Após
o surpreendente encontro: Mamdani, Trump e a estratégia socialista
Foi a
reunião mais esperada na Casa Branca desde o confronto de Donald Trump com o
presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Trump iria repreender e insultar o
prefeito eleito de Nova York Zohran Mamdani? Mamdani iria retribuir o que
recebeu e humilhar Trump tão efetivamente quando ele fez com Andrew Cuomo nos
debates para prefeito?
Mas não
foi nem uma batalha real, nem uma luta mortal entre celebridades. Foi uma
surpreendente e amigável reunião em que os dois se uniram em torno de sua
agenda supostamente comum de enfrentar a crescente crise do custo de vida do
capitalismo estadunidense. A natureza surpreendentemente afável da reunião
suscitou um amplo conjunto de respostas, desde elogios à tática de Mamdani de
desarmar preventivamente Trump até a condenação do prefeito eleito de ser um
traidor.
Na
realidade, a decisão de Mamdani de evitar conflitos e aderir à agenda do custo
de vida de Trump são fruto de uma fraqueza política comum que os levou a se
acomodarem um ao outro. Ainda pior, após a reunião, Mamdani, apesar de
reafirmar sua denúncia de Trump como um déspota e fascista, persistiu em dizer
que ele trabalharia com Trump para tornar Nova York mais acessível. Mas esta
situação amigável será apenas temporária; as facas inevitavelmente serão
sacadas. Para nos prepararmos para o confronto, devemos redobrar nossos
esforços na construção de uma luta social e de classe em massa para conquistar
as demandas e garantir as promessas retóricas da campanha de Mamdani, além de
nos defendermos contra o regime de Trump.
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Encurralado no escritório
Primeiramente,
devemos compreender as razões por trás da abordagem de não confronto de Mamdani
na reunião. Relembre que ele está em uma posição fraca. Ele conquistou um pouco
mais de 50% dos votos, obtendo uma vitória apertada contra dois candidatos da extrema
direita, Cuomo (apoiado por Trump!) e Sliwa, que juntos alcançaram quase 49%
dos votos.
Além
disso, seu escritório, embora aparentemente poderoso, é dependente da câmara
municipal, do governo do Estado controlado por Kathy Hochul, da cúpula do
Partido Democrata e do governo federal exercido por Trump contra quaisquer
inimigos reais e percebidos. E, além destes obstáculos políticos, a capacidade
de Mamdani de realizar qualquer coisa a partir de seu escritório no estado
capitalista depende do crescimento e da lucratividade das empresas,
especialmente do capital financeiro, cuja sede internacional fica em Nova York,
para que a receita tributária financie a reforma.
Apesar
de suas referências à luta popular, Mamdani é um reformista. Ele acredita que
ocupar um cargo público é o caminho para realizar mudanças sociais. Diante
disto, ele tem pouca margem de manobra e, portanto, todos os motivos para fazer
acordos na esperança de conquistar a simpatia dos verdadeiros detentores do
poder no Estado e na economia capitalista, a fim de o deixarem implementar
reformas. Isso explica por que ele se reuniu com a cúpula do Partido Democrata,
buscou seu apoio, tentou neutralizar a oposição dos chefes do setor imobiliário
ao se reunir com eles e até mesmo renomeou a temida e bilionária comissária de
polícia Jessica Tisch.
Tudo
isso também explica porque Mamdani (assim como Alexandria Ocasio-Cortez)
escolheu se opor ao principal nas primárias colocado por um colega membro do
DSA, Chi Ossé, para destronar o neoliberal, sionista e líder da minoria na
câmara dos representantes, Hakeem Jeffries. Mamdani foi além, dizendo à NBC que
ele quer que Jeffries permaneça como líder dos democratas e se torne presidente
da Câmara se os democratas retomarem o controle da Câmara. A lógica do
reformista, especialmente sem uma luta de classes vinda das bases, é de se
adaptar à classe capitalista e seus políticos, na melhor das hipóteses
proporcionando reformas liberais tímidas e, na pior, simplesmente administrando
o sistema existente (lembre-se de François Mitterrand, o “Margaret Thatcher vermelho”).
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Diplomacia, não confronto
As
fraquezas objetivas de Mamdani e sua estratégia reformista moldaram a abordagem
tática da reunião com Trump. Ele abandonou qualquer pretensão de confronto com
o líder de um regime que está travando uma guerra de classes intolerante em seu
próprio país. Trump aboliu os direitos sindicais de mais de um milhão de
funcionários públicos e está realizando um terror estatal contra migrantes e um
imperialismo transacional e unilateral no exterior – desde a diplomacia
assassina das embarcações na América Latina até a imposição de “acordos de paz”
na Palestina e na Ucrânia, que recompensam Israel e Rússia como agressores
coloniais. Mamdani não mencionou nada disso. Foi pela janela a ideia de
aumentar o volume para denunciar Trump como um déspota, fascista e criminoso de
guerra genocida.
Pelo
contrário, Mamdani insistiu, como um disco riscado, em apelar a Trump para que
se juntasse a ele numa parceria em prol da melhoria do custo de vida. Ele
estava inclinado a encantar e, em sua própria mente, em desarmar Trump na
esperança de seduzi-lo a manter o fluxo de dólares federais para os cofres de
Nova York. Agora, muitos dos assessores de Mamdani argumentarão que ele está
jogando o xadrez tridimensional e ou quadrimensional, e pode ser mais esperto
que Trump. Tais argumentos justificam a lógica reforma de acomodação, não
resistência, a alguém que eles pronta e abertamente chama de um facista.
Esta
estratégia não funcionará para barrar Trump. Ele já está travando uma guerra
contra Nova York. O ICE está prendendo pessoas na cidade, aqueles dependentes
do Obamacare estão prestes a perder seus subsídios, os cortes no Medicaid estão
devastando a classe trabalhadora, as pessoas trans estão sob cerco federal e
assim por diante. E se, a partir da pressão de baixo, Mamdani se posicionar
sobre qualquer uma dessas questões de exploração de classe e opressão social,
Trump vai atacar a cidade e seu povo como uma tonelada de tijolos. Isso pode
acontecer de qualquer maneira.
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O alto preço da acomodação
Então,
a estratégia da acomodação reformista traz um alto custo aos trabalhadores e
oprimidos. Já podemos ver isso acontecendo. Na reunião, Mamdani ressaltou seu
compromisso em manter a comissária de política e sua guarnição de 35 mil
policiais que impõem as brutais desigualdades raciais de classe em Nova York.
Ele não pestanejou quando Trump disse que compartilhavam uma agenda rigorosa
contra o crime. Esta é apenas uma das principais concessões que virão, a menos
que os trabalhadores e os oprimidos lutem pelas demandas da campanha e o
cumprimento de suas promessas retóricas.
A
tática de Mamdani na reunião não é o método para conseguir suas demandas, nem
mesmo para construir a resistência. Um líder político como Eugene Debs teria
denunciado Trump pessoalmente, enquanto convocava uma manifestação em frente à
Casa Branca pelo povo que mora em Washington, D.C., sabendo perfeitamente que
essa luta de classes em massa é a única maneira de parar este regime e
conquistar reformas. Ao não criticar Trump, Mamdani enviou um sinal à esquerda
de que não devemos buscar o confronto, mas a colaboração de classe – a união,
no velho linguajar do sindicalismo burocrático – na esperança de que um
autocrata bilionário, a elite capitalista do Partido Democrático, os chefes do
setor imobiliário e Wall Street colaborem para proporcionar um melhor custo de
vida à maioria da classe trabalhadora.
Esta
não é uma estratégia realista. E corre-se o risco de enfraquecer a esquerda e
semear ilusões ainda mais profundas no processo eleitoral no exato momento em
que os democratas centristas como o execrável Gavin Newsom estão apelando para
a resistência para se unir não a Mamdani e aos poucos outros candidatos do DSA,
mas a mães centristas preocupadas com a segurança nacional, como aquelas que
venceram com um programa de centro-direita de custo de vida, lei e ordem, e
imperialismo em Nova Jersey e Virgínia.
A
esquerda deveria rejeitar tudo isto. Deveríamos incentivar Mamdani a resistir e
lutar, não realizar a conciliação com os poderes constituídos. E devemos
reforçar aquele esforço com a independência da classe organizada e a luta para
exigir as demandas da campanha, defender as comunidades contra o ICE e aumentar
a resistência popular de massa contra Trump. Somente essa luta de massas pode
conquistar reformas, não bajular um monstro na Casa Branca.
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Um amigo fascista do socialismo?
Talvez
a maior surpresa para alguns tenha sido o comportamento de Trump na reunião.
Por que será que ele tratou Mamdani como seu amigo do Queens e o elogiou depois
de chamá-lo de comunista louco e de fazer vários comentários islamofóbicos nos
últimos meses? As razões superficiais são óbvias: Trump ama um vencedor; adora
elogios, que Mamdani lhe deu repetidamente, chamando o intolerante de “Sr.
Presidente”; e gosta dos holofotes. É tudo bom para a TV.
Mas é
importante compreender as razões profundas por trás do comportamento de Trump.
Trump tem tudo a ganhar e nada a perder abraçando Mamdani no momento. O
prefeito eleito já conciliou com os agentes políticos e econômicos que Trump
tanto admira. E Mamdani manteve a comissária de polícia do prefeito Eric Adams,
Tisch, que é amiga íntima de Trump e de sua filha Ivanka.
Trump
claramente quer usar e abusar de Mamdani. Ele usará Mamdani para fazer avançar
seus próprios propósitos e, se Mamdani resistir, abusará dele. E ele sabe que o
Partido Republicano e a maior parte do Partido Democrata ficará do seu lado.
Lembre que todos os republicanos da Câmara dos Deputados e 86 democratas [13],
incluindo Jeffries, recentemente se uniram para votar a favor de um projeto de
lei macarthista condenando “os horrores do socialismo”.
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Crise e conflito no palácio
A razão
mais importante para Trump receber Mamdani é sua própria fraqueza e necessidade
desesperada para algum tipo de caminho de correção que salve seu regime em
crescente crise. Ele e seu Partido Republicano foram derrotadas nas últimas
eleições, perdendo para os democratas em todas as frentes, a maioria deles
candidatos de centro-direita, todos com propostas para o custo de vida, em sua
maioria combinadas com posições de direita.
Além
disso, Trump está envolvido na interminável crise Epstein, com mais revelações
de pedofilia e cumplicidade com o tráfico sexual a seren divulgados. Isso, é
claro, também afetará muitos democratas como Bill Clinton e Lawrence Summers,
que se envolveram com Epstein. Trump, por sua vez, perdeu o controle sobre o
Partido Republicano e sua própria base do MAGA devido a esse escândalo. Ambos
se opuseram a ele, exigindo a divulgação dos arquivos. Como resultado, Trump
despencou nas pesquisas e está desesperado para reafirmar seu apelo de oferecer
menor custo de vida à sua base, a principal razão pela qual eles abandonaram
Biden e Harris por ele em primeiro lugar.
Trump
sabe que seu regime está em crise. A unidade entre as frações, que ele mantinha
unida, está acabando. Os irmãos da tecnologia estão em desacordo com os
xenófobos. Os neoliberais estão em desacordo com os populistas nacionalistas.
Os imperialistas estão em desacordo com os isolacionistas. Os nazistas estão em
desacordo com a extrema direita. E os protecionistas estão em desacordo com as
pequenas empresas e os trabalhadores da extrema direita prejudicados pelas
tarifas e inflação.
No que
talvez tenha sido a separação mais apocalíptica desde o divórcio de Trump com
Elon Musk, Marjorie Taylor Greene, que havia sido a principal defensora de
Trump na Câmara, rompeu com ele por causa de Epstein. Ela formou uma coalizão
com o democrata liberal Ro Khanna e os sobreviventes de Epstein para forçar com
sucesso a divulgação do arquivo. Trump a chamou de traidora e ameaçou apoiar um
adversário dela nas próximas primárias, levando Greene a renunciar e denunciar
todo o poder de Washington em termos populistas de extrema direita.
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Trump em uma encruzilhada
Portanto,
Trump está em uma encruzilhada. Ou ele reúne seus subordinados divididos com um
governo populista autoritário ainda mais agressivo, ou entrará em colapso
prematuro, uma crise brutal de sucessão e o provável triunfo do Partido
Democrata nas eleições intermediárias, uma vitória que garantirá seu
impeachment e uma crise ainda maior no estado. Como alertou Steve Bannon a seus
companheiros bárbaros: “Vou lhe dizer uma coisa, com Deus como minha
testemunha, se perdermos as eleições intermediárias e perdermos 2028, alguns
nesta sala irão para a prisão”.
Isso
explica por que Trump usou Mamdani para alardear o custo de vida. Ele está
desesperado para reconquistar as pessoas. Ele usará oportunisticamente a
cordialidade com Mamdani para conseguir isso. Trump para Mamdani: “muitos dos
meus eleitores votaram em Mamdani”. Mamdani: “um em cada dez”. É por isso que
foi um erro terrível Mamdani ter apelado a Trump para se juntar a ele numa
parceria pela melhora do custo de vida; isso ajudou e contribuiu para a
reabilitação política de Trump junto dessa parte da sua base.
Ao
contrário de Mamdani, porém, Trump combinará acessibilidade com preconceito e
repressão violentos. Ele jogará carne vermelha para sua base de direita,
atacando migrantes, caçando pessoas trans e promovendo expurgos de “marxistas
culturais” no ensino superior. Se isso não funcionar, ele poderá usar o envio
de tropas americanas para dentro do país para impor seu governo. Não é por
acaso que ele ameaçou executar seis democratas por incentivar soldados a
desobedecer ordens inconstitucionais logo antes de se encontrar com Mamdani.
A
capacidade de Trump de fazer qualquer uma dessas coisas, porém, é comprometida
pelos policiais incompetentes que dirigem seu regime – o neonazista Steven
Miller, o bêbado Pete Hegseth e o sempre confuso Kash Patel, entre muitos
outros no regime. O único estrategista frio como pedra é Russ Vought. Mas isso
não é suficiente para levar a cabo o tipo de medidas autoritárias que eles
podem precisar. E não é claro que Trump tenha a lealdade dos altos escalões
militares, muito menos da burocracia estatal, para fazer qualquer uma dessas
coisas. Além disso, ele enfrenta resistência em massa em todo o país.
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A estratégia socialista: pela independência, pela luta e pela construção do
partido
Qual a
tarefa da esquerda nesta situação? A mesma de sempre. Devemos construir a luta
de classe independente e social. Isso será a força motriz para conquistar a
reforma sob Mamdani. E será a melhor linha de defesa de nossos direitos,
comunidades, empregos, salários e benefícios contra a guerra de classes
intolerante de Trump contra todos nós. Nosso modelo é a resistência em massa
contra o ICE que os trabalhadores organizaram em todo o país, de Los Angeles a
Chicago e, agora, em Charlotte. Greves estudantis, potenciais greves de
professores e autodefesa em massa comunitária são o modo de seguir adiante.
Um
perigo que a resistência e a esquerda enfrentam é se alinharem a uma estratégia
eleitoral reformista como a de Mamdani. Um perigo ainda maior é novamente
colapsar no interior do Partido Democrata, hoje o partido capitalista mais
coerente dos EUA, em 2026 e 2028. Isso desmobilizará nossa resistência contra
Trump, trocando a luta pela ilusão de que os democratas (acompanhados por
alguns socialistas em suas fileiras) deterão Trump – o que não fizeram – ou
corrigirão as desigualdades sistêmicas do sistema capitalista – o que não farão
e não podem fazer.
Na realidade, quem quer que conquiste o poder governamental em 2026 e 2028
herdará um Estado disfuncional e uma economia capitalista, na melhor das
hipóteses, em recessão e, na pior, em profunda crise após o estouro da
gigantesca bolha da IA. Assim, entramos em uma nova época de crises,
polarização ainda mais extrema (Nick Fuentes é um exemplo da verdadeira direita
fascista que está prestes a nascer) e, por trás de tudo isso, maior
instabilidade geopolítica e conflitos imperialistas. Nessas circunstâncias
terríveis, temos que construir a resistência, nossas organizações de classe e
sociais independentes de luta e um novo partido dos trabalhadores para lutar
por reformas no caminho da revolução política e social.
Fonte:
Esquerda Diário

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