As
conexões de Daniel Vorcaro e do Banco Master com ministros do STF
A
Polícia Federal (PF) encontrou no celular do controlador do Banco Master,
Daniel Vorcaro, um contrato de R$ 129 milhões firmado com o escritório de
advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF).
O valor
foi revelado pelo jornal O Globo. O documento, localizado na Operação
Compliance Zero em 18 de novembro, previa pagamentos mensais de R$ 3,6 milhões
ao escritório por três anos a partir de 2024.
O
contrato, ainda segundo o jornal, não especificava processos ou causas
determinadas. Estabelecia uma atuação ampla, determinando que o escritório
representaria o banco "onde fosse necessário".
Embora
o Master tenha sido liquidado e o acordo não tenha sido executado até o fim,
mensagens trocadas entre executivos indicavam que o pagamento ao escritório era
tratado internamente como prioridade, afirma a reportagem.
Além de
Viviane, os filhos do casal, também integrantes da banca, aparecem em ao menos
um processo ligado a Vorcaro.
A
divulgação do contrato ocorre semanas depois da operação que levou à prisão de
Vorcaro e de outros executivos do Master. O controlador do banco foi preso
preventivamente em 17 de novembro, sob acusação de fraudar R$ 12,2 bilhões do
sistema bancário.
Em 28
de novembro, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região concedeu habeas
corpus e mandou soltar Vorcaro, os ex-diretores Luiz Antonio Bull, Alberto
Feliz de Oliveira e Angelo Antonio Ribeiro da Silva, além de Augusto Ferreira
Lima, ex-sócio do banco.
Eles
são monitorados por tornozeleira eletrônica e estão proibidos de exercer
atividades no setor financeiro, de ter contato com outros investigados e de
deixar o país.
A
quebra do Master é a maior da história do país em impacto para o Fundo
Garantidor de Créditos (FGC) — associação privada que funciona como uma espécie
de sistema de garantia de depósitos, cobrindo investimentos de até R$ 250 mil
por CPF ou CNPJ (por instituição financeira) em caso de quebra de alguma
instituição associada.
Segundo
o FGC, 1,6 milhão de investidores do banco, que detinha R$ 41 bilhões em CDBs,
poderão ser ressarcidos.
A PF
investiga suspeitas de fraudes na concessão de créditos, emissão de títulos
irregulares e criação de carteiras falsas — operações que, segundo os
investigadores, movimentaram valores bilionários e alimentaram uma tentativa de
venda da instituição ao Banco Regional de Brasília (BRB).
A
liquidação extrajudicial do Master foi decretada pelo Banco Central no mesmo
dia em que a PF realizou prisões e buscas em cinco Estados e no Distrito
Federal, no âmbito da Operação Compliance Zero.
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Viagem para Libertadores
O
contrato envolvendo familiares de Moraes não foi o único episódio envolvendo
membros da Suprema Corte e o Banco Master que ganhou destaque na imprensa.
Em 29
de novembro, Dias Toffoli, relator do caso no Supremo, viajou para assistir à
final da Libertadores entre Flamengo e Palmeiras, em Lima, no Peru, no mesmo
voo particular que um advogado de um dos diretores do banco.
A
coincidência chamou atenção porque, na véspera, Toffoli havia sido sorteado
para relatar o recurso apresentado pela defesa de Daniel Vorcaro.
No dia
seguinte ao sorteio, o ministro embarcou no jatinho em que estavam o advogado
Augusto Arruda Botelho, defensor de um dos diretores do Master e ex-secretário
Nacional de Justiça; o empresário Luiz Oswaldo Pastore, dono da aeronave; e o
ex-deputado Aldo Rebello.
O
ministro confirmou que viajou no avião e afirmou a interlocutores, segundo o
jornal O Globo, que não discutiu o processo durante o trajeto.
Em 3 de
dezembro, Toffoli colocou o caso sob sigilo e decidiu transferir o inquérito
para o STF, sob sua própria relatoria, atendendo ao pedido de um diretor do
Master, o mesmo pleito feito anteriormente pelos advogados de Vorcaro.
Ele
acolheu a solicitação com base na citação de um deputado federal, autoridade
com prerrogativa de foro privilegiado.
O
ministro justificou o sigilo afirmando que o inquérito envolve informações
econômicas sensíveis, com potencial impacto no mercado financeiro. Na prática,
todas as decisões futuras sobre a investigação passam a ser tomadas por ele, e
não mais pela Justiça Federal em Brasília.
Além
dos vínculos com ministros do STF, as doações eleitorais também revelam
possíveis conexões políticas envolvendo o Banco Master.
O
empresário Fabiano Campos Zettel, cunhado de Daniel Vorcaro, foi o maior doador
pessoa física das campanhas de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Jair
Bolsonaro (PL) em 2022. Casado com Natália Vorcaro Zettel, irmã do banqueiro,
ele transferiu R$ 3 milhões para a campanha presidencial de Bolsonaro e R$ 2
milhões para a do governador de São Paulo.
Zettel
é fundador e CEO da Moriah Asset, um fundo de private equity — modalidade de
investimento que compra participações em empresas que não estão na bolsa. Por
meio da Moriah, ele é sócio de marcas como Oakberry, Les Cinq, Frutaria São
Paulo e Empório Frutaria.
Em
2022, ele foi o sexto maior doador pessoa física do país. Pela legislação
eleitoral, indivíduos podem doar até 10% da renda bruta do ano anterior à
eleição.
A
assessoria de imprensa de Tarcísio afirmou que sua campanha contou com mais de
600 doadores e que o governador não possui qualquer vínculo ou relação com
Zettel. "Vale destacar que a prestação de contas de Tarcísio foi
devidamente aprovada pela justiça eleitoral", diz a nota enviada à BBC
News Brasil.
Já
Bolsonaro não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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'Falha séria de accountability'
Para a
professora Ligia Maura Costa, coordenadora do Centro de Estudos em Ética,
Transparência, Integridade e Compliance da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os
episódios envolvendo ministros do Supremo expõem "falhas sérias de
accountability" (termo em inglês usado para descrever práticas
relacionadas a transparência e prestação de contas).
Ela
afirma que conflitos de interesse no STF têm se tornado mais frequentes e
visíveis.
"Conflito
de interesses é quando há confusão entre o interesse público e o privado. No
caso de um ministro do Supremo, que em princípio precisa ser totalmente
imparcial, qualquer ligação pessoal capaz de influenciar uma decisão já deveria
acender o alerta", diz.
"O
fato de ser amigo pessoal de alguém não significa necessariamente que vai
decidir a favor dessa pessoa, mas significa que pode vir a ter um conflito de
interesses", continua.
"Não
estou dizendo que um ministro do Supremo não possa ser amigo de um advogado.
Mas, sendo amigo, tem que ter alguns cuidados."
Para
ela, Toffoli deveria ter se declarado impedido para relatar o caso do Banco
Master.
"A
conduta dele foi o oposto do que se espera de um ministro do STF. Ele deveria,
no mínimo, ter se julgado suspeito", afirma.
"Mas
não só não fez isso como, muito pelo contrário, trouxe todo o processo para si
e impôs um sigilo absoluto — algo totalmente fora do padrão em casos de
corrupção. Neste tipo de caso, não posso ter sigilo absoluto porque a vítima é
a sociedade."
A
professora afirma que a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da
Magistratura Nacional não são suficientes para regular ministros do STF.
"Essas
normas foram feitas para juízes de primeira instância. Não foram pensadas para
ministros do Supremo, que têm funções, poderes e impactos completamente
distintos."
Ela
defende a criação de um código de conduta específico para os ministros e uma
instância externa de controle.
"O
Supremo está totalmente 'desgovernado'. Precisamos ter um controle sobre o
Supremo, que seja o CNJ, o Senado ou até mesmo uma comissão independente."
Costa
cita modelos internacionais que poderiam inspirar o Brasil. Em 2023, a Suprema
Corte americana editou seu primeiro código de conduta — que esbarra, contudo,
em uma realidade parecida com a do Brasil: não há um órgão capaz de fiscalizar
as regras, o que gera um vácuo na aplicação de possíveis punições.
O
debate sobre a transparência no Judiciário americano surgiu após uma série de
reportagens publicadas pelo site ProPublica com denúncias de que magistrados da
corte americana haviam sido presenteados por empresários ricos em reiteradas
ocasiões sem fazerem a devida divulgação dos benefícios.
Chamada
Friends of the Court ("amigos da Corte", em tradução literal), a
cobertura revelou pagamentos de viagens, imóveis e até mensalidades escolares,
chamando atenção para os possíveis conflitos de interesse que essas relações
poderiam significar para alguns membros da corte.
O
presidente do STF, Edson Fachin, anunciou que pretende instituir um código de
conduta para orientar o comportamento dos ministros da Corte.
A
proposta, em discussão interna no Supremo e em diálogo com outras instituições,
toma como referência o modelo adotado pelo Tribunal Constitucional Federal da
Alemanha, criado para preservar a independência, a neutralidade e a integridade
da mais alta instância do Judiciário naquele país.
Mas,
para a professora da FGV, não basta ter normas escritas. "Além das regras
sobre o que pode e o que não pode, é preciso controle, monitoramento e
transparência."
Nesta
terça, a organização Transparência Internacional Brasil criticou o contrato do
escritório de Viviane com o Banco Master, dizendo que "o sistema de
Justiça brasileiro está virando um grande Gilmarpalooza".
O
comentário faz referência ao Fórum de Lisboa, evento anual que reúne a cúpula
do Judiciário, da política e do empresariado brasileiro, que tem como
realizador o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP),
de propriedade do ministro Gilmar Mendes.
A falta
de transparência em relação aos custos, aliada ao fato de o evento abarcar
empresários ou representantes de empresas que, em alguns casos, estão com
processos tramitando no STF, também suscitaram um debate sobre a criação de um
código de conduta para a Corte.
Conrado
Hübner, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP),
afirma que não existe um instrumento capaz de controlar o STF hoje, apenas o
impeachment dos ministros — algo que, para ele, só seria provocado por
manifestações sociais.
Para o
professor, um código de conduta ética serviria justamente para proteger os
ministros e a própria corte.
"Se
eles são honestos e querem proteger a instituição, o código de ética
ajuda", disse à BBC News Brasil, no contexto do evento promovido por
Gilmar Mendes.
Ele
afirma que existem diversos conflitos de interesses, em diferentes esferas.
"Mas quando tem juiz no meio a coisa fica muito mais óbvia", afirma
ele, que classifica o evento como "um grande encontro de lobby".
"De
um lado, a dimensão, duas mil pessoas por três dias. Do outro, o fato de ser em
Portugal, o que só aprofunda o distanciamento da esfera pública e da
transparência", diz.
A BBC
News Brasil pediu comentários de Dias Toffoli e de Alexandre de Moraes sobre as
críticas em relação a possível conflito de interesses, mas os ministros nem a
Corte se pronunciaram até o fechamento deste texto.
Fonte:
BBC News Brasil

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