sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Investir na saúde do planeta elevaria PIB global, diz Pnuma

O preço de uma abordagem "fica tudo como está" em relação ao clima e ao meio ambiente já chega a trilhões de dólares por ano e continua aumentando, de acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgado nesta terça-feira (09/12) em Nairóbi, durante a sétima Assembleia Ambiental das Nações Unidas .

O relatório constata que, no rumo atual, a mudança climática pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) global em 4% até 2050 e em 20% até o fim deste século e que, ao contrário, investir num clima estável, em natureza e solo saudáveis e num planeta livre de poluição pode adicionar trilhões de dólares ao PIB global, evitar milhões de mortes e tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e da fome.

O relatório mostra que o mundo está numa encruzilhada entre continuar no rumo atual da mudança climática ou mudar de direção para garantir um planeta saudável, afirma a diretora executiva do Pnuma, a economista dinamarquesa Inger Andersen. "Isso não é mesmo uma escolha."

"Meu maior medo é de nos tornarmos complacentes", diz Andersen, em entrevista à DW. Ela acrescenta que serão os mais pobres que mais sofrerão se nada for feito com a rapidez necessária.

As emissões de gases que causam o aquecimento global atingiram novos recordes em 2025 , ano que também deverá ser o segundo mais quente já registrado, ao lado de 2023, de acordo com novos dados do programa Copernicus da União Europeia (UE).

<><> Os custos de não se fazer nada

Andersen diz que o novo relatório do Pnuma, produzido por 287 cientistas de 82 países, estabelece um roteiro para a ação global. Os benefícios de alterar o rumo do mundo incluem trilhões de dólares em PIB adicional a cada ano, além de evitar milhões de mortes e tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e da fome, de acordo com os cientistas do relatório.

O relatório afirma que isso exigirá ação coordenada entre governos, empresas e sociedades para acelerar a transição para uma agricultura sustentável, restaurar ecossistemas, adotar energia limpa, bem como projetar produtos e materiais que durem mais e reduzam o desperdício.

Andersen diz que o relatório serve como lembrete da importância de limitar o uso desmesurado de recursos importantes – como terra, água ou energia – para que haja um "grau de justiça geracional para com nossos filhos e netos".

Os autores destacam a necessidade de mudar padrões de comportamento e de abandonar o consumo excessivo em muitas partes do mundo, bem como de transformações na área econômica, por exemplo não focar apenas no PIB como medida de riqueza e c onsiderar também o bem-estar humano e ambiental, além de eliminar gradualmente subsídios prejudiciais, como os destinados aos combustíveis fósseis.

Isso, concluem, poderia gerar, todos os anos, 20 trilhões de dólares (R$ 108 trilhões) em benefícios econômicos globais até 2070, valor que, a partir daí, aumentaria para 100 trilhões de dólares anuais.

Um investimento anual mundial de cerca de 8 trilhões de dólares seria necessário para ajudar a restaurar a biodiversidade e zerar as emissões líquidas de gases estufa até 2050. Esse seria o ponto em que as emissões restantes na atmosfera poderiam ser absorvidas pela natureza ou removidas por meio de tecnologias, como a captura de carbono.

Esse investimento é alto, mas o preço de não fazer nada é muito maior, de acordo com os cientistas do relatório. Nos últimos 20 anos, eventos climáticos extremos – como inundações , tempestades e incêndios florestais – causaram prejuízos estimados em 143 bilhões de dólares.

Em 2019, os danos à saúde causados pela poluição do ar representaram 6% do PIB global, ou 8 trilhões de dólares, e os custos econômicos decorrentes disso deverão aumentar para um valor entre 18 trilhões e 25 trilhões até 2060, segundo o Pnuma.

<><> Resultados mistos em 2025

O relatório é divulgado no fim de um ano marcado por resultados mistos em questões climáticas e ambientais. "Obviamente foi um ano difícil para o multilateralismo", afirma Andersen. Mas ela diz que continua otimista quanto aos resultados que a cooperação entre os países pode alcançar.

Embora "os países não estejam se movendo rápido o suficiente" para conter as emissões, ela avalia que houve progresso em evitar os elevados aumentos de temperatura previstos quando as nações se uniram em 2015 para assinar o Acordo de Paris , que visa limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius .

Mas ela ficou desapontada por a Conferência do Clima da ONU em Belém, a COP30 , não ter chegado a um consenso sobre um caminho de transição para a eliminação do uso de petróleo, carvão e gás. Andersen, porém, se diz ansiosa quanto à conferência para acelerar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis , liderada pela Holanda e Colômbia e agendada para abril.

Ela diz que a convenção climática está funcionando. "Mas precisamos acelerar o processo, senão teremos que pagar um preço alto em termos de inundações, incêndios, enchentes, mortes por causa de calor e secas e outros problemas."

<><> Razões para se ter esperança em 2026

De olho no futuro, Andersen afirma ser importante que as energias renováveis estejam se tornando competitivas. Ela vê como "um fenômeno interessante" que a energia eólica e a solar sejam hoje produzidas a um custo bem menor que o dos combustíveis fósseis.

Ela destaca o exemplo do Texas, nos EUA, que, apesar de ser um estado produtor de petróleo, consegue obter 40% de sua eletricidade de fontes renováveis. "É interessante ver que os mercados estão se movendo numa direção que é útil contra a crise climática", diz Andersen. Para ela, as energias renováveis são um setor "imparável devido aos preços e à competitividade".

Se teme a complacência, Andersen também diz se sentir motivada por um movimento de grupos diferentes impulsionando a ação climática – empresas, jovens ativistas, cientistas e líderes religiosos – que ela considera tão poderoso que não pode mais ser impedido. "O que me dá esperança é que existem soluções e há milhões de pessoas clamando por elas."

Ela espera que isso se traduza em ação política. "Costumo dizer: leve seu neto ou sua filha ou tenha os sonhos de uma criança em mente quando entrar numa cabine de votação e vote também por eles, assim como por seus próprios interesses. Esse é um compromisso que cada um de nós precisa assumir com aqueles que mais amamos em nossas vidas."

•        Entenda os impactos de 1,5 °C e 2 °C de aquecimento global

Quando nasceu o Acordo de Paris  em 2015, em resposta ao aquecimento global e às mudanças climáticas , as coisas rapidamente se tornaram matemáticas.

Para desacelerar o aquecimento do planeta causado pela queima de petróleo, carvão e gás , e associado a tempestades devastadoras, inundações, secas e ondas de calor, os países definiram um número como meta principal.

Eles concordaram em tentar limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. Caso não atingissem essa meta, prometeram ficar abaixo de 2 °C.À primeira vista, pode parecer uma diferença insignificante, mas, como os cientistas apontam regularmente, é crucial.

Da mesma forma que um leve aumento na temperatura corporal pode fazer com que os humanos se sintam mal, o excesso de calor na atmosfera pode afetar o planeta. Ele intensifica a força e a probabilidade de eventos climáticos extremos, impactando desde o custo dos alimentos e apólices de seguro residencial, à migração, à saúde humana e à segurança hídrica.

No entanto, na década que se passou desde que o Acordo de Paris foi firmado, a maioria das nações continuou queimando combustíveis fósseis e emitindo gases de efeito estufa, como o CO2.

Agora, para muitos especialistas, a meta de 1,5 °C já parece muito difícil de ser alcançada. Mas o que significa, na prática, um aquecimento maior do que isso?

<><> Por que 1,5 °C

A escolha de 1,5 não é aleatória. O esforço para impedir que as temperaturas subam acima desse limite tem razões claras. Quanto mais quente o mundo fica, mais as pessoas são expostas ao calor mortal, as nações à elevação do nível do mar e os ecossistemas ao colapso. Por exemplo, o risco de perdas irreversíveis de ecossistemas marinhos e costeiros é muito maior quando 1,5 °C é ultrapassado.

Um relatório publicado no mês passado pela iniciativa internacional de cientistas Atribuição Climática Global e pela organização de pesquisa Climate Central constatou que, desde o Acordo de Paris, o mundo aqueceu 0,3 °C. Mesmo esse aumento aparentemente pequeno se traduzem em 11 dias mais quentes que o normal extras por ano.

No momento, cientistas e especialistas concordam amplamente que a meta de 1,5 °C está fora de alcance. "Pelo menos temporariamente", de acordo com uma pesquisa recente da ONU, que afirmou que a única maneira de voltar aos trilhos até 2100 seria reduzir as emissões em mais de 55% nos próximos 15 anos. Isso exigiria reduções radicais e rápidas nos gases de efeito estufa .

<><> As consequências de 2 °C

Já os 2 °C vinham sendo defendidos por cientistas, e posteriormente por políticos, muito antes que a meta fosse consagrada no Acordo de Paris como objetivo alternativo, caso os países não atingissem a marca de 1,5 °C.

Por mais próximos que os números pareçam, eles estão atrelados a realidades muito diferentes. De acordo com a ONG World Resources Institute (WRI), enquanto um aquecimento de 1,5 °C fará com que 14% da população mundial fique exposta a calor extremo, um aumento de 2 °C impactará mais de um terço da população mundial. Além disso, com um aquecimento de 2 °C, entre 800 milhões e 3 bilhões de pessoas em todo o mundo sofreriam com a escassez crônica de água.

As emissões em 2030 teriam que cair 25% em relação aos níveis de 2019 para manter o mundo na trajetória de 2 °C, de acordo com o último relatório Lacuna de Emissões da ONU.

Sarah Heck, da Climate Analytics, instituto de ciência e política sem fins lucrativos, afirma que um aumento de 2 °C na temperatura da atmosfera levaria a verões sem gelo no Ártico pelo menos uma vez por década, em vez de uma vez por século em um cenário de 1,5 °C.

O derretimento do gelo agrava a elevação do nível do mar, que ameaça comunidades costeiras, ilhas baixas e a vida selvagem. E o degelo do permafrost libera o metano, um potente gás de efeito estufa aprisionado, que causa ainda mais aquecimento.

<><> E se a temperatura subir mais?

Apesar das metas estabelecidas no Acordo de Paris, a atualização mais recente da temperatura global, feita pelo serviço independente de monitoramento Climate Action Tracker, mostra que, com as políticas atuais de redução de emissões, o mundo deverá aquecer cerca de 2,6 °C até 2100.

Esse nível de aquecimento pode levar ao colapso dos ecossistemas marinhos e a um aumento drástico de eventos climáticos extremos, como secas e chuvas intensas. Também aumenta a probabilidade de desencadear "pontos de inflexão" climáticos catastróficos e, em alguns casos, irreversíveis, como a perda significativa de calotas polares e o recuo de geleiras de montanha das quais bilhões de pessoas dependem para obter água doce.

Eventos climáticos extremos atingiram novos patamares em 2024, o ano mais quente já registrado. Incêndios florestais atingiram os EUA, ondas de calor castigaram a Índia e muitas outras partes do mundo, o supertufão Yagi devastou o Sudeste Asiático e enchentes catastróficas deixaram o Rio Grande do Sul debaixo da água. A Atribuição Climática Global afirma que as mudanças climáticas contribuíram para o deslocamento de milhões de pessoas e levaram à morte de pelo menos 3.700 em 2024.

O cientista climático Adam Levy afirma que será difícil para os humanos se adaptarem a um aquecimento de 2,6 °C e pede aos países e às pessoas que se lembrem de outro número. "O mundo seguirá aquecendo enquanto continuarmos adicionando dióxido de carbono à atmosfera. Portanto, independentemente do que esteja acontecendo, os limites de temperatura, as metas, zero é o número que devemos sempre ter em mente", destacou.

 

Fonte: DW Brasil

 

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