Representação
feminina pelo âmbito político: parlamentares e civis dentro da Câmara dos
Deputados
A
trajetória da participação política das mulheres (por ambas as perspectivas –
parlamentar e civil) no Brasil foi construída por meio de avanços graduais,
lutas por reconhecimento e desafios persistentes no campo da representação. A
primeira iniciativa sobre a possibilidade de mulheres votarem em eleições
locais no país ocorreu em 1831. No entanto, a conquista formal do direito ao
voto, um dos marcos fundamentais da cidadania, ocorreu apenas com o Código
Eleitoral de 1932, promulgado durante o governo de Getúlio Vargas. Contudo,
essa conquista foi acompanhada de restrições estruturais, isto é, o contexto do
período baseado em hierarquia de gênero impossibilitava as mulheres de exercer
o voto seguramente, portanto tornava-se desproporcional a participação eleitoral
entre homens e mulheres. Tais fatos revelam o estigma cultural da incapacidade
da mulher de ser vista como um ser político, ou até mesmo de ter seus direitos
destacados.
Apenas
em 15 de novembro de 1933, instalou-se a Assembleia Constituinte e um novo
marco foi alcançado com a eleição de Carlota Pereira de Queirós como deputada
federal; a primeira mulher a ocupar um cargo legislativo nacional no país.
Todavia, foi apenas com a Constituição de 1934 que o voto feminino foi
plenamente universalizado, garantindo às mulheres os mesmos direitos eleitorais
que os homens. Ainda assim, a obrigatoriedade do voto permaneceu como um dever
exclusivamente masculino, o que dificultava a efetiva universalização do
sufrágio e limitava a participação feminina na vida política do país. Somente
em 1946, com a nova Constituição, a obrigatoriedade do voto foi estendida às
mulheres. Apesar desses avanços legais, a trajetória da representação feminina
na política – tanto como parlamentar, quanto como pauta (agenda de votação)
seguiu de maneira lenta e desigual nas décadas seguintes. Contudo, no fim da
década de 80, com a promulgação da Constituição de 1988 (art. 14), houve um
processo de redemocratização, possibilitando mínima visibilidade para as
mulheres, onde foi desenvolvido a
implementação de ações afirmativas para mulheres, como a Lei nº 9.100, de 29 de
setembro de 1995 (lei de cota de gênero para candidaturas proporcionais), como
também o incremento de políticas públicas que auxiliassem as mulheres, com o
objetivo de tentar corrigir as distorções históricas na participação política
das mulheres.
Esse
percurso histórico nos revela que a presença feminina na política brasileira,
embora juridicamente assegurada há quase um século e respaldada por diversos
marcos legais, ainda enfrenta obstáculos culturais, institucionais e
ideológicos que limitam sua efetiva expressão política. Consoante a isto,
também foi tardio o processo que tornava mulheres receptoras de políticas
públicas, como dito anteriormente, o processo foi iniciado nos anos 80, a
partir de movimentações sociais. “Iniciaram sua luta a partir de demandas
gerais, comuns, como a ausência de infraestrutura básica – educação, auxílios,
alimentação. Por conseguinte, iniciaram a inserir suas próprias pautas como
mulheres dentro dos movimentos sociais”.
A
despeito dos avanços legislativos e do aumento progressivo no número de
mulheres eleitas, persistem obstáculos estruturais que dificultam a
transformação da presença formal em poder político real. Nesse sentido, é
necessário reconhecer que a ocupação de cargos políticos por mulheres não tem
garantido, por si só, a promoção de pautas voltadas aos seus direitos, tampouco
assegurado um compromisso consistente com a agenda de igualdade de gênero.
Um fato
a ser observado trata-se do crescimento de mulheres que integram a Câmara dos
Deputados da legislatura anterior para a atual (56ª – 2019 a 2023, e 57ª – 2023
a 2027). Nota-se que, embora o número de deputadas tenha aumentado – passando
de 77 para 91 parlamentares, o que representa um crescimento de 18,2% – esse
avanço quantitativo não se traduziu automaticamente em uma atuação coesa ou
prioritária em defesa dos direitos das mulheres; sendo este, desproporcional
com a quantidade de parlamentares do gênero masculino. Assim, nota-se que a
identidade de gênero das parlamentares, embora visível, não tem se traduzido,
de forma sistemática, em ações concretas em defesa das pautas femininas;
Desta
forma, a participação feminina na política não se limita apenas à ocupação de
cargos legislativos, mas também à incorporação de pautas e ao conteúdo das
propostas que buscam a garantia ou ampliação dos direitos das mulheres,
inserindo suas reivindicações na agenda parlamentar. Deste modo, sob o viés da
participação política feminina, no âmbito institucional e civil, foram reunidos
seis projetos de leis relacionados com direitos das mulheres, para ilustrar
como essa pauta vem sendo abordada no legislativo e impactando na sociedade,
entre eles, quatro tramitam na 57ª legislatura e dois pertencem à 56ª.
Ao
identificar os seis projetos de lei voltados aos direitos das mulheres,
consegue-se extrair um recorte da visibilidade das pautas femininas sob a
Câmara dos Deputados, e como são conduzidas diante do compromisso com a agenda
de gênero. Primeiramente, um forte obstáculo para a visibilidade de pautas de
gênero na Casa Legislativa, vem a ser reforçado por Campbell et al. (2010),
onde apresenta-se o argumento que a simples presença de mulheres na política
não garante resultados substantivos, sobretudo quando as representantes estão
sujeitas a lealdades partidárias que limitam sua atuação em favor de pautas
femininas. A representação substantiva depende menos de quem representa e mais
do como e com que compromisso se representa.
Os
projetos de lei identificados foram: PL 1085/2023, que altera a CLT para
garantir igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função, promovendo
equidade no ambiente de trabalho. O PL 2144/2023, por meio do Requerimento
4073/23, propõe endurecer as penas para crimes sexuais, visando maior proteção
às vítimas, especialmente às mulheres. Ademais, o PL 4266/2023 propõe mudanças
em legislações penais, incluindo a Lei Maria da Penha, para especificar o
feminicídio e ampliar medidas protetivas, fortalecendo a justiça de gênero.
O
Requerimento 3525/2024, ligado ao PL 2762/2024, busca acelerar a tramitação de
proposta que cria políticas públicas para o trabalho de cuidado, historicamente
feminizado e invisibilizado, para promover reconhecimento e equidade na divisão
sexual do trabalho. O PL 226/2019 determina a obrigatoriedade de divulgar
amplamente os canais de denúncia, como o Disque 180 e o Disque 100, em locais
públicos, a fim de ampliar o acesso a redes de proteção. Por fim, o PL
2058/2021 altera a Lei nº 14.151/2021 para regulamentar o afastamento de
gestantes não imunizadas contra a Covid-19 de atividades presenciais, inclusive
domésticas, estabelecendo regras para o trabalho à distância e reforçando a
proteção à saúde e ao emprego dessas trabalhadoras.
>>>>
Tabela 1 – Relação de Projetos de Lei que foram sancionados
Projeto
de Lei Sancionado Destaques Tempo do
processo
PL
226/2019 Não Aguarda designação de relator no Senado 6 anos e 4 meses
PL
2058/2021 Sim (Convertida na) Lei 14311/2022 com vetos 8 meses
PL
1085/2023 Sim Lei 14611/2023 3 meses
PL
2144/2023 Não Aguarda designação de relator no Senado 2 anos e 3 meses
PL
4266/2023 Sim Lei 14994/2024 1 ano e
1 mês
PL
2762/2024 Sim Lei 15069/2024 4 meses
Fonte:
Elaborado pelas autoras (2025).
Conforme
a Tabela 1, dos seis Projetos de Lei analisados, quatro foram sancionados pelo
Presidente da República, e dois estão tramitando. Entre os que foram
convertidos em Lei, isto é, concluíram a tramitação no Legislativo, estão os PL
1085/2023, 4266/2023 e 2762/2024 (apensado ao PL 5791/2019). Ambos os PL
226/2019 e 2144/2023 foram aprovados na Câmara dos Deputados e no momento
aguardam pela designação do relator no Senado. Interessa observar que o PL
2144/2023 tramita em conjunto com o PL 2165/2024 e o PL 1013/2023 – as três
proposições são recentes e tratam de temas semelhantes, o que indica a
existência de atuação favorável ao aumento de penas para crimes sexuais.
Apesar
da pauta estar presente no Congresso – incluindo com a já citada aprovação de
urgência na Câmara–, a tramitação está parada no Senado há mais de um ano
(desde julho de 2024), gerando questionamento sobre quais questões internas
estão se impondo no caminho da aprovação e sanção do PL.
Por
fim, o PL 2058/2021 foi sancionado, mas não necessariamente deve, no contexto
desta análise, ser considerado uma legislação que defende ou avança o debate
sobre os direitos das mulheres de forma substantiva. O Projeto propunha
alterações na Lei 14151/2021 no que diz respeito aos critérios para que
gestantes se afastassem do ambiente presencial de trabalho durante a pandemia
da covid-19. Essa lei definiu que a mulher gestante deveria trabalhar
remotamente durante a pandemia da covid-19, e que a remuneração pelo trabalho
seria dever do empregador e não deveria passar por alterações ou reduções.
Um dos
objetivos do PL 2058/2021 era a alteração da redação da lei para esclarecer
quando o empregador teria direito a requisitar que a empregada voltasse ao
trabalho presencial – definido como a partir do momento em que o ciclo de
imunização estivesse completo. O discurso em defesa do PL na Câmara foi
essencialmente econômico, e fundamentalmente se tratava de garantir que a
gestante vacinada voltasse ao trabalho e de poupar o empresário dos custos com
uma empregada afastada das funções.
Diferente
dos outros PL analisados neste texto, cujas aprovações podem ser consideradas
avanços para o direito das mulheres, a aprovação do PL 2058/2021 pode ser
considerado um retrocesso na seguridade social fornecida às mulheres naquele
contexto. Os partidos a favor do texto original da Lei 14151/2021 foram contra
esse Projeto de alteração, alegando a descaracterização da proposta em
detrimento de quem estavam tentando proteger, isto é, as mulheres e seus
filhos. Esse Projeto, portanto, tratou muito de dinâmicas econômicas.
A
administração Bolsonaro essencialmente recusou o apelo de ambos os lados: a
União não queria a responsabilidade de onerar o sistema previdenciário, mas ao
se esquivar recoloca o ônus sobre a gestante e ainda sobre os micros, pequenos
e médios empresários – desagradando todo o espectro. Na forma como foi
sancionado, o PL 2058/2021 – convertido na Lei 14311/2022 – reduziu a proteção
oferecida à gestante e manteve o ônus do pagamento no setor produtivo.
Torna-se
passível de questionamentos, portanto, a forma como a mulher segue sendo
representada em um cenário minoritariamente feminino e que não prioriza
decisões para as mulheres. Como visto anteriormente, as decisões sobre projetos
de lei que lidam com as penas sobre crimes sexuais e canais que promovem a
efetiva proteção dos direitos das mulheres e os direitos humanos, sofrem uma
lentidão que é ineficaz aos grupos ao qual dizem respeito. Paralelamente,
decisões puramente econômicas e/ou que guiam outros grupos nas maneiras de
lidar com o público feminino, são tomadas em um intervalo de poucos meses.
Há,
também, o que se dizer sobre a participação a partir da representação das
mulheres para tomarem as decisões por si e para si. Transportando este texto
para a realidade da UFABC, no dia 07 de julho de 2025, em um evento organizado
pelo Diretório Acadêmico da Universidade, discursou em um auditório a primeira
mulher nordestina e trabalhadora doméstica eleita Deputada Estadual no Estado
de São Paulo, Ediane Maria. Em 76 anos de direito ao voto. Isso evidencia o
quanto falta representação das mulheres para que decisões por e para elas sejam
feitas e tramitadas em tempos aceitáveis para assembleias legislativas
(estaduais ou federais). Afinal, é necessário tomar espaço para enfim
plenamente participar.
Fonte:
Por Letícia Lírio Lacerda, Vitória Rodrigues Santil, Lais Maria Guedes de Melo
Santos e Paula Keiko Iwamoto Poloni, no Le Monde

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