar e reacionária (balconistas, caixas e congêneres), categorias intermediárias entre o assalariamento e a incapacidade de crescer – pequenos comerciantes, escritórios periféricos do setor de serviços – igualmente reacionárias e um operariado de baixo poder ofensivo, exceto em alguns momentos da trajetória econômica, majoritariamente caudatário de lideranças partidariamente comprometidas.
No passado, excepcionais lideranças, conduzindo um estamento político ainda pouco contaminado pelo vírus acumulativo das gerações capitalistas, empurraram um empresariado gaguejante em direção à modernidade. Contaram com auxílio de uma burocracia estatal de alta competência e valores nacionalistas, formada desde os anos 30, e que atravessou com dignidade, com exceção minoritária, o período ditatorial. A imprensa, nos intervalos de liberdade, era ideologicamente plural e economicamente competitiva. Não havia lugar para cenas como a do dia 17 de abril de 2016, na Câmara dos Deputados, nem mesmo sob a vigilância de olhos e ouvidos fardados.
Hoje, Michel Temer dá o tempero insosso ao caldeirão reacionário em que se misturam os pelotões de sempre da retaguarda. Dos políticos vertebrados poucos restam, paralisados pelo nível de despudor explícito das negociatas entre Legislativo e Executivo, com participações especiais do Judiciário, noticiadas como rotina por uma imprensa concentrada, chantagista e vingativa. A burocracia estatal espatifou-se em tribos predatórias e ameaçadoras: polícia federal, procuradores públicos, fiscais aduaneiros, auditores, juízes e todas as demais gangues, medindo-se semanal, mensal, anualmente, em campeonato de extorsões da renda nacional à vista do público desarmado, sem refúgio e sem nicho de apelação. A população brasileira está sendo sistematicamente estuprada por folhas de pagamento em que os penduricalhos de benefícios laterais a título de todos os auxílios de que ela própria é desvalida, transformados no meu champanhe, minha vida dos casamentos-ostentação de políticos, juízes, empresários, banqueiros e chalaças.

O governo de Michel Temer dá as primeiras passadas, acelerando para o grande salto para trás e a grande queima de estoques. A massa assalariada brasileira está sendo vendida a preços de saldo, com as liquidações iniciais dos programas educativos e sociais. O patrimônio de recursos materiais, como antes, será oferecido como xepa. A repressão à divergência não será tímida. Não há nada a esperar.

“Os golpistas e o imaginário popular”. Por Renato Rovai

Em algum lugar do futuro a fatura dos dias atuais será acertada. Não na base de uma prestação de contas honesta, onde os que erraram assumirão suas culpas. Mas pelo julgamento frio da história. Quando os desacertos talvez já tenham produzido danos irreversíveis para um projeto de país.
As narrativas da história refletem, é verdade, o balanço das lutas. Mas se também é verdade que quem vence consegue ter mais influência na construção daquilo que pode se consolidar como versão final, é ainda mais verdade que a vitória na história não é dada pelo seu resultado imediato.
No caso do julgamento do impeachment fica cada dia mais claro que o resultado do processo tende a ser da cassação da presidente eleita Dilma Roussef. Mas isso não significará uma vitória histórica dos algozes de hoje.
Os senadores, deputados, empresários, jornalistas e líderes do movimento já começam a ver refluir o que achavam que seria o lucro da conquista. Mas ainda acham que ao final poderão contabilizar lucros. Enganam-se.
Seus rostos já começam a ficar carimbados como de golpistas e suas biografias perdem verniz. Talvez não a de todos, mas a de vários.
Um caso emblemático é o do senador Cristovam Buarque, que a despeito de a cada dia que passa estar mais à direita do que no dia anterior, ainda preservava um certo respeito dos setores progressistas. Preservava…
Cristovam hoje é apenas um golpista a mais. Alguém que fez firula para se posicionar e com isso ampliou seus tentáculos no governo Temer.
Ou seja, que fez o que qualquer político oportunista faria.
O acerto de contas com pessoas com o perfil de Cristovam, que iniciaram sua trajetória na esquerda e no campo popular, será duro.
Porque o governo Temer não é apenas golpista por estar derrotando o voto de 54 milhões de eleitores num processo parlamentar intoxicado e repleto de manipulações. Mas também porque vai tocar uma agenda que não foi aprovada nas urnas e que se fosse discutida pela população não seria vitoriosa. Um agenda ultra-neoliberal.
E por isso quem está com Temer hoje fazendo cálculos de curto prazo só tem a ganhar no futuro se o seu projeto for radicalmente neoliberal. E se o seu eleitor também o for.
Não há como ganhar votos no campo popular com um governo que tem por objetivo aumentar a idade mínima na Previdência Social, fazer uma reforma trabalhista que deve cortar direitos como férias e 13o salário e que já caminha no sentido de vender estatais e dar de bandeja o Pré-Sal.
Um governo desses se consolidará rapidamente como golpista no imaginário popular. E o imaginário popular não perdoa golpistas.

Essa história está muito mais escrita do que a vitória opaca que os que votarão no impeachment tendem a conquistar nos próximos dias.

“Agora que tudo acabou...”.Por Luiz Ruffato

Os Jogos Olímpicos terminaram em clima de euforia e orgulho nacionalista, tendo começado em um ambiente de pessimismo e depressão. E nada poderia ser mais emblemático: a seleção de futebol conquistou uma medalha de ouro inédita, vencendo a partida final contra a Alemanha, que nos havia aplicado aquele traumático e inesquecível 7 a 1 na Copa do Mundo de 2014. Muitos viram nessa vitória uma “vingança”... Enfim, lavamos a alma: mostramos ao mundo que, aos trancos e barrancos, no final dá tudo certo, pois Deus é brasileiro e o jeitinho é a marca nacional...
Nestes dias, em que todos os olhares estavam voltados para o Rio de Janeiro, o Senado aprovou o relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG) – homem de confiança de Aécio Neves, candidato derrotado nas eleições de 2014 – que recomenda a destituição da presidente Dilma Rousseff. O processo deve ser concluído na semana que vem – mas o resultado, desfavorável à petista, já há muito é conhecido. O presidente interino, Michel Temer, que ausentou-se da festa de encerramento dos Jogos Olímpicos para não correr o risco de ser vaiado novamente, como aconteceu na cerimônia de abertura, vai assumir o restante do mandato, ocupando assim um lugar que por mérito próprio nunca alcançaria.
Quando vibrávamos a cada uma das 19 medalhas ganhas nas Olimpíadas, Temer era acusado formalmente por Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira que leva seu nome, de ter recebido, em maio de 2014, R$ 10 milhões, via caixa dois, para o PMDB, partido do qual era presidente. Ele já havia sido arrolado na denúncia de outro envolvido na Operação Lava Jato, o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que responsabilizou-o pelo pedido, em 2012, de R$ 1,5 milhão destinados ao então candidato à prefeitura de São Paulo, Gabriel Chalita, hoje vice na chapa do petista Fernando Haddad, que disputa a reeleição.
Aliás, enquanto permanecíamos em frente aos aparelhos de televisão acompanhando o desempenho de atletas de países que nem desconfiávamos que existiam em modalidades esportivas que sequer tínhamos ouvido falar, os candidatos a prefeito e vereador já estavam nas ruas, avenidas, vielas e becos suando a camisa em busca de votos. São quase 16 mil concorrentes a cerca de 5,5 mil vagas de prefeito e mais de 450 mil disputando em torno de 58 mil cadeiras de vereador - a maioria com certeza imbuída não dos mais altos sentidos cívicos de prestação de serviços à comunidade, mas apenas interessados nos vencimentos mensais e nos benefícios indiretos que exercer o cargo implica...
Em São Paulo, a maior cidade do Brasil, o prefeito ganha R$ 24 mil e os vereadores R$ 15 mil por mês. No entanto, como o limite para o salário de prefeito, não importa o tamanho do município, é o valor do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 33,7 mil), há políticos em pequenos lugarejos recebendo mais até que o prefeito de São Paulo. No caso dos subsídios aos vereadores há complexos limitadores, mas, só para termos uma ideia, Natal (RN) paga aos seus legisladores os mais altos vencimentos entre todas as capitais, R$ 17 mil por mês.

C.S., taxista que faz ponto próximo à minha casa, me disse certa vez, referindo-se ao período eleitoral: “Lá vêm os políticos atrás do meu voto. Eles só se lembram de mim nesta época do ano”. E eu tive que advertir que também ele só se lembrava dos políticos nesta época do ano. Nós não exercemos o direito de escolher nossos representantes – nós nos livramos de um aborrecimento. No dia seguinte à eleição, nem recordamos mais do nome do candidato no qual votamos. E assim vamos vivendo neste que não é um país, mas um ajuntamento de pessoas que nem mesmo interesses gerais convergentes possuem.

“Onde Dilma tropeçou?”. Por Juan Arias

A inesperada ressurreição da autoestima coletiva da sociedade brasileira foi impulsionada, paradoxalmente, por uma Olimpíada na qual ninguém acreditava, mas que acabou sendo aplaudida pelo mundo.
Agora, esse milagre deveria se transformar em algo mais do que um sonho que se dissipa ao despertar. Deveria ser o ponto de apoio para se abordar a provável saída de Dilma. Deixando de lado a disputa política, não deixa de ser um momento relevante, doloroso e dramático para a democracia.
Seria necessário perguntar-se no que Dilma Rousseff acabou tropeçando politicamente, já que existe um consenso geral quanto a sua honestidade pessoal.
Negar que Rousseff cometeu erros de cálculo político seria, a essas alturas, querer negar algumas cenas cruciais deste drama.
Para além das lutas jurídicas, não resta dúvida de que Dilma teve em suas mãos várias opções para abordar sua defesa e buscar a melhor saída para ela e para a sociedade, evitando assim que tudo isso não acabasse por se tornar um drama nacional mais psicanalítico do que político. Poderia, quando ainda havia tempo, ter convocado novas eleições, deixando aos cidadãos a possibilidade de se expressar nas urnas. Tentou fazer isso agora, quando já não há tempo nem vontade no Congresso.
Várias instituições tinham lhe pedido isso, já que a renúncia, que alguns teriam preferido, seria muito mais dramática.
Mas Rousseff preferiu resistir a qualquer custo e agora paga o preço de ver-se presa em um beco sem saída aparente.
Talvez tenha lhe faltado lembrar que a política é a arte da negociação, sem a qual não existe democracia.
Preferiu, na maioria das vezes, o soco na mesa como gesto de resistência ao diálogo, por exemplo, com o Congresso e a oposição. Talvez também com a sociedade.
Não acredito no axioma de que as sociedades têm os governos que merecem. Pelo menos nem sempre é assim. Na verdade, quando se enganam costumam ter força para reagir.
Com todos os seus defeitos, a sociedade brasileira concretamente sempre soube enfrentar e resolver seus desafios históricos. O poeta José Salgado Maranhão escreve em sua conta do Facebook: “Não desfaço de nenhum povo, todos têm sua graça e suas virtudes, porém, em matéria de arte, de diversidade cultural, nós somos imbatíveis. Somos um povo que vem de uma longa estrada de lutas e adversidades, sobretudo a grande maioria da população, muitas vezes sugada por dirigentes desonestos. No entanto, é essa mesma população sofrida que é capaz de prodígios para revelar o extraordinário caleidoscópio de sua alma miscigenada. E, feito cana do moedor, tira mel da própria dor”.

“Tento achar que não é golpe, mas...”. Por Xico Sá

Faço de tudo, mas não consigo. Juro que me esforço para dizer que não se trata de uma tramoia, uma farsa, um golpe parlamentar, juro, vasculho, investigo, leio de tudo —sou aquele cara que lia e lê tanta notícia, lembra, o sujeito indefinido de cuja existência o Caetano duvidava, vide a faixa “Alegria, Alegria”? Sim, canção também conhecida como “Caminhando contra o vento”. Por que não, por que não?
Nada de novo sob o sol na banca de revistas, e nesse Eclesiastes permanente, juro que tento entender aquele belo diálogo patriótico entre o sr. Sérgio Machado e Romero Jucá e, juro, vomito como um Bukowski chegando em casa depois de um porre de uma quinzena. Por favor, me ajude, preciso entender, sob qual aspecto, como aquele diálogo impertinente pode ser interpretado fora do xadrez golpista. Jucá assumiria como todo-poderoso do governo provisório dias depois... O resto você sabe. Corta. Mais uma golfada.
Juro, vou poupá-lo de ouvir de novo, embora vez por outra, apenas por masoquismo, escute tudo outra vez (play again, Sam!) no velho gravador dos meus tempos de jovem repórter, presente de Geneton Moraes Neto para o então foca do Recife. Gracias, véi, descansa em paz, não vou encher o saco do amigo com nostalgias ou pesadelos terrenos, juro, só te digo que Bodinho, o melhor contínuo de redação do mundo, aproveita e também manda lembranças, além de repetir aquela antiga frase irônica atualíssima: “Você é pago para apurar e escrever; se vai publicar quem decide é o dono”.
Tento entender a tese de um impeachment, embora traumático de todo jeito, mas não consigo, juro por Nossa Senhora do Desterro. Meu padim, padim Ciço de Juazeiro, nem a sagaz raposa Floro Bartolomeu seria capaz de tal trama —estou certo, biógrafo Lira Neto? A política no Brasil é a mesma dos anos 1930?
Juro, colegas dos telejornais, sou todo vistas e oiças para entender as edições... Compreendo as linhas editorais, os compromissos das casas mais conservadoras, ah quantos passaralhos rolaram, etc. A democracia, todavia, estrebucha quando não se leva em conta 54 milhões de votos. Tudo é cobrado pela história, embora no momento prevaleça o cinismo sorridente dos golpistas. Deixa quieto?
Tudo será lembrado depois, como diria o cobrador do conto homônimo de Rubem Fonseca, uma das maiores e mais sinceras narrativas do país. Jovens, leiam, importantíssimo, sabe quando a ficção explica mais do que vários tomos de sociologia? É por aí, te avexa, se liga.
Distanciamento
Juro que tento entender como as delações não valem quando os atingidos são personagens tipo Michel Temer, José Serra —eterno protegido de toda mídia, amém!—, Aécio Neves, etc etc. Ave, me encho de tristeza e preguiça... Para uns vale a delação da empreiteira, para os protegidos vale o distanciamento (ode)brechtiano, para citar a técnica russa do grande teatro.
É ridícula, juro, esta ladainha crônica. Tudo isso poderia ser tão óbvio, quem dera, pretensão da minha parte. Será que vamos acordar apenas quando “A Pátria em chuteiras” —agora campeã olímpica— se transformar na pátria em vara? Quando os direitos trabalhistas, em nome da perversão patronal, forem para o beleléu? Talvez. Importante é que acorde.
Tento, juro, mas reparo que se trata de um golpe parlamentar sem tanques, com uma tese (pedalada fiscal) armada por técnicos em falso-moralismo, é o que fica evidente ao mirar no olho desses boçais, deixa quieto? Juro que tento.
Até lembro, à guisa de paródia, um rock´n´roll cantado pelo bravo irmão e artista gaúcho Wander Wildner:
“Minha vontade é ser bonito
Mas eu não consigo
Eu sempre volto atrás
Eu sempre volto atrás...”
Assim sou eu com a tese golpista. Não consigo vê-la de outra forma. E na gana de citador-mor da crônica brasileira, vale um Manuel António Pina, um dos meus poetas portugueses prediletos, para fechar a tampa dessa garrafa atirada aos náufragos:
“Ainda não é o fim/ Nem o princípio do mundo/ Calma/ É apenas um pouco tarde”.


Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram -crônicas de amor & sexo em tempo de homens vacilões” (editora Record). Na televisão, é comentarista do programa “Papo de Segunda” (GNT).

“O bando do Jaburu”. Por Mauricio Dias

Ressalvadas eventuais mudanças de última hora, somente a vontade de “não perder” sustenta a luta para voltar ao governo, travada pela presidenta Dilma Rousseff contra o golpe, vestido de impeachment, parido na Câmara e amamentado no Senado.
A grande maioria dos senadores votou pelo impedimento da presidenta, invocando a necessidade de manter a estabilidade no País. Ao contrário. O que se pode esperar neste caso, onde se misturam hipocrisia e falsidade, diz respeito à eventual reação das ruas.
Eis um alerta insuperável de Raymundo Faoro: “A mais grave de todas as formas de falseamento da soberania popular é aquela que usurpa a legitimidade, confundindo-a com o poder”.
Na penúltima fase do processo de impeachment, a honesta Dilma foi julgada e, possivelmente, na última etapa, será condenada, pelos políticos suspeitos de corrupção, conforme apontam as investigações da Operação Lava Jato. Uma grande parte deles integra a cúpula do PMDB.
Ulysses Guimarães, mito dessa legenda partidária, os reprimiria com rigor muito forte. E poderia mesmo jogá-los na lixeira.
A propósito. Serão eles, expressões da corrupção na política, responsáveis pelas homenagens na passagem do centenário de nascimento de Ulysses, a 6 de outubro próximo? Se assim for, Ulysses não comparecerá aos eventos.
Voltando aos fatos de agora. O núcleo duro de um suposto poder definitivo, em operação já na interinidade, seria este: Michel Temer, presidente da República; Renan Calheiros, presidente do Congresso; senador Romero Jucá, líder do partido; Moreira Franco, da Secretaria-Executiva do governo; Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil; deputado Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo.
Atuaria por fora, como já atua, o deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, de grande influência no Jaburu. Ele renunciou à função e, recentemente, foi substituído pelo deputado Rodrigo Maia, do DEM, agregado de última hora ao bando peemedebista.
Maia é o responsável pela prorrogação do julgamento final de Cunha, na Câmara. O jovem títere atendeu aos pedidos superiores. Mas, sob pressão, poderá “recuar”, para usar uma expressão muito comum a Michel Temer.
Mesmo envolvidos em escândalos, todo o bando do Jaburu voará, em breve, para o Palácio do Planalto, onde há mais poder, e mais espaço, para dar continuidade aos planos do bando. Planos traduzíveis mais ou menos assim: mais dinheiro aos ricos e menos dinheiro aos pobres e entregar o País.

Este o remédio que Henrique Meirelles e José Serra pretendem ministrar ao País, longe de atender às suas necessidades, assim como não o é a tendência autoritária do presidente interino ao sustentar, em ilegítima defesa, as restrições impostas aos cartazes e às vaias audíveis nas áreas onde atletas disputam medalhas olímpicas.

“A Justiça engajada”. Por Mauricio Dias

No documento enviado ao Alto-Comissariado dos Direitos Humanos da ONU, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva argumenta ser “vítima de abuso de poder por um juiz, com a cumplicidade de procuradores que o atendem e atuam, lado a lado com os meios de comunicação”.
Lula é a vítima, Sergio Moro o algoz. Condutor da Operação Lava Jato, formou-se em torno desse magistrado de primeira instância um complô com procuradores da República, aos quais se juntaram policiais federais e a mídia voraz. “Esse juiz não pode ser considerado imparcial”, argumentaram os advogados do ex-presidente.
Três provas, entre outras, apresentadas à ONU: ilegal mandado de condução coercitiva, publicação pelo juiz Moro de interceptações autorizadas e ilegais e não autorizadas, além de interceptação telefônica do advogado requerente.
Tudo isso foi calculadamente distribuído para a mídia. “Esses abusos não podem ser satisfatoriamente corrigidos na legislação brasileira”, alegaram os requerentes. Há Justiça no Brasil. Boa para uns e ruim para a maioria.
Uma das provas disso é a pesquisa do Ibope, feita em 2015, sobre o Índice de Confiança nas Instituições. A Justiça está em desonroso e preocupante décimo lugar, na lista de avaliação de instituições, com 46% de confiança da população. Atrás, por exemplo, das Forças Armadas, das empresas, dos bancos, da polícia (tabela). Ressalvadas as exceções, o Poder Judiciário, contaminado pelo engajamento político, fica sob suspeita. Justiça engajada vira injustiça.
Há uma sintonia na sociedade, aponta a pesquisa. As respostas restritivas são muito semelhantes, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, tanto no gênero quanto na idade, na classe social e nas religiões. É possível notar uma diferença maior de descrédito à magistratura entre a média, de 45% de confiança, e a resposta das classes D/E, de 49%.
Obrigado a se haver com a parcialidade o ex-presidente recorre a um tribunal de alta credibilidade, fora do Brasil, capaz de avaliar tudo com a indispensável isenção. Lula, torneiro mecânico, é vítima notória de preconceito social e da preocupação política implacável dos opositores, pelo fato de ter sido eleito e reeleito presidente da República, além de ter usado sua popularidade e liderança para eleger e reeleger Dilma Rousseff.
Houve quem dissesse “chega!”,  Lula foi longe demais. “O ex-presidente – os advogados dele registram – tem “muitos opositores nas classes média e alta.” Quando se fala, também, de engajamento de juízes, procuradores e policiais, sustentados por falsos objetivos, não é difícil encontrar as referências, na pirâmide da magistratura, embaixo e no alto. Embaixo dela está o juiz Sergio Moro. No alto, o ministro Gilmar Mendes, autor desta observação sobre a decisão de Lula: “Me parece que é mais uma ação de índole política”.

O engajamento de juízes, a exemplo de Gilmar, foi o que levou Lula a buscar o julgamento da ONU e evitar a Justiça injusta.

“O Sargento, o Marechal e o Faquir”. Por Rafael Guimaraens

Conhecia há muito tempo o “Caso das Mãos Amarradas”, uma história emblemática ocorrida em 1966, nos primórdios da ditadura militar. Foi muito divulgado à época, primeiramente porque ainda não havia a censura férrea à imprensa, que seria instaurada dois anos depois pelo Ato Institucional nº 5. Segundo, porque nos primeiros dias não se sabia que o corpo encontrado às margens da Ilha das Flores, em Porto Alegre, se tratava de um perseguido político.
Há cerca de dez anos, meu interesse pelo caso ganhou outra dimensão à medida que fui conhecendo o perfil e a trajetória do sargento Manoel Raymundo Soares. Nascido em Belém do Pará, de uma família muito pobre, mudou-se para o Rio de Janeiro com a intenção de servir ao Exército. Com 20 anos, já alcançava o posto de sargento.
Autodidata, leitor compulsivo, amante da música clássica, destacava-se pela inteligência, a humildade e a bravura, embora tivesse pouco mais de um metro e meio de altura. Integrava a vanguarda do movimento dos sargentos de intensa atuação entre a Campanha da Legalidade que garantiu a posse de João Goulart na Presidência da República, em 1961, e o golpe militar que derrubou do poder, em 1964.
Neste período, o Brasil viveu tempos de altíssima voltagem no campo político, no qual tudo estava em disputa. Os sargentos do Exército Nacional entraram no jogo para valer. Questionavam a hierarquia militar, defendiam seu direito à representação no Parlamento e, na medida em que a conjuntura se radicalizava, assumiam posições cada vez mais atrevidas pelas reformas de base, formando uma frente de lutas com a União Nacional dos Estudantes, o Comando Geral dos Trabalhadores e as Ligas Camponeses.
Soares, como os demais líderes do movimento, foi expulso do Exército logo após o golpe militar. Seria preso em Porto Alegre, quando seu grupo, autodenominado Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), tentava organizar um levante dos quartéis, a partir de entendimentos com o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, que se encontrava no Uruguai.
Brutalmente torturado e mantido preso ilegalmente por cinco meses, seu corpo seria encontrado com sinais de tortura e as mãos atadas às costas.
O Sargento, o Marechal e o Faquir conta a trágica história desse personagem peculiar. Na primeira parte, o livro traça um perfil de Manoel Raymundo Soares e do movimento dos sargentos. Sua trajetória é recontada na relação com dois outros personagens que, no livro, são coadjuvantes. Um deles, ilustre, é Castelo Branco, primeiro ditador do regime militar, que inicialmente pretendia que a presença dos militares no poder fosse breve – tratava-se de “livrar o Brasil do comunismo” e reestabelecer uma democracia formal, burguesa, de direita, sem riscos de um novo governo de esquerda ou populista –, mas acabou adotando uma sucessão de medidas autoritárias. O outro é Edu Rodrigues, um pintor de cenários e informante do Serviço Nacional de Informações (SNI), que armou a emboscada para a prisão de Soares. Anteriormente, ele fora o “Príncipe Aladim”, um faquir fracassado.
A segunda parte trata das investigações policiais para identificar os culpados e toda a comoção popular em torno da misteriosa morte do sargento. A história é narrada em linguagem de romance político-policial, na qual os fatos e provas vão surgindo e apontando para a responsabilidade dos órgãos de segurança no assassinato. Foi o primeiro caso de repressão da ditadura com ampla cobertura da imprensa. Em 2005, sua viúva conseguiu, após mais de 30 anos de batalha judicial, responsabilizar a União pelo crime, conforme decisão do Tribunal Federal de Recursos da 4ª região de Porto Alegre.


Rafael Guimaraens é jornalista e está lançando O Sargento, o Marechal e o Faquir, pela editora Libretos, romance-policial baseado nos fatos reais do Caso das Mãos Amarradas, como ficou conhecido a tortura e morte do sargento Manoel Raymundo Soares, em 1966, o primeiro caso de violação pela ditadura de repercussão nacional. É autor de outros doze livros em que resgata histórias e memórias, entre eles Teatro de Arena – Palco de Resistência e Unidos pela Liberdade.