Estima-se
que o analfabetismo atinja 8,3% da população adulta brasileira, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se levarmos em conta o
analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de uma pessoa de compreender
textos simples e de fazer operações matemáticas elementares, esse número
alcança um em cada três brasileiros de acordo com o Instituto Paulo Montenegro.
Um quadro estarrecedor, sem dúvida, mas que se torna ainda mais preocupante
quando confrontado com os índices de analfabetismo político, insuficiência que
atinge a sociedade de cima abaixo, independentemente de grau de instrução,
classe social, etnia, religião ou sexo.
Há
no excelente longa-metragem alemão Ele está de volta (Er Ist Wieder Da), que
discute o renascimento do nazi-fascismo no mundo, particularmente na Europa,
uma observação terrível. Revivido, Adolf Hitler passeia, pelas ruas da Alemanha
contemporânea, satisfeito com o fato de que suas ideias nacionalistas,
racistas, machistas, homofóbicas e autoritárias continuam a florescer entre a
população, quando constata: “O povo está calado, mas com raiva. Frustrado com
as condições de vida, como em 1930. Mas na época não havia um termo para isso:
analfabetismo político”.
O
analfabetismo político viceja onde falta consciência política – e consciência
política é a relação vital que se estabelece entre mim e meu próximo. O
analfabetismo político é o desinteresse manifestado pelos cidadãos para o rumo
que a classe dirigente empurra a sociedade. Esse desinteresse se dá por
ignorância ou por arrogância ou, pior ainda, por uma mescla de ignorância com
arrogância. Nada pior para um país do que indivíduos que desdenham da política
governados por políticos que desdenham dos indivíduos – este é o espaço
privilegiado para a expansão da mentalidade fascista.
Como
não conseguimos resolver nossos problemas enfrentando-os de forma democrática,
optamos por desejar ardentemente um deus ex máxima que nos salve e nos conduza.
O legado mais trágico da última ditadura – um episódio de despotismo em meio a
vários outros da nossa infame história política – foi a desmoralização do
conceito de autoridade.
Destituídos
os militares, a sociedade, traumatizada pela tirania e pela arbitrariedade,
rejeitou o autoritarismo, mas não conseguiu recuperar a noção de autoridade.
Vivemos assim pendularmente entre a ausência total de autoridade (o professor
na sala de aula, por exemplo) e a hegemonia absoluta do autoritarismo (a
atuação da polícia nas periferias, por exemplo). Entre um extremo e outro, o
vazio do poder.
A
omissão do Estado no desempenho de suas atribuições mais básicas, proporcionar
aos cidadãos sistemas de saúde, educação, transporte e segurança para que ele
sobreviva dignamente, leva ao desencanto em relação ao exercício da política.
Aliados à incompetência, a corrupção e o cinismo nos afastam mais e mais do
sentimento de pertencermos a uma mesma comunidade e de partilharmos interesses
comuns. Pouco a pouco, instala-se o ressentimento e a intransigência: “o povo
está calado, mas com raiva”, como adverte o Adolf Hitler do filme Ele está de
volta.
Uma
população frustrada busca inimigos para extravasar sua cólera. E o inimigo é
sempre o diferente de nós: os homossexuais, os negros, os imigrantes, os
esquerdistas, enfim, qualquer grupo que em um determinado momento e contexto
nos pareça fragilizado o suficiente para levar a culpa pela nossa incapacidade
de gerir os próprios desejos. Assim, em silêncio e irrefletidamente, abraçamos
discursos demagógicos, incitadores do ódio e da intolerância. A violência que
grassa no país – nas ruas, dentro das casas, nas redes sociais – é apenas a
face visível deste monstro subterrâneo chamado fascismo, fenômeno que se
alimenta de analfabetos políticos.
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