domingo, 10 de julho de 2016

Jornada de 80 horas para os "coxinhas". Por Eduardo Guimarães

O lado obscuro da alma do blogueiro sente uma satisfação mórbida quando se materializam desgraças que os que sabiam que o golpe era golpe avisaram que sobreviriam. Apesar de que estar certo, nesse caso, significa que você também vai se dar mal, é analgésico saber que as hordas de imbecis que se fantasiaram com camisetas amarelas também pagarão alto preço.
Claro que muitos dos fascistas que inundaram as ruas pedindo golpe contra Dilma Rousseff serão, sim, beneficiados por medidas contra os trabalhadores que decorrerão da derrubada do governo eleito em 2014. São os que têm motivos para apoiar o golpe por serem beneficiários de medidas contra trabalhadores que o golpista Michel Temer já anunciou que tomará.
Porém, quase todos os camisas-amarelas que ajudaram a jogar o Brasil nesse buraco vão se dar tão mal quanto quem não queria o golpe, porque a quase totalidade dessas hordas de descerebrados é empregada de alguém, por mais que ocupe cargos mais altos nas empresas.
Os camisas-amarelas ajudaram a colocar no poder um grupo político identificado com grandes empresários que têm forte interesse na piora das condições de trabalho dos assalariados. Essa gente começou a se animar a pregar suas sandices durante o ano eleitoral de 2014.
Benjamin Steinbruch, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), diretor-presidente da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e do Grupo Vicunha, participou do programa de web TV Poder e Política, da Folha e do “UOL”, conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 25.set.2014 no estúdio do UOL em São Paulo.
Para resumir as loucuras que aquele sujeito pregou, basta um trecho de sua entrevista:
Fernando Rodrigues – O problema do custo do empregado para o empregador está relacionado diretamente aos direitos que os empregados têm. Como é possível reduzir o valor que se paga para ter empregado sem reduzir os direitos que lhe tem hoje?
Benjamin Steinbruch – Por exemplo, se você vai hoje em uma empresa nos Estados Unidos, aqui a gente tem uma hora de almoço, normalmente não precisa de uma hora do almoço, porque o cara não almoça em uma hora. Você vai nos Estados Unidos você vê o cara almoçando com a mão esquerda e operando… comendo o sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a direita, e tem 15 minutos para o almoço, entendeu? E eu acho que se o empregado se sente confortável em poder, eventualmente, diminuir esse tempo, porque a lei obriga que tenha que ter esse tempo?
É óbvio que isso não existe. Não é desse jeito que acontece. E mesmo que fosse verdade, nos EUA a jornada de trabalho é menor e os salários são muito maiores. Mas, como o leitor irá conferir adiante, esses dementes dessas entidades ligadas à indústria pegam uma exceção em países ricos que oferecem excelentes condições de trabalho e a transformam em regra
Em cerca das mais de duas horas de reunião na última sexta-feira entre o presidente interino Michel Temer e cerca de 100 empresários da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Temer e Braga de Andrade, presidente da entidade, concordaram em adotar “mudanças duras” tanto na Previdência Social quanto nas leis trabalhistas.
Uma das “mudanças duras” discutidas pelos dois filhos das respectivas mães diz respeito à jornada de trabalho dos brasileiros. O presidente da CNI sugeriu que o Brasil adote iniciativas similares às que teriam sido adotadas pelo governo francês, que, sem aval do Parlamento, teria conseguido aprovar jornada laboral de até 80 horas semanais e/ou 12 horas diárias.
Abaixo, a pregação textual de Braga de Andrade, da CNI. Vale informar que antes de jogar a bomba na praça, o presidente daquela entidade empresarial discutiu o assunto com o presidente interino da República.
“Vimos agora o governo francês, sem enviar ao Congresso Nacional, tomar decisões com relação às questões trabalhistas. No Brasil, temos 44 horas de trabalho semanal. As centrais sindicais tentam passar esse número para 40. A França, que tem 36 passou, para a possibilidade de até 80 horas de trabalho semanal e até 12 horas diárias de trabalho. A razão disso é muito simples. A França perdeu a competitividade de sua indústria com relação aos demais países da Europa. Agora, está revertendo e revendo suas medidas, para criar competitividade. O mundo é assim e temos de estar aberto para fazer essas mudanças. Ficamos ansiosos para que essas mudanças sejam apresentadas no menor tempo possível”.

A proposta caiu como uma bomba, na sexta-feira. Como sempre ocorre nas redes sociais, a loucura proposta pelos dois “presidentes” (da CNI e da República) acabou virando piada, já que não havia meio de discutir seriamente o verdadeiro genocídio social que está em gestação.

O pecado original de Sergio Moro. Por Mauricio Dias

A Operação Lava Jato, maquinada pelo juiz Sergio Moro, da 14ª Vara Criminal de Curitiba (PR), e executada por procuradores da República e pela Polícia Federal, no 27º mês de existência, enfrenta obstáculos de um lado e de outro. Ora por boas razões, ora por maus propósitos. Essas são metas guiadas pelo objetivo de “estancar a sangria”, segundo a frase suspeita do senador Romero Jucá.
Em essência são dois movimentos iguais com objetivos distintos. Um reage para conter os arrufos de Moro nos limites da legalidade, o outro costura um acordo, conforme as delações indicam, para conter e guarnecer a liberdade de empresários, funcionários públicos e políticos envolvidos com propinas bilionárias. Para esse grupo é preciso estancar a Lava Jato. A qualquer preço.
Isso é possível? Os céticos dizem sim. Os confiantes dizem não. Invisível a olho nu, a Lava Jato está sob fogo cruzado e, mais do que isso, anda pressionada por inúmeras contradições internas, inesperadas, como aquela exposta há poucos dias pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Eis que Mello, decano do STF, bateu de frente com a interpretação conservadora da maioria da Corte. Recentemente essa maioria, pressionada pela crença da sociedade nas soluções discutíveis da Lava Jato, tornou como regra a prisão de réus em segundo grau. Ou seja, antes do trânsito em julgado.
O ministro, conservador, foi um dos quatro votos derrotados no STF, quando o tribunal tomou a decisão de condenar “à morte” o trânsito em julgado. Nesse caso, Mello aliou-se aos juízes “garantistas”. Em princípio, são liberais.
Sergio Moro não gostou do voto de Celso de Mello. Pode-se afirmar isso, embora esse espetaculoso juiz de 1ª instância não tenha se manifestado publicamente. Até agora, pelo menos.
Falou sobre o caso, no entanto, o lépido procurador Deltan Dallagnol, coordenador das ações da Lava Jato, para quem a execução da pena em segundo grau não pode ser regra. Ela serve à delação premiada. Essa mudança “pode prejudicar a realização de acordos”, diz o procurador.
Dallagnol tem uma expectativa cruel quanto a isso. “O réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável. Ninguém faz acordo, quando existe alternativa melhor do que o acordo.” Essa afirmação representa a falência da investigação policial, sem tortura psicológica ou física.
Como se sabe, não há histórico de punições dos criminosos de “colarinho-branco”. Os crimes, por aqui, são cometidos “apenas” por “pretos, pobres e prostitutas”, constatará aquele que voltar de uma visita ao sistema penitenciário.
A Operação Lava Jato, embora ainda não tenha liquidado Lula e o PT, já fez prisões inesperadas. Exceto na cúpula da política. Líderes do PMDB, com extensões do PSDB, são forças capazes de emperrar apurações do Ministério Público, comandado por Rodrigo Janot.
Não fosse uma ação originalmente comprometida politicamente, com auxílio luxuo­so no Supremo, seria possível crer que a Lava Jato estivesse mudando hábitos centenários na Justiça brasileira.
Como pensa parte da sociedade. Aquela que, se pudesse, tosquiaria os petistas. Esse é o ponto.
É preciso acabar com o PT e inviabilizar a vantagem eleitoral de Lula para 2018. Antes disso, porém, é necessário prender suspeitos de hábitos sujos, e de colarinhos alvos para não tornar visível o complô.
Este é o pecado original da Lava Jato. Do juiz Sergio Moro.


O ABC do Meirelles. Por Fernando Britto

Henrique Meirelles diz no Estadão que “o plano A é o controle de despesas, o B é privatização, e o C, aumento de imposto“.
Então, o nome de seu plano é ABC, porque vão se sai de um confessado déficit inercial – o que haveria se não se alterassem as tendências atuais de receita e despesa públicas – de R$ 270 bilhões para um déficit real apenas da metade disso sem lançar mão de todas as frentes de produção de superavit.
Está-se falando em uma variação (R$ 130 bilhões) que representa 2% do PIB, não de uns trocados que se arranja na base do “aperta daqui, aperta dali”.
O anúncio da meta fiscal, por isso, é mentiroso.
Todos os envolvidos em sua confecção e todos os grandes agentes econômicos sabem que, sem o “plano C”,  apenas o A e o B não chegam a este valor.
Por mais que o “plano A” – o corte das despesas –  seja brutal, ele tem limites operacionais e políticos. Boa parte das despesas são não só irredutíveis como crescentes, a começar pelas de pessoal e a previdenciária.
Para você ter uma ideia do que isso representa, hoje – quando ainda não entram na conta os reajustes do Judiciário e de outras categorias do funcionalismo – a despesa do Governo Central tem crescimento zero, em valores reais, com a paralisia de todos os seus projetos. Nem sequer neste patamar se manterá.
Para que isso continuasse ocorrendo após o pacote de “bondades” de Temer, que representa, em seis meses, algo como R$ 10 bi – não está na conta a moratória das dívidas dos estados, nem o pacote “Olimpíadas” –  implicaria mais cortes em outras áreas.
Os fatores de peso que poderiam influir seriam: a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário-mínimo, de imediato, e a elevação da idade mínima de concessão de aposentadorias, no médio prazo, porque tem efeito contrário no curto prazo, provocando uma corrida ao benefício antes que as regras de mudança sejam anunciadas.
Da letra A não vem nada, ou quase nada: apenas para mantê-la parada já será brutal o efeito.
Na letra B, a do aumento de receitas pela recuperação econômica, francamente, não há sinal algum de que isso possa vir a ocorrer no curto prazo.
Não é preciso discorrer sobre o assunto, basta ver os números que saem, a cada dia, onde não se encontra nenhum dado alentador sobre recuperação da economia. Com boa vontade, de estabilidade no fundo do poço.
A letra C, a dos impostos, portanto, é inevitável e é isso o que Meirelles está dizendo, com o “pode ser” com que tenta preservar sua credibilidade, apesar das negativas do “chefe” Temer.
E ela se dará, como é tradição no Brasil, não sobre o patrimônio, mas sobre a cadeia produtiva.
Ao povo, impostos se devolvem em educação, saúde, serviços públicos onde se investe, se moderniza e se amplia o alcance.
Às empresas, em infra-estrutura, energia, portos, rodovias e ferrovias, naquilo que são fatores exógenos de sua competitividade.
O nosso plano C, infelizmente, nada disso tem.

É imposto para nada.

Cunha, Temer, aliados & cia. Por Jânio Freitas

A renúncia de Eduardo Cunha não reduz em nada a ruína do meio político. O benefício que oferece é a demonstração, para quem possa encará-la, de que os seus métodos na política vão continuar em prática por outros, a começar de sua aceitação, patrocínio e prática por Michel Temer. Já a propósito da operação para manter Eduardo Cunha como deputado.
A diferença no uso de artifícios baixos está em que Eduardo Cunha não foi posto na presidência da Câmara em nome da correção e da eficiência de procedimentos, muito ao contrário. E coxinhas e coxões atribuíram a Michel Temer a nobreza de uma missão que, logo reduzida a farsa, os obriga a protegê-lo com o seu silêncio e a falsa cegueira.
Relator da CPI do mensalão, Osmar Serraglio dela saiu elogiado pelo equilíbrio e a seriedade. É agora o eixo operacional da manobra impulsionada por Michel Temer, com arquitetura que tem o desenho típico do próprio Eduardo Cunha. Foi Serraglio quem acertou o detalhamento do plano com Cunha e, afinal, com ele fechou a data e a forma da renúncia. À qual se seguiu, por ato seu, o imediato adiamento da sessão sobre o recurso de Cunha contra o Conselho de Ética, que aprovou a possibilidade de sua cassação. Como presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Serraglio despachou desta semana para data imprecisa, é provável que só em agosto, a decisão do plenário sobre o destino de Cunha.
A justificativa para o adiamento da sessão na CCJ, dada por Serraglio, é que Eduardo Cunha deixava de ser presidente da Câmara, sua condição quando examinado no Conselho de Ética. Mas o que a CCJ discutiria não se refere à presidência, e sim à perda do mandato de deputado. A finalidade pretendida por esse falseamento é devolver o caso ao Conselho de Ética, para nova decisão entre autorizar ou recusar processo de cassação de Eduardo Cunha. Seccionado por inúmeras artimanhas, a decisão anterior consumiu mais de seis meses.
A nova decisão não precisa demorar tanto para cumprir o propósito planejado. Trata-se de ganhar o tempo suficiente para que o Supremo Tribunal Federal inicie um dos previstos julgamentos de Eduardo Cunha. Se ainda deputado e, portanto, com direito a esse foro privilegiado, ele escapa de julgamento por Sergio Moro e da costumeira prisão em Curitiba.
Apesar de toda essa manobra, perdura o problema da mulher e de uma das filhas de Cunha, ambas sob a mira voraz de Moro. Não é exagerada a suposição de um plano já em andamento para socorrê-las. No qual, outra vez, por certo não lhe faltarão as ajudas atuais, como não lhe faltam motivos para obtê-las.
É a essa pessoa, cuja folha corrida dispensa rememoração, que Michel Temer se associa e serve com os seus atuais poderes. Se nega participação na manobra para manter Eduardo Cunha livre no exercício do mandato de deputado e em outros exercícios, uma evidência o desmente: foi ao encontro de Michel Temer que Osmar Serraglio correu, como quem corre ao chefe, para informar que naquela quarta-feira acertara os pormenores finais com Eduardo Cunha – renúncia às 13h do dia seguinte e o imediato seguimento do plano.

O Supremo suspendeu o mandato de Eduardo Cunha e, depois, aplicou-lhe a extraordinária proibição de entrar na Câmara, por suas ações obstrutivas no processo sobre a possibilidade de sua cassação. É o que Eduardo Cunha volta a fazer, com a companhia de Michel Temer e conforme discutido por ambos em uma noite de isolado domingo na residência oficial do vice-presidente em exercício da Presidência.

Autoajuda neopopulista. Por Bernardo Mello Franco

Se você é de extrema-direita, congênere ou simpatizante (se defende Deus, a raça ou a nação em detrimento dos direitos dos indivíduos) e nutre aquele sonho antigo de chegar ao poder, aqui vão algumas dicas.
Não dê ouvidos aos céticos que garantem que já não há a menor chance. Não esmoreça, há indícios positivos. Veja a Alemanha: até outro dia o retorno de um movimento ultra nacionalista parecia inconcebível. Tudo na vida é senso de oportunidade e esta é a sua hora. A primeira medida é identificar um bode expiatório capaz de eletrizar a insatisfação popular. Todo país tem o seu.
Se você nasceu sob a estrela de uma potência ou ex-potência mundial com nostalgia de um passado colonial glorioso, a imigração é a melhor desculpa para a crise econômica e para o desemprego. Conte com a memória curta das pessoas e os mitos nos quais elas precisam acreditar.
Despreze os economistas que insistem em dizer bobagens do tipo: "A imigração ajuda a tirar a economia do buraco". É conversa de tecnocrata. Fale a língua do homem comum. Não é difícil (nesse sentido, você pode contar com o auxílio dos próprios tecnocratas e de seu jargão, como contraponto).
Basta falar em crise de identidade quando o assunto for crise econômica. Todo mundo entende. Todo mundo gosta de identidade. Nacionalismo e protecionismo sempre caem muito bem. Em pouco tempo, um monte de gente estará comendo na sua mão. Vai por mim.
Agora, se você não teve o privilégio de nascer no Primeiro Mundo, também não tem por que ficar arrasado, choramingando pelos cantos. Tudo na vida tem um lado bom. Procure explorar a sua realidade. Se você tiver a sorte de nascer num país com desigualdades sociais extremas, Estado paralisado e a mais desavergonhada irresponsabilidade (fiscal etc.) de uma classe dirigente suicida e sabotadora, procure se aliar a quem tem tino para capitalizar em cima dessa situação, suprindo a falta do Estado entre os necessitados. É tiro e queda.
Não ataque a irresponsabilidade da classe dirigente. Não ponha a culpa no neoliberalismo. Ao contrário, sirva-se deles. Você vai precisar deles para chegar lá. E eles precisam de você para distrair as hordas miseráveis e espoliadas.
Se souber costurar bem essa aliança de ocasião, quem sabe você não acaba com uma concessão de rádio e TV ou até com um partido político? Já pensou? Se tiver índole messiânica e cara de pau para falar em nome de Deus, melhor ainda.
Você também pode (na verdade, deve) se aproveitar do acirramento da crise econômica para inflamar os ânimos de quem perdeu o pouco que tinha. Isso sempre funciona, tanto nas antigas potências coloniais como nas chamadas economias emergentes, e em especial entre essa abstração tão manipulável à qual dão o nome abrangente de classe média.
Nada produz melhor efeito do que a associação entre descontentamento e juízos latentes ou recalcados. A chave do sucesso é apresentar soluções rápidas, simples e positivas (não importa que sejam irreais, esdrúxulas ou falsas) para problemas complexos.
A burrice e a ignorância são seus aliados. Não os subestime. Não há nada mais liberador para a insatisfação desarrazoada do que encontrar uma válvula de escape, um irmão de fé para compartilhar seus preconceitos contra um bode expiatório comum. Aproveite a oportunidade que lhe oferecem as novas mídias. Basta acender o pavio.
Mire-se no exemplo das extremas-direitas nos países desenvolvidos. Observe como elas se comportam. Provocação e normalização, provocação e normalização. Pense nisso. Se lá eles dizem uma barbaridade qualquer, como "as câmaras de gás são um detalhe da história", nunca esquecem de dar um tom cínico à bravata. Piada tem ressonância.
Dependendo da indigência política a seu redor, você poderá até fazer o elogio de um torturador ou de uma ditadura militar, em plenária, no Congresso, com um sorriso nos lábios, sem sofrer consequências imediatas. Alegue liberdade de expressão. É aí que está a manha do negócio: provocação e normalização. Você vai testando o apoio. Se em algum momento a Justiça der a entender que ainda está atenta e funcionando, aí você pode até ter que voltar atrás e pedir desculpas, dizer que reviu suas posições, mas é o de menos, relaxe, aguarde para colher os frutos mais adiante.

E depois, se mesmo seguindo esses conselhos você não chegar ao poder, digo pessoalmente, ainda poderá fomentar um pandemônio das proporções do Brexit, com a vantagem de não ter de prestar contas à população pelo resultado das suas patacoadas. Não é um grande alento?

Em defesa da liberdade de expressão em sala de aula. Por Fernando de Araujo Pena

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Constituição Federal de 1988)

A escola democrática encontra-se sob múltiplos ataques. Um dos mais graves é o Programa Escola Sem Partido, que o PL 867/2015 pretende incluir entre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Este projeto sintetiza as propostas do movimento homônimo, que defende que professores não são educadores, mas apenas instrutores que devem limitar-se a transmitir a “matéria objeto da disciplina” sem discutir valores e a realidade do aluno. Ainda segundo eles, a escola estaria usurpando uma atribuição da família. Nossa Constituição Federal é inequívoca ao afirmar que a educação é dever do Estado e da família com a colaboração da sociedade – uma tarefa compartilhada, portanto, e não exclusiva.
O mesmo movimento insiste que “formar cidadãos” é “uma expressão que na prática se traduz, como todos sabem, por fazer a cabeça dos alunos” e que os professores que elegem esta tarefa como uma das principais missões da escola estão dando uma prova da “doutrinação política e ideológica em sala de aula”. Nossa constituição é igualmente cristalina ao estabelecer os objetivos da educação e o “preparo para o exercício da cidadania” é um deles. Sendo assim, quando um professor afirma que uma das principais missões da escola é formar para a cidadania, ele está apenas reafirmando elementos da nossa constituição. Professores ensinam a matéria objeto da disciplina visando alcançar os três objetivos expostos na nossa constituição e não apenas a qualificação para o trabalho. Mas como visar o pleno desenvolvimento da pessoa sem discutir valores? Como preparar para o exercício da cidadania sem dialogar com a realidade do aluno? Por isso somos contra o Programa Escola Sem Partido.
Os criadores do Programa Escola Sem Partido insistem que o projeto de lei apenas garante direitos constitucionais já estabelecidos e sua única inovação seria a proposta da afixação de um cartaz com os “deveres do professor” em todas as salas de aula das escolas brasileiras. Esta afirmativa apresenta dois gravíssimos equívocos. Primeiro, o cartaz deveria ser intitulado “proibições do professor”, porque é constituído por uma lista de atividades que o professor não deveria realizar em sala de aula. Elas são descritas de maneira tendenciosa, de forma a desqualificar atividades docentes cotidianas, e associando-as a práticas realmente condenáveis. Um exemplo: “O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor realmente não deve fazer propaganda político-partidária em sala de aula, o que não equivale a dizer que não é indicado que se discuta questões políticas contemporâneas em sala de aula – pelo contrário! O professor não deve se furtar a discutir as temáticas pertinentes à interpretação da realidade na qual os alunos estão inseridos. A segunda parte da proibição é formulada de maneira especialmente tendenciosa, de maneira a desqualificar uma prática salutar para a educação. “O professor não (…) incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor deve sim estimular seus alunos a se manifestarem de todas as maneiras democráticas no espaço público! Participar de manifestações democráticas é sinal de que o aluno se sente apto a mudar o mundo no qual ele está inserido – uma capacidade essencial na sua preparação para o exercício de uma cidadania ativa.
O PL 867/2015, assim como todas as suas variações estaduais e municipais, não se limita a garantir direitos constitucionais já estabelecidos, ele tenta estabelecer uma interpretação equivocada da nossa constituição, amputando intencionalmente dispositivos constitucionais com base em uma concepção absolutamente deturpada do que seria a o processo de escolarização. O projeto de lei em questão se arvora a definir os princípios que devem orientar a educação nacional, omitindo o fato de que estes já são definidos na nossa Constituição Federal e reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O que percebemos ao comparar os princípios propostos pelo PL com aqueles estabelecidos pela constituição é que o projeto amputa maliciosamente os dispositivos constitucionais: “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (Art. 206, III) reduz-se a “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico” (Art. 2, II) e “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (Art. 206, II) reduz-se a “liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência” (Art. 2, III). Podemos perceber que os elementos excluídos são todos relacionados à figura do professor: o pluralismo de concepções pedagógicas e a liberdade de ensinar. No entanto, o projeto não para por aí, chega ao extremo de afirmar, na sua justificação, que “não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”.
Nos opomos veementemente a esta tentativa de excluir todos dispositivos constitucionais que garantem as atribuições do professor em sala de aula e, mais do que isso, retirar dos docentes seu direito constitucional à liberdade de expressão no exercício da sua atividade profissional. Nenhum cidadão brasileiro em qualquer situação deve ser privado da sua liberdade de expressão! Todos devem, em todos os momentos, respeitar os limites impostos pelas leis à sua liberdade de fala sem nunca abrir mão dela. O professor obviamente tem um programa a seguir, mas como ele fará isso – recorrendo a qualquer concepção pedagógica válida e relacionando a matéria com as temáticas que julgar pertinentes – depende apenas dos seus saberes profissionais. Devemos confiar nos saberes profissionais docentes, formados em cursos reconhecidos pelo MEC para desempenhar sua função de professor e educador. Em defesa à liberdade de expressão dos professores no exercício da sua atividade profissional, dizemos não ao Programa Escola Sem Partido!



Prof. Dr. Fernando de Araujo Penna - Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Bancos ou empreiteiros, quem ganha mais no campeonato de corrupção?

Nada do que se roubou, do que se rouba ou do que se roubará no sistema econômico produtivo brasileiro, sob forma de superfaturamento de contratos de obras ou outros expedientes, se compara ao roubo sistemático praticado contra o povo e contra o setor público pelo sistema bancário do país. Infelizmente, trata-se de um sistema fechado à investigação policial ou da promotoria pública, simplesmente porque é impenetrável aos não especialistas, e extremamente generoso para os especialistas que o servem como comparsas.
A chave para compreender a apropriação pelo sistema bancário brasileiro de parte desproporcional da renda nacional está no que tecnicamente se chama receita de senhoriagem. Em termos práticos, é a receita obtida com a emissão da moeda. A economia em funcionamento, na medida em que ocorre crescimento e inflação, precisa de mais moeda primária para que funcione com um nível adequado de liquidez. Essa moeda é fornecida pelo sistema bancário, sem custo, dividida entre bancos estatais e privados comerciais.
Qual é a mecânica da emissão? Vou primeiro dar o exemplo dos Estados Unidos, para estabelecer um parâmetro de referência. Lá, o processo começa por um déficit público: o Governo gasta mais do que arrecada e, através de lançamento de títulos públicos no mercado, toma dinheiro emprestado para cobrir esses gastos. Essa emissão de títulos pressiona o mercado financeiro, que pode reagir pedindo elevação de taxa de juros. Diante disso, é preciso que fundos, bancos e pessoas comprem os títulos a uma taxa que o Tesouro acha razoável.
Se o mercado sinalizar com pedidos de taxas de juros muito altas, o FED, banco central americano, em articulação com o Tesouro – lá não há idiotas como Marina Silva ou José Serra propondo banco central independente -, reage oferecendo dinheiro a taxas de juros mais baixas que as prevalecentes no mercado. Com a contrapressão financeira, o mercado acaba comprando os novos títulos às taxas oferecidas pelo Tesouro. Os bancos dealers, que são os operadores preferenciais com o FED, acabam buscando aplicações no mercado real que lhes sejam mais favoráveis que os títulos públicos que formam um colchão de aplicações no chamado mercado aberto.
Onde está, nesse esquema, a receita de senhoriagem? Ela está, num primeiro momento, com o FED, que emite a moeda. Mas ela é imediatamente repassada aos bancos dealers a taxas de juros baixíssimas. Na medida em que esses bancos emprestam os recursos correspondentes a uma taxa maior do que pagam, estão, na verdade, se apropriando da renda da receita de senhoriagem. Mas isso, no sistema norte-americano, não gera grandes protestos. Afinal, entre a taxa básica de juros e a taxa de aplicação as margens são modestas.
Nada que justifique chamar os banqueiros norte-americanos de ladrões do povo.
Vejamos o que acontece aqui. O Banco Central, ao constatar aperto de liquidez, faz exatamente o que faz o FED: emite moeda e a põe em circulação através dos dealers bancários. Acontece que o dealer brasileiro pega essa receita de senhoriagem a uma taxa de 14,25% ao ano e a empresta ao sistema econômico a uma taxa de até 300% ou mais. Bingo. Ninguém fala, nesse contexto, em financiamento ao governo ou ao setor produtivo pois só um industrial ou comerciante louco poderia tomar emprestado algum dinheiro a esse custo.
O que financia essa orgia de juros é o crédito pessoal, o cheque especial, o cartão de crédito a que recorrem regularmente os desesperados, num ambiente de total liberdade de ação dos bancos, na prática totalmente independentes do setor político. Do outro lado do balcão estão os Pedro Malan, André Lara Resende, Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Edmar Bacha, Gustavo Franco e outros próceres da academia que acabaram enriquecidos no sistema privado a partir da experiência que obtiveram em postos elevados no governo. Eles se enriqueceram no serviço a Mamon, como costuma dizer o senador Roberto Requião. E o espantoso é que agora não se trata mais de ir do governo para a banca; vai-se diretamente do Bradesco ou do Itaú para a Fazenda ou a presidência do BC, com total descaramento político.
Falei no início sobre o que se rouba nos superfaturamentos de obras. Sim, é verdade. Mas os empreiteiros que cometem superfaturamentos geraram centenas de milhares de empregos e deixam legados no interesse do povo e da nação, como Tucuruí, Itaipu ou Belo Monte, rodovias, barragens. Qual é o legado dos banqueiros?


Autor: J. Carlos de Assis - economista, doutor pela Coppe/UFRJ,


A Igreja Universal avança. Por Luiz Ruffato

No próximo dia 2 de outubro, iremos às urnas para eleger prefeitos e vereadores. Deveria ser um momento em que efetivamente desempenhamos um papel fundamental na transformação da sociedade, um momento único de exercício de cidadania. Mas a pergunta que fica é: estamos nos preparando para isso? O que temos feito para melhorar o espaço em que vivemos? A mudança coletiva processa-se por meio de ações individuais: é como nos relacionamos com o outro e com o entorno que ressignificamos a existência. É a ação no presente que qualifica o futuro – nosso, dos outros, do planeta.
Se julgarmos pelas pesquisas de intenção de voto para prefeito nas duas maiores cidades do Brasil – São Paulo e Rio de Janeiro – o quadro é desolador. Na rica São Paulo, em resposta espontânea, 54% dos eleitores afirmam não saber em quem votar e 26% declaram que vão votar nulo ou em branco segundo pesquisa do Ibope. Quando apresentados aos nomes dos pré-candidatos, o deputado federal Celso Russomanno aparece em primeiro lugar com 26%, bastante distante do segundo colocado, a senadora Marta Suplicy (PMDB), com 10%. Interessante perceber ainda que o pastor Marco Feliciano (PSC), ligado à Assembleia de Deus, e que já deu claras demonstrações de homofobia e intolerância, embora surja com apenas 4% das intenções de votos, tem o maior número de seguidores no Facebook: 3,77 milhões, quase cinco vezes mais que o segundo colocado, Celso Russomanno, com 670.000.
Russomanno é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por prática de peculato (desvio de dinheiro público). Ele já foi condenado em primeira instância a dois anos e dois meses de prisão em regime aberto, mas como possui foro privilegiado a ação foi transferida para o STF. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu urgência no julgamento de Russomanno, para que, caso seja confirmada a sentença, ele fique impedido de disputar as eleições, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Russomanno é filiado ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), partido que tem vínculos com Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus.
Pertence ao mesmo PRB e à mesma Igreja Universal o sobrinho de Edir Macedo, ex-ministro da Pesca e da Aquicultura no governo Dilma Rousseff, senador Marcelo Crivella, que lidera as intenções de voto para prefeito da cidade dita mais liberal do Brasil, o Rio de Janeiro. Contra o aborto e defensor do criacionismo, o pastor e cantor gospel Marcelo Crivella tem 35% das preferências – mais que todos os outros candidatos juntos, segundo pesquisa do Instituto Gerp. Além disso, 26% dos entrevistados afirmam que não votarão em ninguém e 15% permanecem indecisos.
Sozinho, o PRB elegeu, no último pleito, uma bancada composta por sete deputados federais e um senador (Marcelo Crivella), além de ter conseguido emplacar o presidente do partido, Marcos Pereira, como titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo do presidente interino, Michel Temer. Pereira foi diretor administrativo e financeiro da TV Record do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999, e vice-presidente da Rede Record de Televisão, entre 2003 e 2009. Fundada em 1977, a Igreja Universal conta hoje com cerca de 12.000 pastores, sete mil templos e quase sete milhões de seguidores no Brasil, e outros quase dois milhões de fiéis espalhados por mais de uma centena de países, segundo estimativas da própria entidade. Sua receita é estimada em cerca de R$ 1,4 bilhão de reais por ano – mas não há qualquer controle sobre esse valor, já que por lei as instituições religiosas estão isentas de impostos.

Além dos fiéis, a Igreja Universal controla hoje a Rede Record, que cobre 93% do território nacional e está presente em 150 países, a TV Universal, com mais de 20 retransmissoras, e a Rede Aleluia, que possui quase oitenta emissoras de rádio AM e FM, presente em 75% do território nacional. Faz parte ainda do grupo o portal universal.org., o jornal Folha Universal, as revistas Plenitude, Obreiro de Fé e Mão Amiga, a editora Unipro, que registra milhões de exemplares vendidos de livros de Edir Macedo e de outros pastores, e a gravadora Line Records, especializada em música religiosa.

A "morte matada" de um rio que sofria de "morte morrida"

As expressões “morte matada” e “morte morrida”, tipicamente mineiras, são perfeitas para descrever a degradação que tem acontecido na bacia do rio Doce. O rompimento da barragem de rejeito de mineração no interior de Minas Gerais, em 2015, que afetou a calha principal do rio em quase toda a sua extensão, foi mais um – e não o único – trágico capítulo nessa história.
A “morte morrida” da bacia, que vem ocorrendo há pelo menos um século, é fruto do processo desorganizado de interiorização do país. Para a abertura de áreas agrícolas e a consolidação de centros urbanos ao longo do rio, houve devastação e intensa queimada de florestas, uso intensivo e desqualificado do solo levando à sua deterioração em boa parte da bacia, ocupação irregular de margens dos rios e retirada em excesso de água – seja para dessedentação humana, para uso abusivo na agricultura mecanizada das últimas décadas, pela desordem urbana ou pela poluição permanente das suas microbacias.
No fim desse um século de intensa antropização, o rio já estava praticamente morto, contando com apenas cerca de 13% de cobertura vegetal original de Mata Atlântica e, diante de um processo quase irreversível de recuperação de diversos trechos de solo nu, expostos e altamente empobrecidos. Para se ter uma ideia do que ocorreu ao longo desses anos, em média, todos os afluentes do rio Doce, incluindo a calha principal, possuem um déficit de 80% quanto à cobertura de vegetação nativa em áreas de preservação permanente (considerando o antigo Código Florestal), de acordo com mapas da SOS Mata Atlântica.
A alta bacia, representada por municípios mineiros como Mariana, Guanhães e Conceição do Mato Dentro, é mais florestada atualmente, em função do relevo e do histórico de ocupação, que levou a ciclos distintos de desmate seguido de recomposição florestal, processo semelhante que ocorreu na média bacia, especialmente nas cabeceiras dos afluentes importantes como o Suaçuí Pequeno e Suaçuí Grande. Entre as cidades de Governador Valadares (MG) e Linhares (ES), por sua vez, concentram os maiores trechos desmatados e não recuperados.
Esse histórico de degradação, somado à caça indiscriminada que não parece cessar, fez com que diversas espécies da fauna fossem extintas regionalmente. No início do século passado, por exemplo, exemplares do peixe-boi-marinho (Trichechus manatus) eram encontrados na foz do rio Doce, mas há muitas décadas não são mais vistos. A ariranha (Pteronura brasiliensis), o maior mustelídeo do mundo, tem apenas dois registros que confirmam essa espécie na Mata Atlântica e ambos são da bacia do rio Doce, um do século XIX e outro do início do século XX. Depois desses registros, a espécie nunca mais foi observada por essas bandas mineiras ou capixabas. A ausência de ambas as espécies demonstra o estado caótico que o rio Doce alcançou ao longo de décadas de saque, destruição e mau uso.
A fauna nativa de peixes é exuberante e riquíssima, mas também foi ameaçada pela poluição permanente de suas águas – seja por minerais pesados ou poluições doméstica e industrial – e pela introdução de animais exóticos.
Essa foi a “morte morrida” do rio Doce; e as consequências sociais e econômicas dessa deterioração da biodiversidade já são percebidas. Por exemplo, a ausência das florestas exuberantes que compunham a bacia é a principal causa da escassez de chuvas, o que tem relação direta com a crise hídrica no Espírito Santo, gerando efeitos nocivos às pessoas que vivem nas cidades que dependem das águas do rio Doce, seja pela falta de água em si, seja pelos prejuízos cumulativos na agricultura de toda a região. Outro exemplo é que a região ficou mais vulnerável aos efeitos adversos das mudanças climáticas em curso, vide o Parque Estadual do Rio Doce (MG) e a Reserva Biológica de Sooretama (ES), que têm sofrido com impactos seguidos de forte seca e presença constante de fogo. Tudo isso acarreta prejuízos incalculáveis e diminui a base econômica em boa parte da bacia; e, com as fontes de renda reduzidas, há uma pressão constante no uso dos já escassos recursos naturais.
Como se não bastasse tudo isso, de acordo com laudo técnico do Ministério do Trabalho, a drenagem insuficiente na Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, foi considerada a principal causa da tragédia que matou 19 pessoas e asfixiou o rio Doce com a lama do reservatório da Samarco em 2015. Nesse caso, a lama afetou indistintamente todas as partes da bacia, ao percorrer quase 700 km do local do acidente até sua foz. Esse ato seria então a “morte matada”, aquela considerada como um dolo, ou seja, com intenção de matar. E assim, nesse início do século XXI, o rio Doce foi sacrificado mais uma vez, com esse acidente grotesco, de prejuízos ambientais incalculáveis e cuja perda de biodiversidade só será efetivamente calculada após algumas décadas de estudo.
Como muitos afluentes importantes não foram afetados pelo acidente e ainda possuem espécies nativas, endêmicas e raras, se pertencêssemos a um país decente e sério no quesito “respeito às questões ambientais”, talvez tivéssemos a chance de recuperar essa fauna ao longo da calha principal, totalmente assolada pelos impactos discutidos acima. Porém, com as mudanças recentes aprovadas e colocadas em prática no Novo Código Florestal (ainda em debate no Supremo Tribunal Federal), com a falta geral de noção da população brasileira sobre o impacto dessas alterações e uma mobilização menor da sociedade civil organizada, a expectativa é de piora sistematizada no quadro geral e em qualquer possibilidade de ressuscitar a bacia do rio Doce, com duas mortes já decretadas.
Ademais, diante do recrudescimento das discussões na academia e na sociedade civil de modo geral sobre o debate relacionado ao manejo de fauna e perante o desmantelamento de nossa legislação ambiental, o cenário futuro sobre o impacto disso tudo à fauna da bacia do rio Doce parece bastante sombrio.
Estamos diante do velório em definitivo da bacia, em que, em poucos anos, em se mantendo as atuais políticas e intervenções negativas, não nos restará nada a não ser boas recordações de um rio caudaloso, limpo, cheio de vida, de florestas, de pessoas e de histórias, que foi “matado” duas vezes!




Autor: Fabiano Melo, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

EUA orquestram o desmonte do Brasil. Por Frei Betto

O documento Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, definido no governo Obama, assinala que o Brasil representa uma enorme reserva de riquezas naturais estratégicas, essenciais ao desenvolvimento das novas tecnologias. Acrescenta que apenas o nosso país possui o potencial de exercer, na América do Sul, um grau de influência capaz de competir com os interesses hegemônicos dos EUA.
Obama foi explícito: "Temos que ter clareza sobre os desafios presentes e futuros, e reconhecer que o nosso país conta com a capacidade única de mobilizar e guiar a comunidade internacional para enfrentá-los”.
É a cultura unilateralista e xenofóbica de "destino manifesto” impregnada na mentalidade de muitos estadunidenses. Expressada em 1994 por Henry Kissinger em seu livro En Diplomacy: "Os impérios não têm necessidade de equilíbrio de poder. Não têm interesse de operar dentro de um sistema internacional. Aspiram a ser o sistema internacional. Esta é a forma com que os EUA têm conduzido sua política externa em relação à América Latina”.
Tão logo foram descobertas as riquezas do Pré-Sal, potenciando o Brasil a se tornar grande produtor de petróleo e gás, a IV Frota da marinha estadunidense iniciou atividades no Atlântico Sul. Agora, graças ao governo Temer, se inicia o processo de desnacionalização do Pré-Sal e da Petrobras. A aviação comercial brasileira já está legalmente autorizada a ser 100% controlada pelo capital estrangeiro.
A ideia de que privatizar significa aprimorar não encontra respaldo na prática. A VASP faliu ao ser privatizada. A Vale definha e, hoje, encontra-se atolada no lamaçal onde se afunda a Samarco. O sistema telefônico, todo em mãos estrangeiras, é o que recebe mais reclamações dos consumidores. Os planos de saúde privados cobram caro de 50 milhões de brasileiros e, na hora da precisão, atendem mal, como se o cliente cometesse o crime de ficar doente...
O desenvolvimento capitalista dos EUA sabe que não pode prescindir dos recursos naturais do Brasil, como a água. Nas próximas décadas se prevê que quem controla a água terá o controle da economia mundial. Hoje, apenas 3% da água na superfície do nosso planeta é potável. No entanto, há 94% de água potável subterrânea.
A Europa e os EUA enfrentam escassez de água. No Velho Continente, dos 55 rios importantes somente cinco não estão contaminados. Nos EUA, 40% de seus rios e lagos se encontram contaminados. Calcula-se que o país tenha um déficit de 13.600 milhões de metros cúbicos de água.
Já a América do Sul possui 47% das reservas superficiais e subterrâneas de água do mundo. A maior parte no Brasil, na região amazônica e no aquífero Guarani. É um mar de água potável de 55 mil km cúbicos, contendo elementos químicos essenciais às indústrias de tecnologia e bélica.
Não é à toa que os EUA, depois de abrirem uma base militar no Paraguai, agora recebem da Argentina de Macri o sinal verde para mais duas bases, uma na Patagônia e outra na Tríplice Fronteira.

Se o povo brasileiro não reagir, em breve teremos tropas ianques acantonadas em nosso país e humilhando o que nos resta de soberania.