A
vida dupla da 'rainha da cetamina' que fornecia drogas para os ricos e
poderosos de Hollywood
Ela
parecia ter tudo: foi uma criança privilegiada, recebeu boa educação e mantinha
um vasto círculo de amigos.
Mas
Jasveen Sangha guardava um obscuro segredo. E alguns dos seus amigos mais
próximos afirmam que ela o ocultava até mesmo deles.
Sangha
tem dupla nacionalidade, britânica e americana. Ela fornecia substâncias
controladas para pessoas ricas e famosas de Hollywood e administrava um
"ponto de venda" de drogas como cocaína, Xanax, comprimidos falsos de
Adderall e cetamina.
Seu
negócio e a ilusão da sua vida encantada chegaram a um final abrupto quando ela
forneceu 50 ampolas de cetamina que acabaram vendidas ao ator da série de TV
Friends Matthew Perry (1969-2023). Entre elas, estava a dose que causou a morte
do astro, dois anos atrás.
Sangha
e mais cinco pessoas, incluindo dois médicos, se declararam culpados de delitos
relacionados à morte de Perry.
E, em
fevereiro, ela será a última acusada a receber sua sentença neste processo, que
revelou uma rede clandestina de cetamina em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Ela pode enfrentar uma pena máxima de 65 anos, em uma prisão federal americana.
Bill
Bodner era o agente especial encarregado do escritório da Administração de
Controle de Drogas (DEA, na sigla em inglês) em Los Angeles, no momento da
morte de Perry.
Ele
declarou à BBC que Sangha era "uma pessoa de alta formação, que decidiu
ganhar a vida traficando drogas e usar o dinheiro do narcotráfico para
financiar sua personalidade de influenciadora nas redes sociais".
Bodner
afirma que ela dirigia "uma operação de narcotráfico considerável, que
atendia a elite de Hollywood".
Os
promotores ressaltaram que Perry tomava quantidades legais e prescritas de
cetamina para seu tratamento contra a depressão, até que começou a desejar mais
do que os seus médicos permitiam.
Os
documentos judiciais relacionados à investigação federal demonstram como isso
levou o ator a fazer contato com vários médicos e, por fim, com um
distribuidor, que obtinha a droga para Sangha por meio de um intermediário.
O
advogado de Sangha, Mark Geragos, declarou que ela assumiu a responsabilidade,
mas nega que ela realmente conhecesse Perry. O ator era conhecido por
interpretar o personagem Chandler Bing na popular série cômica de TV Friends
(1994-2004).
"Ela
se sente muito mal. Se sente muito mal desde o primeiro dia", contou
Geragos aos jornalistas, quando ela se declarou culpada no processo. "Foi
uma experiência horrível."
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Vida dupla
Semanas
antes da morte de Perry, Sangha falou por telefone com seu velho amigo Tony
Marquez.
Ele e
outras pessoas conversaram com a BBC e a apresentadora Amber Haque para um
documentário de TV investigando as circunstâncias em torno da morte de Perry.
Foi a primeira vez em que amigos falaram abertamente sobre a mulher que ficou
conhecida mundialmente como a "rainha da cetamina".
Sangha
e Marquez se conhecem desde a década de 2010. Ele conta que chegou a conhecer
sua família.
Como
Sangha, Marquez era frequentador habitual do circuito de festas de Los Angeles.
Ele também enfrentou problemas relacionados às drogas com a Justiça e já foi
condenado anteriormente por narcotráfico.
Embora
eles tivessem uma longa história em comum, Marquez conta que Sangha nunca
sinalizou que estaria em problemas sérios.
Mas, há
apenas alguns meses, a casa dela em North Hollywood (que os promotores chamaram
de "ponto de drogas") foi invadida pela polícia.
Jash
Negandhi estudou com Sangha na Universidade da Califórnia em Irvine, nos
Estados Unidos, em 2001. Eles foram amigos por mais de 20 anos.
"Ela
estava bem estabelecida no cenário da música dance", recorda ele.
"Ela adorava dançar e se divertir."
Negandhi
conta que ficou surpreso quando soube que sua amiga era traficante de drogas.
"Eu
não sabia de nada", afirma ele. "Absolutamente nada. Ela nunca havia
me falado disso."
A
maioria dos amigos de Sangha acreditava que ela não precisasse do dinheiro.
"Ela
sempre tinha dinheiro", relembra Marquez. "Viajava por toda parte em
um jato particular, muito antes de que tudo fosse revelado."
Os avós
de Sangha eram multimilionários do comércio de moda no leste de Londres,
segundo o jornal The Times.
Sangha
é filha do empresário Nilem Singh e da médica Baljeet Singh Chhokar. Ela estava
destinada a herdar a fortuna da família.
Sua mãe
se casou novamente duas vezes e se mudou para Calabasas, na Califórnia, onde
Sangha foi criada. A casa da família em Los Angeles é "bela" e
"grande", segundo Marquez.
"Fazíamos
churrascos ou festas na piscina na casa dos pais dela", ele conta.
"Eles são muito atenciosos, muito carinhosos e nos tratavam como se
fôssemos seus filhos."
Sangha
passou algum tempo em Londres depois do Ensino Médio e se formou com MBA na
Escola Internacional de Negócios Hult de Londres, em 2010.
Em
fotos, ela aparece sorrindo docemente para a câmera, com um elegante vestido
preto e cabelos castanhos alisados durante uma visita ao jornal Financial Times
em 2010.
"Não
dava a impressão de ser desonesta", destaca um antigo colega de classe.
Sangha era amistosa, embora um pouco distante.
Ela
comparecia às aulas com roupas de grife e gostava de socializar. Não havia
boatos de que estivesse envolvida em drogas.
"Se
tivesse usado drogas em Hult, provavelmente teríamos ficado sabendo",
afirma o colega.
Sangha
voltou a Los Angeles pouco depois de terminar seu MBA.
Sua mãe
e o padrasto administravam franquias da rede de lanchonetes KFC na Califórnia.
A empresa os processou em 2013, pedindo mais de US$ 50 mil (cerca de R$ 271
mil, pelo câmbio atual), segundo documentos judiciais. Eles foram acusados de
não pagar royalties para a empresa pelo uso da marca.
O
padrasto de Sangha declarou falência antes da conclusão do caso. Mas, se a
família estava atravessando dificuldades financeiras naquele período, ela não
revelou para muitas pessoas.
"Não
ouvi nada sobre isso", disse Negandhi.
Sangha
parecia querer conquistar o mesmo sucesso empresarial dos pais.
Ela
abriu um salão de manicure chamado Stiletto Nail Bar, que durou pouco tempo. E
falava com amigos sobre suas ambições, como ser proprietária de uma franquia de
restaurantes.
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Festas que duravam dias
Mas seu
verdadeiro interesse, aparentemente, eram as festas.
Ela
tinha um círculo de amigas muito unidas em Los Angeles, chamado de Kitties
("gatinhas"), segundo Marquez. Era um grupo composto principalmente
por mulheres que gostavam de organizar festas com a presença de celebridades.
Elas se
reuniam frequentemente em Avalon, um teatro histórico no coração de Hollywood,
que promove concertos e eventos de música eletrônica. Suas festas duravam até
altas horas da madrugada.
Marquez
afirma que elas tomavam comprimidos e cetamina. Às vezes, suas festas duravam
vários dias, em diferentes partes da Califórnia.
"Nós
viajávamos até o lago Havasu, alugávamos uma mansão antiga e levávamos nossos
DJs e todos os nossos sistemas de som. E, todas as noites, tínhamos uma festa
temática só para nós", contou Marquez.
O lago
Havasu fica na fronteira entre os Estados da Califórnia e do Arizona, a quase
500 km de Los Angeles.
"Nós
nos vestíamos elegantemente e fazíamos uma festa de branco, uma festa de trajes
brilhantes. Tivemos uma festa de cogumelos."
Estas
festas "sempre incluíam cetamina", segundo Marquez.
Sangha
tinha muitos apelidos nesse grupo de amigos, mas ninguém a conhecia como
"rainha da cetamina".
"Ninguém
a chamava assim", segundo ele.
O grupo
estava preocupado com a contaminação do fornecimento ilegal de drogas com o
opioide mortal fentanil. Por isso, eles fizeram esforços extraordinários para
obter grandes quantidades de cetamina de alta qualidade.
"Se
fôssemos consumir cetamina, queríamos consegui-la da fonte", conta
Marquez.
Os
amigos supostamente usavam mensageiros para ir até o México recolher a droga de
veterinários e farmácias corruptas no outro lado da fronteira. A cetamina é
utilizada para sedação durante cirurgias.
"Não
sei dizer se Jasveen fazia isso", afirma Marquez. "Mas se tínhamos
acesso? Se tínhamos gente que fazia? Sim."
Marquez
conta que nunca suspeitou que Sangha fosse traficante de drogas. "Posso
dizer que é surpreendente."
"Conheci
essa pessoa por muitos anos. Conheço sua família. Sei como ela atua, sei do que
ela é capaz. Sei de onde ela vem. Não consigo acreditar até hoje que isso
esteja acontecendo."
Olhando
para trás, Marquez suspeita que Sangha tenha se tornado "dependente"
do status social atingido ao ser traficante de drogas para os ricos e famosos.
"Acredito
sinceramente que Jasveen era dependente dessa vida de vender drogas para
celebridades", afirma ele. "Ela era dependente desse círculo social e
de ser procurada por celebridades que as pessoas viram na televisão a vida
inteira."
Marquez
acredita que ela nunca tenha sido "chefe" do tráfico, nem uma grande
traficante, e que simplesmente entrou nos negócios porque "adorava
consumir cetamina, como todos nós".
Mas as
ações de Sangha sugerem um caráter mais impiedoso.
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Sóbria
Os
promotores declararam que, em 2019, Sangha vendeu cetamina a um homem chamado
Cody McLaury. Ele sofreu overdose e morreu.
Após
sua morte, sua irmã enviou uma mensagem de texto para Sangha, dizendo que as
drogas que ela havia vendido para seu irmão o haviam matado.
"Naquele
momento, qualquer pessoa sensata teria procurado as autoridades e, certamente,
qualquer pessoa com um mínimo de coração teria suspendido suas atividades e não
continuaria distribuindo cetamina para outras pessoas", afirma o
ex-promotor-geral do Distrito Central da Califórnia, Martin Estrada. Ele
apresentou as acusações federais contra Sangha, em agosto de 2024.
"Ela
continuou e observamos que, vários anos depois, a continuação da sua conduta
resultou na morte de outra pessoa, o sr. Perry", prossegue ele.
Outro
amigo, de um círculo diferente que costumava ir a festas com Sangha na década
de 2010, também recorda sua surpresa com a notícia. Ele contou à BBC que
conhecia Sangha desde o Ensino Médio e que socializava muito com ela, na mesma
época que Marquez.
O amigo
não quis ser identificado, para poder falar com franqueza sobre a mulher que
ele conheceu e que, agora, "é acusada de ser narcotraficante".
"Sempre
estávamos em festas, quase todas as noites", relembra ele. "Durante
muitos e muitos anos. Ela nunca me ofereceu nada."
Ele
recorda que Sangha levava seu tio Paul Sing com ela para quase toda parte.
"Realmente,
não é o comportamento de uma narcotraficante. E não é que ela simplesmente
permitia que ele a acompanhasse. Ele estava sempre vestido na moda."
Paul
Sing aparece em fotos de eventos ao lado de Sangha e esteve presente no
tribunal para ouvi-la se declarar culpada, no dia 3 de setembro.
Marquez
conta que, em algum momento da década de 2020, Sangha esteve em reabilitação.
Nos
documentos judiciais apresentados no mês passado, seu advogado Mark Geragos
afirmou que ela estava sóbria há 17 meses. E, em seu último contato com
Negandhi, eles conversaram sobre o futuro.
"Nós
dois já estávamos na casa dos 40 anos e você começa a se autoavaliar quando
chega a essa idade", ele conta. "E começa a pensar: o que queremos
fazer agora, que chegamos a esta etapa?"
"Ela
estava muito emocionada por ter ficado sóbria por bastante tempo e simplesmente
esperava muitas coisas da vida." Sangha não mencionou que havia sido presa
recentemente.
"Eu
não tinha ideia de que ela estava passando por tudo isso quando nos
falamos", afirma Negandhi. "Ela não revelou nada disso."
Fonte:
BBC News

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