sábado, 13 de dezembro de 2025

Gabriel Palma: As razões da estagnação da economia

Palma demonstra que a América Latina ficou presa em uma armadilha estrutural que batizou de 'trilogia rentista'...

Economista chileno, professor emérito de Cambridge, Gabriel Palma é referência mundial em desigualdade e desenvolvimento. Participei de uma mesa com ele, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, quando trabalhava no livro “Os Cabeças de Planilha”. Depois de minha apresentação, ele ficou interessado em saber as fontes nas quais eu havia me baseado para estabelecer relações entre o Encilhamento e o Plano Real, com a curiosidade genuína dos pesquisadores.

Palma ficou mundialmente conhecido por demonstrar algo provocador: em quase todos os países, os 50% mais pobres recebem uma fatia semelhante da renda nacional — a desigualdade cresce mesmo é na disputa entre a elite de renda alta e os grupos médios.

Ele criou um indicador para medir desigualdade:

Razão de Palma = renda dos 10% mais ricos ÷ renda dos 40% mais pobres

O indicador foi criado como alternativa ao Índice de Gini, considerado por Palma excessivamente insensível às mudanças entre extremos da renda.

Agora, Palma distribuiu seu último trabalho

“América Latina: como as suas reformas neoliberais levaram a uma trilogia rentista de elevada desigualdade de mercado, taxas de investimento medíocres e colapso da produtividade crescimento. Como consertar um sistema com tão pouca entropia?”

O trabalho demonstra que, desde os anos 1980, a América Latina ficou presa em uma armadilha estrutural definida por três fatores combinados, a chama “trilogia rentista”: alta desigualdade de renda + baixo investimento + estagnação da produtividade.

Segundo seus dados, entre 1950 e 1980 a produtividade mais que dobrou. A produção industrial foi multiplicada por 11 vezes. De 1980 a 2019 o trabalhador latino-americano produziu basicamente o mesmo que em 1980. Nesse período, a China multiplicou sua produtividade por 20, Coréia, Vietnã e Taiwan por 5 e Índia por mais de 6. O Brasil caiu de 40% da produtividade norte-americana em 1980 para 26% em 2019.

Foram criados cerca de 155 milhões de empregos desde 1980, mas 90% concentrados em serviços de construção e em setores de baixa produtividade e baixos salários.

A concentração de renda é indecente. Os 1% mais ricos devem 20% da renda; os 10% apropriam-se de 60%. Enquanto isto, o investimento privado mal chega a 15% do PIB, conta 25% a 35% do padrão asiático.

Pior: a renda é concentrada em atividades de ganho fácil (finanças, recursos naturais e monopólios).

O diagnóstico é direto.

•        As elites nacionais promoveram e se beneficiaram das reformas.

•        Preferem manter rendas fáceis a investir em indústria, tecnologia ou P&D.

•        Ao perceber a perda de produtividade no extrativismo local:

o        Retiram capital do país

o        Buscam novas fronteiras de exploração fora (ex.: empresas chilenas operando no Brasil amazônico).

A América Latina caiu não numa “armadilha da renda média” genérica, mas em uma “armadiha neoliberal rentista”

•        Baixo crescimento estrutural

•        Concentração extrema de renda

•        Destruição do parque industrial

•        Dependência de commodities

•        Fuga constante de capital nacional

O problema não é falta de recursos ou capacidade — diz ele. É falta de vontade política de enfrentar os rentistas.

A saída é conhecida: nova política industrial, condicionar investimentos, tributação progressiva forte e redirecionamento do crédito.

A receita asiática é conhecida. Obrigaram a transferência tecnológica das empresas estrangeiras, protegeram indústrias nascentes e forçaram investimentos produtivos.

Para Palma, o Brasil sofre de uma captura estrutural, dos 5 blocos do rentismo:

1. Sistema Financeiro

<><> Quem são

•        Bancos privados

•        Gestores de fundos

•        Fintechs de crédito

•        Capital estrangeiro de renda fixa

<><> Como ganham

Juros da dívida pública

+ spread bancário

+ taxas e tarifas

2. Oligopólios de Serviços Regulados

<><> Setores

•        Energia elétrica

•        Pedágios e concessões rodoviárias

•        Saneamento privatizado

•        Gás canalizado

•        Telefonia

<><> Modelo de lucro

Receita garantida por contrato

+ reajuste automático

+ risco socializado

<><> Nexo com o Estado

•        Leilões de concessão

•        AGU e tribunais blindam contratos

•        Uso sistemático de arbitragem

>>> Resultado

Rendimentos quase “automáticos” — lucros com risco mínimo.

 3. Complexo Extrativista

<><> Setores

•        Agronegócio primário-exportador

•        Mineração

•        Petróleo cru

<><> Como ganham

Produção extensiva

+ terra barata

+ câmbio favorável

+ isenções fiscais

<><> Nexo com o Estado

•        BNDES e bancos públicos subsidiam cadeia logística

•        Incentivos fiscais estaduais

•        Fiscalização ambiental e fundiária fragilizada

>>> Resultado

Alta rentabilidade sem:

•        inovação tecnológica,

•        encadeamento industrial,

•        pagamento salarial relevante.

4. Elites Imobiliárias

<><> Perfis

•        Fundos imobiliários urbanos

•        Latifúndios improdutivos

•        Especulação fundiária

<><> Como ganham

Aumento do preço dos ativos

+ renda de aluguel

+ retenção artificial de terrenos

<><> Nexo com o Estado

•        Isenções de IPTU e ITBI

•        Zoneamento condescendente

•        Crédito direcionado

>>>> Resultado

<><> Renda sem produção

– preço sobe sem gerar mais valor.

5. Fundos Previdenciários e Patrimoniais

<><> Quem são

•        Fundos de pensão de estatais

•        RPPS estaduais/municipais

•        Family offices

<><> Como ganham

Renda fixa

+ concessões

+ fundos de infraestrutura

<><> Nexo com o Estado

•        Legislação permissiva para aplicações concentradas

•        Busca de retorno fácil — não produtivo

<><> Resultado

Reciclam poupança previdenciária sem virar investimento produtivo real.

•        A decepção com o desenvolvimentismo à brasileira. Por Luís Nassif

No café da manhã que marcou sua despedida da presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Josué Gomes confessou-se um desenvolvimentista desiludido. Disse que a análise da realidade o tornou um liberal.

Refere-se à montanha de lobbies privados, conseguindo benesses fiscais e creditícias. O volume expressivo conseguido por setores, valendo-se exclusivamente de sua influência política, deturpou completamente um dos principais instrumentos de políticas industriais: os incentivos fiscais.

Exemplos não faltam. O exemplo a seguir não é de Josué, mas de associações que reúnem produtores independentes de cervejas e refrigerantes.

Há grandes empresas de bebidas que praticam fraudes conhecidas com a Zona Franca de Manaus. Compram de lá xaropes, a preços supervalorizados. Recebem os incentivos previstos para a Zona Franca mas podem utilizar para abater outros impostos, nos estados que consomem e impostos federais.

É um caso nítido de burla fiscal. Só que, ao invés de combater essa fraude – o que depende da aprovação do Congresso – discute-se agora a criação de um  imposto seletivo, que incide sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde, incidindo sobre toda a produção de guaraná e outros refrigerantes açucarados. Tudo isso para bancar a jogada fiscal da Coca-Cola, Ambev (controlado pela 3G, o maior predador econômico do país), Heineken Brasil.

O gasto fiscal federal com subsídios – incluindo benefícios tributários, creditícios e financeiros – chegam a R$ 678 bilhões em 2024, cerca de 5,78% do PIB. Estados em dificuldades financeiras, Minas Gerais desvia uma montanha de subsídios a grupos sem nenhuma relevância econômica – como locadoras de automóveis – tendo como único critério as ligações políticas do governador com os empresários.

Em outros tempos, decidiu-se privilegiar os chamados “campeões nacionais”, entre os quais grandes frigoríficos, com enorme poder de influência sobre toda a cadeia produtiva do gado. Em vez de um trabalho sistêmico, de fortalecimento da cadeia de produção, de fortalecimento dos pequenos produtores, de consolidação da estrutura de produção, com o aprimoramento do preparo do couro, fortaleceu-se apenas o elo mais forte da cadeia.

Agora mesmo, está em curso uma batalha gigante pelo controle da venda de remédios, com as grandes redes de drogarias pretendendo fabricar marcas próprias, e os laboratórios ameaçando entrar com vendas diretas. Os supermercados tentam entrar na venda de remédios e até grandes plataformas, como a Mercado Livre, passam a comercializar remédios. Sem contar laboratórios ligados a grandes grupos hospitalares, que já atendem pacientes internados, através de sistemas automatizados de receitas eletrônicas. Não há um movimento sequer em favor da farmácia independente, aquela que deveria ser o grande fator de fortalecimento da saúde pública.

Tudo isso ocorre porque, nesses anos de liberalismo irresponsável, deixou-se o incentivo fiscal à mercê dos lobbies regionais e setoriais.

Agora, tenta-se direcionar para setores portadores de futuro, como é o caso da NIB (Nova Indústria Brasileira) e dos projetos de transformação ecológica. Mas é um debate que não alcança a opinião pública, devido a um enorme déficit de informação de uma mídia que perdeu totalmente o compromisso público. Em outros tempos, havia setoristas na indústria, na agricultura, nos sindicatos, no setor financeiro.

Hoje em dia, todos são setoristas de likes.

Mesmo assim, o planejamento racional do desenvolvimento é uma arma potente, como demonstrou Gabriel Palma, em artigo que publiquei ontem. O grande desafio é inocular novamente o vírus do desenvolvimento em um país que desenvolveu toda forma de anticorpos para impedir queda da Selic, redução dos spreads bancários, exigência de contrapartidas de transferência tecnológica de empresas estrangeiras.

Há algo muito mais profundo em curso: a grande batalha para a recuperação da autoestima nacional. Apenas quando o governo tiver um ponto de partida, uma ideia central que transmita a noção de crescimento – como os 50 anos em 5 de JK -, e conquistar corações e mentes da opinião pública, conseguirá penetrar no coração empedernido como pão embolorado dos lobbies econômicos.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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