Brasil
poderia imitar estratégia de segurança do presidente de El Salvador?
Desde a
reeleição em 2024, o presidente de El Salvador, Nayib
Bukele,
tem conseguido manter uma popularidade tão elevada que supera
inclusive a aprovação a seu próprio governo. Em uma escala de zero a 10, os
salvadorenhos atribuíram nota 8,15 a Bukele em uma pesquisa
de junho do Instituto Universitario de Opinión Pública, enquanto avaliaram seu
governo em 7,85. Uma das principais razões apontadas para o fenômeno é a
projeção pelo presidente de uma imagem de "linha-dura" contra o crime organizado. Para 75% dos
entrevistados pelo Opinión Pública, a segurança pública é a área em que
Bukele mais se destaca.
"A
segurança continua sendo o pilar mais sólido da aprovação do presidente",
diz o instituto, que também destaca, no entanto, que "avaliações
desfavoráveis sobre a economia, o acesso à moradia, o desempenho municipal e o
respeito aos direitos humanos emergem como aspectos que corroem a percepção
positiva geral". A ressalva ecoa as críticas que a gestão tem recebido de
que Bukele age de forma autoritária e violenta, promove um encarceramento em
massa e viola os direitos dos cidadãos. A combinação entre alta aprovação, projeção internacional e milhões de
seguidores nas redes sociais transformou Bukele em referência para
lideranças conservadoras de vários países, inclusive do Brasil, que veem no
modelo salvadorenho uma oportunidade de se destacar em uma área que costuma concentrar as principais
preocupações da população.
O
episódio mais recente no Brasil mostra como isso pode gerar ganhos políticos
imediatos. Após a megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio em
outubro, o governador Claudio Castro (PL-RJ) registrou 47% de aprovação entre
moradores da capital fluminense, segundo pesquisa AtlasIntel, embora a ação
tenha sido criticada por sua violência e sido considerada uma chacina por
organizações de direitos humanos, o que as autoridades fluminenses negam. Não
surpreende, portanto, que diversos políticos tenham após esse episódio
defendido a adoção no Brasil de um modelo de segurança pública como o de
Bukele.
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'Tenho certeza que a esquerda não quer que você veja isso'
Um dos
defensores mais explícitos da ideia de importar para o Brasil a política de
segurança pública de El Salvador tem sido o governador de Minas Gerais, Romeu
Zema (Novo), que visitou o país neste ano. "Eu tenho certeza que a
esquerda não quer que você veja isso", diz Zema no começo de um vídeo
publicado em sua página no Youtube, gravado no país e publicado em junho deste
ano — uma espécie de minidocumentário que mostra o governador conversando com
pessoas na rua que confirmam que a segurança melhorou no país e dando
entrevistas à mídia local com sua visão sobre o tema. "O que eu espero é
que essa lição, que nós estamos vendo in loco, sirva pra muitos
outros países. Que nós venhamos a ter países com coragem de estar copiando o
que foi feito aqui", disse Zema.
O
governador criticou o governo brasileiro no vídeo e diz que o país deveria
aprender com outro que considera ter características parecidas. "Eu acho
que nós temos de ter a humildade de vermos aquilo que está funcionando em
qualquer lugar do mundo que seja, e melhor ainda que seja num país
subdesenvolvido, que tem características semelhantes ao Brasil, com
organizações criminosas atuantes infernizando a vida das pessoas, matando,
coagindo, extorquindo, como acontecia aqui, pra poder se inspirar. Mas infelizmente
o governo federal do Brasil não teve esse interesse. Deveria ter."
Em uma
das falas no vídeo, Zema diz que as facções criminosas deveriam ser
classificadas como organizações terroristas no Brasil, proposta que chegou a constar de um projeto
de lei que alteraria a Lei Antiterrorismo no Brasil, mas acabou retirada do
texto, após críticas. Em entrevista ao portal de notícias Metrópoles, Zema
defendeu também a construção de um Centro de Confinamento do Terrorismo
(Cecot), como o de El Salvador, na Amazônia. "Tínhamos de construir pelo
menos um Cecot no meio da floresta amazônica, num lugar bem isolado, e falar:
terrorista, membro de organização criminosa, vai ficar aqui agora, nesse Cecot
brasileiro aqui, sem acesso a nada, totalmente isolado", disse.
O
Cecot, inaugurado por Bukele em janeiro de 2023, tornou-se símbolo da
"guerra contra as gangues". Também passou a representar o isolamento,
a falta de transparência e as críticas ao regime de exceção vigente no país. A
prisão foi apresentada à população em cadeia nacional como "a maior das
Américas". Ao anunciá-la, Bukele escreveu no X: "El Salvador
conseguiu deixar de ser o país mais inseguro do mundo para ser o país mais
seguro das Américas". Em seguida, acrescentou: "Como conseguimos?
Colocando os criminosos na prisão. Há espaço? Agora, sim. Eles poderão dar
ordens de dentro da cadeia? Não. Conseguirão escapar? Não. Uma obra de sentido
comum."
Em
novembro, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) também viajou a El
Salvador e participou do Fórum Parlamentar de Inteligência e Segurança. O
evento, segundo o site oficial, coloca parlamentares e representantes de
governos para "aprenderem com especialistas proeminentes sobre combate ao
financiamento do terrorismo, segurança cibernética, investimentos estrangeiros
predatórios, compartilhamento de inteligência, 5G, IA e outros tópicos
relevantes."
Em um
discurso durante a visita, ele afirmou que "o Brasil não derrota facções
criminosas porque elas estão no governo" e diz que a segurança pública
deve ser prioridade. "Concordo com o presidente Bukele quando ele diz que
o primeiro passo para arrumar um país é trazer paz. Porque não adiante ter
saúde, educação e estradas se você não tem segurança e pode acabar por uma bala
perdida no caminho", diz.
O
parlamentar também citou a ideia de classificação de facções criminosas como
terroristas. "Quando o Congresso propôs classificar facções criminosas
como organizações terroristas, o governo Lula se opôs, enquanto outros países
da América Latina adotaram a classificação para combater o
narcoterrorismo."
A BBC
News Brasil procurou Ferreira e Zema para que detalhassem como o modelo de El
Salvador poderia ser reproduzido no Brasil, mas eles não responderam.
Outro
defensor do modelo é Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro,
que visitou o país em novembro e divulgou vídeos e relatos da viagem em suas
redes sociais. Em seu canal no YouTube, ele publicou uma entrevista com o
ministro da Segurança Pública, Gustavo Villatoro, a quem chamou de "CEO da
segurança pública", destacando dados que mostram queda acentuada nos
homicídios. Na entrevista, Villatoro diz o país vinha recebendo fórmulas
internacionais há décadas de como resolver o problema, sob o gerenciamento de
políticos e magistrados que "agiam como marionetes deste sistema
perverso". Ele disse que "globalistas" chegaram a acusar a atual
administração de radicalismo, mas que eles governam para os salvadorenhos.
"Nunca resolveram o problema de 97% da população. Só governavam para os
3%. Eram essas instituições internacionais e algumas ONGs", disse.
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O modelo Bukele
A
popularidade de Bukele disparou após uma onda de repressão ao crime que reduziu
drasticamente a taxa de homicídios no país. Sob sua presidência, El Salvador
deixou de figurar entre as nações mais violentas do mundo e passou a ser
apresentado como um dos países mais seguros da América Latina. Pesquisas de
opinião indicam que Bukele continua altamente popular, embora os índices venham
caindo e haja questionamentos crescentes sobre o desempenho de outras áreas do
governo.
Para o
professor Michał Stelmach, do Departamento de Estudos Latino-Americanos e
Comparados da Universidade de Łódź, a rápida transformação da segurança pública
explica boa parte dessa aprovação. Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirmou
que "a sensação tangível de segurança supera, para muitos cidadãos, as
preocupações com a deterioração da democracia e as violações de direitos
humanos". Segundo ele, "duas dinâmicas coexistem: melhorias reais na
segurança aumentam a aprovação, enquanto um clima de medo esconde a
profundidade do descontentamento revelado nas pesquisas".
O
declínio da criminalidade resulta, segundo o pesquisador, da implementação de
uma política de segurança "extremamente repressiva", de "mão de
ferro", que inclui medidas como:
1) um
estado de emergência prolongado;
2) a
militarização da segurança pública, das instituições e da sociedade;
3) a
expansão do aparato de segurança;
4) uma
legislação mais severa, incluindo a redução da idade de responsabilidade
criminal para 12 anos, o prolongamento da prisão preventiva e o aumento das
penas de prisão para membros de gangues;
5) a
expansão dos poderes policiais, militares e judiciais (com a prisão preventiva
se tornando a medida padrão);
6) a
construção de uma megaprisão e o encarceramento em massa;
"Essas
medidas reduziram a presença e a visibilidade das gangues nas ruas e diminuíram
drasticamente a violência nas ruas", diz. Ele acrescenta que o governo
lançou operações de escala e velocidade "sem precedentes". "O
Estado interrompeu as redes de comunicação dentro e fora das prisões,
desmantelando as estruturas de liderança e minando a capacidade das gangues de
organizar contra-ataques", explica.
Mas o
modelo também enfrenta críticas.
Organizações
de direitos humanos afirmam que milhares de pessoas foram presas de forma
arbitrária durante a campanha contra as gangues. A Anistia Internacional
descreveu o fenômeno como uma "substituição gradual da violência das
gangues pela violência estatal" em relatório publicado no ano passado. "Os
custos são enormes para a sociedade, as instituições estatais e a
democracia", afirma Stelmach, que lembra que quase 90 mil pessoas foram
presas desde março de 2022. "Há relatos generalizados de violações dos
direitos humanos e abusos processuais, como espancamentos durante prisões e
interrogatórios, detenções arbitrárias, mortes sob custódia, julgamentos em
massa, restrições ao acesso a advogados, concentração de poder nas mãos do
presidente, desmantelamento da independência judicial e militarização contínua
do controle do crime", diz. "O resultado é uma melhora espetacular
nas estatísticas de criminalidade, uma queda significativa nos homicídios, mas
alcançada a um custo social e institucional muito alto."
Em
paralelo, o governo de Bukele enfrentou diversas acusações de ter negociado com
os grupos criminosos do país para reduzir a violência. Em dezembro de 2021, autoridades
salvadorenhas foram sancionadas pelos EUA a partir da Lei Magnitsky (a mesma
que atingiu autoridades brasileiras, como Alexandre de Moraes).
Uma nota divulgada pelo Departamento do
Tesouro dos EUA afirmou
que "uma investigação sobre funcionários do governo de El Salvador e
líderes de gangues encarcerados, como a Mara Salvatrucha 13, ou MS-13,
designada pelo Tesouro, revelou negociações secretas entre estes funcionários e
a organização criminosa".
O
governo americano diz que essas autoridades "lideraram, facilitaram e
organizaram uma série de reuniões secretas envolvendo líderes de gangue
encarcerados, nas quais membros conhecidos de gangues foram autorizados a
entrar nas instalações prisionais e se reunir com a liderança sênior das
gangues." A nota diz ainda que "essas reuniões fizeram parte dos
esforços do governo de El Salvador para negociar uma trégua secreta com a
liderança das gangues."
Segundo
o Tesouro americano, o governo Bukele "ofereceu incentivos financeiros às
gangues salvadorenhas MS-13 e 18th Street Gang (Barrio 18) para garantir que os
incidentes de violência de gangues e o número de homicídios confirmados
permanecessem baixos". O texto afirma ainda que a liderança das gangues
concordou em oferecer apoio ao partido de Bukele nas eleições, e que as gangues
receberam privilégios para os líderes encarcerados, como fornecimento de
telefones celulares e prostitutas.
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Fórmula pode ser reproduzida no Brasil?
Stelmach
avalia que, embora seja possível imitar certas táticas, o modelo Bukele não
pode ser facilmente reproduzido em outros países, como o Brasil. "O
primeiro fator é o tamanho reduzido de El Salvador — tanto em território quanto
em população —, o que torna a centralização e o controle das operações de
segurança muito mais fáceis", diz.
Ele
reforça que outros países enfrentariam limites como os da própria Constituição,
do federalismo, sistemas de mídia mais pluralistas e maior pressão pública e
supervisão social. "A operação do Rio mostra que ações brutais de
segurança podem render ganhos políticos de curto prazo, mas também provocam
protestos e críticas internacionais. Em muitos contextos, as tentativas de
'copiar Bukele' podem rapidamente produzir resultados opostos aos
pretendidos", avalia.
Stelmach
também destaca que a capacidade das gangues de reagir às ações do governo
salvadorenho era limitada. Segundo ele, a estrutura desses grupos "era
significativamente menor do que a das principais organizações criminosas
brasileiras ou mexicanas". O pesquisador afirma que, "ao contrário
dos cartéis, as gangues salvadorenhas não tinham o poder de fogo de nível
militar, a profundidade territorial e a infraestrutura logística necessárias
para um confronto sustentado com as forças do Estado". Ele acrescenta que,
no Brasil, a dinâmica é distinta. Stelmach explica que "em megacidades
como Rio de Janeiro ou São Paulo, isso é muito mais difícil,
"especialmente nas favelas, onde a presença do Estado é esporádica e
geralmente limitada a operações de prisão de curto prazo". Segundo o
pesquisador, assim que essas operações terminam, "os grupos criminosos
rapidamente se reconstituem, recrutando novos membros".
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'Replicar o modelo no Brasil seria um desafio'
Roberth
Muggah, cofundador do Instituto Igarapé, afirmou à BBC News Brasil que o modelo
de Nayib Bukele já inspira líderes e aspirantes em países como Argentina,
Equador, República Dominicana e Honduras. Segundo ele, comentaristas de direita
nos Estados Unidos também passaram a citar El Salvador como evidência de que a
repressão extrema pode funcionar. Na avaliação dele, a resposta para saber se
haverá uma segurança duradoura ou apenas a substituição de uma forma de
violência por outra definirá se a estratégia de Bukele será adotada ou apenas
lembrada como um alerta.
Muggah
diz que replicar o modelo no Brasil seria um desafio. "O Brasil é uma
federação continental de 215 milhões de habitantes, com 27 governos estaduais,
dois sistemas policiais e barreiras constitucionais mais fortes", lembra. "Qualquer
suspensão nacional de direitos esbarraria nas regras formais de emergência do
Brasil, que exigem supervisão do Congresso, bem como do Supremo Tribunal
Federal, que recentemente restringiu a letalidade policial e classificou a
crise prisional como uma "situação inconstitucional"."
Ele
avalia que os cenários criminais também são diferentes entre os dois países:
enquanto a campanha de Bukele teve como alvo as maras, cujo modelo de negócio
se baseia no controle territorial e extorsão de pessoas e pequenas empresas,
PCC e Comando Vermelho atuam no atacado, com comércio transnacional de cocaína.
"Interromper as exportações em contêineres de Santos ou as longas rotas
fluviais para o Atlântico é uma tarefa muito diferente de sufocar as extorsões
aos motoristas de ônibus em San Salvador." Ele afirma também que mesmo que
se tentasse uma varredura no estilo salvadorenho, com prisões em massa, isso
poderia fortalecer as redes de comando criminosas baseadas nas prisões,
"ao mesmo tempo em que desencadeariam litígios de direitos e disputas intergovernamentais."
O especialista lembra que tentativas anteriores de militarização da segurança,
como a intervenção federal do Rio, "produziram resultados visíveis a curto
prazo, mas não reduções duradouras do crime organizado." Ele conclui que o
Brasil pode aprender lições sobre "coordenação e presença visível do
Estado", mas não imitar o modelo Bukele. "É muito provável que isso
levasse à sobrecarga das prisões, provocando reações judiciais e deslocando a
violência para cidades do interior, ao longo das fronteiras e hidrovias, em vez
de desmantelar a economia das drogas."
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'Combate ao crime é quase a única coisa que os salvadorenhos valorizam na
gestão de Bukele'
Lucrecia
Molinari, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas
(CONICET), na Argentina, diz que pesquisas de opinião recentes mostram consenso
de que o combate ao crime é 'quase a única coisa' que salvadorenhos aprovam na
gestão de Bukele. Há, ao mesmo tempo, preocupação com a dívida pública, a
economia do país e outros temas.
"Entrevistados
têm muita dificuldade em destacar qualquer outra medida. É muito provável que,
à medida que a segurança se estabilize e se naturalize, as demandas em outras
dimensões vão aumentar", disse ela à BBC News Brasil.
Ela
cita pesquisas feitas entre 2021 e 2023 que apontam que a preocupação com
insegurança e violência deixou de ser citada como os principais problemas do
país, enquanto que a economia virou prioridade. "Isso foi percebido pelo
próprio Bukele, que no início de seu segundo mandato apontou novos objetivos,
como a construção de megaprojetos que dessem a El Salvador a imagem de um país
moderno e de um Estado forte e presente", disse.
Ela
cita a mais recente Pesquisa de Domicílios para Fins Múltiplos (EHPH), que
mostrou que o número de domicílios em situação de pobreza extrema quase dobrou
entre 2019 e 2022. "Outro sinal de alarme na economia são a alta
insegurança alimentar, devido ao aumento do preço dos alimentos e outros
fatores, e o aumento da pobreza extrema."
Fonte:
BBC News Brasil

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