Como
escola pública de Cubatão deixou rotina de drogas e violência e se tornou uma
das 'melhores do mundo'
O
professor de História Régis Marques ouviu falar pela primeira vez na Escola
Estadual Parque dos Sonhos quando recebeu um telefonema, em 2016, da Diretoria
de Ensino de Santos. Era um convite para ele assumir a direção da unidade, que
fica em Cubatão, litoral paulista.
"Fui
pesquisar na internet sobre a escola, e a primeira notícia que vi foi que a
comunidade onde a escola está inserida sofria de insegurança por conta da
violência. A segunda reportagem, que haviam entrado e furtado a escola",
conta o diretor.
"E
aí tinha um terceiro texto que falava que, em uma festa junina, pessoas do
tráfico entraram na escola e fizeram algazarra na festa."
Diante
das manchetes, ele hesitou. "Pensei: 'Meu Deus, será que eu vou para essa
escola mesmo?'".
A má
fama da escola era tanta que a Parque dos Sonhos ganhou o apelido de Parque dos
Pesadelos. Mesmo assim, Régis aceitou o desafio.
Nove
anos depois, a escola pública, que vivia enfrentando invasões, furtos e
episódios de violência, ganhou um prêmio internacional com o reconhecimento do
trabalho feito para mudar essa realidade.
A
Parque dos Sonhos venceu na categoria "Superação de Adversidades". Em
15 de novembro, o diretor foi a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, para a
cerimônia do Prêmio Melhor Escola do Mundo 2025 (World's Best School Prize),
realizado pela organização britância T4 Education.
A
escola Parque dos Sonhos fica no Jardim Real, antigo Bolsão 9 — um bairro
criado para reassentar famílias que viviam em áreas de risco e que foram
removidas da Serra do Mar em 2013.
Ao
redor da escola, que passou a funcionar em 2014 para atender as crianças da
nova comunidade, não havia muita estrutura: uma mata, um rio e poucas casas.
Por ser uma área isolada, no "fundo do bairro", era comum que pessoas
externas à comunidade escolar invadissem e usassem o espaço para consumo de
drogas.
"Era
comum a gente chegar, ter pinos de cocaína, camisinha usada, roupa usada,
lençol, garrafa de bebida, essas coisas", relata o diretor. "No
segundo dia como diretor, minha sala foi apedrejada."
No
início de 2016, a escola tinha apenas 116 alunos matriculados, um número
pequeno para a capacidade do prédio.
"Metade
dos alunos tinha pedido transferência, porque não queria estudar aqui, por
conta da violência, por conta das agressões. Por conta dos frutos das invasões.
E aí fiquei sabendo que a escola era conhecida como Parque dos Pesadelos ou o
Parque do Terror."
Régis
traçou então a meta ambiciosa de transformar uma das escolas mais vulneráveis
da região na melhor escola do Estado em cinco anos.
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A transformação da Parque dos Sonhos
A
professora de Português Maria de Lourdes Amorim, que leciona já há 32 anos,
duvidou da promessa.
"Imagina,
um rapaz vindo de São Paulo falando de um grupo de professores com mais idade
do que ele, com mais experiência na educação? Olhamos para ele e falamos: 'Tá
louco?'", lembra a professora.
O
primeiro passo foi reconstruir o básico: muros, pisos, móveis. Sem verba
suficiente para lidar com a maioria de seus problemas estruturais, a escola
pediu o apoio de empresas privadas. Enviaram 135 ofícios pelo correio.
Conseguiram arrecadar R$ 100 mil.
Para se
aproximar do bairro, a diretoria e os professores criaram cursinhos
preparatórios para vestibular e concursos e abriram a escola para a comunidade
aos finais de semana.
Ana
Gabriela Lima, moradora do bairro, viu a escola nascer. Seu filho mais velho
fez parte da primeira turma e ela, da primeira equipe de voluntários.
"A
escola precisava desse apoio. Então, convoquei algumas mães para me ajudar. A
gente vinha, limpava a escola, ia para cozinha, ajudava no que os professores
pediam", conta ela, que hoje trabalha na escola como cuidadora de alunos
com deficiência.
A
escola, que funciona em período integral, expandiu seu currículo para além do
currículo tradicional. Hoje, são 23 projetos que variam culinária a práticas
esportivas pouco comuns na rede pública, como badmínton e patinação artística.
"Ao
mesmo tempo, começamos um trabalho de ouvir os alunos, de ter um olhar mais
humanizado, de ter um olhar realmente voltado para eles", explica Régis.
Para os
estudantes, essa diversidade de práticas mudou a relação com o espaço escolar e
o regime de estudo em tempo integral.
"No
início eu achava que era só sala de aula, então eu não gostava muito",
conta Ester Silva, de 12 anos e que há 7 estuda na Parque dos Sonhos.
"Só
que aí a escola foi tendo novos projetos e hoje em dia é muito legal, porque a
gente não fica só dentro da sala de aula."
A
estudante encontrou seu lugar nas aulas de teatro, que ocorrem nas últimas
aulas do dia.
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Inspiração em modelo cubano
Para o
diretor, o projeto mais transformador veio inspirado em um modelo cubano de
educação: visitar as famílias em suas residências.
Batizado
de "A escola vai à sua casa", o projeto identifica alunos com
problemas de frequência ou indisciplina e marca um encontro com os responsáveis
aos finais de semana.
É um
jeito de compreender a vida dos alunos para além dos muros da escola,
considerando que muitos atravessam condições precárias para chegar à sala de
aula.
"É
uma forma de se colocar no lugar do aluno, ver a dificuldade que esse aluno tem
e ver como é a casa desse aluno", diz Régis. "Tem muitas questões que
os professores muitas vezes não veem."
Os
corredores da escola também contam uma história. Em cada porta das salas de
aula da Parque dos Sonhos, há um grafite de um personagem histórico ligado à
luta pelos direitos humanos.
Figuras
como o indiano Mahatma Gandhi, o sul-africano Nelson Mandela, a paquistanesa
Malala Yousafzai, o uruguaio Pepe Mujica e os brasileiros Marielle Franco e
Paulo Freire.
Nomes
que já foram alvo de críticas em um contexto de polarização política — entre
elas do Escola Sem Partido, movimento que prega o fim da "doutrinação
ideológica" nas escolas.
As
lideranças servem de inspiração para um dos pilares pedagógicos mais
importantes da escola: a Semana da Não Violência.
Realizada
anualmente em outubro, o evento envolve rodas de conversa, estudos sobre ícones
pacifistas e práticas de justiça restaurativa. Segundo o diretor, a proposta
vai muito além de "ser bonzinho".
"Não
violência não é dar a outra face. Não violência é você questionar o sistema que
te oprime", afirma Régis.
O
diretor afirma não temer críticas ideológicas e defende que a pauta da escola é
a união.
"Aqui
é uma escola que a gente parte do princípio, não do que nos diferencia, não de
tudo o que nos afasta e sim o que nos une. Escuto todos, seja de direita, de
esquerda, de centro, de extrema-direita, de extrema-esquerda."
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A melhor do mundo?
As
notícias de que a escola era finalista do Prêmio Melhor Escola do Mundo 2025 e,
depois, que havia sido uma das vencedoras foram recebidas em setembro com
euforia pelos alunos na quadra da escola.
"Foi
muito emotivo. Tinha gente chorando. Eu mesmo fiquei muito emocionada quando a
gente descobriu ainda que estava em top um. Deu vontade de chorar", conta
Ester, aluna do 7º ano.
A
transformação que fez a escola ser agora reconhecida internacionalmente também
impactou nos resultados acadêmicos.
Em uma
década, a escola saiu de um resultado de 2,2 no Idesp (indicador que avalia a
qualidade das escolas no estado de São Paulo) para 4,6.
Embora
seja uma nota que ainda não coloca a Parque dos Sonhos como a primeira do
ranking estadual em números absolutos, como era a meta do diretor, é um salto
que representa uma evolução de quase 100% no aprendizado.
Para os
professores, porém, os números contam apenas uma parte da história. O sucesso é
medido, muitas vezes, em vidas salvas e futuros resgatados.
"A
nossa escola evoluiu. O Estado pede números, porque é com o que se trabalha.
Mas para nós o importante é como está o nosso aluno hoje, como estará o nosso
aluno amanhã", reflete a professora Maria de Lourdes.
O
diretor reforça que a escola se tornou um porto seguro de proteção social.
"Tivemos
quatro casos em que as meninas, na aula de tutoria, falaram que estavam sendo
abusadas. Conseguir fazer com que uma menina consiga expor um problema na casa
dela é muito importante. A escola tem que ser esse lugar onde as crianças se
sintam seguras", diz Régis.
"O
que emociona em ver em todo esse processo é como a escola pode ser ponto de
transformação."
O
diretor reconhece que nem tudo é perfeito e que a escola ainda tem pontos em
que pode melhorar.
Mas
olha para trás para enxergar quão longe chegou, e diz que o futuro promete uma
expansão ainda maior com a fusão com a escola vizinha.
"Imagina
uma escola que em 2016 estava para fechar porque não tinha aluno e vai começar
2026 com 1,2 mil alunos. É emocionante."
Fonte:
BBC News Brasil

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