Nada
do que se roubou, do que se rouba ou do que se roubará no sistema econômico
produtivo brasileiro, sob forma de superfaturamento de contratos de obras ou
outros expedientes, se compara ao roubo sistemático praticado contra o povo e
contra o setor público pelo sistema bancário do país. Infelizmente, trata-se de
um sistema fechado à investigação policial ou da promotoria pública,
simplesmente porque é impenetrável aos não especialistas, e extremamente
generoso para os especialistas que o servem como comparsas.
A
chave para compreender a apropriação pelo sistema bancário brasileiro de parte
desproporcional da renda nacional está no que tecnicamente se chama receita de
senhoriagem. Em termos práticos, é a receita obtida com a emissão da moeda. A
economia em funcionamento, na medida em que ocorre crescimento e inflação,
precisa de mais moeda primária para que funcione com um nível adequado de
liquidez. Essa moeda é fornecida pelo sistema bancário, sem custo, dividida
entre bancos estatais e privados comerciais.
Qual
é a mecânica da emissão? Vou primeiro dar o exemplo dos Estados Unidos, para
estabelecer um parâmetro de referência. Lá, o processo começa por um déficit
público: o Governo gasta mais do que arrecada e, através de lançamento de
títulos públicos no mercado, toma dinheiro emprestado para cobrir esses gastos.
Essa emissão de títulos pressiona o mercado financeiro, que pode reagir pedindo
elevação de taxa de juros. Diante disso, é preciso que fundos, bancos e pessoas
comprem os títulos a uma taxa que o Tesouro acha razoável.
Se
o mercado sinalizar com pedidos de taxas de juros muito altas, o FED, banco
central americano, em articulação com o Tesouro – lá não há idiotas como Marina
Silva ou José Serra propondo banco central independente -, reage oferecendo
dinheiro a taxas de juros mais baixas que as prevalecentes no mercado. Com a
contrapressão financeira, o mercado acaba comprando os novos títulos às taxas
oferecidas pelo Tesouro. Os bancos dealers, que são os operadores preferenciais
com o FED, acabam buscando aplicações no mercado real que lhes sejam mais
favoráveis que os títulos públicos que formam um colchão de aplicações no
chamado mercado aberto.
Onde
está, nesse esquema, a receita de senhoriagem? Ela está, num primeiro momento,
com o FED, que emite a moeda. Mas ela é imediatamente repassada aos bancos
dealers a taxas de juros baixíssimas. Na medida em que esses bancos emprestam
os recursos correspondentes a uma taxa maior do que pagam, estão, na verdade,
se apropriando da renda da receita de senhoriagem. Mas isso, no sistema
norte-americano, não gera grandes protestos. Afinal, entre a taxa básica de
juros e a taxa de aplicação as margens são modestas.
Nada
que justifique chamar os banqueiros norte-americanos de ladrões do povo.
Vejamos
o que acontece aqui. O Banco Central, ao constatar aperto de liquidez, faz
exatamente o que faz o FED: emite moeda e a põe em circulação através dos
dealers bancários. Acontece que o dealer brasileiro pega essa receita de
senhoriagem a uma taxa de 14,25% ao ano e a empresta ao sistema econômico a uma
taxa de até 300% ou mais. Bingo. Ninguém fala, nesse contexto, em financiamento
ao governo ou ao setor produtivo pois só um industrial ou comerciante louco poderia
tomar emprestado algum dinheiro a esse custo.
O
que financia essa orgia de juros é o crédito pessoal, o cheque especial, o
cartão de crédito a que recorrem regularmente os desesperados, num ambiente de
total liberdade de ação dos bancos, na prática totalmente independentes do
setor político. Do outro lado do balcão estão os Pedro Malan, André Lara
Resende, Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Edmar Bacha, Gustavo Franco e outros
próceres da academia que acabaram enriquecidos no sistema privado a partir da experiência
que obtiveram em postos elevados no governo. Eles se enriqueceram no serviço a
Mamon, como costuma dizer o senador Roberto Requião. E o espantoso é que agora
não se trata mais de ir do governo para a banca; vai-se diretamente do Bradesco
ou do Itaú para a Fazenda ou a presidência do BC, com total descaramento
político.
Falei
no início sobre o que se rouba nos superfaturamentos de obras. Sim, é verdade.
Mas os empreiteiros que cometem superfaturamentos geraram centenas de milhares
de empregos e deixam legados no interesse do povo e da nação, como Tucuruí,
Itaipu ou Belo Monte, rodovias, barragens. Qual é o legado dos banqueiros?
Autor: J. Carlos de
Assis
- economista, doutor pela Coppe/UFRJ,
Nenhum comentário:
Postar um comentário