sábado, 13 de dezembro de 2025

María Corina dedica Nobel da Paz aos 'heróis anônimos da resistência' em mensagem lida por filha

María Corina Machado, líder da oposição venezuelana laureada com o Nobel da Paz, não compareceu à cerimônia de entrega do prêmio realizada em Oslo (Noruega), nesta quarta-feira (10/12).

Mas suas palavras ressoaram através de sua filha, Ana Corina Sosa Machado, que leu um discurso em seu nome.

"A Venezuela voltará a respirar. Abriremos as portas das prisões e veremos o sol nascer para milhares de inocentes que foram injustamente encarcerados", disse.

No discurso, a líder venezuelana enfatizou os valores da liberdade, relembrou a vitória eleitoral venezuelana de 2024 e fez um apelo pelo retorno da diáspora venezuelana.

Ela também dedicou o prêmio "aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscaram seus lares, suas famílias e suas vidas por amor à liberdade".

Apesar de não ter recebido pessoalmente o prêmio, María Corina Machado decidiu viajar para Oslo, onde deve chegar nas próximas horas.

"Estarei em Oslo, estou a caminho (...) Estou prestes a embarcar no avião agora mesmo", anunciou Machado em uma breve conversa telefônica com membros do Instituto e do Comitê Nobel, que eles posteriormente divulgaram.

A líder da oposição não é vista em público desde 09/01, quando liderou uma manifestação em Caracas contra a juramentação do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, para um terceiro mandato consecutivo.

Desde então, todo contato com ela tem sido feito por videoconferências ou por meio de suas redes sociais.

"Contarei a vocês o que passamos e sobre as muitas pessoas que arriscaram suas vidas para que eu pudesse estar aí", declarou Machado em sua conversa telefônica com representantes do Nobel.

No fim de 2024, Machado informou que passaria à clandestinidade, em meio à onda de repressão com que as autoridades venezuelanas responderam aos protestos desencadeados após os resultados questionados das eleições presidenciais, que deixaram mais de 2 mil detidos, entre eles dezenas de líderes opositores.

A ida da opositora venezuelana à cerimônia foi cercada de idas e vindas e dúvidas.

Nas primeiras horas da manhã desta quarta, o Instituto Nobel Norueguês confirmou que ela não estaria no evento. Até aquele momento, porém, seu paradeiro era desconhecido.

Posteriormente, porém, a organização anunciou que a política venezuelana estava bem e que iria, sim, à cidade, mas não chegaria para a premiação.

"A laureada com o Prêmio Nobel da Paz, Maria Corina Machado, fez tudo ao seu alcance para estar presente na cerimônia de hoje. Uma viagem em situação de extremo perigo. Embora não tenha conseguido chegar à cerimônia e aos eventos de hoje, estamos profundamente felizes em confirmar que ela está bem e que estará conosco em Oslo", disse o instituto em nota enviada à imprensa.

Em outubro, o comitê do Prêmio Nobel decidiu conceder o prêmio à líder da oposição por seus "esforços incansáveis para promover os direitos e liberdades na Venezuela" e por defender "uma transição justa e pacífica para a democracia".

"María Corina Machado dedicou anos à luta pela liberdade do povo venezuelano", ressaltou a instituição, que acrescentou que "o controle férreo do poder por parte do governo venezuelano e sua repressão contra a população não são fenômenos únicos no mundo".

"Meu Deus... Não tenho palavras", foi a primeira reação da líder da oposição ao saber, em outubro passado, que havia se tornado a primeira venezuelana a receber o prêmio.

"Este é o feito de um movimento, de uma sociedade. Certamente não mereço um prêmio assim, mas o recebo com humildade e gratidão em nome do povo da Venezuela", afirmou durante conversa telefônica com Harpviken, também presidente do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel de Paz.

<><> Discurso sobre liberdade

Se uma palavra dominou o discurso de Machado, lido pela filha, foi "liberdade".

Ela lembrou como a Venezuela foi uma das primeiras nações do mundo a ter uma Constituição, onde direitos individuais como a liberdade religiosa eram protegidos e a separação dos poderes era promovida.

"Desde o início, acreditamos em algo tão simples quanto imenso: que todos os seres humanos nascem livres. Essa convicção se tornou a alma da nossa nação", afirmou.

Ela também destacou o papel da Venezuela como refúgio para aqueles que fugiam da repressão de ditaduras de direita na América Latina, da Guerra Civil Espanhola e para famílias que escapavam de conflitos na Síria, no Líbano e na Colômbia.

Machado opinou que essas liberdades foram corroídas após a ascensão de Hugo Chávez ao poder em 1999.

"Desde 1999, o regime se dedicou a desmantelar nossa democracia: violou a Constituição, falsificou nossa história, corrompeu as Forças Armadas, expurgou juízes independentes, censurou a imprensa, manipulou eleições, perseguiu dissidentes e devastou nossa biodiversidade."

E enfatizou a importância de lutar pela democracia.

"Este prêmio tem um significado profundo: ele lembra ao mundo que a democracia é essencial para a paz. E, mais importante, a principal lição que os venezuelanos podem compartilhar com o mundo é aquela forjada ao longo desta longa e difícil jornada: se queremos ter democracia, devemos estar dispostos a lutar pela liberdade", afirmou Machado.

Sob Chávez e depois sob Nicolás Maduro, após a morte de Chávez em 2013, a economia da Venezuela "entrou em colapso", continuou.

Durante o discurso lido por sua filha, a líder da oposição relembrou a prosperidade que o país experimentou no século XX com a exploração do petróleo, um recurso que, segundo ela, o governo Maduro usou em benefício próprio e administrou tão mal que levou a uma profunda crise.

"A riqueza do petróleo não foi usada para libertar, mas para subjugar. Máquinas de lavar e geladeiras foram distribuídas na televisão nacional para famílias que viviam em casas de chão de terra, não como símbolo de progresso, mas como espetáculo."

Machado relembrou como, em 2024, percorreu o país durante um processo eleitoral no qual foi impedida de concorrer.

No entanto, ela não se manteve passiva e apoiou o diplomata Edmundo González Urrutia, que, segundo os milhões de registros eleitorais coletados pela oposição, venceu a eleição com 66% dos votos, embora o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) tenha declarado Maduro vencedor sem apresentar qualquer prova para sustentar sua decisão.

A ganhadora do Prêmio Nobel também reiterou seu sonho de ver o retorno da diáspora, em um país do qual quase oito milhões de pessoas deixaram, muitas em busca de melhores condições econômicas.

"Meus queridos venezuelanos, o mundo se maravilhou com o que conquistamos. E em breve testemunhará uma das imagens mais comoventes do nosso tempo: o retorno do nosso povo para casa."

Machado, falando por meio de sua filha, também afirmou que a luta que lidera transcende as fronteiras da Venezuela.

"Um povo que escolhe ser livre não apenas se liberta, mas também contribui para toda a humanidade", afirmou.

E, por fim, dedicou o prêmio "aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscaram seus lares, suas famílias e suas vidas por amor à liberdade".

<><> Cerimônia com cheiros e sons venezuelanos

A cerimônia de premiação foi realizada na Prefeitura de Oslo, ao lado do rei Harald 5º, da rainha Sonja e de líderes latino-americanos, entre eles os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Equador, Daniel Noboa.

Machado é a primeira venezuelana a receber essa honraria, o que fez com que o evento estivesse repleto de referências ao país sul-americano.

O espaço estava decorada com bromélias, plantas tropicais encontradas na floresta amazônica, cuja parte se estende pelo território venezuelano.

A cerimônia também contou com apresentações dos artistas venezuelanos Danny Ocean e da pianista Gabriela Montero.

Ocean apresentou uma fusão de Alma Llanera e Venezuela, duas das canções mais populares do país, enquanto Montero interpretou uma versão da valsa venezuelana Querencia, seguida pelo hino nacional da Venezuela.

<><> Quem é María Corina Machado

A líder se tornou a principal voz da dissidência contra o governo de Maduro, no poder desde 2013, quando Hugo Chávez (1954-2013) morreu.

Em outubro de 2023, ela foi escolhida como candidata unificada da oposição nas eleições primárias, mas as autoridades lhe impediram de disputar a eleição presidencial realizada em 28/07/24.

Ainda assim, Machado não ficou de braços cruzados e apoiou o diplomata Edmundo González Urrutia, que, segundo registros obtidos pela oposição, venceu os comícios com 66% dos votos. Mesmo assim, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou Maduro vencedor sem apresentar provas que justificassem a decisão.

Machado já era conhecida no país desde 2003, quando, pela organização Súmate, impulsionou um referendo para revogar o mandato do então presidente Chávez.

Em 2010, ela foi eleita deputada. Dois anos depois, em 2012, protagonizou um tenso embate com o então presidente, cuja política de nacionalização de empresas criticou.

"Expropriar é roubar", disparou ela. Chávez respondeu: "Até de ladrão me chamou. Me chamou de ladrão diante do país".

A líder se tornou a principal voz de dissidência contra o governo de Maduro, que assumiu o poder em 2013 após a morte de Hugo Chávez.

<><> 'Vamos sentir saudades dela'

O procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab, advertiu a líder da oposição há algumas semanas que, se ela deixasse o país, seria considerada "fugitiva" e que tentaria prendê-la caso ela tentasse retornar.

Desde 2014, pesa sobre Machado uma proibição de deixar a Venezuela, imposta por um tribunal nacional em resposta à sua suposta participação nos episódios violentos que resultaram da marcha realizada em Caracas em 12/02/2014.

Esse mesmo caso levou à prisão do ex-prefeito e ex-pré-candidato presidencial Leopoldo López. Apesar de já se passar mais de uma década e de Machado nunca ter sido formalmente processada, a restrição judicial permanece vigente.

Por outro lado, o ministro do Interior, Diosdado Cabello, adotou tom menos severo e, nos últimos dias, anunciou publicamente a saída de Machado do país.

"Vamos sentir saudades dela", disse Cabello em seu programa na televisão estatal.

"A equipe está instalada na Noruega há dias. E, embora a máquina midiática espalhe que ninguém sabe onde ela está, a realidade é menos poética. A mulher deixou o país com a mesma elegância com que Edmundo González organizou sua saída rápida do país. Nada de desaparecimento nem drama, apenas logística operacional e aviões que viajam em silêncio com imunidade diplomática", declarou.

•        'É claro que vou voltar', diz venezuelana vencedora do Nobel após viagem 'perigosa' a Oslo e meses escondida

A líder da oposição venezuelana María Corina Machado, que estava escondida há meses, disse à BBC que sabe "exatamente os riscos" que assumiu ao viajar para a Noruega para receber o Prêmio Nobel da Paz.

Corina Machado apareceu em Oslo (capital norueguesa) no meio da noite de 10/12, acenando da sacada de um hotel. Foi a primeira vez em que ela foi vista em público desde janeiro.

Aos 58 anos, ela fez a viagem secreta mesmo estando proibida de deixar a Venezuela e sob ameaça do governo de considerá-la uma fugitiva.

Corina Machado acenou para apoiadores que a aguardavam do lado de fora do Grand Hotel, em Oslo, mandando beijos e cantando com eles.

Para a alegria da multidão, ela saiu do hotel e os cumprimentou pessoalmente, passando por cima de grades de segurança.

"Maria!" "Maria!", eles gritavam, erguendo os celulares para registrar o momento histórico.

O Instituto Nobel concedeu o prêmio Nobel da Paz a Corina Machado neste ano "por sua luta por uma transição justa e pacífica da ditadura à democracia" na Venezuela. Mais cedo, na quarta-feira (10/12), sua filha, Ana Corina Sosa, recebeu formalmente o Prêmio Nobel da Paz em nome da mãe.

Até a noite de quarta-feira (10/12), a mãe de três filhos não via as crianças havia cerca de dois anos, desde que as enviou para fora da Venezuela por segurança.

Em entrevista à BBC, conduzida por Lucy Hockings após sua aparição na sacada, Corina Machado disse ter perdido as formaturas e os casamentos da filha e de um de seus filhos.

"Por mais de 16 meses não pude abraçar nem tocar ninguém", afirmou. "De repente, em questão de poucas horas, pude ver as pessoas que mais amo, tocá-las, chorar e rezar juntas."

Durante a entrevista à BBC, Corina Machado usava vários terços pendurados no pescoço, segundo ela, presentes de apoiadores que a aguardavam do lado de fora do hotel.

Há muita especulação sobre se ela conseguirá retornar em segurança à Venezuela.

"É claro que vou voltar", disse à BBC. "Sei exatamente os riscos que estou assumindo."

"Vou estar no lugar em que for mais útil para nossa causa", continuou. "Até pouco tempo atrás, eu acreditava que esse lugar era a Venezuela; o lugar em que acredito que devo estar hoje, em nome da nossa causa, é Oslo."

Considerada uma das vozes mais importantes da oposição venezuelana, Corina Machado há muito denuncia o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, como "criminoso" e pede que os venezuelanos se unam para tirá-lo do poder.

Corina Machado foi impedida de concorrer à eleição presidencial do ano passado, na qual Maduro obteve um terceiro mandato de seis anos. A votação foi rejeitada por grande parte da comunidade internacional por não ser livre nem justa, e vários países não reconhecem o governo (inclusive o Brasil).

O governo Maduro ameaçou Corina Machado várias vezes de prisão, acusando-a de pedir uma invasão estrangeira e de ser terrorista por protestar contra o resultado da eleição.

No mês passado, o procurador-geral da Venezuela afirmou que Corina Machado seria considerada fugitiva caso viajasse à Noruega para receber o prêmio, dizendo que ela seria acusada de "atos de conspiração, incitação ao ódio e terrorismo".

Isso tornou sua viagem à Noruega difícil e arriscada.

Os detalhes da viagem foram mantidos em sigilo absoluto, nem o Instituto Nobel sabia onde ela estava ou se chegaria a Oslo a tempo da cerimônia de premiação.

O jornal americano Wall Street Journal relata que, para escapar da Venezuela, Corina Machado usou um disfarce, conseguiu passar por dez postos de controle militares sem ser detida e saiu do país em um pequeno barco de madeira, partindo de uma vila costeira de pescadores.

Segundo o jornal, o plano levou dois meses para ser preparado, de acordo com uma pessoa próxima à operação. Corina Machado também teria contado com a ajuda de uma rede venezuelana que auxilia pessoas a fugir do país. A reportagem do Wall Street Journal afirma ainda que os Estados Unidos participaram da operação, embora não esteja claro em que medida.

Corina Machado não negou esses detalhes à BBC, mas também não quis dar mais informações sobre a viagem.

"Eles [o governo venezuelano] dizem que sou terrorista, que devo ficar presa pelo resto da vida e que estão me procurando", afirmou. "Então, sair da Venezuela hoje, nessas circunstâncias, é muito, muito perigoso".

E acrescenta: "Quero apenas dizer que estou aqui porque muitos homens e mulheres arriscaram suas vidas para que eu pudesse chegar a Oslo."

Jorgen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês do Nobel, que acompanhava Corina Machado durante a entrevista, descreveu a viagem dela à Noruega como "uma situação de extremo perigo".

Sentado ao lado dela durante a entrevista à BBC, Frydnes afirmou que aquele era um momento "comovente" para ele.

"No meio da noite, ter você aqui é incrível", disse. "É difícil descrever o que isso significa para o Comitê Nobel e para todos nós."

Corina Machado acusou o regime de Maduro de se financiar por meio de atividades criminosas, como tráfico de drogas e de pessoas, e reiterou apelos para que a comunidade internacional ajude a Venezuela a "cortar esses fluxos" de recursos ilícitos.

"Precisamos tratar esse regime não como uma ditadura convencional, mas como uma estrutura criminosa", disse ela à BBC.

Maduro sempre negou veementemente qualquer vínculo com cartéis.

Questionada se apoiaria um ataque militar dos Estados Unidos em território venezuelano, diante das recentes ofensivas dos EUA contra embarcações supostamente ligadas ao narcotráfico, Corina Machado não respondeu diretamente, mas acusou Maduro de "entregar nossa soberania a organizações criminosas".

"Nós não queríamos uma guerra, não a buscamos… foi Maduro quem declarou guerra ao povo venezuelano", acrescentou.

Corina Machado disse que ela e sua equipe estão prontas para formar um governo na Venezuela e que ofereceu se sentar com representantes de Maduro para negociar uma transição pacífica, mas "eles rejeitaram".

A BBC perguntou a Frydnes, do Comitê Norueguês do Nobel, se uma possível tomada violenta de poder para remover Maduro seria uma contradição ao Prêmio Nobel da Paz concedido a ela.

Ele respondeu que a responsabilidade pela paz deve recair sobre o atual governo venezuelano: "O poder está nas mãos do regime de Maduro; cabe a eles garantir que esta seja uma transição pacífica".

Mesmo depois de ter sido impedida de concorrer na eleição do ano passado, Corina Machado continuou a fazer campanha pelo candidato que a substituiu na cédula, Edmundo González.

Maduro foi declarado vencedor, embora as atas das seções eleitorais mostrassem que González havia obtido vitória esmagadora.

Após o anúncio de sua vitória no Prêmio Nobel da Paz, em 10 de outubro, Corina Machado fez questão de elogiar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que declara abertamente sua própria ambição de receber o prêmio e mantém uma tensão militar contínua com a Venezuela.

Trump anunciou na quarta-feira (10/12) que as Forças Armadas dos EUA haviam apreendido um petroleiro na costa da Venezuela, em uma forte escalada da campanha de pressão do governo americano contra o governo de Maduro.

O governo Trump alega que a embarcação estava sob sanção e fazia parte de uma "rede ilegal de transporte de petróleo que apoia organizações terroristas estrangeiras".

O governo venezuelano acusou os EUA de roubo e pirataria.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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