Luís
Nassif: O caso do fundo Bravo, um golpe de R$ 7,2 bilhões
Em 18
de outubro de 2024, uma movimentação silenciosa marcou o mercado financeiro
brasileiro. Vinte e sete fundos de investimento em direitos creditórios — com
nomes que lembram mitologia, constelações e figuras literárias —, que estavam
inativos havia meses e até anos, foram “acordados” no mesmo dia. Em seguida, em
menos de dez dias, passaram a operar como se tivessem sido programados por um
único comando central: todos compraram o mesmo ativo, na mesma velocidade, na
mesma proporção.
Ao
final desse movimento, R$ 7,7 bilhões estavam concentrados em um produto
financeiro que a maioria dos cotistas nunca viu, não entende e sobre o qual
praticamente não existe informação pública: as Cártulas de Créditos BB,
documentos emitidos pelo Banco do Brasil supostamente lastreados em precatórios
e dívidas judiciais de entes públicos.
O fundo
que coordena essa engrenagem é o BRAVO 95 FIC-FIM, um gigante pouco conhecido
fora dos círculos técnicos, mas que já nasce ocupando uma posição incomum:
administra, sozinho, a maior concentração privada recente de créditos públicos
opacos no país.
<><>
A coreografia perfeita dos 27 fundos
Os 27
FIDCs que alimentam o BRAVO 95 compartilham uma característica rara no mercado:
todos foram reativados ou convertidos em FIDC no mesmo dia, 18 de outubro. Esse
nível de sincronização, em operações independentes, não é comum; é padrão de
engenharia coordenada.
Fundos
que estavam há 18 meses, 24 meses e até 40 meses sem qualquer operação foram,
de uma hora para outra, transformados em veículos de aquisição de ativos
bilionários. Entre 18 e 31 de outubro, todos compraram Cártulas BB em escala
industrial.
Ao
fechar o ano de 2024, surge o primeiro alerta:
nenhum
dos 27 fundos registrou qualquer receita de juros, amortização ou pagamento de
principal por 74 dias.
Todos
apresentaram rentabilidade levemente negativa, reflexo apenas de despesas.
O ativo
de R$ 7,7 bilhões não gerou um único centavo.
Mas a
história não acaba aí.
<><>
O ativo invisível: Cártulas de Créditos BB
A
descrição oficial das Cártulas BB afirma que elas representam:
“Direitos
creditórios originados de precatórios ou dívidas públicas da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, autarquias e fundações.”
O que
parece claro se torna nebuloso quando os relatórios detalham o que não será
informado:
• Quem são os entes públicos devedores.
• Qual o valor facial dos créditos.
• Qual a taxa de desconto aplicada.
• Qual o estágio judicial de cada
precatório.
• Quais os processos que deram origem ao
ativo.
A
expressão mais repetida nas notas explicativas é: “Dado não divulgado.”
Isso
significa que R$ 7,7 bilhões em créditos públicos foram cedidos, empacotados,
revendidos e reprecificados sem que o mercado saiba quem deve, quanto deve e em
que condições deve.
A
transparência, aqui, é opcional. A opacidade, estrutural.
<><>
A reprecificação coletiva — a marca do artifício
Em 10
de janeiro de 2025, a administradora dos fundos divulgou um Fato Relevante
informando uma “reprecificação relevante” das Cártulas BB.
O
evento atingiu todos os 27 FIDCs simultaneamente.
A
justificativa menciona:
• baixa liquidez de mercado,
• ausência de atualizações consistentes,
• amostra de negócios avaliados,
• reformulações metodológicas.
Mas não
informa o essencial:
• Qual foi o novo valor das carteiras.
• Quanto cada fundo perdeu.
• Quais operações comparáveis foram
usadas.
• Qual modelo técnico foi aplicado.
A
reprecificação — o ajuste de valor justo — é a ferramenta mais sensível de um
gestor. Quando usada sem transparência, permite alterar valor de carteira sem
fluxo de caixa real.
Foi
exatamente esse mecanismo que marcou escândalos recentes em FIDCs ligados ao
Banco Master e em operações estruturadas da Fictor.
<><>
Por que a REAG virou alvo
Em
agosto de 2025, a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal (PF) do Brasil,
identificou a REAG como uma das gestoras/alvos investigados por suspeita de uso
de fundos de investimento para ocultar dinheiro de origem ilícita, atribuído a
operações de uma organização criminosa ligada ao PCC.
Segundo
as autoridades, a estrutura da REAG teria sido usada para movimentar recursos
do tráfico de drogas e outros crimes, por meio de fundos exclusivos,
financiamentos e veículos de investimento, transformando patrimônio sujo em
ativos aparentemente “limpos”.
A
investigação envolve — segundo reportagens recentes — cerca de 40 fundos
suspeitos sob administração da REAG, e movia fortes indícios de que a gestora
funcionava como um “hub” de lavagem de ativos via mercado de capitais.
<><>
O padrão Master–Fictor reaparece
Os
casos do Banco Master (2020–2023) e da Fictor (2019–2024) revelaram um modus
operandi específico:
1. Criação de fundos espelho para pulverizar
risco aparente.
2. Compra de ativos opacos com descrição
genérica.
3. Ausência de renda real nas carteiras.
4. Reprecificações sincronizadas, alterando
artificialmente o valor das cotas.
5. Concentração extrema em poucos credores
ou ativos.
6. Uso de camadas sucessivas de fundos para
esconder o risco real.
Quando
observamos o BRAVO 95:
• 27 fundos espelho ativados ao mesmo
tempo
• ativo opaco e sem devedores
revelados
• zero receita por 74 dias
• reprecificação em bloco
• concentração superior a 90% em um único
“Devedor 1”
• estrutura em camadas (FIC → FIDC → ativo real)
A
semelhança metodológica é impossível de ignorar.
<><>
O risco fiscal invisível
Há um
elemento ainda mais grave neste caso.
O ativo
do BRAVO 95 não são dívidas privadas — são dívidas públicas.
Isso
significa que:
• o devedor é o Estado brasileiro,
• que o pagamento recairá sobre orçamentos
futuros,
• e que R$ 7,7 bilhões de obrigações
públicas estão hoje circulando sem qualquer transparência.
O
cidadão — que financia o Estado — é parte interessada.
Mas não
tem acesso à informação.
O
mercado — que financia os fundos — também não.
<><>
O silêncio como modelo de negócio
O caso
BRAVO 95 revela uma tendência ainda pouco discutida: o uso crescente de
estruturas privadas para armazenar, manipular e negociar dívidas públicas sem
transparência.
A
fronteira entre o que é público e o que é privado se dilui:
• O crédito é público.
• A cessão é privada.
• A avaliação é privada.
• A reprecificação é privada.
• As perdas, porém, podem tocar o público.
Se há
risco de prejuízo, ele recai sobre cotistas desavisados.
Se há
expectativa de ganho, ela depende de decisões judiciais sobre recursos
públicos.
É um
jogo assimétrico.
<><>
As perguntas que ainda não têm resposta
>>>
Ao Banco do Brasil:
• De quais precatórios vieram as Cártulas
BB?
• Qual o valor original dos créditos?
• Qual o deságio aplicado na cessão?
>>>
À CVM:
• Por que é permitido que R$ 7,7 bilhões
em créditos públicos permaneçam sem identificação de devedores?
• Há investigação sobre a sincronização
dos 27 fundos?
>>>
Ao Ministério Público:
• Há risco de impacto fiscal futuro?
• Que Estados e Municípios estão por trás
desses créditos?
• A opacidade atende a algum interesse
específico?
<><>
Conclusão: a anatomia de um fundo invisível
O BRAVO
95 é a expressão mais recente e sofisticada de uma engenharia financeira que o
país já conheceu em outros escândalos: criar estruturas que parecem
diversificadas, mas que concentram risco; operar fundos que parecem
conservadores, mas que carregam ativos opacos; produzir resultados que parecem
técnicos, mas que dependem de parâmetros internos.
>>>>
NOTA DO JORNAL DO BRASIL
<><>
Administradores da RAEG que formaram o Fundo Bravo:
Um
panorama da direção atual da REAG Investimentos (que agora se apresenta como
Arandu Investimentos), com os principais executivos e diretores que constam nos
registros de governança da empresa:
Diretoria
Estatutária / Executivos
• Dario
Graziato Tanure — Diretor-Presidente e Diretor de Relações com Investidores
(CEO & IRO) da REAG.
•
Giuliana Nigro Argese — Diretora Financeira (CFO) da companhia — eleita
recentemente.
Nota:
Até outubro/novembro de 2025 a REAG passou por mudanças na diretoria
financeira, com renúncia de Edson Inácio da Silva e eleição de Giuliana Nigro
Argese.
<><>
Conselho de Administração
•
Felipe Oppenheimer Pitanga Borges — Presidente do Conselho de Administração.
•
Carlos Alberto Heitor de Farias Maggioli Filho — Vice-Presidente do Conselho de
Administração.
<><>
Outros membros de governança
• Dario
Graziato Tanure — também membro do Conselho.
•
Fernando Antônio Albino de Oliveira — Membro independente do Conselho.
Esses
são os nomes chave divulgados nos documentos de governança e na área de
relações com investidores da empresa.
Fonte:
Jornal GGN/Jornal do Brasil

Nenhum comentário:
Postar um comentário