sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Arnóbio Rocha: PL da Bandidagem e impunidade - o preço do Bolsonaro livre

Pode-se odiar o que aconteceu  na Câmara Federal, quadro a quadro, desde a violenta retirada de Glauber Braga e a retirada da imprensa do plenário, mas é um dia histórico (negativo), de exercício de poder, de força e de prova de que a hegemonia política da extrema-direita tem na democracia seu limite — e pode ser ultrapassado sem nenhuma cerimônia.

A democracia é um estorvo para a extrema-direita e para o ultraliberalismo, essa forma de capitalismo barbárie. Basta ver as manchetes em que a mídia corporativa tratou a violência na Câmara dando voz a Hugo Motta e secundarizando a violência cometida dentro da “casa do povo”. A mídia não deixou qualquer dúvida de que defende seu projeto. Atentar contra as instituições e contra o Estado Democrático de Direito virou algo banal, passou a boiada.

A violência é a estética da extrema-direita, como era no velho fascismo. Alguns hábitos permanecem no DNA, no inconsciente coletivo. Claro que ela é exercida inclusive para criminalizar os seus inimigos, como se Hugo Motta, por exemplo, fosse a vítima de um Glauber Braga ou de um Lindbergh Farias.

A salvação de Bolsonaro, dos milicos e de tantos criminosos que serão beneficiados com o PL é uma contradição do papo furado de endurecer as penas contra bandidos (é mesmo?). Mais: por via indireta, essa é a maior demonstração de que o Congresso Nacional, principalmente a Câmara, se divorciou da democracia, sem cerimônia — o que significa que o poder das emendas ontem se provou e manda uma mensagem para 2026 de que vão barbarizar.

É uma dura realidade para quem tem apenas 148 votos, quatro a mais do que Dilma teve no impeachment.

Obviamente, abriu-se um flanco enorme para um combate aberto e direto, e impôs aos progressistas a realidade de que não há caminho de conciliação possível, nem espaços para negociar com Hugo Motta e, parece, nem com o rotundo e faminto Davi Alcolumbre. Eles têm dinheiro das emendas, têm poder e votos, dominam o Congresso Nacional da forma que quiserem e contam com o apoio da Faria Lima e de sua mídia.

Esse flanco pode ser explorado nas ruas e nas redes sociais?

Depende do apetite do campo progressista e de alguns aliados de centro-direita. O cenário presidencial não se altera, mas o Congresso parece que será pior sem um enfrentamento direto, sem nenhuma concessão a mais, sem negociação com quem é inimigo do povo! Por contradição, assim como no IOF e na PEC da Bandidagem, mais uma vez Hugo Motta nos deu a senha para enfrentar a extrema-direita: expôs-se e expôs o bolsonarismo ao revelar o discurso vazio sobre violência e segurança pública quando se acena com a impunidade.

A esquerda e os progressistas irão para cima deles ou não?

É esse o quadro.

•        O PL da Dosimetria e o novo pacto da impunidade: como a decisão da Câmara remodela o sistema penal brasileiro. Por João Lister

A aprovação do chamado PL da Dosimetria pela Câmara dos Deputados não é apenas um gesto político pontual para aliviar condenações relativas ao 8 de janeiro. É, antes, a inauguração de um novo regime jurídico-penal cuja repercussão se estende muito além da conjuntura. Sob o pretexto de “corrigir excessos”, a mudança altera a própria arquitetura da dosimetria prevista na Parte Geral do Código Penal — portanto, com efeitos gerais, amplos e duradouros, incidindo sobre crimes de toda ordem.A pressa com que o texto foi votado, a opacidade de suas intenções e o impacto concreto que produz levantam uma pergunta desconfortável: estamos diante da maior flexibilização penal desde a Constituição de 1988, com consequências subterrâneas que vão muito além da redução das penas do ex-presidente Jair Bolsonaro ou dos condenados pelos atos antidemocráticos.

<><> Uma mudança técnica com consequências devastadoras

O mecanismo central do projeto consiste em substituir o sistema tradicional de soma de penas — aplicado quando o réu responde por diversos crimes no mesmo contexto — por um tratamento unitário. Ou seja: em vez de acumular condenações, a Justiça seria estimulada a adotar uma pena única, com agravamentos moderados. Na prática, isso reduz dramaticamente penas em crimes com múltiplas condutas, que hoje chegam à casa dos 20, 30 ou 40 anos pela soma de delitos.A proposta também introduz diferenciações extensas entre “líderes” e “meros participantes”. A definição de “liderança” — naturalmente subjetiva — passa a ser determinante para a pena final. E ao modular a participação, abre-se uma avenida interpretativa para reduções de pena em massa, especialmente em crimes praticados por grupos.O relator ainda incorporou dispositivos que flexibilizam progressão de regime e remição, embora mencione exceções pontuais para crimes com violência contra a vida. Tais exceções, porém, dependem de como o Judiciário as interpretará, já que a redação é suficientemente aberta para gerar disputas hermenêuticas.

<><> Da política à carne da justiça criminal

Muito se noticiou sobre os efeitos diretos do PL para os condenados do 8 de janeiro. E, de fato, o impacto é profundo — as estimativas publicadas por diversos veículos apontam reduções substanciais, algumas chegando a dois terços da pena originalmente aplicada. Mais do que isso: a nova metodologia facilita progressões, reclassificações e revisões criminais em bloco.

Mas o ponto central — e mais grave — é que o PL não se limita ao 8 de janeiro, justamente porque altera a Parte Geral do Código Penal. Por isso, seus efeitos se derramam sobre:

•        Crimes patrimoniais complexos (roubos e extorsões com várias condutas).

•        Condenações envolvendo organizações criminosas, milícias e ORCRIMs.

•        Crimes econômicos e corrupção com múltiplos atos.

•        Qualquer caso cujo cálculo da pena se apoie em concurso material ou continuidade delitiva.

O impacto concreto depende da interpretação do juiz e do tribunal, mas é inequívoco: um conjunto enorme de condenações poderá ser revisado para baixo. E isso inclui crimes de alta repulsa social.

<><> E os crimes mais bárbaros? A resposta não é tranquilizadora

O relatório da votação fala em exceções para crimes hediondos e violência contra a vida, mas a redação permite controvérsias. Em homicídios qualificados, feminicídios e estupros qualificados, a pena poderá continuar elevada quando a qualificadora for central — porém, em casos com múltiplos crimes no mesmo episódio, ainda existe espaço para reduções significativas.

Em outras palavras: o PL não dispara uma redução automática para homicidas e estupradores, mas abre uma janela real de reclassificação ou diminuição quando:

1.       há concurso de crimes;

2.       há dúvidas sobre papéis e autorias;

3.       o juiz entenda aplicável o novo critério unitário.

Negar essa possibilidade seria ingenuidade jurídica.

<><> O impacto no sistema carcerário: modesto nos números, enorme no simbolismo

Os dados oficiais mostram que o Brasil possui entre 700 mil e 900 mil pessoas presas — um sistema superlotado, precário e racialmente desigual. Uma mudança na dosimetria não vai, por si só, esvaziar penitenciárias. A maioria dos presos cumpre pena por tráfico, roubo e furto; muitos estão presos provisoriamente; outros já progrediram.Assim, o impacto numérico agregado será limitado. Mas o impacto político e simbólico será gigantesco: presos emblemáticos sairão mais cedo, a percepção pública de impunidade aumentará e o Judiciário será inundado com pedidos de readequação de pena. Em escala, isso pode criar um efeito cascata difícil de controlar.

<><> Uma reação institucional sem precedentes recentes

A votação acendeu um incêndio institucional:

•        Ministérios Públicos estaduais e federal anunciaram que estudarão ações de controle de constitucionalidade.

•        Entidades de vítimas e associações de operadores do Direito alertaram para “retrocesso penal grave”.

•        A OAB criticou ambiguidades e falta de transparência técnica.

•        Parlamentares da oposição denunciaram tentativa explícita de usar a lei penal para intervir em julgamentos do STF.

O Supremo, por sua vez, será inevitavelmente chamado a decidir se partes do PL violam cláusulas pétreas ou interferem em sentenças já transitadas — sobretudo no que diz respeito aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

<><> O Brasil diante do espelho

O PL da Dosimetria evidencia um paradoxo histórico brasileiro: o país com uma das maiores populações prisionais do mundo ao mesmo tempo produz, ciclicamente, mecanismos de alívio penal seletivo que beneficiam segmentos politicamente relevantes. A medida recém-aprovada não resolve superlotação, racismo estrutural, prisões provisórias abusivas ou a desigualdade de tratamento penal — mas oferece alívio imediato a um conjunto restrito de condenados altamente organizados politicamente.

A pergunta que resta é simples: se a justificativa era combater “excessos” judiciais, por que alterar todo o sistema penal brasileiro em vez de recorrer aos instrumentos já existentes — revisão criminal, habeas corpus, modulação de efeitos, súmulas vinculantes?

A resposta está menos no Direito e mais na política.

<><> O país entra, agora, em uma era de incerteza penal

Independentemente do mérito político, o fato é que o PL terá efeitos profundos:

1.       Reduzirá penas de crimes cometidos em conjunto, em todos os níveis.

2.       Reabrirá discussões em processos já encerrados.

3.       Pressionará o STF a se pronunciar sobre limites da retroatividade benéfica.

4.       Provocará reação de movimentos de vítimas e de segurança pública.

5.       Agravarará a polarização social, especialmente diante da percepção de que crimes graves podem ser beneficiados.

Em resumo: não estamos apenas diante de uma mudança legislativa. Estamos assistindo à reconfiguração da lógica penal brasileira — feita de maneira açodada, impulsionada por interesses imediatos e sem debate público consistente.

Trata-se de uma mudança que, à semelhança de outras intervenções no sistema penal brasileiro, certamente produzirá consequências não previstas, não desejadas e, talvez, irreversíveis.

•        Com PL da dosimetria Motta paga preço da candidatura de Flávio para Tarcísio. Por Jeferson Miola

Sem nenhuma explicação plausível, o presidente da Câmara Hugo Motta surpreendentemente pautou o Projeto de Lei da dosimetria, a versão disfarçada de anistia para Bolsonaro e seus comparsas civis e fardados que tentaram perpetrar o golpe de Estado.

“Pautei porque quis”, respondeu um infantil Motta sobre um tema de relevância histórica como o julgamento inédito da Suprema Corte que condenou oito civis e 23 militares implicados na trama golpista.

Com o projeto, a pena de prisão de Bolsonaro em regime fechado poderá ser reduzida de 27 anos e três meses para cerca de dois anos.

A chamada “dosimetria”, antes rechaçada de modo intransigente por Bolsonaro, seus filhos e líderes extremistas, agora passou a ser aceita como uma etapa intermediária até a conquista da anistia para os criminosos.

“A redução de penas será o primeiro degrau da nossa luta pela anistia, ampla, total e irrestrita”, disse o líder do PL Sóstenes Cavalcante.

Nunca é demais lembrar que o texto original de anistia defendida por Tarcísio de Freitas e bolsonaristas propunha uma anistia tão ampla e irrestrita que beneficiava, também, organizações criminosas e, também, milícias privadas.

Não foram necessárias mais que 72 horas para o presidente da Câmara cobrir o leilão e pagar o preço da candidatura de Flávio Bolsonaro, colocada à venda pelo próprio candidato no dia seguinte ao lançamento, em 6 de dezembro.

Com a votação do PL, Motta compra a unção do seu correligionário Tarcísio de Freitas, do Republicanos, como o candidato anti-Lula do bolsonarismo para representar a aliança do direitismo e do fascismo na eleição de 2026.

O presidente da Câmara, um político medíocre e de estatura menor que precisa aplicar Gumex no cabelo para aparentar maturidade política, é um preposto de Eduardo Cunha e Arthur Lira que não consegue disfarçar sua total organicidade à extrema-direita, como ficou explícito na votação da PEC da Bandidagem, na derrubada do IOF, no PL Antifacção e em outras pautas de retrocessos.

Para aparentar uma falsa equidistância e equilíbrio, numa jogada combinada com os bolsonaristas, Motta anunciou hoje o início do processo de cassação de Eduardo Bolsonaro por excesso de faltas, medida que deveria ter adotado há meses, mas que ele procrastinou ao máximo para não abalar o apoio do bolsonarismo radicalizado a Tarcísio.

Motta continua, no entanto, cometendo crime de responsabilidade em relação a outros bolsonaristas foragidos e condenados pelo STF –Alexandre Ramagem e Carla Zambelli–, que deveriam perder o mandato por ato administrativo de ofício da Mesa da Câmara, presidida pelo próprio Motta.

 

Fonte: Brasil 247

 

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