Pensar
o impensável – a vida e o tempo
Há que
considerar a “vida”, o valor supremo, acima do qual só há o gerador de toda
vida, aquele ser que faz ser todos os seres. Os cientistas, especialmente o
maior deles que se ocupou com o tema da vida, o russo-belga Ilya Prigogine
afirmou: podemos conhecer as condições físico-químico-ecológicas que permitiram
o irromper a vida há 3,8 bilhões de anos. O que ela seja, no entanto, permanece
um mistério.
Mas se
não podemos compreender o que é a vida, podemos, no entanto, conferi-lhe um
sentido. O sentido da vida é viver, simplesmente viver, mesmo na mais humílima
condição. Viver é realizar, a cada momento, a celebração desse evento
misterioso do universo que pulsa em nós e quiçá em muitas outras partes do
universo.
A vida
é sempre uma vida com e uma vida para. Vida com outras vidas, com vidas
humanas, da natureza e com vidas que por acaso existirem no universo e que um
dia puderem se comunicar conosco. E vida é para dar-se e unir-se a outras vidas
para que a vida continue vida e sempre possa se reproduzir.
A vida
é tomada por uma pulsão interior que não pode ser freada. A vida quer irradiar,
se expandir e se encontrar com outras vidas. A vida é só vida quando é vida com
e vida para.
Sem o
com e sem o para a vida não existiria como vida assim como a conhecemos,
envolta em redes de relações includentes e para todos os lados.
A
pulsão irrefreável da vida faz com que ela não queira só isso e aquilo. Quer
tudo. Quer até a totalidade, quer o infinito. No fundo, a vida quer ser eterna
como ponderava Friedrich Nietzsche.
Ela
carrega dentro de si um projeto infinito. Este projeto infinito a torna feliz e
infeliz. Feliz porque encontra, ama e celebra outras vidas e tudo o que está ao
seu redor, mas é infeliz porque tudo o que encontra, ama e celebra é finito,
lentamente se desgasta, cai sob o poder da entropia e acaba desaparecendo.
Apesar dessa finitude em nada enfraquece a pulsão pelo infinito e pelo eterno.
Ao
encontrar esse infinito repousa, experimenta uma plenitude que ninguém lhe pode
dar, mas que só ela pode desfrutar e celebrar. O infinito em nós é o eco de um
infinito maior que sempre nos chama e nos convoca.
A vida
é inteira, mas incompleta. É inteira porque dentro dela está tudo: o real e o
potencial. Mas é incompleta porque o potencial, ainda no espaço-tempo, não se
fez real. E como o potencial é ilimitado, a vida limitada não comporta o
ilimitado. Por isso nunca se faz completa para sempre. O ser humano é um ser
desequilibrado. Mas permanece como abertura e espera para uma completude que
quer e deve, um dia, acontecer. É um vazio que reclama ser plenificado. Caso
contrário a vida não teria sentido. Não seria a morte o momento de encontro do
finito com o infinito?
A nossa
vida se dá sempre no tempo. Que é o tempo? Ninguém soube até hoje defini-lo nem
os mais argutos pensadores como Santo Agostinho e Martin Heidegger. Por minha
parte ousaria dizer: o tempo é a espera daquilo que pode vir a acontecer. Essa
espera é a nossa abertura, capaz de acolher o que pode vir. Esse hiato seria o
tempo.
Há que
se viver intensamente cada momento do tempo! O passado já não existe porque
passou, o futuro não existe porque ainda não veio. Só existe o presente. Viva-o
com absoluta intensidade, valorize cada momento, ele traz o futuro para o
presente e enriquece o passado.
Cada
momento é a irrupção do eterno. Explico: o presente só pode ser vivido. Não
pode ser apreendido, aprisionado e apropriado. Só ele é. Um dia foi (o passado)
e um dia será (o futuro). Do tempo nós só conhecemos o passado. O futuro nos é
inacessível porque ainda não é.
Nós, no
entanto, vivemos o “é” do presente que nunca nos é concedido prendê-lo. Ele
simplesmente passa por nós e se vai. Ele possui a natureza da eternidade que é
um permanente “é” O tempo assim significa um momento da presença fugaz da
eternidade. Nós estamos imersos na eternidade porque estamos imersos no tempo
presente.
Há que
se viver esse “é” como se fosse o primeiro e o último. Assim a pessoa, de certo
modo, se eterniza. E eternizando-se participa Daquele que sempre é sem passado
nem futuro: a essência da divindade.
Podemos
falar do tempo, mas ele é impensável. Precisamos do tempo para pensar o tempo.
Esse é um momento do eterno que está vinculado ao que as tradições espirituais
e religiosas da humanidade designaram como Mistério, Tao, Shiva, Alá, Olorum,
Javé, Deus, nomes que não cabem em nenhum dicionário e estão para além de nosso
entendimento. Diante dele afogam-se as palavras. Só o nobre silêncio é digno.
Mesmo
assim cada um participa, pelo presente fugidio, da natureza do divino, mesmo
que nem tenha consciência dele. Ao imergir na consciência, rende-se à essa
suprema realidade. Dá-lhe o nome que expressa sua participação n’Ele. Esse nome
fica inscrito em todo o seu ser presente, mas principalmente pulsa em seu
coração. Então o seu coração e o coração d’Aquele que eternamente é, formam um
só e imenso coração: é o todo em sua esplêndida plenitude.
Fonte:
Por Leonardo Boff em A Terra é Redonda

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