Controle
parental: 3 meses após sanção da Lei Felca pais não sabem proteger filhos na
web
Três
meses após a sanção do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente,
popularizado como ECA Digital, um estudo mostrou que os pais ainda não sabem o
que é essa lei, que no processo de elaboração no Congresso Nacional ficou
conhecida como “Lei Felca”, e também como “Lei contra adultização de crianças e
adolescentes”. O levantamento mostra que os responsáveis pelos menos não
possuem domínio de ferramentas de controle parental.
O
estudo do Projeto Brief e divulgado nesta quinta-feira, 11 de dezembro, levou
em consideração a resposta de 1.800 pais com filhos menores de 18 anos e
revelou que 77% dos filhos possuem seu próprio celular, sendo 28% crianças de
até 7 anos. Ao mesmo tempo que os pais de crianças e adolescentes entendem a
importância da regularização das redes, poucos conhecem como utilizar as
ferramentas para monitorar seus filhos.
As mães
são as mais preocupadas com a regularização da internet, 87,7% delas dão
credibilidade à regulação, enquanto os pais (homens) são 74,1%. Para Carolinne
Luck, coordenadora executiva do Projeto Brief, essa diferença é explicada pelo
fato de as mulheres serem maioria como responsáveis diretas das crianças. “Para
o homem, com mais frequência, o tema aparece um pouco mais distante. Elas leem
como proteção, enquanto parte deles lê como disputa política”, explica Luck.
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Por que isso importa?
• Mais de 60% das denúncias de crimes
cibernéticos no 1° semestre de 2025 envolviam exploração e abuso sexual
infantil, afirma a Safernet
• Pesquisa aponta que menores entre 13 e
18 anos, 91% têm acesso a pelo menos uma rede social
A
disputa política em torno da regularização das redes sociais também foi uma
questão durante a votação da lei no Congresso, impulsionado pelas campanhas
bolsonaristas que alegaram que a lei iria ser um tipo de censura, o fim da
“liberdade de expressão”. O estudo mostrou que essas propagandas tiveram efeito
na desinformação da lei, principalmente dos homens, 78% comentários que
mencionam “censura” são de homens, contra 22% de mulheres.
Para a
coordenadora do Projeto Brief, a polarização do debate tira o foco da proteção
das crianças “e vira um medo de que o Estado ou as plataformas passem a
controlar o que pode ou não circular”, avalia Luck.
O medo
de que haja restrição de outros tipos de conteúdo é esclarecido na lei, que
proíbe a vigilância massiva e indiscriminada pela governança. Também há
limitação de quem pode solicitar a remoção de publicações, que pode ser a
vítima, a pessoa responsável, o Ministério Público, ou as entidades de
proteção.
O
estudo mostra ainda que 51% das adolescentes entre 13 e 18 anos são as que mais
postam conteúdo sem supervisão. Quando observamos os dados de experiências
negativas que essas crianças passaram online, as experiências de meninas entre
13 a 15 anos dobram em relação aos meninos, que chegam a 31% das situações
descritas como desconfortáveis e 16% das meninas experienciaram casos de
assédio/abuso/violência.
Mesmo
com 46% dos responsáveis relatando alterações no comportamento dos filhos, como
ansiedade, irritabilidade e dificuldade de foco, apenas 37% sabem usar
aplicativos de controle parental. A sensação de solidão na tentativa de
proteger os filhos é compartilhada por 82% dos participantes. O número aumenta
sobre o desconhecimento quando se trata dado ECA Digital. A pesquisa mostra que
apenas 36% dos pais já ouviram falar, mas entre eles, só 52% acertaram o
significado.
Ter
cuidado com postagens dos filhos em perfis públicos, nunca postar fotos com
uniformes escolares, entender que mesmo em perfis privados o cuidado com o que
é postado deve existir. Esses são alguns conselhos da Emanuella Halfeld,
analista de Relações Governamentais do Instituto Alana. Ela explica que, além
de todas essas ações, o diálogo com as crianças e os adolescentes é fundamental
para os pais ajudarem a manter a internet segura para os filhos.
“Ter
esse cuidado, conversar com a criança sobre a prática [de exposição], entender
um pouco melhor o contexto, o conforto daquela criança ou do adolescente nessa
exposição, entendendo que às vezes pode ser difícil mesmo a compreensão do que
é ter uma imagem postada na internet com essa idade.”, explica Halfeld.
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Preocupação com presença digital de crianças e jovens nas redes sociais é
global
Mas a
proteção dos menores na internet está além dos cuidados dos pais. A
regulamentação das redes sociais é um assunto debatido em todo o mundo além do
Brasil. A necessidade de fazer com que as plataformas sejam ambientes seguros
para as crianças é uma pauta mundial.
A
Austrália foi o primeiro país do mundo a proibir o uso de redes sociais como o
Tiktok, Instagram e Facebook para menores de 16 anos, que tiveram suas contas
excluídas. As plataformas são obrigadas a criarem medidas de verificações
rígidas no país. Algumas redes com WhatsApp, Google Classroom, Discord e Roblox
não foram incluídas na lei australiana.
No
Brasil, a criação da lei do ECA Digital trouxe um conceito diferente da
regularização. Emanuella Halfeld explica que a lei brasileira tem conceito mais
abrangente. “O ECA Digital foi feito para ser essa espécie de estatuto mesmo,
uma legislação geral com diversas formas de como as aplicações [do estatuto]
podem se manifestar na internet”.
Para a
analista, uma proibição apenas de uma rede social não caberia no ECA Digital,
porque a ação poderia acabar “proibindo uma gama diversa de aplicativos que não
necessariamente são aqueles mais arriscados para crianças e adolescentes”,
declara.
Halfeld
entende que crianças e adolescentes vão existir nessas plataformas e é dever
delas fazer destes ambientes um lugar seguro. “A gente precisa entender que
crianças e adolescentes estão ali e que elas podem coexistir e ter seus
direitos respeitados”, pondera. “Com a criação do ECA Digital no Brasil, o
debate do que as plataformas podem e não podem [fazer], e quais redes violam a
legislação, entra em vigor”, explica a analista.
“Apesar
do ECA Digital não colocar uma idade de proibição específica e genérica para
amplos tipos de serviço, ele coloca que aquelas redes, produtos ou serviços que
não estiverem adequados para garantir [a aplicação da] legislação, e os
direitos de crianças e adolescentes, têm que criar algum tipo de barreira
etária também.”, complementa.
Para a
analista, o ECA Digital significa, para o Brasil, uma inovação. “[É possível] a
gente pensar em ambientes digitais mais seguros e desenhados de forma
apropriada para diferentes faixas do desenvolvimento”, diz a analista. Ela
entende que a lei, por não ter um pensamento “proibitivo”, tem uma vantagem à
legislação da Austrália e que mostra um “cuidado do legislador”.
“Inclusive
um cuidado para não causar proibições que limitem demais o acesso ao direito à
informação de crianças e adolescentes, justamente por causa de eventuais
imprecisões conceituais. Ter esse cuidado na técnica legislativa, possibilita
regras e parâmetros que devem ser respeitados por todo o ambiente digital que é
de provável acesso por crianças e adolescentes.”, conclui Emanuella.
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Uma discussão que nasceu nas redes sociais e tomou o país
O
projeto de lei que criou o ECA Digital entrou como pauta urgente no Congresso
Nacional após um vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, viralizar
nas redes, em agosto deste ano. Nele, o influenciador denunciou casos de
exploração sexual de crianças, monetização desses tipos de vídeos na internet e
adultização das crianças. A adultização é o processo onde crianças são expostas
a comportamentos adultos precoces, o que pode atrapalhar na sua infância e
causar perigos psicológicos para elas.
O
vídeo, que hoje chega a mais de 50 milhões de visualizações, não apenas
denuncia contas de coaches mirins, mas descreve a experiência de Felca, que
criou um perfil fake no Instagram para simular como conteúdos envolvendo
crianças sexualizadas são facilmente divulgadas pelos algoritmos, a partir de
algumas curtidas.
A
aprovação da lei no Congresso ocorreu cinco dias depois da prisão preventiva de
Hytalo Santos e seu marido, Israel Nata Vicente, conhecido como MC Euro, em 15
de agosto. Denunciados pelo vídeo do Felca por exporem crianças e adolescentes
de forma hispersexualizada e por influenciarem a adultização e menores. Em
setembro, Hytalo Santos e seu marido se tornaram réus por produção de conteúdo
pornográfico com menores de idade, as contas de Hytalo foram apagadas em 8
agosto, quando começou a ser investigado pelo Ministério Público da Paraíba.
Durante
a tramitação da proposta, além dos conflitos com lideranças do Partido Liberal
(PL), que acusavam a lei de ser uma forma de censura, as entidades que
representam as big techs também pressionaram o Congresso. Como a Agência
Pública mostrou à época, as mesmas entidades tentaram mudar e excluir alguns
artigos da lei para benefício próprio. O mesmo ponto foi debatido durante a
votação final do projeto.
Mesmo
assim, a Lei passou com maioria no Congresso e entra em vigor em março de 2026,
quando a fiscalização pela Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) terá
início. As plataformas têm a exigência de se adequar às regras até essa data,
podendo ser multadas e advertidas pela ANPD caso não o façam.
O ECA
Digital, sancionado no dia 17 de setembro, tem o objetivo de ampliar a proteção
de crianças e adolescentes, impondo também responsabilidades para as
plataformas de proteger o ambiente digital. A lei as obriga adicionar medidas
eficazes de verificação de idade dos usuários nas plataformas, proíbe o uso de
perfilamento comportamental para publicidade e monetização, proíbe o uso de
imagem de crianças sexualizadas e que usem “linguagem adulta”. Também exige que
crianças e adolescentes com menos de 16 anos só possam usar as redes sociais se
estiverem vinculadas a um responsável. Além dessas regras, a lei impõe que as
plataformas sejam obrigadas a identificar e excluir conteúdos de abuso sexual,
aliciamento de menores e estupro, além de produzir relatórios para a ANPD do
que foi excluído ou denunciado.
Fonte:
Por Wanessa Celina, da Agencia Pública

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