sábado, 29 de outubro de 2016

Cunha, Neschling, Arte, Sexo, Exorcismo. Por Alberto Dines

Eduardo Cunha encarcerado esta semana não foi surpresa a não ser por uma temível delação capaz de arrastar Temer e embolar tudo. A poucos dias do segundo turno das eleições , cada denúncia ou retaliação será um tiro certeiro nos rumos da política brasileira. Cunha virou uma assombração no Planalto perturbando o sono de Temer e de pelo menos 100 colegas. Faltava acrescentar esse ingrediente  no insólito processo das eleições deste ano. Por exemplo, o surpreendente  interesse em arte pelos apanhados na Lava Jato.
Em agosto do ano passado, na 17a. fase da Operação, já haviam sido apreendidas 270 obras de arte nas mãos dos denunciados. Uma vasta coleção de  Di Cavalcanti, Guignard, José Antonio da Silva se encontrava em galerias cariocas especializadas para não levantar suspeitas em seus donos, até então camuflados.
Para deleite dos verdadeiros amantes de arte, outra leva de Iberê  Camargo, Heitor dos Prazeres, Amílcar de Castro, Miguel Rio Branco já havia sido confiscada cinco meses antes de lavajatistas como o ex-diretor de serviços da Petrobras, Renato Duque , dono de um Guignard levado a leilão, onde arrecadou 380 mil dólares , e uma escultura de Franz Krajberg, 220 mil dolares. Tudo foi levado para o museu curitibano Oscar Niemeyer e pôde ser apreciado por R$ 9,00 a entrada inteira, R$4.50 a meia.
Esta semana foi a vez do lobista Zvi Skornicki que depois do acordo de delação foi multado com a devolução de R$ 75,82 milhões  e forçado a entregar 48 obras de arte. Vieram no lote mais Salvador Dali, Carlos Vergara, Vik Muniz, Cícero Dias e a surpresa de saber como a arte mais pura serviu para lavar dinheiro do esquema criminoso de fraude, corrupção e desvio de recursos da Petrobrás.
Tudo obtido através do contrato entre a Engevix e a Jamp, segundo delação do empresário Milton Pascowitch. O mesmo petróleo que junto com a mentira do patrimônio 53 vezes maior que o declarado, fez Eduardo Cunha perder o mandato e terminar atrás das grades. Petróleo lavado na tinta fresca sobre os suportes nobres da arte.
Assim como as melhores obras adquiriras pelos judeus foram roubadas, escondidas, mutiladas por nazistas e agora , 71 anos depois do fim da Segunda Grande Guerra, recompradas ou devolvidas aos museus europeus e americanos , os devastadores brasileiros dos cofres públicos foram desmascarados. E as artes, compradas a metro no Brasil, afinal expostas ao público.
Dá para pensar em injustiça com a melhor arte ver John Neschling afastado neste momento da direção artística do Theatro Municipal de São Paulo, depois do maestro oferecer à cidade temporadas operísticas e líricas com qualidade de Primeiro Mundo — além do legado da Sala São Paulo e a OSESP. Os lavajatistas não nos ofereceram nada.
Sexo e exorcismo
Os símbolos de poder adquiridos com dinheiro desviado pelo lobby lavajatista não se limitaram a casas em Miami, aviões, lanchas, carros, viagens, roupas caras — mas deve ter sobrado muito e a saída foi invadir o nada inocente mercado de artes. Surpreendente esse tesouro nas mãos de quem foi parar , sem nem servir para deleite próprio.
Essas eleições de 2016 ,com vistas nas presidenciais de 2018 , trazem à tona não só o tema das artes plásticas mas também faz contraponto com o sexo, aqui personificado pela derrota do candidato carioca, Pedro Paulo, afilhado do prefeito Eduardo Paes (PMDB), no primeiro turno das eleições. Foi sexo que derrubou um candidato poderoso no Brasil e sexo que criou um “pussygate” nas eleições americanas. Nem num país machista como o nosso, que este ano elegeu apenas homens em 1291 cidades , um candidato que bate em mulher sobrevive.
Imagine nos Estados Unidos . Deflagrado exibindo seus dotes de garanhão  numa entrevista , o republicano Donald Trump declarou horrores contra as mulheres que gostava de agarrar , na sua linguagem chula, ” pela xoxota”. Resultado, a menos de um mês das eleições a democrata Hillary Clinton está 11 pontos à frente do adversário e já abocanha 341 dos 538 votos do colégio eleitoral, deixando 197 para Trump — as declarações sobre sexo foram decisivas.
Agora descobriu-se no candidato à prefeitura carioca Marcelo Crivella o livro dos 501 Pensamentos de Edir Macedo , seu tio, sobre a mulher. “Não basta que ela seja de Deus e batizada com o Espírito Santo; é preciso que seja compatível com o marido, com o mesmo objetivo, sendo submissa, cumpridora dos deveres como mulher, mãe e dona de casa”.
Junto, Crivella introduziu outro tema nesta exótica eleição brasileira. A religião. O candidato do PRB descambou para o exorcismo. Foi na África , onde Crivella , além de praticar o ritual , demonizou os homossexuais e as religiões, em especial o catolicismo. Tudo explícito no livro “Evangelizando  a África” , lançado em 2002 pela Editora Gráfica Universal que pertence ao bispo Macedo. O PSOL teria tirado mais proveito das revelações politicamente incorretas de Crivella, se não tivesse sido obrigado a desculpar-se por ter chamado de genocida o recém-falecido dirigente isralense, Shimon Peres.
Arte, sexo, exorcismo , como essa mistura insólita vai trazer votos no segundo turno das eleições de 2016 só veremos nas presidenciais de 2018 que é onde tudo isso desemboca. Já se fala no governador Geraldo Alckmin se bandeando para o PRB com Ciro Gomes, José Serra escalando o PMDB , Aécio Neves fincando  o pé no PSDB, cada um tentando garantir um lugar ao sol  na presidência do Brasil. Mas tudo pode girar pelo avesso se mais delações devolverem arte da boa aos museus, mais sexo sujo rolar nas redes sociais e inacreditáveis exorcismos ressurgirem em pleno século XXI.

Ou se Eduardo Cunha, arquivo - vivo, abrir o bico . E ainda mais  ingredientes forem acrescentados à essa mistura onde a corrupção já acumula trilhões surrupiados do país.

O analfabeto político. Por Luiz Rufatto

Estima-se que o analfabetismo atinja 8,3% da população adulta brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se levarmos em conta o analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de uma pessoa de compreender textos simples e de fazer operações matemáticas elementares, esse número alcança um em cada três brasileiros de acordo com o Instituto Paulo Montenegro. Um quadro estarrecedor, sem dúvida, mas que se torna ainda mais preocupante quando confrontado com os índices de analfabetismo político, insuficiência que atinge a sociedade de cima abaixo, independentemente de grau de instrução, classe social, etnia, religião ou sexo.
Há no excelente longa-metragem alemão Ele está de volta (Er Ist Wieder Da), que discute o renascimento do nazi-fascismo no mundo, particularmente na Europa, uma observação terrível. Revivido, Adolf Hitler passeia, pelas ruas da Alemanha contemporânea, satisfeito com o fato de que suas ideias nacionalistas, racistas, machistas, homofóbicas e autoritárias continuam a florescer entre a população, quando constata: “O povo está calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, como em 1930. Mas na época não havia um termo para isso: analfabetismo político”.
O analfabetismo político viceja onde falta consciência política – e consciência política é a relação vital que se estabelece entre mim e meu próximo. O analfabetismo político é o desinteresse manifestado pelos cidadãos para o rumo que a classe dirigente empurra a sociedade. Esse desinteresse se dá por ignorância ou por arrogância ou, pior ainda, por uma mescla de ignorância com arrogância. Nada pior para um país do que indivíduos que desdenham da política governados por políticos que desdenham dos indivíduos – este é o espaço privilegiado para a expansão da mentalidade fascista.
Como não conseguimos resolver nossos problemas enfrentando-os de forma democrática, optamos por desejar ardentemente um deus ex máxima que nos salve e nos conduza. O legado mais trágico da última ditadura – um episódio de despotismo em meio a vários outros da nossa infame história política – foi a desmoralização do conceito de autoridade.
Destituídos os militares, a sociedade, traumatizada pela tirania e pela arbitrariedade, rejeitou o autoritarismo, mas não conseguiu recuperar a noção de autoridade. Vivemos assim pendularmente entre a ausência total de autoridade (o professor na sala de aula, por exemplo) e a hegemonia absoluta do autoritarismo (a atuação da polícia nas periferias, por exemplo). Entre um extremo e outro, o vazio do poder.
A omissão do Estado no desempenho de suas atribuições mais básicas, proporcionar aos cidadãos sistemas de saúde, educação, transporte e segurança para que ele sobreviva dignamente, leva ao desencanto em relação ao exercício da política. Aliados à incompetência, a corrupção e o cinismo nos afastam mais e mais do sentimento de pertencermos a uma mesma comunidade e de partilharmos interesses comuns. Pouco a pouco, instala-se o ressentimento e a intransigência: “o povo está calado, mas com raiva”, como adverte o Adolf Hitler do filme Ele está de volta.

Uma população frustrada busca inimigos para extravasar sua cólera. E o inimigo é sempre o diferente de nós: os homossexuais, os negros, os imigrantes, os esquerdistas, enfim, qualquer grupo que em um determinado momento e contexto nos pareça fragilizado o suficiente para levar a culpa pela nossa incapacidade de gerir os próprios desejos. Assim, em silêncio e irrefletidamente, abraçamos discursos demagógicos, incitadores do ódio e da intolerância. A violência que grassa no país – nas ruas, dentro das casas, nas redes sociais – é apenas a face visível deste monstro subterrâneo chamado fascismo, fenômeno que se alimenta de analfabetos políticos.

A economia em guerra com a sociedade. Por Luiz Gonzaga Beluzzo e Gabriel Galípolo

A ascensão dos investimentos transfronteiriços nas décadas recentes não configura a primeira explosão significativa da globalização financeira. O estudo Financial Globalization: Retreat or reset, do McKinsey Global Institute, publicado em 2013, confirma que a Segunda Revolução Industrial coincide com uma nova era da mobilidade de capitais, que se estendeu, aproximadamente, de 1860 a 1915, quando os ativos de investimentos estrangeiros globais alcançaram 55% do porcentual do Produto Interno Bruto de uma amostra significativa de países.
A participação dos ativos estrangeiros globais sofreu uma queda acentuada no período que compreende as duas grandes guerras mundiais e a Grande Depressão, voltando a atingir seu pico histórico apenas no início dos anos 1990. Recentemente, tais ativos alcançaram 160% do PIB dos países da amostra.
Antes ou agora, a globalização jamais cumpriu as promessas de dependências harmoniosas. A fantasia de capitais abundantes transbordando das economias centrais paras as periféricas, em busca de maior remuneração pelo seu emprego (em decorrência de uma situação “inicial” de escassez), homogeneizando sociedades e taxas de juro ao redor do globo, vive apenas nas mentes herméticas de alguns economistas.
O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência entre empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada. A convulsão das sociedades ante a falência dos nexos econômicos é o corolário das simbioses e contradições das relações “inter-nacionais”, que elevaram exponencialmente a complexidade da gestão das políticas econômicas nacionais. Os dados sobre concentração de renda corroboram a polarização observada na população.
Conforme o Global Wealth Databook, publicado pelo Credit Suisse, a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale, pela primeira vez, à riqueza dos 99% restantes. A Oxfam afirma que, em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade mais afetada pela pobreza da humanidade.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirma que, entre 1975 e 2012, perto de 47% do crescimento total da renda antes de impostos nos Estados Unidos foi para o 1% no topo. O Fundo Monetário Internacional aponta queda de 11% na participação da população de renda média entre 1970 e 2014 nos Estados Unidos, em razão do “baixo dinamismo do mercado de trabalho”. A tendência de polarização é consistente para diferentes cortes de definição de renda média.
Não é recente a inquietação com o movimento do capitalismo impulsionado pelas contradições entre sociedades com “espaços democráticos” nacionais e mercados globais. Ainda em 1848, o velho Marx, ao observar o desenvolvimento “de um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações”, sentenciou: “Assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes infernais que invocou”.
Em Guerres et Capital, Éric Alliez e Maurizio Lazzarato afirmam: “O capitalismo e o liberalismo carregam as guerras dentro de si como as nuvens carregam a tempestade. Se a financeirização do fim do século XIX e início do século XX conduziu à guerra total e à Revolução Russa, à crise de 1929 e às guerras civis europeias, a financeirização contemporânea dirige à guerra civil global, ordenando todas as suas polarizações... À era da desterritorialização sem limites de Thatcher e Reagan sucedeu a reterritorialização racista, nacionalista, sexista e xenófoba de Trump, que assumiu a liderança do novo fascismo”.
Ante o nervosismo da insegurança econômica, a polarização política se eleva, fomentada pelo crescimento da massa daqueles que tiveram suas condições de trabalho e vida precarizadas na senda da arbitragem geográfica de salários, impostos e juros pela finança globalizada.
A política e a mídia tornam-se o palco de demagogos que capitalizam essas fontes de preocupação e raiva, manejando com desembaraço a técnica das oposições binárias, método que se esparrama nas modernas ações e interações entre os participantes das redes sociais.
A rejeição ao outro e a reputação das causas do mal aos que não são iguais excitam o ódio de classe, raça, religião e gênero pelos quatro cantos do globo, impossibilitando a articulação do movimento de grupos sociais heterogêneos em uma grande coalizão progressista, reduzindo a esperança de reedição de um ambiente econômico onde decisões sejam permeadas por instâncias democráticas.
O protofascismo de Trump não é um fenômeno isolado. O Brexit foi marcado pelo assassinato da deputada britânica Jo Cox. Antes do ataque, o assassino gritou: “Reino Unido primeiro”, lema da ultradireita britânica.
Ao analisar a vitória nas eleições regionais do Alternativa para a Alemanha, partido de extrema-direita, a revista Der Spiegel afirmou: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
No Brasil, as heranças e sestros da casa-grande aproveitam-se dos desconfortos da crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências, para assaltar trabalhadores, aposentados e o orçamento público. A limitação dos gastos com serviços públicos cauciona o rentismo sem limites.
Destroçada pelas exigências da política antidemocrática dos tecnocratas de turno, a economia entrega seu destino às forças do empobrecimento conceitual e da apologética sem limites. O esvaziamento se faz em nome da despolitização e da “limpeza ideológica”.
Políticos e oficiais do governo valem-se de conceitos econômicos para limitar a disponibilidade de políticas que pareçam viáveis para a comunidade. O socorro aos bancos aparece tão inevitável quanto o desamparo aos idosos e trabalhadores.
Por rádio, televisão e jornal as pessoas são “informadas” de que precisam se sacrificar, aceitar cortes nos gastos sociais e menos direitos e benefícios trabalhistas, ou encarar a destruição da economia – tudo em nome da ciência econômica.
Trabalhadores devem cumprir maiores jornadas e por mais tempo em suas vidas. Os impostos e as tarifas públicas serão maiores, mas os serviços públicos serão reduzidos. Já a transferência de recursos públicos ao rentismo, seja pela compra de ativos podres, seja pelo pagamento de juros exorbitantes, não está em discussão, essa é determinada pelo mercado, deus ex machina.
O necrosamento do tecido econômico e o esgarçamento do social empurram os acuados, pelo discurso da inevitabilidade econômica, a abraçarem a conclusão de que “o inferno são os outros”. Se os empregos foram tomados, o Estado onerado e a paz ameaçada por aqueles de nacionalidade, religião, gênero, opção sexual, raça ou ideologia diferentes, a solução passa pela sua exclusão ou eliminação.
Ao explicar a banalidade do mal, Hannah Arendt aponta que as maiores maldades do mundo podem ser perpetradas por homens comuns, sem razões malignas ou intenções demoníacas, mas seres humanos que abdicaram totalmente da característica que mais define o homem como tal, a capacidade de pensar.

Para Arendt, a manifestação do ato de pensar não é o conhecimento, mas a habilidade de distinguir o bem do mal, de fazer juízos morais. Essa incapacidade de pensar permitiu que muitos homens comuns cometessem atos cruéis numa escala monumental jamais vista, como no nazismo. Sua esperança repousa no “pensar”, como poder para as pessoas evitarem catástrofes nesses raros momentos de dificuldade.

Eles não sabem o que fazem. Saturnino Braga

Perdoai?
Eu não consigo, não sou Jesus.
Acho que realmente eles não sabem o que fazem; são jovens, impulsivos e incultos, não têm nenhuma vivência política e lhes falta a percepção dos significados históricos, sociais e econômicos dos seus atos, não avaliam o grau da destruição e do atraso que estão produzindo em nosso País. Nem por isso consigo vê-los como inocentes: para mim são traidores, Calabares do momento. (Provavelmente não sabem quem foi Calabar).
Não deveriam, por isto mesmo, ter o poder que têm, capaz de destruir nossas maiores empresas, as alavancas da nossa economia, da nossa soberania, do emprego e da qualidade de vida da nossa gente. Os superiores, todavia, mais velhos e vividos, mais cultos e experientes, capazes de avaliar o estrago, deveriam cercear-lhes este poder, ao invés de estimulá-los ao sabor da grande mídia interessada. Findam sendo os maiores responsáveis pelo estrago nacional bruto.
Foram, ademais, todos, os jovens e os superiores, os principais e decisivos aliados dos golpistas, aqueles que projetaram, orientaram e financiaram o golpe, sabendo perfeitamente o que faziam e o que queriam: a derrocada do eixo político emancipador Brasil-Argentina-Venezuela, a amputação e o desfazimento da Petrobras e das nossas empresas de engenharia concorrentes no mundo, a tomada do pré-sal, o esfriamento dos projetos estratégicos de enriquecimento de urânio, da usina de Angra III, do submarino atômico e do avião de última geração, a perturbação nos BRICS, o congelamento do Brasil por vinte anos. E vão conseguindo.
Do lado brasileiro dos golpistas, há os sabidos, espertos, associados ao business do grande capital, que ganham dinheiro nesta associação e botam anúncios de página inteira nos jornais a favor do golpe; e há, também, os que não sabem o que fazem e são mais humildes.
Muitos entre esses humildes confundem a política com o sagrado e acham que estão seguindo caminhos de Deus, comandados pelos seus pastores, que obedecem a seus bispos que moram na terra do grande capital. São seitas implantadas no Brasil mais recentemente, que diferem muito das tradicionais, seitas que incutem os valores do business e fazem política explicitamente.
As Igrejas tradicionais, como a Batista, a Metodista, a Luterana, a Adventista, não lançam candidatos nas eleições, não fazem política, como a Igreja Católica. As seitas do business elegem bancadas cada vez maiores, recebem financiamento para construir templos salomônicos, indicando um projeto de poder, para transformar o Brasil numa nação do business. Não por acaso, TODA esta bancada religiosa votou, sem exceção, no golpe.
Eu, que sou velho e vivido na política, estou certo de que o grande capital não brinca na porfia pelos seus objetivos, e usa todos os meios possíveis para a dominação: o interesse dos sócios brasileiros no business, a grande mídia estipendiada por ele, o cinema, a cultura em geral, a religião, e mais o que for útil ao seu empreendimento.

Temos que dialogar de boa fé com esses humildes eleitores religiosos engambelados, não afrontá-los nem desprezá-los, mas buscar o diálogo sincero com eles, e repetir sempre as palavras de Jesus que eles respeitam: ”A CESAR O QUE É DE CESAR E A DEUS O QUE É DE DEUS”.

O grande vilão. Por Luiz Rufatto

O PT, sem dúvida alguma, foi o grande derrotado nas eleições municipais deste ano. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das 630 prefeituras conquistadas pelo partido em 2012, restaram apenas 256, um encolhimento de quase 60%. Parte da responsabilidade por essa derrocada pode e deve ser debitada à direção do partido, que ao longo de sua história abdicou de um projeto de governo por um projeto de poder — a constatação é do insuspeito Frei Betto —, assumindo sem constrangimento o sistema de troca de favores que baliza o exercício da política brasileira desde sempre. Outra parte, igualmente importante, no entanto, pode e deve ser debitada ao preconceito, à intolerância e à hipocrisia da nossa elite.
É inegável que, apesar de todas as falhas possíveis de serem apontadas — e que são muitas —, o período de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010) foi o melhor de toda a história nacional. Ricos e pobres usufruíram dos benefícios de um país cujo Produto Interno Bruto (PIB) crescia a uma taxa média de 4% ao ano, com inflação sob controle e baixo índice de desemprego (6,7% na média), o que proporcionou, e isto é o mais importante, uma diminuição radical da indigência por meio de programas de transferência de renda. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 30 milhões de pessoas deixaram a pobreza entre 2001 e 2009, um feito reconhecido internacionalmente, e que deu origem à chamada nova Classe C.
O problema é que, em nome de uma suposta governabilidade — problema real, mas contornável —, o PT fez concessões imensas aos velhos caciques, acreditando, em um misto de arrogância e estupidez, que poderia respirar o mesmo ar putrefato sem deixar-se contaminar por ele. O resultado é o que se viu: a gangrena que corrói historicamente o Estado brasileiro atingiu também membros do partido — encantados, uns, com o poder, outros, com o dinheiro fácil, chafurdaram todos no pântano da corrupção que sempre condenaram, violando o pacto ético que sustentava discurso e ação da militância.
Este, o erro imperdoável do PT, que jogou por terra os enormes esforços para a criação de um partido de esquerda não comunista, cujo objetivo final era erigir um Brasil mais justo, combatendo as absurdas diferenças sociais, o machismo, o racismo e a homofobia que nos envergonham, criando sistemas de educação e saúde dignos, elaborando políticas ambientais e indigenistas adequadas, colocando-nos enfim no centro das discussões geopolíticas mundiais. Mais uma vez observamos impotentes o protagonismo do Brasil escapar das nossas mãos, quando já o levávamos à boca, as pupilas gustativas excitadas pelo olor do futuro que adivinhávamos. Isto tudo tornou-se agora pó ou pesadelo nas mãos do presidente não eleito, o medíocre Michel Temer e seus asseclas, os que ocupam a tribuna do Legislativo, os que se investem da toga.
Se este foi o maior erro do PT, como instituição, o de volver-se em uma agremiação como outra qualquer, não foi menor o equívoco de Lula e dos petistas em acreditar que a elite brasileira iria aceitar tranquilamente as poucas, mas essenciais mudanças sociais que o partido fomentava. A elite brasileira nunca assimilou a ideia de ter de compartilhar as cadeiras das universidades com estudantes de classe média baixa que a alcançavam por meio de bolsas para alunos do ensino público ou por meio de cotas raciais. A elite brasileira nunca aceitou ter de compartilhar o espaço dos aeroportos — que viraram, segundo ela, extensão das rodoviárias —; nunca admitiu ter que conviver com pobres e afrodescendentes em shoppings e restaurantes e parques e ruas.
A elite brasileira derrubou a presidenta Dilma Rousseff porque não perdoa quem não saiba usar os talheres na sequência correta, não perdoa quem não sabe se portar em sociedade, não perdoa quem não tão berço, quem não tem nome de família, não perdoa quem não tenha todos os dentes — a elite brasileira considera que pobre é mal necessário, que deve existir apenas para servi-la e bajulá-la. E isso em todos os níveis: a elite brasileira não tolera quem entra pela porta dos fundos, seja na política, seja nas hostes literárias, seja no meio empresarial. Desses, ela quer distância!


“Denúncia contra Serra não sai no Jornal Nacional”. Por Eduardo Guimarães

Todo mundo que tem vergonha na cara sabe que a corrupção não tem partido e que o PT está pagando sozinho uma dívida que é de todos os partidos. Afinal, políticos de todos os partidos vêm sendo denunciados por empresários picaretas que corrompem o Estado há décadas, subornando Executivo, Legislativo e Judiciário em nível federal, estadual e municipal.
Para as pessoas decentes e responsáveis, portanto, não constitui novidade alguma que mais um tucano tenha sofrido acusação tão ou mais grave do que as que pesam contra quaisquer petistas e que essa acusação (reiterada) não receba da mídia tratamento sequer parecido com o que é dado a estes.
Nesse aspecto, a denúncia feita pela Folha de S. Paulo em agosto e agora reiterada pelo jornal, de que Serra recebeu propina da Odebrecht, soma-se a denúncias iguais contra outros tucanos – FHC, Alckmin, Aécio – que ocorrem sempre mas que não se tornam de conhecimento público porque ficam restritas ao único veículo da grande mídia que faz denúncias contra caciques do PSDB: à Folha.
E ninguém lê a Folha. Ou o Estadão. Ou a Veja. As denúncias deles só têm repercussão quando vão para o Jornal Nacional. E o Jornal Nacional não denuncia tucanos graúdos. No máximo, um Aécio. Serra, Alckmin e FHC são os políticos mais blindados do Brasil.
A matéria da Folha em questão decorre de planilhas apreendidas pela Polícia Federal na casa de um ex-executivo da Odebrecht em março deste ano. Essas planilhas listaram possíveis repasses a pelo menos 316 políticos de 24 partidos. Ecumênica, a lista da empreiteira aumentou a tensão ao tragar governistas e oposicionistas –muitos deles integrantes da tropa de choque que votaria o impeachment de Dilma – para o centro da Lava Jato.
Quem tiver curiosidade em saber que nomes apareceram na lista só tem que clicar aqui para ver.
O material foi apreendido em fevereiro com o então presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa Silva Júnior, no Rio, durante a fase Acarajé da Lava Jato. Os documentos se tornaram públicos em março.
O Jornal Nacional não divulgou os nomes da lista afirmando que “não haveria tempo” para divulgar “200 nomes” de envolvidos. Mas haveria, sim. Demoraria 15 ou 20 minutos. Para atacar o PT durante campanhas eleitorais o Jornal Nacional já usou tempo maior em uma única matéria.
Imediatamente após a censura da Globo, Sergio Moro decidiu colocar o inquérito sob sigilo.
Mas que não exaltem muito a Folha por esse furo de reportagem porque o jornal está apenas sendo esperto, pois, apesar do antipetismo, pode se dar ao luxo de posar como único veículo “isento” do país, já que os outros grandes grupos de mídia (Globo, Estado, Abril) até podem noticiar sua denúncia em algum cantinho de seus portais ou veículos impressos, mas jamais produziriam matérias como a do jornal da família Frias contra um tucano tão graúdo.
A Folha se tornou o maior jornal do país graças à burrice da concorrência, que pratica um antipetismo suicida, desabrido, escancarado, enquanto blinda os adversários do PT.
A imagem desses veículos entre quem pensa e pode ou não ser de esquerda, desaba. Nos círculos sérios, ninguém leva a sério uma Veja, um Estadão ou uma Globo justamente porque blindam descaradamente os tucanos graúdos.
O resultado é que a Folha pode se arrogar o título de único órgão de imprensa isento, ainda que isso esteja longe da verdade devido ao volume de antipetismo ser muito maior do que as reportagens e opiniões desfavoráveis para o PSDB, o xodó da mídia do eixo São Paulo-Rio.
Ao fim de sua segunda reportagem sobre os 23 milhões de propina a Serra (que, em valores atualizados, agora são 36), porém, o jornal dos Frias tenta esfriar a denúncia contra o grão-tucano informando que “(…) Nas conversas preliminares da Lava Jato com a Odebrecht, além de Serra, vários políticos foram mencionados, entre eles o presidente Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, governadores e parlamentares.”
Ah, então, tá.
Mas se todos estão envolvidos da mesma forma, o tratamento a todos é dado da mesma forma pela mídia, pela Justiça, pelo Ministério Público, pela Polícia Federal?
Alguém aí teria a cara-de-pau de dizer isso, que mídia e autoridades tratam igualmente tucanos e petistas acusados da mesma forma? Provavelmente aparecerá algum desavergonhado para afirmar tal enormidade, mas todos sabem que é mentira.
A relação de Dilma com a Odebrecht e outras empreiteiras gerou processo do PSDB contra a ex-presidente no TSE, afirmando que as doações que ela recebeu das empresas foram produto de propina. A mídia trata as doações das empreiteiras a Dilma como propina. Vaccari está preso por isso. Palocci também. Mantega quase foi preso por isso.
E quanto à propina que a delação da Odebrecht diz que pagou a Serra e a Alckmin? Os tesoureiros das campanhas eleitorais desses dois foram presos? Aliás, alguém investigou? Quem foi que comprou a tese criminosa de que as doações legais ao PT são propina e as doações legais ao PSDB são… legais?
Quanto a Lula, nem se fala. É ocioso falar. Lula já foi até conduzido coercitivamente por muito menos do que pesa contra um Serra ou um Aécio, reiteradamente acusados por delatores. Mas sem investigação fica difícil. E as denúncias se sucedem e não são investigadas. Até porque, à exceção da folha, a mídia não pressiona por investigações contra tucanos.
A razão é muito simples: hoje o Brasil é governado por uma aliança entre a Globo, a Lava Jato, o PSDB e parte do Supremo. Assim, podemos todos ter certeza de que a denúncia da Odebrecht contra Serra vai para as calendas enquanto o mesmo Serra e seu partido continuarão acusando petistas de terem sido acusados pela Odebrecht…

Alguém discorda?

domingo, 9 de outubro de 2016

Pré-Sal entregue e Lula a beira da prisão: é a fase 2 do golpe. Por Renato Rovai

Um golpe não é, um golpe vai sendo. E o que aqueles que coordenaram de forma distribuída a operação para derrubar Dilma e se apropriar do Estado estão fazendo agora já fazia parte da estratégia inicial. Nada é surpreendente e muito menos está sendo realizado de forma destrambelhada.
No cálculo dos que estão por trás de toda a operação havia a necessidade de uma legitimidade para que se pudesse agir em algumas áreas. A entrega do Pré-Sal, a reforma da Previdência, a votação do teto, os processos contra Lula, a reforma trabalhista já estavam sendo sinalizadas e operadas. Mas ficaram para ser escancaradas depois da eleição.
Se o PT saísse um pouco mais forte do processo eleitoral. Algumas dessas coisas talvez fossem repensadas. Por exemplo, Lula talvez não fosse condenado e preso.
Mas isso ficou pra trás.
Com a estrondosa derrota do petismo, os golpistas têm caminho aberto pra estrangular de vez qualquer projeto de esquerda para os próximos 10 anos. E isso passa necessariamente pela entrega do Pré-Sal, que vai ajudar no financiamento imediato do Estado, mesmo que jogando fora qualquer projeto de futuro para o Brasil. E na prisão de Lula.
Se o golpe não conseguir dar uma ajeitada nas contas e fazer o país retomar algum nível de crescimento e de recuperação do emprego nos próximos 12 meses, Lula poderia voltar montado num cavalo branco para o Palácio do Planalto.
E para que isso não ocorra, não basta mais torná-lo inelegível. É preciso transformá-lo num bandido comum, como José Dirceu foi transformado.
Após a prisão de Lula se iniciará a fase 3. Que será de desarticulação total do ativismo e do movimento social. Vai faltar cadeia para presos em manifestações e por serem considerados incitadores de violência contra a ordem pública. Vão sobrar processos contra blogueiros, jornalistas e ativistas digitais de esquerda que insistirem em ficar na resistência.
Não vale a pena para Lula esperar o japonês da federal vir algemá-lo. Já disse aqui e repito, é hora de começar a pensar em se exilar. Não há espaço possível neste momento para uma resistência que mude essa situação. E as urnas de alguma forma deixaram isso claro.
O papel da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo passa a ser fundamental a partir de agora. Elas precisam ser fortalecidas e têm que se começar a pensar se de alguma maneira não devem se tornar uma plataforma também para as disputas eleitorais que virão. E para enfrentar o golpe no voto.
Ainda é cedo para fazer este debate, mas não o é para começar a pensar nesta hipótese.

Até porque no projeto estratégico do golpismo está a destruição do PT e a cassação do seu registro. Claro, com Lula preso.

“Sobre canalhas e greve geral.” Por Márcio Sotelo Felippe

“Canalha, canalha, canalha!”
Tancredo Neves no momento em que Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, declarou vaga a presidência da República quando João Goulart estava em território nacional; apud Roberto Requião na sessão do Senado que votou o impeachment da presidente constitucional.
Sete pontos e quatro conclusões
Ponto 1. Michel Temer pretende enviar ainda este mês ao Congresso a proposta de reforma da Previdência. Prevê-se idade mínima para aposentadoria de 65 anos. Em várias regiões do Brasil vive-se em média 65 anos. O que significa que milhões de brasileiros morrerão trabalhando. Também se cogita a elevação da alíquota da contribuição previdenciária dos servidores para 20%. Com isso, um servidor que ganha 4.000 mil reais (4,5 salários-mínimos) será sangrado em 27,5% para o Imposto de Renda e 20% para a previdência.
Ponto 2. A PEC 241, em tramitação, estabelece teto para despesas com saúde e educação. Nos próximos 20 anos não poderão ser maiores do que a inflação do ano anterior, ou seja, congeladas em termos reais. Uma noção do que representa isso. Se implantada no período 2006 – 2015, significaria uma diferença de 290 bilhões na saúde e 384 bilhões na educação. Na área da saúde é um genocídio anunciado. Dor, sofrimento e morte para milhões de brasileiros que dependem dos serviços públicos de saúde. E haverá mais 20 milhões de brasileiros ao longo dos próximos 20 anos.
Ponto 3. Comissão da Câmara acaba de aprovar a projeto do senador Serra que altera as regras do pré-sal. Retira a obrigatoriedade de participação da Petrobrás, o que ao fim e ao cabo entregará fabulosa riqueza às companhias petrolíferas internacionais. Não há uma razão plausível para isso. Pura, simples e vil traição aos interesses nacionais. As ações da Petrobras são muito bem negociadas nos EUA (o que significa que é forte e tem credibilidade) e ela tem a mesma possibilidade de investir e, se necessário, captar recursos que qualquer grande companhia petrolífera do mundo.
Ponto 4. Comissão mista do Congresso modificou, a pedido de Temer, o texto do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para retirar as expressões “distribuição de renda”, “fortalecimento de programas sociais” e “políticas sociais redistributivas”.
Ponto 5. O Estado brasileiro não tem mais uma Constituição efetiva em pontos essenciais. Decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região no caso Moro afirmou que qualquer juiz pode deixar de aplicar direitos e garantias fundamentais em “situações excepcionais”, embora pensássemos todos nós (inocentes…) que as garantias existissem exatamente para isto, proteger os cidadãos de “situações excepcionais”. Fundamentou a decisão a doutrina de Carl Schmitt, (“envernizada” por Eros Grau), o teórico que deu suporte à destruição da Constituição de Weimar por Hitler.
Ponto 6. Nenhuma medida atinge a elite do país, aqueles que poderiam de fato arcar com tais ônus. Não se cogita de imposto sobre grandes fortunas, não se cogita de elevar as alíquotas de Imposto de Renda para as faixas de altos salários, não se cogita de uma CPMF, imposto impossível de sonegar para o grande capital, não se cogita de modificar o imposto sobre heranças, praticamente simbólico no país. Todo o ônus recairá sobre a imensa parcela miserável da população.
Ponto 7. Esse conjunto de torpezas destina-se a garantir o pagamento da dívida pública, que ganha preferência absoluta diante das necessidades do povo. Visa assegurar a renda dos especuladores dos títulos públicos, que abocanham cerca de 40% do orçamento da União.
Conclusão 1. O governo brasileiro foi aparelhado por uma quadrilha de canalhas a serviço do grande capital, que, em dois meses, em uma blitz fulminante, está destruindo o Estado, a Constituição e condenando a décadas de sofrimento a maior parte da população para permitir ao grande capital apropriação de renda e patrimônio.
Conclusão 2. É hora de relembrar, mais do que nunca, a frase de Marx no Manifesto Comunista:
“A burguesia, afinal, com o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou para si própria no Estado representativo moderno autoridade política exclusiva. O Poder Executivo moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda burguesia.”
Conclusão 3. Está insustentável continuar a reduzir a luta social à política institucional e aos parlamentos e persistir na renúncia à organização e conscientização do povo e às reais formas de lutas populares. Está insustentável não denunciar os limites da democracia burguesa e a falácia da “representação política”, esta particularmente abrindo caminho para a barbárie social.
Conclusão 4. Ou morremos de pé ou vivemos de joelhos. Diante desta situação, a única resposta possível é a greve geral. Esta que se anuncia e se prepara; outra, se esta fracassar; e mais outra, e quantas forem necessárias, até que se consiga impedir o genocídio social que se anuncia no Brasil. As forças e movimentos populares tem uma responsabilidade grave. Deixar-se levar por mesquinharias, conflitos, ressentimentos e pequenos interesses e recusar a unidade será apequenar-se de tal modo que somente lhes restará a lata de lixo da História; porque deles será cobrada a responsabilidade de não travar a luta contra os canalhas. De viver de joelhos em vez de morrer de pé.


Márcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.  

Estamos em plena ditadura. Por Luis Felipe Miguel

Assim como sofremos um golpe de novo tipo, estamos vivendo o início de uma ditadura de novo tipo. Não será o regime de um ditador pessoal, até porque nenhum dos possíveis candidatos ao posto tem força suficiente para alcançá-lo. Não será uma ditadura das forças armadas, ainda que sua participação na repressão tenda a crescer. Provavelmente, muitos dos rituais do Estado de direito e da democracia eleitoral serão mantidos, mas cada vez mais esvaziados de sentido.
A ditadura se expressa no alinhamento dos três poderes em torno de um projeto claro de retração de direitos individuais e sociais, a ser implantado sem que se busque sequer a anuência formal da maioria da população, por meio das eleições. Entre muitos outros sinais de que ela já começou, é possível citar:
- A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no dia 22 de setembro, concedendo ao juiz Sérgio Moro poderes de exceção. Na prática, as garantias constitucionais ficam suspensas para qualquer um que seja alvo do juiz curitibano.
- A decisão do Supremo Tribunal Federal, do último dia 5 de outubro, de permitir o encarceramento de réus sem que os recursos tenham sido esgotados. Vendida como medida para impedir a impunidade dos poderosos, amplia o poder discricionário de um Judiciário que é notoriamente enviesado em suas decisões. Apenas como ilustração, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro afirmou em nota que mais de 40% de seus recursos ao STJ têm efeito positivo. É, portanto, um contingente muito expressivo de pessoas que começariam a cumprir penas depois consideradas injustas.
- Outra decisão do STF no mesmo dia permitindo que a polícia invada domicílios sem mandado judicial.
- O aumento generalizado da truculência policial, algo que vem desde o final do governo Dilma, estimulado pelo clima político de avanço da reação - e também pela legislação que o próprio governo Dilma aprovou.
- O rolo compressor das mudanças na lei e na Constituição, com o uso inaceitável do instrumento da medida provisória (como no caso do ensino médio) ou a ausência de qualquer debate, seja com a sociedade, seja dentro do próprio Congresso. A entrega do pré-sal e a PEC de estrangulamento do investimento público servem de exemplo: a "base governista" nem tentou fingir que não estava apenas cumprindo o ritual da aprovação parlamentar, sem qualquer engajamento em discussões com a oposição.
- O avanço da censura e a imposição da narrativa única pelos oligopólios da mídia empresarial, parceiros de primeira hora da ditadura em implantação. Isso se dá em várias frentes. Há o estrangulamento econômico dos meios de comunicação independentes. Há a intimidação das vozes críticas, da qual o exemplo maior são as inúmeras decisões judiciais que penalizam qualquer um que ouse falar sobre o ministro Gilmar Mendes. E há o cerceamento à liberdade de expressão nos espaços em que ela possa ocorrer, como faz o projeto Escola Sem Partido. A comissão especial criada para discuti-lo na Câmara dos Deputados é formada quase que exclusivamente por fundamentalistas cristãos e outros direitistas extremados. Uma ação no Supremo, contra a lei que foi aprovada em Alagoas, mas que barraria iniciativas similares no Brasil todo, está parada nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso.
- A volta da tortura a prisioneiros, com motivação política. O encarceramento por tempo indefinido, com o objetivo expresso de "quebrar a resistência" de suspeitos (pois nem réus são) e levá-los à delação, tornou-se rotina no Brasil e é uma forma de abuso de poder, de constrangimento ilegal e, enfim, de tortura. (E antes de que alguém lembre que a tortura a presos comuns nunca se extinguiu no Brasil, cabe ponderar que a extensão da prática em nada melhora a situação dos presos comuns; ao contrário, pode piorá-la.)
- A volta da perseguição política, com inquéritos farsescos contra alvos selecionados, com o objetivo de apenas encontrar justificativas para punições definidas de antemão. O cerco a Lula é o exemplo mais claro.
- A criminalização do PT e da esquerda em geral, alimentada pelos meios de comunicação empresariais e pelos poderes de Estado, com destaque agora para a campanha do governo Temer sobre "tirar o Brasil do vermelho". A agressividade crescente dos militantes da direita, produzida de forma deliberada, tenta emparedar as posições à esquerda, progressistas e democráticas, ao mesmo tempo em que a cassação de registros partidários torna-se uma possibilidade mais palpável.
O novo regime busca hoje manter ao máximo a aparência de legalidade, mas a tendência é que caminhe para formas cada vez mais escancaradas de violência. Há uma razão simples para isso. Seu projeto é a confluência de quatro eixos: (1) entrega do patrimônio nacional; (2) ampliação da taxa de exploração do trabalho; (3) retrocesso nos direitos de grupos subalternos, com a reafirmação das hierarquias tradicionais (penso nas mulheres, na população negra, em lésbicas, gays e travestis); e (4) permanência das práticas de corrupção e de saque do Estado em favor da elite política reinante. Os eixos revelam o espectro de interesses diversos que se reuniram para a deflagração do golpe.
Trata-se de um projeto extraordinariamente lesivo para a grande maioria do povo brasileiro. Graças à baixíssima educação política da maior parte da população e à campanha incessante da mídia, para muita gente a ficha não caiu. Mas os efeitos da redução dos salários, do aumento do desemprego, do subfinanciamento do Estado e do desmonte dos serviços públicos logo se farão sentir de forma plena. Para conter a inevitável reação popular, será necessária uma escalada repressiva e restrições cada vez maiores aos direitos.
Diante deste cenário, de uma luta desigual e prolongada, o campo democrático brasileiro parte atrasado e sem clareza. As eleições municipais funcionaram e ainda funcionam como uma bela armadilha para colocar as forças de esquerda, progressistas e democráticas brigando entre si, enquanto os novos donos do poder nadam de braçada. É triste perceber a falta de visão e de grandeza que faz com que lideranças e militantes do PT e do PSOL prefiram puxar o tapete uns dos outros em vez de unir forças contra o inimigo comum; é triste ver um candidato de esquerda anunciando que a campanha no segundo turno será "municipalizada" e não tocará em questões nacionais; é triste ver como a energia que devia ser canalizada para a construção da resistência é desperdiçada no conflito interno.
Há muito o que criticar na trajetória das organizações de esquerda e suas lideranças - sobretudo do PT, que foi o principal partido durante décadas e exerceu o poder. Que o PT errou, todos sabemos. Mas a discussão, necessária, sobre seus erros e seus limites não pode impedir a unidade de ação contra o golpe e sua agenda. A expressão "Frente Ampla" está na boca de todo mundo, mas para muitos ela parece designar "somente eu e meus amigos". Não. É uma frente, isto é, reúne uma diversidade de grupos. E é ampla: nela devem estar aqueles com quem eu divirjo sobre muitas coisas, desde que possamos agir juntos em relação a algo que concordamos que, no momento, é o prioritário.

E o prioritário é restabelecer a vigência das regras democráticas e impedir o recuo social. Se as lideranças da esquerda brasileira não entendem isso, não entendem nada.

“Temer não é ilegítimo, é caótico.” Por Elio Gaspari

Em agosto do ano passado, o então vice-presidente Michel Temer apresentou-se como candidato ao lugar de Dilma Rousseff dizendo que “a grande missão, a partir deste momento, é a da pacificação do país, da reunificação do país”. Em maio, já pintado para a guerra, dizia que “é preciso alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos”.
Na Presidência, o doutor e sua caravana de sábios decidiram torrar dinheiro da Viúva com uma campanha publicitária essencialmente política, falando bem de si e mal do governo de sua antecessora e companheira de chapa. Nessa gastança, prometeu: “Vamos tirar o Brasil do vermelho para voltar a crescer”.
Ao pisar no Planalto, Temer demitiu um garçom e agora vangloriou-se de ter extinguido “4.200 cargos de confiança”. Na realidade, em junho, ele prometeu cortar os cargos comissionados, mas, entre junho e julho, demitiu 5.500 servidores e contratou 7.200.
CLIMA DE GAFIEIRA
Atitudes desse tipo nada têm a ver com pacificação ou reunificação. Servem apenas para estimular o clima de gafieira que Temer herdou do petismo. A caravana do Planalto não está pacificando coisa alguma. Dedicou-se a flertar com o mercado, ameaçando a sociedade com aumento de impostos. Anunciou uma reforma da Previdência sem detalhá-la, transformando em campo de batalha o tema quase consensual da necessidade da elevação da idade mínima para a aposentadoria.
A fábrica de fantasmas do Planalto soltou a alma penada de uma reforma trabalhista, sempre em termos genéricos, e logo depois recuou. Conseguiu arrumar confusão até mesmo num serviço banal como a escolha do filme que representará o Brasil na disputa pelo Oscar.
PURA PAROLAGEM
Temer e Henrique Meirelles apresentam-se como campeões da austeridade porque patrocinam uma emenda constitucional que limitará os gastos públicos. Por enquanto, isso é pura parolagem. O que contém gastos é a decisão de não gastar. Se lei equilibrasse Orçamento, a da responsabilidade fiscal teria impedido as pedaladas petistas, e a renegociação das dívidas dos Estados, ocorrida durante o tucanato, teria impedido a situação de falência em que estão hoje Estados e municípios, todos aliviados por Temer.
O governo de Michel Temer não é ilegítimo, é caótico. Inventa encrencas, deforma temas e produz fantasmas. Na hora da onça beber água, acha que seu problema é de comunicação e decide fazer uma campanha publicitária para que o povo, esse eterno bobalhão, aprenda o que é melhor para ele.
APOSENTADORIA
Eremildo é um idiota e nunca poderá se aposentar, pois jamais trabalhou. Defensor da reforma da Previdência, ele vai a Brasília para visitar o triunvirato que comanda as discussões para a reforma da Previdência.
Conversará com o presidente Michel Temer, com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e com o secretário de governo, Geddel Vieira Lima. Todos defendem a necessária elevação para 65 anos da idade mínima dos trabalhadores em busca da aposentadoria.
Temer aposentou-se em 1996, aos 55 anos. Em maio passado, ele recebeu R$ 30.613 como procurador inativo do governo de São Paulo. Como presidente ativo da República, recebe R$ 27.841. O doutor Geddel aposentou-se em 2011, aos 51 anos. Recebe R$ 20.354 como inativo e R$ 30.934 como ministro. Eliseu Padilha aposentou-se aos 53 anos e está na base da pirâmide dos aposentados do Planalto, com R$ 19.389 mensais.
Eremildo pedirá aos triúnviros da reforma da Previdência dos outros que devolvam à Viúva o que ela lhes paga como servidores aposentados.
FILA BRASIL
A fila de brasileiros que ao desembarcar em Pindorama ficam à espera da fiscalização de seus passaportes no aeroporto de Guarulhos é maior do que a dos estrangeiros enfileirados diante dos guichês do Kennedy, em Nova York.
No dia em que um americano tiver que penar numa fila para entrar no seu país, o governo terá os seus dias contados.
A Policia Federal gostaria de ser substituída nessa fiscalização burocrática. Ela imobiliza agentes que poderiam estar correndo atrás de larápios.

“A transfixação mágica no Paraná.” Por Rui Daher

Caía a tarde feito um oleoduto e o carro se aproximava da Refinaria Presidente Getúlio Vargas que a história não conta, mas foi assassinado pelo acordo secular de elites. O mesmo que ora se faz com outro estadista que quis construir nação menos injusta e mais soberana.
Chegava a uma cidade pequena, próxima de Araucária, no Paraná. Deveria sugerir a uma plateia de agricultores como produzir mais, melhor e com menor custo. No aplicativo havia selecionado Dinah Washington. Ela cantava Stormy Weather e me lembrava de como as tempestades políticas chegam ao Brasil da mesma forma que os aguaceiros chegam às encostas de morros e fazem desmoronar os sonhos de quem ali vive.
Hotel modesto, estaciono o carro. O manobrista veste terno, camisa e gravata pretos. Não abre a porta do carro nem se oferece a carregar minha mochila. Não me importo. Deve estar mal-humorado.
No lobby, estranho os dois funcionários da recepção com as mesmas feições e vestes do manobrista. Penso: uniformes e gêmeos. Tez morena, lábios finos, olhos atilados triunfantes, cabelos negros alinhados, sorrisos disfarçados, entreolham-se vaidosos. Um deles aperta a gravata sobre o colarinho:
- Já esteve hospedado aqui?
- Não.
- Preencha a ficha completa.
Noto oito folhas à minha frente. Dou uma passada de olhos e pergunto:
- Mas tudo isso, por quê?
- Normas do hotel.
- Há informações absurdas diante do que exige a lei. Vivo me hospedando em hotéis, vou preencher apenas o que sei necessário.
Olham-se. Um deles apoia-se no balcão e quase encosta em meu nariz:
- Não preenche, não assina, não fica. É o único hotel em 50 quilômetros. E todos exigirão o mesmo procedimento. Foi padronizado. O senhor está no Paraná. Aliás, pagamento antecipado.
Tenho uma hora para chegar ao local da palestra. Gastarei 50 minutos preenchendo a ficha. Sobrarão dez minutos para o banho, trocar de roupa, colocar o endereço no Waze, e partir. Chegarei atrasado ao evento.
Topei. Não havia rodado quase 500 quilômetros para dar o cano. Facilitava o fato de as perguntas serem na forma sim ou não.
Já votou no PT? Reconhece em Lula e Dilma ladrões? Tem em casa alguma obra de Marx? Concorda que Veja e Globo News representam o melhor do jornalismo feito no país? Sabe que José Dirceu matou Celso Daniel e José Genoíno é podre de rico? Tivesse oportunidade, que lábios beijaria, os da antipática Angelina Jolie ou do probo Gilmar Mendes?
Percebendo estar em hotel de alguma seita, tal qual goleiro que na hora do pênalti escolhe um dos cantos para se jogar, sabedor do atual clima político do país, em todas respostas arrisquei a direita. Deixei em branco os “lábios que beijei”, aí não dava. Felizmente o inquiridor não percebeu.
Um deles me seguiu até o quarto. Em cada andar, nas paredes do patamar, uma foto enorme dos gêmeos em diferentes posições, mas com faixas presidenciais verdes e amarelas no peito. Sobre a cama, a mesma foto. Seriam mesmo eles os ali retratados?
Sou medroso. Confesso já ter visto mula-sem-cabeça quando visitei o Congresso Nacional, em Brasília. Na dúvida sobre os rituais da seita, cobri a foto com um lençol. Também decidi que lá não dormiria de jeito nenhum. Terminado o evento, voltaria para casa, em São Paulo.
Somente no salão da palestra conheci o professor de agronomia que havia me convidado. Surpresa. Reproduzia à perfeição o pessoal do hotel. Quadrigêmeos?
Compilara 58 assinaturas de presença. Peço para ver. Nova surpresa. Todas iguais, rabiscos em formas diversas das letras SM.
- Vamos lá, Doutor Rui. Vamos instalar o PowerPoint?
- Não uso, nunca usei.
- Como? Mesmo depois do sucesso de nosso Procurador? Isso não é bom. O pessoal daqui não vai gostar.
Começo a me irritar com toda a situação.
- Pois é, não trouxe. Desistimos? Pode chamar outro leitor de slides.
- Não dá mais tempo. Vai sem PowerPoint mesmo.
- Bom.
- Amigos e amigas agricultores paranaenses. A comunidade Sertão Modelador, SM, neste momento em que estamos prestes a salvar o Brasil da corrupção introduzida na pátria pelo Partido dos Trabalhadores e os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, traz o consultor em agronegócios, Rui Daher, que irá falar sobre como aumentar a produtividade de suas lavouras e diminuir os custos de produção com novas tecnologias. Vamos ouvi-lo.
Fico mudo. Estou travado. Não consigo começar. Todos me olham ansiosos. O apresentador vai ficando cada vez mais aflito. Um rumor baixo começa a percorrer o salão. Os presentes, mesmo mulheres, crianças e cachorros frequentes em palestras nas zonas rurais, têm feições idênticas às dos funcionários do hotel. Como fossem bonecos de cera saídos da mesma fôrma. Lábios finos, olhos atilados, cabelos negros bem alinhados.
Realismo mágico? Afinal, havia relido Gabo e Rosa, recentemente. Traquinagem de Darcy Ribeiro sempre em minha cabeceira? O filme de Luís Buñuel, relembrado por um amigo? Ibsen, Kafka, socorro, onde estou?
O que aconteceu com o estado do Paraná? Onde os descendentes de alemães, suas loirinhas lindas, narizes aquilinos, feições gansolinas? E as italianinhas gostosas? Cadê os musculosos campônios vindos dos pampas e os Vênetos vermelhões das colônias em serras gaúchas?
Fujo em desabalada carreira. Lembro o final de um filme dos Irmãos Cara-de-Pau. No carro, o retrovisor não indica nenhum farol atrás de mim. Só paro em um posto de gasolina, depois de cruzar a fronteira do Paraná com São Paulo.
- Sei que é proibido em estradas, mas sofri uma violência muito grande que prefiro não narrar, o senhor não me arruma uma cervejinha.
- Pela sua palidez, vai precisar mais de uma e ainda uma cachacinha. Se ficar mal para dirigir, durma aqui. É mais seguro.
Um rapaz ao meu lado, boné da Scania, ouve a conversa, vira-se para mim, com forte sotaque carioca:
- Senhorrrr, apossssto que tá vindo do Paraná.
Balanço a cabeça positivamente.
- Soube não? Transssfixação Mental e de Imagem.
- O que é isso?
Seu companheiro, pelo jeito paulista, entra na conversa. Já estou na segunda dose de Seleta.
- Um laboratório de Curitiba que inventou. Na medicina o termo é usado para atravessar de um lado a outro, perfurar, muito usado em amputações e suturas.
- Cara!
- Pois é, caras foram os que inventaram um método de amputação mental que, tão intenso, vai modificando não só o pensamento, mas também a fisionomia de tudo o que for humano. Eu e o amigo aqui, depois que soubemos disso, nunca mais aceitamos carga para o Paraná.
- Puta loucura! E se levarem o método para outras regiões do Brasil?
- Já chegou. Não viu o Dória?

- Merrrmão, nos Estados Unidos, muita gente tá ficando vermelhona, plastificada, cabeleira dourada e com gestos do Mussolini. E olha, nem precisa serrr branquelo, não. Negro fica, chicano tamém.