sábado, 13 de dezembro de 2025

Quem regula a América Latina?

Uma fileira de canhões de última geração, por ar, mar e terra, com mísseis de alto poder de destruição, de longo e rápido alcance, está instalada no mar do Caribe nesse momento, e apontados para o continente latino americano. A Venezuela é a primeira da fila, mas os objetivos estratégicos norte-americanos envolvem a disputa geopolítica de todo continente. Isso significa que a soberania de todos os países latinos está ameaçada neste momento pelos EUA. A história já nos deu provas suficientes das barbaridades e horrores que um império é capaz de impor aos povos do mundo para não perder o seu trono. Nossa geração nunca esteve tão próxima de conviver com a tragédia que assistimos em Gaza, e fico a me perguntar: as próximas flotilhas da liberdade serão no Mar do Caribe? A ofensiva militar não é a única, existe um plano recolonizador para retomar o controle da região, como parte da disputa geopolítica para defender as posições do imperialismo ocidental e conter o avanço das forças do sul global, especialmente do BRICS, e consequentemente da China.

Todos os sinais apontam para um refluxo da “onda rosa” que surgiu na América Latina no arco histórico – 2018/2022 – abrindo as condições para uma ascensão da extrema direita como tendência predominante. A “onda rosa” que estamos nos referindo, foi a ascensão de governos ligados ao espectro de esquerda, que passou a dirigir quatro, das cinco maiores economias do continente. Lula no Brasil, Cláudia no México, Petro na Colômbia e Boric no Chile. E ainda, polêmicas à parte, considerando a relevância política de outras nações, podemos somar Maduro na Venezuela, Yamandú no Uruguai, Cuba e Nicarágua na região do Caribe. Nesses últimos anos que o campo de esquerda esteve no poder, pouco foi feito no terreno da integração em bloco organizado, e essa desorganização geopolítica, abriu flanco em várias dimensões para o avanço da extrema direita imperialista. Principalmente após a volta de Trump à presidência dos EUA em 2025, com amplos poderes no congresso e forte influência na suprema corte.

Aliás, esse ano está se confirmando como um ponto de virada. Em 2025, a vitória de Noboa no Equador, a desagregação do MAS e a volta da direita na Bolívia, após 20 anos da esquerda no poder. O belo desempenho de Milei – com apoio explícito de Trump – nas eleições legislativas argentinas e a possível vitória da extrema direita no Chile ( provavelmente no segundo turno), são sinais que a correlação de forças continental está desequilibrando a favor das forças reacionárias e conservadoras. Em 2026, a eleição no Brasil e na Colômbia prometem ser duríssimas, e em ambos os países, a extrema direita tem amplas condições de obter um excelente desempenho, incluindo voltar ao poder com a bandeira da segurança pública na mão.

<><> A ofensiva imperialista nos terrenos militar, político e econômico

O plano estratégico de Trump para o continente obedece três eixos principais – a ofensiva militar contra um suposto “narco-terrorismo” via operação “Lança do Sul”, a política tarifária como instrumento de coerção/chantagem e a intervenção nos assuntos internos dos vizinhos via BigTechs para alcançar interesses específicos. Dependendo da situação de cada país, será aplicado algum desses ferramentais golpistas ou até mesmo tudo de uma vez… O governo de Claudia Sheinbaum no México é um exemplo do que estamos alertando, sofreu a ação de tarifas, ameaças e pressão de intervenção militar envolvendo o tema do “narco terrorismo” e agora enfrenta manifestações convocadas pela extrema direita trumpista através das redes sociais, envolvendo operações que utilizam a simbologia da “geração Z” para mobilizar jovens e promover ações violentas com agentes infiltrados na multidão, arrastando o governo para um espiral de desgaste. Já escrevemos sobre o fenômeno envolvendo o tema da geração Z e como as legitimas reivindicações da juventude estão sendo disputadas por projetos estratégicos reacionários no sul global.

Por qualquer ângulo que se olhe, há uma tentativa de agredir a soberania latino americana para impor uma hegemonia geopolítica, acessar recursos naturais estratégicos e conter o avanço de nações e blocos independentes do domínio ocidental. Há um cerco imperialista se formando no continente, com avanços de posições importantes, a vitória de Milei na Argentina em 2023 foi o primeiro sinal de um novo curso em desenvolvimento na América Latina, depois a derrota do MAS na Bolívia em 2025 confirmou, e a provável derrota da candidata comunista no Chile, será possivelmente o ponto alto dessa vaga reacionária que se abriu. Dependendo dos desdobramentos em 2026, podemos ainda ter como epílogo deste ciclo, derrotas da esquerda no Brasil e/ou na Colômbia.

A primeira onda de vitórias eleitorais da esquerda no continente latino americano se deu no início dos anos 2000, impulsionada pela crise dos planos neoliberais implementados na década de 90 e pelo boom das commodities. Esse primeiro ciclo entrou em refluxo entre 2014-2016, e uma segunda onda de ascensão da esquerda foi retomada após as graves consequências da pandemia que aprofundou desigualdades, gerou inflação e deteriorou o custo de vida. Aumentando a demanda por políticas públicas estatais para mitigar a agonia social e o desespero de multidões traumatizadas pelo horror dos números de mortes e sequelados pela Covid-19.

Precisamos examinar com mais cuidado o refluxo da segunda “onda rosa” latino americana, mas já podemos identificar os seguintes elementos principais:

1. Fragmentação e desorganização geopolítica entre governos de esquerda no continente, não há iniciativas estratégicas unitárias com potencial de impor uma agenda soberana no terreno político e econômico;

2. As sociedades latino americanas continuam vulneráveis com graves desigualdades sociais, desindustrialização e economia baseada em commodities,  com forte dependência da tecnologia e inovação estrangeira;

3. A agonia social abre espaço para o desenvolvimento do crime organizado, gerando sensação generalizada de insegurança pública, se transformando na pauta privilegiada da extrema direita, na medida que os governos de esquerda não conseguem dar respostas de curto prazo para o problema.

Todos esses elementos facilitam o serviço das forças reacionárias dentro e fora dos países latino americanos, que atuam em parceria para implementar um projeto, cujo resultado final é a recolonização, controle geopolítico e saque das riquezas em benefícios da estratégia imperialista.

<><> Segurança Pública/Narcoterrorismo: A agenda dominante da extrema direita

No início do segundo semestre deste ano o governo Lula, além de se beneficiar da condenação e prisão de Bolsonaro e generais golpistas, começou a superar uma crise de popularidade quando passou a controlar a inflação, ganhou apoio social no combate às tarifas de Trump e aproveitou oportunidades em relação aos erros da oposição na ocasião da tentativa de aprovação  da “PEC da Blindagem”. Mas após o impacto da operação das forças policiais no Complexo do Alemão e da Penha na cidade do Rio de Janeiro, gerando repercussão internacional pelo alto índice de letalidade e violência, a extrema direita conseguiu recolocar no centro do debate nacional o tema da segurança. Figuras públicas ligadas a essa operação contra o “narco-terrorismo” organizada pelo governo do Rio de Janeiro, e governadores da oposição ganharam ampla visibilidade e apoio popular, ao mesmo tempo em que todas as pesquisas apontam que o crescimento da avaliação positiva de Lula foi interrompido, oscilando negativamente na margem de erro.

Chama a atenção a gravidade das movimentações, tanto do governo do estado de São Paulo, como do Rio de Janeiro, que estiveram no último período em contato direto com o governo Trump. Trocaram informações, relatórios e estão trabalhando juntos na tentativa de classificar organizações ligadas ao trafico de drogas, como grupos terroristas – A doutrina do Narco Terrorismo.

Esse esforço explícito em fortalecer a narrativa do soft power americano, como também abrir caminho para possíveis intervenções e vantagens para o imperialismo estadunidense é a expressão de como o império conta com forte apoio de forças políticas da extrema direita no Brasil e no continente. Mesmo fantasiados de patriotas, estão na linha de frente da submissão covarde e entreguista, esse papel também vem sendo cumprindo por Maria Corina Machado na Venezuela que está prometendo privatizar e entregar todo o sistema petrolífero do país para empresas americanas se Maduro deixar o poder. Daniel Noboa, presidente do Equador, um dos principais aliados de Trump na região, está à frente de um referendo para mudanças constitucionais visando a instalação de bases militares estrangeiras no país, os equatorianos foram às urnas neste domingo dia 16/11. No Chile, o primeiro turno da eleição presidencial, que também acontece neste domingo, indica que Jeannete Jara – candidata do partido comunista – deve vencer a primeira volta, mas dificilmente terá chances de repetir esse resultado no segundo turno, que está marcado para 14 de dezembro. Atrás dela estão três candidaturas de extrema direita, com apoio expressivo nas pesquisas eleitorais, e todos esses candidatos de oposição tem como pauta principal o tema da segurança pública, associando a esse tema, a questão da imigração de venezuelanos e colombianos.

Podemos citar vários exemplos, mas no último período, El Salvador, um pequeno país do Caribe, vem chamando a atenção de todo continente em relação a sua política de segurança pública, liderada pelo presidente Nayib Bukele. Trata-se de uma figura em ascensão da extrema direita latino americana, aliado próximo de Trump, promovendo parcerias para encarcerar prisioneiros expulsos dos EUA e um simbolo que reforça a política de combate ao suposto “ narco-terrorismo” na região. Várias lideranças da extrema direita brasileira estão agendando viagens para El Salvador com o objetivo de realizar capacitação e construir cooperação em relação ao tema da segurança pública.

A estratégia do imperialismo de combater ao “narco-terrorismo” como politica geral para retomar o controle do continente, em parceria com forças políticas da extrema direita pelos países latino americanos, colocando o tema da segurança publica no centro da disputa politica e ideológica, está conseguindo avançar posições no tabuleiro da região. Transformar os povos latino americanos em caricaturas e alegorias da simbologia “narco” tem o objetivo de fortalecer o complexo industrial militar americano, coagir, ameaçar e derrubar governos não alinhados, ganhar acesso vantajoso aos recursos estratégicos de todo continente e impedir qualquer margem de articulação independente e soberana.

<><> Por um bloco em defesa da soberania latino americana!

O espectro de direita detém o “momentum ideológico”, especialmente através da pauta da segurança pública, que parece ser o tema mais urgente para o eleitorado de massas em vários países na América Latina. As pautas mais importantes da esquerda, em vários aspectos, necessita de intervalos de tempo mais longos e continuidade de governos para ter alcance concreto na vida das pessoas, como o combate a desigualdade social, o tema da crise ambiental e as questões que envolvem a soberania nacional. Mas isso não significa que tudo está perdido e que a ascensão da extrema direita é um caminho que inevitavelmente será consolidado em 2025/2026. O resultado da luta de classes, do papel das mobilizações sociais, como também da eleição no Chile em 2025, Colômbia e Brasil em 2026 vão determinar os rumos do continente.

Precisamos lembrar que os partidos de maior penetração social da América Latina são ligados à esquerda, o PSUV venezuelano, o peronismo argentino, o Morena no México e o PT no Brasil. Além disso, a esquerda ainda governa os maiores PIBs do continente, Brasil, México, Colômbia e Chile. Isso demonstra que as forças progressistas possuem alcance de massas que permite desenvolver um bom combate político e interromper essa ascensão do espectro de direita. Será necessário reenquadrar o debate para além do tema da segurança, ou aprimorar um programa para prover soluções críveis para a questão da violência urbana e o combate ao crime.

Mas do ponto de vista macropolítico, que é o mais decisivo e importante, o que urge neste momento é a construção de um bloco regional em defesa da soberania latino americana, com iniciativas que fortaleça o sentimento anti-imperialista no continente e que elabore parcerias e sistemas de cooperação econômicos que permita erguer pontes para a pesquisa, inovação, industrialização, produtividade, desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida das amplas massas. O Brasil tem sido pioneiro em iniciativas de blocos como o BRICS, que tem sua contribuição para diminuir a dependência em relação ao mercado americano, mas é necessário agora avançar regionalmente.

Donald Trump ainda está no seu primeiro ano de gestão, já conseguiu operar um estrago significativo contra as forças de esquerda latino americanas, mas isso não se dá sem desgastes, os republicanos não estão passando incólumes. As últimas eleições estaduais e de prefeituras nos EUA, revelou ao mundo que existe um descontentamento das massas estadunidenses com a forma trumpista de governar. O ponto alto mais importante dessa resistência até agora, foi a eleição de Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York, expressando sinais que o jogo está sendo jogado, e que ninguém regula a América!

•        Cresce a inquietação em Washington, inclusive entre republicanos, à crescente presença militar do governo Trump no Caribe

Parlamentares democratas de alto escalão e pelo menos um republicano condenaram a apreensão de um petroleiro venezuelano na costa do país na quarta-feira, com um deles afirmando que Donald Trump está "nos conduzindo sonâmbulos a uma guerra com a Venezuela".

Em Washington, cresce em Washington um desconforto, pelo menos em parte bipartidário, com a escalada da presença militar do governo na região. Trump acusou a Venezuela de facilitar o tráfico de drogas e aumentou a presença militar dos EUA no Caribe a um nível sem precedentes em décadas. O governo também realizou uma campanha de bombardeios contra supostos barcos de narcotráfico, que já matou mais de 80 pessoas.

Trump confirmou a apreensão do petroleiro logo após o ocorrido, dizendo aos repórteres: "Acabamos de apreender um petroleiro na costa da Venezuela – um petroleiro grande, muito grande, o maior já apreendido, na verdade." Quando questionado sobre o que aconteceria com o petróleo, Trump respondeu: "Ficamos com o petróleo, eu acho!"

O senador Chris Van Hollen, de Maryland, que integra a comissão de relações exteriores do Senado, afirmou que a apreensão do petroleiro indica que o governo está sendo desonesto em relação às suas operações militares na região.

“Isso demonstra que toda a história que eles contam – de que se trata de interceptar drogas – é uma grande mentira”, disse Van Hollen. “Esta é apenas mais uma prova de que, na verdade, o objetivo é uma mudança de regime – pela força.”

Rand Paul, senador republicano pelo Kentucky, disse à NewsNation que "apreender um petroleiro é o início de uma guerra" e questionou se "é função do governo americano sair em busca de monstros pelo mundo, procurando adversários e iniciando guerras".

Chris Coons, senador democrata, disse também estar alarmado com as ações do governo, declarando à emissora: "Não tenho ideia de por que o presidente está apreendendo um petroleiro e estou bastante preocupado que ele esteja nos conduzindo, sem percebermos, a uma guerra com a Venezuela."

Mark Warner, também senador democrata, destacou o que caracterizou como prioridades inconsistentes, publicando nas redes sociais: "Então eles podem apreender um petroleiro, mas não um barco de narcotráfico?"

Quando questionado pela CNN se se opunha ao objetivo de Trump de promover uma mudança de regime na Venezuela, Chuck Schumer recusou-se a responder, afirmando que a mensagem errática de Trump tornava impossível conhecer suas verdadeiras intenções.

“A questão é que o presidente Trump fala tantas coisas diferentes de tantas maneiras diferentes que você nem sabe do que diabos ele está falando”, disse o líder da minoria no Senado.

“Obviamente, se Maduro simplesmente fugisse por conta própria, todos gostariam disso”, disse ele, acrescentando, porém, que a falta de clareza tornava impossível endossar políticas específicas.

A procuradora-geral, Pam Bondi, afirmou que o FBI, a Divisão de Investigações de Segurança Interna e a Guarda Costeira cumpriram um mandado de apreensão da embarcação, que, segundo ela, transportava petróleo sancionado da Venezuela e do Irã há anos, como parte de uma rede de apoio a organizações terroristas estrangeiras.

O governo da Venezuela classificou a apreensão como "um roubo descarado e um ato de pirataria internacional", alegando que ela revela que a agressão dos EUA "sempre teve como alvo nossos recursos naturais, nosso petróleo, nossa energia".

Nem todos se opuseram. Quando Ted Cruz, senador republicano do Texas, foi questionado sobre sua reação à apreensão do petroleiro, ele desconversou e disse que Trump estava salvando vidas americanas ao combater o tráfico de drogas.

Em novembro, quando o Irã apreendeu um petroleiro com bandeira das Ilhas Marshall no Estreito de Ormuz, o Comando Central dos EUA condenou o ato como uma "violação flagrante do direito internacional" que prejudicava a liberdade de navegação e comércio.

Adam Schiff, senador democrata pela Califórnia, classificou a situação como uma "escalada muito perigosa e um prelúdio para um potencial conflito". Na semana passada, ele e Paul, juntamente com os senadores Tim Kaine, da Virgínia, e Schumer, apresentaram uma resolução sobre poderes de guerra com o objetivo de impedir o envolvimento militar do governo com a Venezuela sem a aprovação do Congresso.

O governo implantou o que descreve como a maior presença naval no Caribe desde a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, ostensivamente para atingir o que Trump chamou de "narcoterroristas". Mas autoridades antidrogas americanas observaram, em um relatório de maio, que o fentanil entra nos EUA principalmente por meio de produtores chineses e organizações criminosas mexicanas, enquanto a cocaína vem principalmente da Colômbia, Peru e Bolívia.

 

Fonte: Por Gibran Jordão, em Esquerda Diário

 

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