sábado, 13 de dezembro de 2025

O que é a frota de navios fantasmas que os EUA acusam a Venezuela de usar para burlar sanções e exportar petróleo?

Em 2019, quando o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, impôs sanções ao setor petrolífero da Venezuela para pressionar o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, as exportações do país caíram para cerca de 495 mil barris por dia.

Seis anos depois, as sanções seguem em vigor, mas as vendas externas de petróleo voltaram a crescer e hoje giram em torno de 1 milhão de barris diários.

Mesmo assim, o volume ainda é baixo para um país que, em 1998, antes da chegada de Hugo Chávez (1954-2013) ao poder, produzia 3 milhões de barris por dia.

A recuperação parcial, porém, indica que as sanções não têm surtido o efeito esperado pelos EUA.

Isso porque o governo Maduro vem encontrando formas de reativar a produção e criar novas rotas para comercializar o petróleo venezuelano, contornando as restrições.

Nessa estratégia de comercialização, desempenha papel central a chamada "frota fantasma": um conjunto de petroleiros que, por meio de diferentes artifícios, conseguem ocultar sua atividade como navios que transportam petróleo autorizado pelas autoridades americanas.

Uma dessas embarcações foi interceptada e apreendida nesta quarta-feira (10/12) pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, quando navegava em águas próximas à costa da Venezuela.

"Acabamos de apreender um petroleiro na costa da Venezuela, um petroleiro grande, muito grande; na verdade, o maior já apreendido", disse Trump ao anunciar a operação à imprensa na Casa Branca.

O governo Maduro reagiu, classificando a ação como um "roubo descarado e ato de pirataria", e afirmou que recorrerá às instâncias internacionais disponíveis para denunciar o ocorrido.

A apreensão aumenta as tensões com o governo Maduro que vêm se intensificando desde agosto, quando o governo Trump lançou uma ampla operação militar no Caribe.

A justificativa oficial é o combate ao narcotráfico, mas analistas acreditam que o objetivo final é pressionar uma mudança de regime na Venezuela.

Além de seu possível objetivo político, a medida tem efeito econômico direto, ao dificultar ainda mais as exportações de petróleo da Venezuela e aumentar a pressão sobre a chamada frota fantasma.

Mas o que se sabe sobre a forma de operação dessas embarcações?

<><> Um fenômeno em expansão

O uso de frotas fantasmas é um fenômeno em expansão e não se limita ao caso venezuelano.

Países como Rússia e Irã, também produtores de petróleo e alvos de sanções dos EUA e de outras potências ocidentais, recorrem a práticas semelhantes.

A empresa de inteligência financeira S&P Global estima que 1 em cada 5 petroleiros no mundo seja utilizado para contrabandear petróleo de países sob sanções.

Desse total, 10% transportariam exclusivamente petróleo venezuelano; 20%, petróleo iraniano; e 50%, petróleo russo. Os 20% restantes não estariam vinculados a um único país e poderiam levar cargas de mais de um desses produtores.

Segundo estimativas da empresa de análise marítima Windward, a frota clandestina reúne cerca de 1,3 mil embarcações.

As sanções petrolíferas buscam desestimular países ou empresas a adquirir ou participar de qualquer operação relacionada ao petróleo proveniente dos países punidos.

Diante disso, os países sancionados optam por oferecer seu petróleo com grandes descontos, para atrair operadores, empresas ou governos dispostos a assumir o risco da compra, aplicando, claro, alguns artifícios para disfarçar a origem do produto.

<><> Navios que enganam

Uma das estratégias mais comuns desses petroleiros para escapar das sanções é mudar de nome ou de bandeira com frequência, até mesmo várias vezes no mesmo mês.

O navio apreendido nesta quarta-feira (10/12) é a embarcação The Skipper, segundo a CBS News, parceira da BBC nos Estados Unidos.

A emissora informou que o petroleiro está sob sanções do Departamento do Tesouro dos EUA desde 2022, por supostamente integrar uma rede de contrabando de petróleo que financiaria a Guarda Revolucionária do Irã e a milícia xiita libanesa Hezbollah.

Segundo a CBS, quando foi sancionado, o navio se chamava Adisa (e antes, The Tokyo) e estava ligado ao magnata russo do petróleo Viktor Artemov, também alvo de sanções.

Ao comentar o caso nesta quarta-feira (10/12), a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, afirmou na rede social X que a embarcação era usada para transportar petróleo da Venezuela e do Irã, ambos sob sanções.

Um ponto interessante sobre o navio The Skipper é que ele tem 20 anos. Esse é outro traço comum da frota fantasma, muitos navios são antigos, já que grandes companhias de navegação costumam descartar embarcações após 15 anos de uso, e, depois de 25 anos, enviá-las ao desmanche.

Outro truque usado por esses navios é a apropriação da identidade de embarcações já enviadas ao desmanche, por meio da emissão dos números de registro únicos atribuídos a esses navios pela Organização Marítima Internacional.

Assim, tornam-se os chamados navios zumbis, pois operam como alguém que utiliza a identidade de uma pessoa morta.

Um caso desse tipo ligado à Venezuela ocorreu em abril, quando um navio chamado Varada chegou às águas da Malásia após zarpar dois meses antes da Venezuela.

A embarcação reunia dois sinais de alerta: tinha 32 anos e navegava sob a bandeira das Comores (costa leste da África), popular entre navios que desejam evitar detecção.

Uma investigação da agência Bloomberg revelou que o Varada era, de fato, um navio fantasma — o original havia sido desmontado em 2017, em Bangladesh (Sul da Ásia).

Outras práticas frequentes desses navios incluem "disfarçar" a origem do petróleo, transferindo a carga em águas internacionais para petroleiros sem restrições legais e com outras bandeiras.

Esses segundos navios seguem então até o destino final e apresentam o petróleo como se fosse proveniente de um país não sancionado.

Esse tipo de operação ocorreu, por exemplo, nas exportações de petróleo venezuelano para a China durante o primeiro mandato do governo Trump.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), houve um período em que as estatísticas oficiais chinesas registravam que o país não comprava petróleo da Venezuela, embora, na prática, comprasse.

Isso era possível porque algumas refinarias adquiriram petróleo desses navios que haviam recebido a carga em águas internacionais e a declaravam como originária de países não sancionados.

Um último artifício recorrente entre esses petroleiros é desligar o Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês), que transmite dados como nome, bandeira, posição, velocidade e rumo da embarcação.

A manipulação dessas informações permite ocultar identidade, localização e trajeto do navio.

<><> O avanço da frota fantasma

Uma investigação publicada pela Bloomberg em abril identificou quatro navios zumbis que transportavam petróleo venezuelano.

A agência analisou imagens de satélite e as comparou com fotos históricas das embarcações cujos nomes e números de identificação estavam sendo usados.

Mais recentemente, a ONG Transparência Venezuela divulgou um relatório baseado na movimentação observada nos portos petrolíferos do país em outubro deste ano.

Segundo o documento, 71 petroleiros estrangeiros operaram de forma visível nos portos da estatal venezuelana Pdvsa — estatal responsável pela exploração, produção e exportação de petróleo no país; desses, 15 estão sob sanções e nove têm ligação com frotas fantasmas.

A ONG Transparência Venezuela identificou, em média, 24 petroleiros posicionados nas proximidades de três portos no oeste e no leste do país, operando em modo furtivo, sem transmitir os sinais obrigatórios de localização.

A organização também afirma ter detectado seis operações de transferência de carga entre navios na região da baía de Amuay, no oeste da Venezuela.

Além disso, a maior parte das embarcações navegava sob bandeiras de países considerados paraísos fiscais, cujas regras de supervisão são mais brandas e facilitam a atuação desse tipo de navio.

Assim, dos 71 petroleiros identificados, 29 tinham bandeira do Panamá, 6, das Ilhas Comores e 5, de Malta.

No relatório, a Transparência Venezuela afirma que 38 dessas embarcações passaram mais de 20 dias sem atracar, em contraste com os navios da petroleira americana Chevron, autorizada pelos EUA a operar na Venezuela, que chegam, carregam o petróleo e deixam o país em até seis dias.

"A permanência prolongada nas áreas portuárias do país, sem atracar diretamente nos terminais petrolíferos, levanta sérias dúvidas sobre o tipo de operação realizada por esses navios", afirmou a ONG, em referência às embarcações que permaneciam vários dias sem atracar.

De todo modo, como a operação de interceptação e apreensão desta quarta-feira (10/12) partiu do porta-aviões Gerald Ford, o maior do mundo, que agora integra o amplo deslocamento militar dos EUA no Caribe, diante da Venezuela, é provável que a capacidade do governo Maduro de recorrer à frota fantasma fique significativamente reduzida.

¨      Venezuela acusa EUA de 'pirataria'

Os Estados Unidos apreenderam um navio petroleiro perto da Venezuela, disse o presidente americano Donald Trump nesta quarta-feira (10/12).

"Como vocês provavelmente sabem, acabamos de apreender um petroleiro na costa da Venezuela, um grande... o maior já apreendido, na verdade... vocês verão isso mais tarde e conversaremos sobre isso com outras pessoas", disse Trump a jornalistas durante um evento na Casa Branca.

A procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, publicou na rede social X um texto afirmando que seu país atacou a embarcação por conta de violações a sanções americanas ao petróleo venezuelano e iraniano.

De acordo com Bondi, a captura ocorreu na costa da Venezuela e foi executada pelo FBI (polícia federal americana), a Guarda Costeira dos EUA e o Departamento de Segurança Interna.

A procuradora acusou a embarcação de fazer parte de "uma rede ilícita de transporte de petróleo" que apoia "organizações terroristas estrangeiras".

Bondi divulgou um vídeo de 45 segundos que mostra um helicóptero se aproximando do navio. Homens fortemente armados descem do helicóptero através de cordas e entram nas áreas internas da embarcação.

"Esta apreensão, concluída na costa da Venezuela, foi realizada de forma segura e protegida — e nossa investigação, em conjunto com o Departamento de Segurança Interna para impedir o transporte de petróleo sancionado, continua", escreveu Bondi.

Em nota, o governo venezuelano de Nicolás Maduro acusou os EUA de "abusos imperialistas", "roubo" e "pirataria internacional" após a apreensão.

Caracas alegou que a "política de agressão" contra a Venezuela faz parte de um "plano deliberado para saquear nossos recursos energéticos".

A empresa de gestão de riscos marítimos Vanguard Tech identificou o petroleiro como "SKIPPER".

"A embarcação faz parte de uma frota clandestina e foi alvo de sanções dos Estados Unidos por transportar petróleo venezuelano para exportação", afirmou a empresa.

Para a Vanguard, a última localização do navio antes da apreensão pelos EUA foi a nordeste de Caracas, capital da Venezuela.

A BBC Verify localizou o petroleiro na plataforma MarineTraffic, segundo a qual ele navegava sob a bandeira da Guiana quando sua posição foi atualizada pela última vez, há dois dias.

A ação ocorre em um momento em que os EUA vêm aumentando sua presença militar no Caribe — em uma movimentação que, segundo o governo americano, visa combater o narcotráfico.

Um militar de alto escalão disse à CBS News (parceira da BBC nos EUA) que a operação para apreender o petroleiro envolveu dois helicópteros, 10 membros da Guarda Costeira, 10 fuzileiros navais, além de forças especiais.

O secretário de Defesa, Pete Hegseth, estava ciente da operação para captura, e o governo Trump está considerando tomar mais medidas como essa, disse a fonte à CBS.

Mark Cancian, coronel da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, afirmou à BBC que operações para apreender petroleiros são "rotineiras" para os militares americanos.

As tropas treinam constantemente para apreender navios como esse, seja por meio de pequenas embarcações ou helicópteros, explica ele.

Para ele, que agora é consultor sênior do centro de pesquisas CSIS Defense and Security Department, a ação desta quarta-feira pode ser o primeiro passo para um bloqueio total do petróleo da Venezuela.

"Isso seria um ataque à economia deles. Como a Venezuela é tão dependente do petróleo, não conseguiria resistir por muito tempo", analisou Cancian.

<><> Preços do petróleo em alta

Os contratos futuros de petróleo subiram após a notícia da apreensão.

Os contratos futuros do petróleo do tipo Brent, referência para os mercados europeu e asiático, subiram 27 centavos, ou 0,4%, fechando a US$ 62,21 o barril.

Já os contratos futuros do petróleo bruto WTI, referência para os EUA, aumentaram 21 centavos, também 0,4%, fechando a US$ 58,46 o barril.

O governo Trump acusa Maduro — cuja reeleição no ano passado foi considerada fraudulenta por muitos países — de ser o líder de um cartel de drogas.

Maduro nega a alegação e vem acusando os EUA de tentarem incitar uma guerra para obter o controle das reservas de petróleo da Venezuela.

Desde que Trump assumiu seu segundo mandato em janeiro, o governo dos EUA tem intensificado a pressão sobre Maduro.

O primeiro ato do presidente sobre a Venezuela, em fevereiro, foi designar organizações criminosas do país como grupos terroristas.

Isso abriu caminho para deportações nos EUA de dezenas de venezuelanos, acusados pelo governo americano de integrarem esses grupos.

Depois, as deportações acabaram suspensas por uma decisão da Justiça americana.

Em agosto, o governo americano dobrou a recompensa oferecida por informações que levem à captura de Maduro para US$ 50 milhões (R$ 274 milhões) e lançou uma operação de combate ao narcotráfico visando embarcações acusadas de transportar drogas da Venezuela para os EUA.

Mais de 80 pessoas já foram mortas nos ataques americanos a embarcações suspeitas desde então, a maioria no Caribe, além de algumas no Pacífico.

Segundo o secretário Pete Hegseth, o objetivo da "Operação Lança do Sul" é remover "narcoterroristas" do Hemisfério Ocidental.

Mas especialistas jurídicos questionam a legalidade dos ataques, apontando que os EUA não apresentaram provas de que as embarcações transportavam drogas.

Mais recentemente, houve relatos de conversas telefônicas entre Trump e Maduro — com um ultimato do governo americano para que o venezuelano deixe o país.

O presidente americano afirmou nesta quarta-feira que a última vez que falou com Maduro foi em novembro.

Os EUA também autorizaram operações especiais da agência de inteligência CIA na Venezuela e ameaçaram realizar uma ação terrestre no país.

No final de novembro, o governo americano fechou o espaço aéreo venezuelano.

Cidadãos americanos receberam a recomendação de não visitar a Venezuela ou deixar o país, caso estejam lá.

 

Fonte: BBC News 

 

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