PL
da dosimetria pode colocar Bolsonaro em liberdade? Entenda o que foi
vergonhosamente aprovado na Câmara
A
Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira (10/12) um projeto
que altera a dosimetria das penas aplicadas a pessoas condenadas por crimes
como golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de direito.
A nova
regra prevista no projeto de lei faz com que as penas por dois crimes — golpe
de Estado e abolição do Estado democrático de direito — não sejam mais somadas.
Passa a prevalecer apenas a pena maior, para tentativa de golpe de Estado, de 4
a 12 anos. Com isso, as penas totais do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos
demais condenados no julgamento de setembro seriam reduzidas.
O texto
foi aprovado pelo Plenário com 291 votos. Votaram contra 148 parlamentares. O
chamado PL da Dosimetria segue agora para o Senado. Ele também precisa passar
pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pode vetá-lo
integralmente ou em partes. Eventuais vetos ainda poderiam ser derrubados pelo
Congresso.
Em dia
tenso na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB), anunciou, mais cedo na terça, que pretendia colocar em
votação o projeto.
O
projeto pode afetar diretamente os condenados pelos atos de 8 de janeiro de
2023, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo
o relator da proposta, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), o
PL poderia fazer com que Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos de prisão em
setembro, possa sair da cadeia em pouco mais de dois anos.
Deputados
alinhados ao governo tentaram retirar o projeto da pauta da Câmara na terça,
mas sua solicitação para isso foi derrotada por 294 votos a 146.
Desde a
derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, a bancada bolsonarista e parte
do chamado Centrão vêm defendendo a aprovação de uma anistia aos envolvidos nos
atos de 8 de janeiro.
A
proposta de anistia, porém, vem encontrando resistência tanto na esfera
política, quanto na opinião pública e no mundo jurídico.
Em
setembro deste ano, por exemplo, uma pesquisa conduzida pelo Instituto
Datafolha apontou que 54% da população brasileira era contra uma anistia a
Bolsonaro, enquanto 39% seria a favor.
Em meio
ao impasse, a oposição passou a defender um projeto diferente, prevendo a
redução das penas de condenados na chamada trama golpista. O projeto ficou
conhecido como "PL da Dosimetria".
"Não
se tratará de anistia, mas sim de uma possibilidade de redução de penas para
essas pessoas que foram condenadas pelos atos de 8 de janeiro, tratando, assim,
de um tema que acredito eu foi um tema de mais discussão aqui na casa ao longo
deste ano. E nada mais natural do que chegarmos ao final do ano com a posição
final da Casa", afirmou Motta mais cedo nesta terça-feira, ao anunciar que
a pauta seria votada.
A
decisão do presidente da Casa gerou reações negativas por parte da base
governista, incluindo o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ).
"Fomos
surpreendidos com essa decisão que nós consideramos absurda e escandalosa
porque, pela primeira vez na história, generais e um presidente envolvidos numa
trama golpista foram julgados. É inaceitável que o Parlamento queira, de forma
oportunista, reduzir a pena de Jair Bolsonaro. Toda lei tem que ser geral. Nós
estamos fazendo claramente uma lei específica para beneficiar Bolsonaro",
disse o parlamentar.
A
votação na Câmara aconteceu dois dias depois de o senador Flávio Bolsonaro
(PL-RJ) ter anunciado que será candidato à Presidência da República com o aval
de seu pai, Jair Bolsonaro, que está preso em uma cela especial na
Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal, em Brasília.
Nesta
terça, a defesa de Bolsonaro fez uma nova solicitação ao Supremo Tribunal
Federal (STF) para que o ex-presidente cumpra prisão domiciliar, por questões
de saúde. Os advogados pediram também que Bolsonaro possa deixar a prisão para
realizar cirurgias relativas às suas crises de soluço e a uma hérnia.
O PL da
dosimetria deve enfrentar outra batalha no Senado.
Na
tarde desta terça, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP),
afirmou que o Plenário dos senadores deve votar com rapidez o projeto
"assim que chegar".
Por
outro lado, o senador que presidente a Comissão de Constituição de Justiça
(CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), defende que um projeto de tal relevância
precisaria ser analisado antes pela comissão.
Mas
como o projeto poderia beneficiar Jair Bolsonaro?
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Bolsonaro livre?
Na
avaliação do relator do projeto, o deputado federal Paulinho da Força
(Solidariedade-SP), caso o texto vire lei, Bolsonaro poderia sair da prisão em
aproximadamente dois anos e quatro meses.
"Vamos
pegar o caso do Bolsonaro. Ele foi condenado a 27 anos e três meses de prisão
(...) nesse projeto que vamos votar, isso se reduz à medida em que juntamos as
duas penas, a pena fica em 20 anos e 8 meses (...) com a remissão de penas, dá
dois anos e quatro meses (para que ele saia)", disse o parlamentar em
entrevista coletiva, antes da aprovação na Câmara.
A conta
de Paulinho da Força tem como base o relatório do projeto de lei, que prevê as
seguintes alterações nas penas dos que cometeram crimes relacionados ao 8 de
janeiro:
• Fim da soma das penas dos crimes de
golpe de estado e abolição do Estado democrático de direito. Se aprovado, o
projeto prevê considerar apenas a pena mais grave;
• Redução entre 1/3 e 2/3 das penas se os
crimes forem praticados em contexto de "multidão". Neste caso, a
mudança não afeta Bolsonaro, que foi considerado pela Justiça como um dos
líderes da suposta trama golpista;
• Progressão de regime prisional a partir
do cumprimento de 1/6 da pena nos casos em que não foi constatado nenhum crime
contra a vida. Na prática, o tempo para sair do regime fechado para o
semi-aberto ou domiciliar fica menor para Bolsonaro;
• Contabilização dos dias de trabalho ou
estudo de detentos em prisão domiciliar para a redução da pena. Isso
beneficiaria Bolsonaro porque ele cumpriu prisão domiciliar desde o início de
agosto, enquanto exercia o cargo de presidente de honra do PL.
Apesar
de reconhecer que o projeto beneficiaria Bolsonaro, Paulinho da Força nega que
o texto tenha sido feito exclusivamente em favor do ex-presidente.
"A
redução que eu faço é geral. Não tem distinção deste ou daquele. Vou reduzir da
menina do batom e para o Bolsonaro, também", disse o parlamentar.
A
menção à "menina do batom" é um referência a Debora Rodrigues dos
Santos, que foi condenada pelo STF a 14 anos de prisão por ter usado um batom
para pichar uma estátua na Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro.
Seu
caso ficou conhecido e foi usado por bolsonaristas como suposta evidência de
abusos cometidos pelo STF na condução dos casos envolvendo o episódio.
A BBC
News Brasil também conversou com analistas políticos que avaliaram o que teria
levado Motta a colocar em pauta neste momento o projeto que altera a dosimetria
das penas.
Segundo
eles, Motta fez isso por uma conjuntura de fatores; confira os principais
mencionados por eles.
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Motta mostrando força diante do Executivo?
De
acordo com a professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) Luciana Santanna, um dos principais motivos pelos quais o presidente da
Câmara colocou o projeto em pauta foi para fazer uma demonstração de força em
relação ao Poder Executivo, comandado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Nos
últimos meses, as relações entre Motta e a chefia do Executivo se desgastou por
conta de divergências na tramitação de projetos de lei de interesse do governo,
como o PL antifacções, cuja relatoria acabou sendo dada por Motta a um dos
deputados mais ferrenhos na oposição ao governo do PT, Guilherme Derrite
(PP-SP).
No
final de novembro, o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagens indicando que
Motta teria rompido suas relações institucionais com Lindbergh Farias.
Ainda
de acordo com o jornal, Motta também teria se sentido afetado por campanhas
publicitárias conduzidas por influenciadores digitais ligados ao PT com
críticas à sua atuação no comando da Câmara.
"O
que motivou Motta a fazer isso é uma mistura de razões, mas uma das principais
é a sua tentativa de medir forças com o Executivo. Ele vinha sendo alvo de
muitas críticas por parte dos próprios deputados, especialmente da base
bolsonarista, por ser visto como complacente com o governo. Agora, ele parece
se sentir protegido para fazer esse movimento", disse a professora à BBC
News Brasil.
Para a
professora, ao colocar um projeto de lei em pauta com o qual o governo não
concorda, Motta também estaria ampliando suas chances de obter melhores
condições para negociar pautas do seu interesse junto ao Executivo.
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Fator Flávio Bolsonaro
Os
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil também avaliam que o anúncio da
pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à Presidência também teria influenciado
Motta a pautar o projeto da dosimetria.
Para o
professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
Marco Antonio Teixeira, Motta colocou o texto em pauta, também, para se
proteger de uma eventual pressão que a candidatura de Flávio Bolsonaro poderia
gerar.
"Colocar
o PL da dosimetria praticamente enterra a discussão sobre a anistia, que era a
principal pauta dos bolsonaristas. Ao fazer isso, ele tira esse peso das costas
e dá uma satisfação aos bolsonaristas", afirma o professor à BBC News
Brasil.
Para a
professora Luciana Santanna, o lançamento da pré-candidatura de Flávio
Bolsonaro engrossou o coro da direita por alguma medida que pudesse beneficiar
Jair Bolsonaro.
"O
fato de Flávio ter lançado seu nome como presidenciável fortalece esse núcleo
mais radicalizado do bolsonarismo no Legislativo e cria condições para que
Motta possa colocar o projeto em pauta", afirmou a professora.
O líder
da bancada do PT na Câmara, Lindbergh Farias, também associou a medida
anunciada por Motta ao lançamento da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro.
Em
entrevista coletiva, Farias mencionou que a atitude de Motta poderia ser uma
espécie de "preço" pago por ele para que Flávio desista de sua
candidatura em favor de outros nomes.
"Tivemos
na sexta-feira (5/12) o anúncio e, no domingo (7/12), o Flávio disse que pode
desistir, mas que tem um preço. Ao nosso ver, parece que esse preço começou a
ser pago", disse Farias.
A
menção ao termo "pagar" foi uma alusão à declaração dada no domingo
pelo senador, que disse que poderia desistir de sua candidatura.
"Tem
uma possibilidade de eu não ir até o fim. Eu tenho um preço para não ir até o
fim. Eu vou negociar", disse o senador no domingo, sem citar que
"preço" seria esse.
Nos
bastidores do Congresso Nacional, comenta-se que Flávio poderia desistir da sua
candidatura caso algum outro candidato da direita prometa medidas que poderiam
beneficiar seu pai como um indulto, graça ou anistia.
Nesta
terça-feira (9/12), porém, Flávio declarou a jornalistas que sua
pré-candidatura seria "irreversível".
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Diminuir desgaste com a opinião pública
Outro
motivo apontado pelos especialistas é que Motta colocou o PL da dosimetria em
pauta, também, para reduzir o desgaste político de outros casos com os quais
ele vem tendo que lidar — como os processos de cassação dos deputados
bolsonaristas Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carla
Zambelli (PL-SP).
Eduardo
e Ramagem estão nos Estados Unidos e são alvos de pedidos de cassação por
estarem fora de Brasília, apesar de ainda terem mandatos parlamentares.
Eles
alegam que se mudaram para os Estados Unidos para fugir do que classificaram
como perseguição política.
O filho
de Bolsonaro é réu em um processo criminal que tramita no STF por coação (uso
de violência ou ameaça) para interferir no curso do processo criminal de seu
pai.
Ramagem
foi condenado a 16 anos de prisão no processo que apurou a responsabilidade dos
supostos líderes da trama golpista.
Carla
Zambelli, por outro lado, está presa na Itália após viajar ao país europeu
depois de ser condenada a 10 anos de prisão por auxiliar um hacker a invadir o
sistema de mandados de prisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os três
negam seus envolvimentos nas acusações.
Apesar
disso, como os três ainda têm mandatos em curso e estão até utilizando recursos
de verbas parlamentares, Motta vinha sendo pressionado a colocar os pedidos de
cassação do trio para andar.
Nesta
terça, o presidente da Câmara anunciou que a Câmara analisaria os casos de
Zambelli e Ramagem em 17 de dezembro.
"Ele
tem sido muito questionado sobre as incoerências em relação à (cassação) dos
deputados. É uma situação que causa desconforto, e ele está aproveitando esse
momento para colocar tudo junto para ser votado", afirma a professora
Luciana Santanna.
Marco
Antônio Teixeira, da FGV-SP, cita, por outro lado, que Motta também foi
estratégico ao incluir no pacote de análises de cassação um que tramita contra
o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), processado por supostas agressões a um
militante de direita dentro das instalações da Câmara dos Deputados.
A
inclusão desse pedido, no entanto, vem gerando polêmica na Câmara. Na tarde
desta terça-feira, Braga sentou-se na cadeira da Presidência da Casa em
protesto para impedir que seu pedido de cassação fosse votado.
"Essas
cassações estavam na agenda e a de Glauber Braga virou uma espécie de moeda de
troca. Ele pensou: 'Já que temos que resolver as cassações dos deputados, nada
como colocar uma moeda de compensação'", disse o professor.
No
cálculo de Teixeira, colocar a cassação de Glauber Braga para ser votada ao
mesmo tempo dos parlamentares bolsonaristas criou um cenário para que
governistas e oposição tenham que negociar entre si.
Fonte:
BBC News Brasil

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