sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Representação feminina pelo âmbito político: parlamentares e civis dentro da Câmara dos Deputados

A trajetória da participação política das mulheres (por ambas as perspectivas – parlamentar e civil) no Brasil foi construída por meio de avanços graduais, lutas por reconhecimento e desafios persistentes no campo da representação. A primeira iniciativa sobre a possibilidade de mulheres votarem em eleições locais no país ocorreu em 1831. No entanto, a conquista formal do direito ao voto, um dos marcos fundamentais da cidadania, ocorreu apenas com o Código Eleitoral de 1932, promulgado durante o governo de Getúlio Vargas. Contudo, essa conquista foi acompanhada de restrições estruturais, isto é, o contexto do período baseado em hierarquia de gênero impossibilitava as mulheres de exercer o voto seguramente, portanto tornava-se desproporcional a participação eleitoral entre homens e mulheres. Tais fatos revelam o estigma cultural da incapacidade da mulher de ser vista como um ser político, ou até mesmo de ter seus direitos destacados.

Apenas em 15 de novembro de 1933, instalou-se a Assembleia Constituinte e um novo marco foi alcançado com a eleição de Carlota Pereira de Queirós como deputada federal; a primeira mulher a ocupar um cargo legislativo nacional no país. Todavia, foi apenas com a Constituição de 1934 que o voto feminino foi plenamente universalizado, garantindo às mulheres os mesmos direitos eleitorais que os homens. Ainda assim, a obrigatoriedade do voto permaneceu como um dever exclusivamente masculino, o que dificultava a efetiva universalização do sufrágio e limitava a participação feminina na vida política do país. Somente em 1946, com a nova Constituição, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. Apesar desses avanços legais, a trajetória da representação feminina na política – tanto como parlamentar, quanto como pauta (agenda de votação) seguiu de maneira lenta e desigual nas décadas seguintes. Contudo, no fim da década de 80, com a promulgação da Constituição de 1988 (art. 14), houve um processo de redemocratização, possibilitando mínima visibilidade para as mulheres, onde foi desenvolvido  a implementação de ações afirmativas para mulheres, como a Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995 (lei de cota de gênero para candidaturas proporcionais), como também o incremento de políticas públicas que auxiliassem as mulheres, com o objetivo de tentar corrigir as distorções históricas na participação política das mulheres.

Esse percurso histórico nos revela que a presença feminina na política brasileira, embora juridicamente assegurada há quase um século e respaldada por diversos marcos legais, ainda enfrenta obstáculos culturais, institucionais e ideológicos que limitam sua efetiva expressão política. Consoante a isto, também foi tardio o processo que tornava mulheres receptoras de políticas públicas, como dito anteriormente, o processo foi iniciado nos anos 80, a partir de movimentações sociais. “Iniciaram sua luta a partir de demandas gerais, comuns, como a ausência de infraestrutura básica – educação, auxílios, alimentação. Por conseguinte, iniciaram a inserir suas próprias pautas como mulheres dentro dos movimentos sociais”.

A despeito dos avanços legislativos e do aumento progressivo no número de mulheres eleitas, persistem obstáculos estruturais que dificultam a transformação da presença formal em poder político real. Nesse sentido, é necessário reconhecer que a ocupação de cargos políticos por mulheres não tem garantido, por si só, a promoção de pautas voltadas aos seus direitos, tampouco assegurado um compromisso consistente com a agenda de igualdade de gênero.

Um fato a ser observado trata-se do crescimento de mulheres que integram a Câmara dos Deputados da legislatura anterior para a atual (56ª – 2019 a 2023, e 57ª – 2023 a 2027). Nota-se que, embora o número de deputadas tenha aumentado – passando de 77 para 91 parlamentares, o que representa um crescimento de 18,2% – esse avanço quantitativo não se traduziu automaticamente em uma atuação coesa ou prioritária em defesa dos direitos das mulheres; sendo este, desproporcional com a quantidade de parlamentares do gênero masculino. Assim, nota-se que a identidade de gênero das parlamentares, embora visível, não tem se traduzido, de forma sistemática, em ações concretas em defesa das pautas femininas;

Desta forma, a participação feminina na política não se limita apenas à ocupação de cargos legislativos, mas também à incorporação de pautas e ao conteúdo das propostas que buscam a garantia ou ampliação dos direitos das mulheres, inserindo suas reivindicações na agenda parlamentar. Deste modo, sob o viés da participação política feminina, no âmbito institucional e civil, foram reunidos seis projetos de leis relacionados com direitos das mulheres, para ilustrar como essa pauta vem sendo abordada no legislativo e impactando na sociedade, entre eles, quatro tramitam na 57ª legislatura e dois pertencem à 56ª.

Ao identificar os seis projetos de lei voltados aos direitos das mulheres, consegue-se extrair um recorte da visibilidade das pautas femininas sob a Câmara dos Deputados, e como são conduzidas diante do compromisso com a agenda de gênero. Primeiramente, um forte obstáculo para a visibilidade de pautas de gênero na Casa Legislativa, vem a ser reforçado por Campbell et al. (2010), onde apresenta-se o argumento que a simples presença de mulheres na política não garante resultados substantivos, sobretudo quando as representantes estão sujeitas a lealdades partidárias que limitam sua atuação em favor de pautas femininas. A representação substantiva depende menos de quem representa e mais do como e com que compromisso se representa.

Os projetos de lei identificados foram: PL 1085/2023, que altera a CLT para garantir igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função, promovendo equidade no ambiente de trabalho. O PL 2144/2023, por meio do Requerimento 4073/23, propõe endurecer as penas para crimes sexuais, visando maior proteção às vítimas, especialmente às mulheres. Ademais, o PL 4266/2023 propõe mudanças em legislações penais, incluindo a Lei Maria da Penha, para especificar o feminicídio e ampliar medidas protetivas, fortalecendo a justiça de gênero.

O Requerimento 3525/2024, ligado ao PL 2762/2024, busca acelerar a tramitação de proposta que cria políticas públicas para o trabalho de cuidado, historicamente feminizado e invisibilizado, para promover reconhecimento e equidade na divisão sexual do trabalho. O PL 226/2019 determina a obrigatoriedade de divulgar amplamente os canais de denúncia, como o Disque 180 e o Disque 100, em locais públicos, a fim de ampliar o acesso a redes de proteção. Por fim, o PL 2058/2021 altera a Lei nº 14.151/2021 para regulamentar o afastamento de gestantes não imunizadas contra a Covid-19 de atividades presenciais, inclusive domésticas, estabelecendo regras para o trabalho à distância e reforçando a proteção à saúde e ao emprego dessas trabalhadoras.

>>>> Tabela 1 – Relação de Projetos de Lei que foram sancionados

Projeto de Lei Sancionado   Destaques     Tempo do processo

PL 226/2019 Não    Aguarda designação de relator no Senado 6 anos e 4 meses

PL 2058/2021 Sim    (Convertida na) Lei 14311/2022 com vetos        8 meses

PL 1085/2023 Sim    Lei 14611/2023       3 meses

PL 2144/2023 Não    Aguarda designação de relator no Senado 2 anos e 3 meses

PL 4266/2023 Sim    Lei 14994/2024       1 ano e 1 mês

PL 2762/2024 Sim    Lei 15069/2024       4 meses

Fonte: Elaborado pelas autoras (2025).

Conforme a Tabela 1, dos seis Projetos de Lei analisados, quatro foram sancionados pelo Presidente da República, e dois estão tramitando. Entre os que foram convertidos em Lei, isto é, concluíram a tramitação no Legislativo, estão os PL 1085/2023, 4266/2023 e 2762/2024 (apensado ao PL 5791/2019). Ambos os PL 226/2019 e 2144/2023 foram aprovados na Câmara dos Deputados e no momento aguardam pela designação do relator no Senado. Interessa observar que o PL 2144/2023 tramita em conjunto com o PL 2165/2024 e o PL 1013/2023 – as três proposições são recentes e tratam de temas semelhantes, o que indica a existência de atuação favorável ao aumento de penas para crimes sexuais.

Apesar da pauta estar presente no Congresso – incluindo com a já citada aprovação de urgência na Câmara–, a tramitação está parada no Senado há mais de um ano (desde julho de 2024), gerando questionamento sobre quais questões internas estão se impondo no caminho da aprovação e sanção do PL.

Por fim, o PL 2058/2021 foi sancionado, mas não necessariamente deve, no contexto desta análise, ser considerado uma legislação que defende ou avança o debate sobre os direitos das mulheres de forma substantiva. O Projeto propunha alterações na Lei 14151/2021 no que diz respeito aos critérios para que gestantes se afastassem do ambiente presencial de trabalho durante a pandemia da covid-19. Essa lei definiu que a mulher gestante deveria trabalhar remotamente durante a pandemia da covid-19, e que a remuneração pelo trabalho seria dever do empregador e não deveria passar por alterações ou reduções.

Um dos objetivos do PL 2058/2021 era a alteração da redação da lei para esclarecer quando o empregador teria direito a requisitar que a empregada voltasse ao trabalho presencial – definido como a partir do momento em que o ciclo de imunização estivesse completo. O discurso em defesa do PL na Câmara foi essencialmente econômico, e fundamentalmente se tratava de garantir que a gestante vacinada voltasse ao trabalho e de poupar o empresário dos custos com uma empregada afastada das funções.

Diferente dos outros PL analisados neste texto, cujas aprovações podem ser consideradas avanços para o direito das mulheres, a aprovação do PL 2058/2021 pode ser considerado um retrocesso na seguridade social fornecida às mulheres naquele contexto. Os partidos a favor do texto original da Lei 14151/2021 foram contra esse Projeto de alteração, alegando a descaracterização da proposta em detrimento de quem estavam tentando proteger, isto é, as mulheres e seus filhos. Esse Projeto, portanto, tratou muito de dinâmicas econômicas.

A administração Bolsonaro essencialmente recusou o apelo de ambos os lados: a União não queria a responsabilidade de onerar o sistema previdenciário, mas ao se esquivar recoloca o ônus sobre a gestante e ainda sobre os micros, pequenos e médios empresários – desagradando todo o espectro. Na forma como foi sancionado, o PL 2058/2021 – convertido na Lei 14311/2022 – reduziu a proteção oferecida à gestante e manteve o ônus do pagamento no setor produtivo.

Torna-se passível de questionamentos, portanto, a forma como a mulher segue sendo representada em um cenário minoritariamente feminino e que não prioriza decisões para as mulheres. Como visto anteriormente, as decisões sobre projetos de lei que lidam com as penas sobre crimes sexuais e canais que promovem a efetiva proteção dos direitos das mulheres e os direitos humanos, sofrem uma lentidão que é ineficaz aos grupos ao qual dizem respeito. Paralelamente, decisões puramente econômicas e/ou que guiam outros grupos nas maneiras de lidar com o público feminino, são tomadas em um intervalo de poucos meses.

Há, também, o que se dizer sobre a participação a partir da representação das mulheres para tomarem as decisões por si e para si. Transportando este texto para a realidade da UFABC, no dia 07 de julho de 2025, em um evento organizado pelo Diretório Acadêmico da Universidade, discursou em um auditório a primeira mulher nordestina e trabalhadora doméstica eleita Deputada Estadual no Estado de São Paulo, Ediane Maria. Em 76 anos de direito ao voto. Isso evidencia o quanto falta representação das mulheres para que decisões por e para elas sejam feitas e tramitadas em tempos aceitáveis para assembleias legislativas (estaduais ou federais). Afinal, é necessário tomar espaço para enfim plenamente participar.

 

Fonte: Por Letícia Lírio Lacerda, Vitória Rodrigues Santil, Lais Maria Guedes de Melo Santos e Paula Keiko Iwamoto Poloni, no Le Monde

 

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