Gabriel
Palma: As razões da estagnação da economia
Palma
demonstra que a América Latina ficou presa em uma armadilha estrutural que
batizou de 'trilogia rentista'...
Economista
chileno, professor emérito de Cambridge, Gabriel Palma é referência mundial em
desigualdade e desenvolvimento. Participei de uma mesa com ele, na Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo, quando trabalhava no livro “Os Cabeças
de Planilha”. Depois de minha apresentação, ele ficou interessado em saber as
fontes nas quais eu havia me baseado para estabelecer relações entre o
Encilhamento e o Plano Real, com a curiosidade genuína dos pesquisadores.
Palma
ficou mundialmente conhecido por demonstrar algo provocador: em quase todos os
países, os 50% mais pobres recebem uma fatia semelhante da renda nacional — a
desigualdade cresce mesmo é na disputa entre a elite de renda alta e os grupos
médios.
Ele
criou um indicador para medir desigualdade:
Razão
de Palma = renda dos 10% mais ricos ÷ renda dos 40% mais pobres
O
indicador foi criado como alternativa ao Índice de Gini, considerado por Palma
excessivamente insensível às mudanças entre extremos da renda.
Agora,
Palma distribuiu seu último trabalho
“América
Latina: como as suas reformas neoliberais levaram a uma trilogia rentista de
elevada desigualdade de mercado, taxas de investimento medíocres e colapso da
produtividade crescimento. Como consertar um sistema com tão pouca entropia?”
O
trabalho demonstra que, desde os anos 1980, a América Latina ficou presa em uma
armadilha estrutural definida por três fatores combinados, a chama “trilogia
rentista”: alta desigualdade de renda + baixo investimento + estagnação da
produtividade.
Segundo
seus dados, entre 1950 e 1980 a produtividade mais que dobrou. A produção
industrial foi multiplicada por 11 vezes. De 1980 a 2019 o trabalhador
latino-americano produziu basicamente o mesmo que em 1980. Nesse período, a
China multiplicou sua produtividade por 20, Coréia, Vietnã e Taiwan por 5 e
Índia por mais de 6. O Brasil caiu de 40% da produtividade norte-americana em
1980 para 26% em 2019.
Foram
criados cerca de 155 milhões de empregos desde 1980, mas 90% concentrados em
serviços de construção e em setores de baixa produtividade e baixos salários.
A
concentração de renda é indecente. Os 1% mais ricos devem 20% da renda; os 10%
apropriam-se de 60%. Enquanto isto, o investimento privado mal chega a 15% do
PIB, conta 25% a 35% do padrão asiático.
Pior: a
renda é concentrada em atividades de ganho fácil (finanças, recursos naturais e
monopólios).
O
diagnóstico é direto.
• As elites nacionais promoveram e se
beneficiaram das reformas.
• Preferem manter rendas fáceis a investir
em indústria, tecnologia ou P&D.
• Ao perceber a perda de produtividade no
extrativismo local:
o Retiram capital do país
o Buscam novas fronteiras de exploração
fora (ex.: empresas chilenas operando no Brasil amazônico).
A
América Latina caiu não numa “armadilha da renda média” genérica, mas em uma
“armadiha neoliberal rentista”
• Baixo crescimento estrutural
• Concentração extrema de renda
• Destruição do parque industrial
• Dependência de commodities
• Fuga constante de capital nacional
O
problema não é falta de recursos ou capacidade — diz ele. É falta de vontade
política de enfrentar os rentistas.
A saída
é conhecida: nova política industrial, condicionar investimentos, tributação
progressiva forte e redirecionamento do crédito.
A
receita asiática é conhecida. Obrigaram a transferência tecnológica das
empresas estrangeiras, protegeram indústrias nascentes e forçaram investimentos
produtivos.
Para
Palma, o Brasil sofre de uma captura estrutural, dos 5 blocos do rentismo:
1.
Sistema Financeiro
<><>
Quem são
• Bancos privados
• Gestores de fundos
• Fintechs de crédito
• Capital estrangeiro de renda fixa
<><>
Como ganham
Juros
da dívida pública
+
spread bancário
+ taxas
e tarifas
2.
Oligopólios de Serviços Regulados
<><>
Setores
• Energia elétrica
• Pedágios e concessões rodoviárias
• Saneamento privatizado
• Gás canalizado
• Telefonia
<><>
Modelo de lucro
Receita
garantida por contrato
+
reajuste automático
+ risco
socializado
<><>
Nexo com o Estado
• Leilões de concessão
• AGU e tribunais blindam contratos
• Uso sistemático de arbitragem
>>>
Resultado
Rendimentos
quase “automáticos” — lucros com risco mínimo.
3. Complexo Extrativista
<><>
Setores
• Agronegócio primário-exportador
• Mineração
• Petróleo cru
<><>
Como ganham
Produção
extensiva
+ terra
barata
+
câmbio favorável
+
isenções fiscais
<><>
Nexo com o Estado
• BNDES e bancos públicos subsidiam cadeia
logística
• Incentivos fiscais estaduais
• Fiscalização ambiental e fundiária
fragilizada
>>>
Resultado
Alta
rentabilidade sem:
• inovação tecnológica,
• encadeamento industrial,
• pagamento salarial relevante.
4.
Elites Imobiliárias
<><>
Perfis
• Fundos imobiliários urbanos
• Latifúndios improdutivos
• Especulação fundiária
<><>
Como ganham
Aumento
do preço dos ativos
+ renda
de aluguel
+
retenção artificial de terrenos
<><>
Nexo com o Estado
• Isenções de IPTU e ITBI
• Zoneamento condescendente
• Crédito direcionado
>>>>
Resultado
<><>
Renda sem produção
– preço
sobe sem gerar mais valor.
5.
Fundos Previdenciários e Patrimoniais
<><>
Quem são
• Fundos de pensão de estatais
• RPPS estaduais/municipais
• Family offices
<><>
Como ganham
Renda
fixa
+
concessões
+
fundos de infraestrutura
<><>
Nexo com o Estado
• Legislação permissiva para aplicações
concentradas
• Busca de retorno fácil — não produtivo
<><>
Resultado
Reciclam
poupança previdenciária sem virar investimento produtivo real.
• A decepção com o desenvolvimentismo à
brasileira. Por Luís Nassif
No café
da manhã que marcou sua despedida da presidência da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), Josué Gomes confessou-se um desenvolvimentista
desiludido. Disse que a análise da realidade o tornou um liberal.
Refere-se
à montanha de lobbies privados, conseguindo benesses fiscais e creditícias. O
volume expressivo conseguido por setores, valendo-se exclusivamente de sua
influência política, deturpou completamente um dos principais instrumentos de
políticas industriais: os incentivos fiscais.
Exemplos
não faltam. O exemplo a seguir não é de Josué, mas de associações que reúnem
produtores independentes de cervejas e refrigerantes.
Há
grandes empresas de bebidas que praticam fraudes conhecidas com a Zona Franca
de Manaus. Compram de lá xaropes, a preços supervalorizados. Recebem os
incentivos previstos para a Zona Franca mas podem utilizar para abater outros
impostos, nos estados que consomem e impostos federais.
É um
caso nítido de burla fiscal. Só que, ao invés de combater essa fraude – o que
depende da aprovação do Congresso – discute-se agora a criação de um imposto seletivo, que incide sobre bens e
serviços considerados prejudiciais à saúde, incidindo sobre toda a produção de
guaraná e outros refrigerantes açucarados. Tudo isso para bancar a jogada
fiscal da Coca-Cola, Ambev (controlado pela 3G, o maior predador econômico do
país), Heineken Brasil.
O gasto
fiscal federal com subsídios – incluindo benefícios tributários, creditícios e
financeiros – chegam a R$ 678 bilhões em 2024, cerca de 5,78% do PIB. Estados
em dificuldades financeiras, Minas Gerais desvia uma montanha de subsídios a
grupos sem nenhuma relevância econômica – como locadoras de automóveis – tendo
como único critério as ligações políticas do governador com os empresários.
Em
outros tempos, decidiu-se privilegiar os chamados “campeões nacionais”, entre
os quais grandes frigoríficos, com enorme poder de influência sobre toda a
cadeia produtiva do gado. Em vez de um trabalho sistêmico, de fortalecimento da
cadeia de produção, de fortalecimento dos pequenos produtores, de consolidação
da estrutura de produção, com o aprimoramento do preparo do couro,
fortaleceu-se apenas o elo mais forte da cadeia.
Agora
mesmo, está em curso uma batalha gigante pelo controle da venda de remédios,
com as grandes redes de drogarias pretendendo fabricar marcas próprias, e os
laboratórios ameaçando entrar com vendas diretas. Os supermercados tentam
entrar na venda de remédios e até grandes plataformas, como a Mercado Livre,
passam a comercializar remédios. Sem contar laboratórios ligados a grandes
grupos hospitalares, que já atendem pacientes internados, através de sistemas
automatizados de receitas eletrônicas. Não há um movimento sequer em favor da
farmácia independente, aquela que deveria ser o grande fator de fortalecimento
da saúde pública.
Tudo
isso ocorre porque, nesses anos de liberalismo irresponsável, deixou-se o
incentivo fiscal à mercê dos lobbies regionais e setoriais.
Agora,
tenta-se direcionar para setores portadores de futuro, como é o caso da NIB
(Nova Indústria Brasileira) e dos projetos de transformação ecológica. Mas é um
debate que não alcança a opinião pública, devido a um enorme déficit de
informação de uma mídia que perdeu totalmente o compromisso público. Em outros
tempos, havia setoristas na indústria, na agricultura, nos sindicatos, no setor
financeiro.
Hoje em
dia, todos são setoristas de likes.
Mesmo
assim, o planejamento racional do desenvolvimento é uma arma potente, como
demonstrou Gabriel Palma, em artigo que publiquei ontem. O grande desafio é
inocular novamente o vírus do desenvolvimento em um país que desenvolveu toda
forma de anticorpos para impedir queda da Selic, redução dos spreads bancários,
exigência de contrapartidas de transferência tecnológica de empresas
estrangeiras.
Há algo
muito mais profundo em curso: a grande batalha para a recuperação da autoestima
nacional. Apenas quando o governo tiver um ponto de partida, uma ideia central
que transmita a noção de crescimento – como os 50 anos em 5 de JK -, e
conquistar corações e mentes da opinião pública, conseguirá penetrar no coração
empedernido como pão embolorado dos lobbies econômicos.
Fonte:
Jornal GGN

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