O
PT, sem dúvida alguma, foi o grande derrotado nas eleições municipais deste
ano. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das 630 prefeituras
conquistadas pelo partido em 2012, restaram apenas 256, um encolhimento de
quase 60%. Parte da responsabilidade por essa derrocada pode e deve ser debitada
à direção do partido, que ao longo de sua história abdicou de um projeto de
governo por um projeto de poder — a constatação é do insuspeito Frei Betto —,
assumindo sem constrangimento o sistema de troca de favores que baliza o
exercício da política brasileira desde sempre. Outra parte, igualmente
importante, no entanto, pode e deve ser debitada ao preconceito, à intolerância
e à hipocrisia da nossa elite.
É
inegável que, apesar de todas as falhas possíveis de serem apontadas — e que
são muitas —, o período de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(2002-2010) foi o melhor de toda a história nacional. Ricos e pobres usufruíram
dos benefícios de um país cujo Produto Interno Bruto (PIB) crescia a uma taxa
média de 4% ao ano, com inflação sob controle e baixo índice de desemprego
(6,7% na média), o que proporcionou, e isto é o mais importante, uma diminuição
radical da indigência por meio de programas de transferência de renda. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 30
milhões de pessoas deixaram a pobreza entre 2001 e 2009, um feito reconhecido
internacionalmente, e que deu origem à chamada nova Classe C.
O
problema é que, em nome de uma suposta governabilidade — problema real, mas
contornável —, o PT fez concessões imensas aos velhos caciques, acreditando, em
um misto de arrogância e estupidez, que poderia respirar o mesmo ar putrefato
sem deixar-se contaminar por ele. O resultado é o que se viu: a gangrena que
corrói historicamente o Estado brasileiro atingiu também membros do partido —
encantados, uns, com o poder, outros, com o dinheiro fácil, chafurdaram todos
no pântano da corrupção que sempre condenaram, violando o pacto ético que
sustentava discurso e ação da militância.
Este,
o erro imperdoável do PT, que jogou por terra os enormes esforços para a
criação de um partido de esquerda não comunista, cujo objetivo final era erigir
um Brasil mais justo, combatendo as absurdas diferenças sociais, o machismo, o
racismo e a homofobia que nos envergonham, criando sistemas de educação e saúde
dignos, elaborando políticas ambientais e indigenistas adequadas, colocando-nos
enfim no centro das discussões geopolíticas mundiais. Mais uma vez observamos
impotentes o protagonismo do Brasil escapar das nossas mãos, quando já o
levávamos à boca, as pupilas gustativas excitadas pelo olor do futuro que
adivinhávamos. Isto tudo tornou-se agora pó ou pesadelo nas mãos do presidente
não eleito, o medíocre Michel Temer e seus asseclas, os que ocupam a tribuna do
Legislativo, os que se investem da toga.
Se
este foi o maior erro do PT, como instituição, o de volver-se em uma agremiação
como outra qualquer, não foi menor o equívoco de Lula e dos petistas em
acreditar que a elite brasileira iria aceitar tranquilamente as poucas, mas
essenciais mudanças sociais que o partido fomentava. A elite brasileira nunca
assimilou a ideia de ter de compartilhar as cadeiras das universidades com estudantes
de classe média baixa que a alcançavam por meio de bolsas para alunos do ensino
público ou por meio de cotas raciais. A elite brasileira nunca aceitou ter de
compartilhar o espaço dos aeroportos — que viraram, segundo ela, extensão das
rodoviárias —; nunca admitiu ter que conviver com pobres e afrodescendentes em
shoppings e restaurantes e parques e ruas.
A
elite brasileira derrubou a presidenta Dilma Rousseff porque não perdoa quem
não saiba usar os talheres na sequência correta, não perdoa quem não sabe se
portar em sociedade, não perdoa quem não tão berço, quem não tem nome de
família, não perdoa quem não tenha todos os dentes — a elite brasileira
considera que pobre é mal necessário, que deve existir apenas para servi-la e
bajulá-la. E isso em todos os níveis: a elite brasileira não tolera quem entra
pela porta dos fundos, seja na política, seja nas hostes literárias, seja no
meio empresarial. Desses, ela quer distância!
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