Conhecia
há muito tempo o “Caso das Mãos Amarradas”, uma história emblemática ocorrida
em 1966, nos primórdios da ditadura militar. Foi muito divulgado à época,
primeiramente porque ainda não havia a censura férrea à imprensa, que seria
instaurada dois anos depois pelo Ato Institucional nº 5. Segundo, porque nos
primeiros dias não se sabia que o corpo encontrado às margens da Ilha das
Flores, em Porto Alegre, se tratava de um perseguido político.
Há
cerca de dez anos, meu interesse pelo caso ganhou outra dimensão à medida que
fui conhecendo o perfil e a trajetória do sargento Manoel Raymundo Soares.
Nascido em Belém do Pará, de uma família muito pobre, mudou-se para o Rio de
Janeiro com a intenção de servir ao Exército. Com 20 anos, já alcançava o posto
de sargento.
Autodidata,
leitor compulsivo, amante da música clássica, destacava-se pela inteligência, a
humildade e a bravura, embora tivesse pouco mais de um metro e meio de altura.
Integrava a vanguarda do movimento dos sargentos de intensa atuação entre a
Campanha da Legalidade que garantiu a posse de João Goulart na Presidência da República,
em 1961, e o golpe militar que derrubou do poder, em 1964.
Neste
período, o Brasil viveu tempos de altíssima voltagem no campo político, no qual
tudo estava em disputa. Os sargentos do Exército Nacional entraram no jogo para
valer. Questionavam a hierarquia militar, defendiam seu direito à representação
no Parlamento e, na medida em que a conjuntura se radicalizava, assumiam
posições cada vez mais atrevidas pelas reformas de base, formando uma frente de
lutas com a União Nacional dos Estudantes, o Comando Geral dos Trabalhadores e
as Ligas Camponeses.
Soares,
como os demais líderes do movimento, foi expulso do Exército logo após o golpe
militar. Seria preso em Porto Alegre, quando seu grupo, autodenominado
Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), tentava organizar um levante dos
quartéis, a partir de entendimentos com o ex-governador gaúcho Leonel Brizola,
que se encontrava no Uruguai.
Brutalmente
torturado e mantido preso ilegalmente por cinco meses, seu corpo seria
encontrado com sinais de tortura e as mãos atadas às costas.
O
Sargento, o Marechal e o Faquir conta a trágica história desse personagem
peculiar. Na primeira parte, o livro traça um perfil de Manoel Raymundo Soares
e do movimento dos sargentos. Sua trajetória é recontada na relação com dois
outros personagens que, no livro, são coadjuvantes. Um deles, ilustre, é
Castelo Branco, primeiro ditador do regime militar, que inicialmente pretendia
que a presença dos militares no poder fosse breve – tratava-se de “livrar o
Brasil do comunismo” e reestabelecer uma democracia formal, burguesa, de
direita, sem riscos de um novo governo de esquerda ou populista –, mas acabou
adotando uma sucessão de medidas autoritárias. O outro é Edu Rodrigues, um
pintor de cenários e informante do Serviço Nacional de Informações (SNI), que
armou a emboscada para a prisão de Soares. Anteriormente, ele fora o “Príncipe
Aladim”, um faquir fracassado.
A
segunda parte trata das investigações policiais para identificar os culpados e
toda a comoção popular em torno da misteriosa morte do sargento. A história é
narrada em linguagem de romance político-policial, na qual os fatos e provas
vão surgindo e apontando para a responsabilidade dos órgãos de segurança no
assassinato. Foi o primeiro caso de repressão da ditadura com ampla cobertura
da imprensa. Em 2005, sua viúva conseguiu, após mais de 30 anos de batalha
judicial, responsabilizar a União pelo crime, conforme decisão do Tribunal
Federal de Recursos da 4ª região de Porto Alegre.
♦ Rafael Guimaraens é jornalista e está
lançando O Sargento, o Marechal e o Faquir, pela editora Libretos,
romance-policial baseado nos fatos reais do Caso das Mãos Amarradas, como ficou
conhecido a tortura e morte do sargento Manoel Raymundo Soares, em 1966, o
primeiro caso de violação pela ditadura de repercussão nacional. É autor de
outros doze livros em que resgata histórias e memórias, entre eles Teatro de
Arena – Palco de Resistência e Unidos pela Liberdade.
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