Como
a 'mente ocidental' foi moldada pela Igreja Católica medieval
Ao
entrar em um laboratório de psicologia, você e um pequeno grupo de
participantes recebem a tarefa de combinar uma linha com uma de outras três
linhas de comprimentos variados. Os participantes são solicitados a declarar em
voz alta, um atrás do outro, quais desses segmentos de linha têm o mesmo
comprimento. Às vezes, as escolhas dos outros são iguais às suas. Mas,
ocasionalmente, todos parecem concordar uns com os outros, mas não com você.
Quando
é sua vez de expressar suas escolhas, você concorda com seus colegas ou mantém
sua avaliação inicial?
A
resposta pode depender muito de onde você vem.
Essa
tarefa experimental, que tem fascinado psicólogos e alunos de graduação desde
meados do século 20, mostra que uma fração importante das pessoas se conforma
com as respostas incorretas de seus colegas. Isso ocorre mesmo quando o
julgamento é fácil: quando as pessoas estão sozinhas ou respondem primeiro em
um grupo, elas dão as respostas corretas mais de 98% das vezes.
Essas
descobertas levantam duas questões. Em primeiro lugar, apesar de os resultados
serem registrados nos textos acadêmicos como um reflexo do que as
"pessoas" pensam, quase todos os estudos que examinaram esse efeito
foram conduzidos entre estudantes americanos. E no entanto, vários autores e
comentaristas sociais, desde pelo menos o diplomata e filósofo francês do
século 19 Alexis De Tocqueville, notaram que os americanos são particularmente
individualistas e independentes. Então, dá para dizer que os americanos são
bons representantes psicológicos do Homo sapiens de maneira mais ampla, como os
testes sugerem?
Em
segundo lugar, por que esse resultado impressionou tanto os pesquisadores e
seus alunos?
Para
responder à primeira questão, pesquisadores da década de 1990 analisaram
estudos usando o experimento descrito acima, conhecido como Tarefa de
Conformidade Asch, de 17 países diferentes.
Eles
descobriram que alunos americanos estavam mesmo entre os que menos acompanhavam
a opinião dos colegas. Ao lado dos franceses, eles apoiavam a opinião coletiva
em cerca de 20% das vezes. Os de Gana e Fiji apoiam seus colegas em quase
metade das vezes. Outras populações, incluindo estudantes do Japão, Hong Kong e
Líbano, ficaram em algum ponto intermediário.
Uma
pesquisa conduzida pelos cientistas cognitivos Jennifer Clegg, Nicole Wen e
Cristine Legare, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, ilumina ainda
mais esses padrões e pode ajudar a explicar por que a conformidade causou tanto
espanto entre os psicólogos.
A
equipe de pesquisadores fez com que adultos nos Estados Unidos e em Vanuatu, no
Pacífico Sul, assistissem a dois vídeos de crianças fazendo um colar. Em ambos
os vídeos, a criança primeiro assistia a um filme em que alguém demonstrava
como fazer um colar e depois fazia o seu próprio. Porém, no primeiro vídeo, a
criança montou um colar que combinava perfeitamente com o feito antes, tanto
nas cores quanto na sequência das contas. No outro, a criança produziu um colar
com sequência diferente de contas coloridas.
Quando
questionados sobre qual criança era "mais inteligente", 88% dos
adultos em Vanuatu apontaram para a primeira criança, que repetiu os
procedimentos do filme — apenas 19% dos entrevistados nos Estados Unidos
concordaram com essa reposta. Quando questionados por que selecionaram as
crianças do segundo vídeo como "mais inteligentes", os adultos
americanos explicaram que essa criança era "criativa".
Quando
questionados sobre quem se comportava melhor, 78% dos adultos em Vanuatu
disseram que a criança que repetiu as instruções se comportava melhor, enquanto
menos da metade (44%) dos entrevistados nos Estados Unidos pensavam da mesma
forma.
Em vez
disso, a maioria dos americanos (56%) achava que ambas as crianças eram
igualmente bem-comportadas.
Isso
destaca o fato de que chamar alguém de "conformista" é um elogio em
muitos lugares, mas não nos Estados Unidos.
Conformidade,
entretanto, não é um caso idiossincrático de diferença cultural, mas representa
a ponta de um iceberg psicológico.
O banco
de dados que domina nossa compreensão da psicologia humana deriva
principalmente — cerca de 95% dela, na verdade — de populações que são
"Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas (esse grupo
de pessoas é conhecido pela sigla em inglês "w.e.i.r.d.", que forma
uma palavra em inglês que significa "esquisito" em português).
Ao
contrário de grande parte do mundo hoje — e da maioria das pessoas que já
viveram —, essa categoria de pessoas é altamente individualista, obcecada por
si mesma, cheia de culpa e analítica em seu estilo de pensamento.
Os
chamados "Weird" se concentram em si mesmos — seus atributos,
realizações e aspirações. Ao raciocinar, as pessoas tendem a procurar
categorias abstratas com as quais organizar o mundo, simplificam fenômenos
complexos quebrando-os em elementos distintos e atribuindo propriedades — seja
imaginando tipos de partículas, patógenos ou personalidades.
Apesar
de sua aparente auto-obsessão, elas tendem a seguir regras imparciais e podem
ser bastante confiáveis, justas e cooperativas com estranhos.
Emocionalmente,
as pessoas da categoria "Weird" são relativamente desavergonhadas,
menos constrangidas quando se deparam com outros, mas frequentemente
atormentadas pela culpa por não cumprirem seus próprios padrões autoimpostos.
De onde
vêm essas diferenças psicológicas e por que as populações europeias, junto com
seus descendentes culturais em lugares como por exemplo a América do Norte,
estão no extremo dessas distribuições globais?
Um
número cada vez maior de pesquisas rastreia essas diferenças psicológicas até a
estrutura das famílias — o que os antropólogos chamam de instituições baseadas
em laços familiares.
Estes
trabalhos sugerem que nossas mentes se calibram e se adaptam aos mundos sociais
que encontramos enquanto crescemos.
Até
recentemente, a maioria das sociedades foi sustentada por instituições baseadas
intensivamente em laços familiares, construídas em torno de grandes famílias
estendidas: clãs, casamento de primos, poligamia e muitas outras normas de
parentesco que regulam e restringem a vida social. Essas instituições persistem
em muitas partes do mundo hoje, especialmente nas áreas rurais.
Em
contraste, muitas populações europeias foram dominadas por famílias nucleares
monogâmicas — modelo rotulado de "Padrão de Casamento Europeu" pelos
historiadores — desde pelo menos o final da Idade Média.
Testando
essa ideia, as análises revelam que pessoas de sociedades enraizadas em
instituições mais fortemente baseadas em relações familiares mostram maior
conformidade, menos individualismo, pensamento mais holístico, menos
experiências de culpa e menos disposição para confiar em estranhos.
Esses
padrões surgem quando comparamos países, regiões dentro de países ou imigrantes
de segunda geração de diferentes origens que vivem no mesmo lugar.
Como a
primeira e frequentemente a mais importante instituição que nós, humanos,
encontramos ao entrar no mundo, a estrutura de nossas redes familiares
desempenha um papel central na explicação da diversidade psicológica global.
Mas por
que as famílias se organizam de maneiras tão diferentes nas sociedades, e por
que as famílias europeias já eram peculiares no final da Idade Média?
Embora
a diversidade de instituições baseadas em relações de parentesco encontradas em
todo o mundo tenha sido influenciada por muitos fatores, o Padrão de Casamento
Europeu remonta principalmente a uma mudança no plano religioso.
Começando
no final da Antiguidade, o ramo do cristianismo que evoluiu para a Igreja
Católica Romana começou a promulgar gradualmente um conjunto de proibições e
prescrições relacionadas ao casamento e à família. A Igreja, por exemplo,
proibiu o casamento entre primos, casamento arranjado e casamento polígamo.
Ao
contrário de outras denominações cristãs, a Igreja Católica expandiu aos
poucos, até o século 11, o círculo de relacionamentos "incestuosos"
para primos de até 6º grau.
Apesar
de frequentemente enfrentar forte resistência, esse empreendimento dissolveu
lentamente as complexas instituições baseadas em parentesco da Europa tribal,
deixando famílias nucleares independentes como um ideal cultural e um padrão
comum.
Para
testar a ideia de que a Igreja medieval moldou a variação psicológica
contemporânea, é possível explorar a disparidade desse processo histórico
rastreando a difusão dos bispados na Europa de 500 a 1500 d.C.
As
análises mostram que europeus de regiões que passaram mais séculos sob as
influências da Igreja são hoje menos inclinados a conformar-se, mais
individualistas, e mostram mais confiança e imparcialidade no tratamento dado a
estranhos.
Globalmente,
as populações nacionais com exposições históricas mais longas à Igreja não
apenas mostram instituições baseadas em parentesco mais fracas, mas são, hoje,
psicologicamente mais "weird" (a sigla em inglês para
"ocidentais, educadas, industrializadas, ricas e democráticas")
A
maioria de nós pode achar que somos pensadores racionais e independentes. Mas a
forma como pensamos, sentimos e raciocinamos — incluindo nossas inclinações
para a conformidade e preferências por explicações analíticas — foi moldada por
eventos históricos, heranças culturais e tabus de incesto que remontam a
séculos ou mesmo milênios.
Compreender
como a história moldou nossas mentes faz parte de explorar e abraçar nossa
diversidade.
Fonte:
Por Joseph Henrich, em BBC Culture

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