Arnóbio
Rocha: PL da Bandidagem e impunidade - o preço do Bolsonaro livre
Pode-se
odiar o que aconteceu na Câmara Federal,
quadro a quadro, desde a violenta retirada de Glauber Braga e a retirada da
imprensa do plenário, mas é um dia histórico (negativo), de exercício de poder,
de força e de prova de que a hegemonia política da extrema-direita tem na
democracia seu limite — e pode ser ultrapassado sem nenhuma cerimônia.
A
democracia é um estorvo para a extrema-direita e para o ultraliberalismo, essa
forma de capitalismo barbárie. Basta ver as manchetes em que a mídia
corporativa tratou a violência na Câmara dando voz a Hugo Motta e
secundarizando a violência cometida dentro da “casa do povo”. A mídia não
deixou qualquer dúvida de que defende seu projeto. Atentar contra as
instituições e contra o Estado Democrático de Direito virou algo banal, passou
a boiada.
A
violência é a estética da extrema-direita, como era no velho fascismo. Alguns
hábitos permanecem no DNA, no inconsciente coletivo. Claro que ela é exercida
inclusive para criminalizar os seus inimigos, como se Hugo Motta, por exemplo,
fosse a vítima de um Glauber Braga ou de um Lindbergh Farias.
A
salvação de Bolsonaro, dos milicos e de tantos criminosos que serão
beneficiados com o PL é uma contradição do papo furado de endurecer as penas
contra bandidos (é mesmo?). Mais: por via indireta, essa é a maior demonstração
de que o Congresso Nacional, principalmente a Câmara, se divorciou da
democracia, sem cerimônia — o que significa que o poder das emendas ontem se
provou e manda uma mensagem para 2026 de que vão barbarizar.
É uma
dura realidade para quem tem apenas 148 votos, quatro a mais do que Dilma teve
no impeachment.
Obviamente,
abriu-se um flanco enorme para um combate aberto e direto, e impôs aos
progressistas a realidade de que não há caminho de conciliação possível, nem
espaços para negociar com Hugo Motta e, parece, nem com o rotundo e faminto
Davi Alcolumbre. Eles têm dinheiro das emendas, têm poder e votos, dominam o
Congresso Nacional da forma que quiserem e contam com o apoio da Faria Lima e
de sua mídia.
Esse
flanco pode ser explorado nas ruas e nas redes sociais?
Depende
do apetite do campo progressista e de alguns aliados de centro-direita. O
cenário presidencial não se altera, mas o Congresso parece que será pior sem um
enfrentamento direto, sem nenhuma concessão a mais, sem negociação com quem é
inimigo do povo! Por contradição, assim como no IOF e na PEC da Bandidagem,
mais uma vez Hugo Motta nos deu a senha para enfrentar a extrema-direita:
expôs-se e expôs o bolsonarismo ao revelar o discurso vazio sobre violência e
segurança pública quando se acena com a impunidade.
A
esquerda e os progressistas irão para cima deles ou não?
É esse
o quadro.
• O PL da Dosimetria e o novo pacto da
impunidade: como a decisão da Câmara remodela o sistema penal brasileiro. Por
João Lister
A
aprovação do chamado PL da Dosimetria pela Câmara dos Deputados não é apenas um
gesto político pontual para aliviar condenações relativas ao 8 de janeiro. É,
antes, a inauguração de um novo regime jurídico-penal cuja repercussão se
estende muito além da conjuntura. Sob o pretexto de “corrigir excessos”, a
mudança altera a própria arquitetura da dosimetria prevista na Parte Geral do
Código Penal — portanto, com efeitos gerais, amplos e duradouros, incidindo
sobre crimes de toda ordem.A pressa com que o texto foi votado, a opacidade de
suas intenções e o impacto concreto que produz levantam uma pergunta
desconfortável: estamos diante da maior flexibilização penal desde a
Constituição de 1988, com consequências subterrâneas que vão muito além da
redução das penas do ex-presidente Jair Bolsonaro ou dos condenados pelos atos
antidemocráticos.
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Uma mudança técnica com consequências devastadoras
O
mecanismo central do projeto consiste em substituir o sistema tradicional de
soma de penas — aplicado quando o réu responde por diversos crimes no mesmo
contexto — por um tratamento unitário. Ou seja: em vez de acumular condenações,
a Justiça seria estimulada a adotar uma pena única, com agravamentos moderados.
Na prática, isso reduz dramaticamente penas em crimes com múltiplas condutas,
que hoje chegam à casa dos 20, 30 ou 40 anos pela soma de delitos.A proposta
também introduz diferenciações extensas entre “líderes” e “meros
participantes”. A definição de “liderança” — naturalmente subjetiva — passa a
ser determinante para a pena final. E ao modular a participação, abre-se uma
avenida interpretativa para reduções de pena em massa, especialmente em crimes
praticados por grupos.O relator ainda incorporou dispositivos que flexibilizam
progressão de regime e remição, embora mencione exceções pontuais para crimes
com violência contra a vida. Tais exceções, porém, dependem de como o
Judiciário as interpretará, já que a redação é suficientemente aberta para
gerar disputas hermenêuticas.
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Da política à carne da justiça criminal
Muito
se noticiou sobre os efeitos diretos do PL para os condenados do 8 de janeiro.
E, de fato, o impacto é profundo — as estimativas publicadas por diversos
veículos apontam reduções substanciais, algumas chegando a dois terços da pena
originalmente aplicada. Mais do que isso: a nova metodologia facilita
progressões, reclassificações e revisões criminais em bloco.
Mas o
ponto central — e mais grave — é que o PL não se limita ao 8 de janeiro,
justamente porque altera a Parte Geral do Código Penal. Por isso, seus efeitos
se derramam sobre:
• Crimes patrimoniais complexos (roubos e
extorsões com várias condutas).
• Condenações envolvendo organizações
criminosas, milícias e ORCRIMs.
• Crimes econômicos e corrupção com
múltiplos atos.
• Qualquer caso cujo cálculo da pena se
apoie em concurso material ou continuidade delitiva.
O
impacto concreto depende da interpretação do juiz e do tribunal, mas é
inequívoco: um conjunto enorme de condenações poderá ser revisado para baixo. E
isso inclui crimes de alta repulsa social.
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E os crimes mais bárbaros? A resposta não é tranquilizadora
O
relatório da votação fala em exceções para crimes hediondos e violência contra
a vida, mas a redação permite controvérsias. Em homicídios qualificados,
feminicídios e estupros qualificados, a pena poderá continuar elevada quando a
qualificadora for central — porém, em casos com múltiplos crimes no mesmo
episódio, ainda existe espaço para reduções significativas.
Em
outras palavras: o PL não dispara uma redução automática para homicidas e
estupradores, mas abre uma janela real de reclassificação ou diminuição quando:
1. há concurso de crimes;
2. há dúvidas sobre papéis e autorias;
3. o juiz entenda aplicável o novo critério
unitário.
Negar
essa possibilidade seria ingenuidade jurídica.
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O impacto no sistema carcerário: modesto nos números, enorme no simbolismo
Os
dados oficiais mostram que o Brasil possui entre 700 mil e 900 mil pessoas
presas — um sistema superlotado, precário e racialmente desigual. Uma mudança
na dosimetria não vai, por si só, esvaziar penitenciárias. A maioria dos presos
cumpre pena por tráfico, roubo e furto; muitos estão presos provisoriamente;
outros já progrediram.Assim, o impacto numérico agregado será limitado. Mas o
impacto político e simbólico será gigantesco: presos emblemáticos sairão mais
cedo, a percepção pública de impunidade aumentará e o Judiciário será inundado
com pedidos de readequação de pena. Em escala, isso pode criar um efeito
cascata difícil de controlar.
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Uma reação institucional sem precedentes recentes
A
votação acendeu um incêndio institucional:
• Ministérios Públicos estaduais e federal
anunciaram que estudarão ações de controle de constitucionalidade.
• Entidades de vítimas e associações de
operadores do Direito alertaram para “retrocesso penal grave”.
• A OAB criticou ambiguidades e falta de
transparência técnica.
• Parlamentares da oposição denunciaram
tentativa explícita de usar a lei penal para intervir em julgamentos do STF.
O
Supremo, por sua vez, será inevitavelmente chamado a decidir se partes do PL
violam cláusulas pétreas ou interferem em sentenças já transitadas — sobretudo
no que diz respeito aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
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O Brasil diante do espelho
O PL da
Dosimetria evidencia um paradoxo histórico brasileiro: o país com uma das
maiores populações prisionais do mundo ao mesmo tempo produz, ciclicamente,
mecanismos de alívio penal seletivo que beneficiam segmentos politicamente
relevantes. A medida recém-aprovada não resolve superlotação, racismo
estrutural, prisões provisórias abusivas ou a desigualdade de tratamento penal
— mas oferece alívio imediato a um conjunto restrito de condenados altamente
organizados politicamente.
A
pergunta que resta é simples: se a justificativa era combater “excessos”
judiciais, por que alterar todo o sistema penal brasileiro em vez de recorrer
aos instrumentos já existentes — revisão criminal, habeas corpus, modulação de
efeitos, súmulas vinculantes?
A
resposta está menos no Direito e mais na política.
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O país entra, agora, em uma era de incerteza penal
Independentemente
do mérito político, o fato é que o PL terá efeitos profundos:
1. Reduzirá penas de crimes cometidos em
conjunto, em todos os níveis.
2. Reabrirá discussões em processos já
encerrados.
3. Pressionará o STF a se pronunciar sobre
limites da retroatividade benéfica.
4. Provocará reação de movimentos de vítimas
e de segurança pública.
5. Agravarará a polarização social,
especialmente diante da percepção de que crimes graves podem ser beneficiados.
Em
resumo: não estamos apenas diante de uma mudança legislativa. Estamos
assistindo à reconfiguração da lógica penal brasileira — feita de maneira
açodada, impulsionada por interesses imediatos e sem debate público
consistente.
Trata-se
de uma mudança que, à semelhança de outras intervenções no sistema penal
brasileiro, certamente produzirá consequências não previstas, não desejadas e,
talvez, irreversíveis.
• Com PL da dosimetria Motta paga preço da
candidatura de Flávio para Tarcísio. Por Jeferson Miola
Sem
nenhuma explicação plausível, o presidente da Câmara Hugo Motta
surpreendentemente pautou o Projeto de Lei da dosimetria, a versão disfarçada
de anistia para Bolsonaro e seus comparsas civis e fardados que tentaram
perpetrar o golpe de Estado.
“Pautei
porque quis”, respondeu um infantil Motta sobre um tema de relevância histórica
como o julgamento inédito da Suprema Corte que condenou oito civis e 23
militares implicados na trama golpista.
Com o
projeto, a pena de prisão de Bolsonaro em regime fechado poderá ser reduzida de
27 anos e três meses para cerca de dois anos.
A
chamada “dosimetria”, antes rechaçada de modo intransigente por Bolsonaro, seus
filhos e líderes extremistas, agora passou a ser aceita como uma etapa
intermediária até a conquista da anistia para os criminosos.
“A
redução de penas será o primeiro degrau da nossa luta pela anistia, ampla,
total e irrestrita”, disse o líder do PL Sóstenes Cavalcante.
Nunca é
demais lembrar que o texto original de anistia defendida por Tarcísio de
Freitas e bolsonaristas propunha uma anistia tão ampla e irrestrita que
beneficiava, também, organizações criminosas e, também, milícias privadas.
Não
foram necessárias mais que 72 horas para o presidente da Câmara cobrir o leilão
e pagar o preço da candidatura de Flávio Bolsonaro, colocada à venda pelo
próprio candidato no dia seguinte ao lançamento, em 6 de dezembro.
Com a
votação do PL, Motta compra a unção do seu correligionário Tarcísio de Freitas,
do Republicanos, como o candidato anti-Lula do bolsonarismo para representar a
aliança do direitismo e do fascismo na eleição de 2026.
O
presidente da Câmara, um político medíocre e de estatura menor que precisa
aplicar Gumex no cabelo para aparentar maturidade política, é um preposto de
Eduardo Cunha e Arthur Lira que não consegue disfarçar sua total organicidade à
extrema-direita, como ficou explícito na votação da PEC da Bandidagem, na
derrubada do IOF, no PL Antifacção e em outras pautas de retrocessos.
Para
aparentar uma falsa equidistância e equilíbrio, numa jogada combinada com os
bolsonaristas, Motta anunciou hoje o início do processo de cassação de Eduardo
Bolsonaro por excesso de faltas, medida que deveria ter adotado há meses, mas
que ele procrastinou ao máximo para não abalar o apoio do bolsonarismo
radicalizado a Tarcísio.
Motta
continua, no entanto, cometendo crime de responsabilidade em relação a outros
bolsonaristas foragidos e condenados pelo STF –Alexandre Ramagem e Carla
Zambelli–, que deveriam perder o mandato por ato administrativo de ofício da
Mesa da Câmara, presidida pelo próprio Motta.
Fonte:
Brasil 247

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