Crise?
Mesmo com prisão de Jair, bolsonarismo já perdeu quase 90% da força nas ruas
Ruas
abarrotadas de camisas verde-amarelas e bandeiras do Brasil já não descrevem as
atuais manifestações em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A ameaça
de correligionários de que o Brasil iria “parar”, caso o principal líder da
ultradireita no país fosse preso, não se concretizou e, após a prisão, a
maioria dos atos foram discretos e isolados. É nesse contexto em que o senador
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se coloca como indicado pelo pai para as eleições de
2026 – assumindo a responsabilidade de contornar uma crise na imagem do próprio
bolsonarismo.
A
pré-candidatura de Flávio à Presidência da República foi confirmada em nota
assinada pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. A escolha do sucessor
veio do próprio Jair Bolsonaro, que cumpre pena de 27 anos e três meses em
regime fechado, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, por
tentativa de golpe de Estado, que culminou nos ataques às sedes dos Três
Poderes em 8 de janeiro de 2023. A decisão é tratada como “blefe” por membros
do Centrão.
<><>
Por que isso importa?
• Levantamento mostra mudança de
comportamento de apoiadores de Bolsonaro após o 8 de janeiro e após vídeo que
provou violação de tornozeleira eletrônica, um indicativo do desafio por apoio
que será enfrentado por Flávio Bolsonaro.
A falta
de apoio de Flávio vai além dos colegas parlamentares e as ruas traduzem o que
seria a crise enfrentada pelo bolsonarismo, que o senador agora herda. A
Agência Pública obteve um mapeamento exclusivo da frequência de manifestações
bolsonaristas no Brasil desde 2018, feito por pesquisadores da Universidade de
São Paulo (Usp), que revelam o tamanho do desafio do filho “01” do
ex-presidente.
No
último ano pré-eleitoral disputado por Jair Bolsonaro, 769 atos foram
registrados no Brasil, enquanto ao longo de 2025, mesmo com a prisão do
ex-presidente, apenas 41 manifestações ganharam as ruas. Mesmo com um apoio
quase 19 vezes maior à época, o candidato do PL saiu derrotado nas eleições
contra o atual presidente Lula (PT), que busca a reeleição em 2026.
A
pesquisa utilizou dados da Armed Conflict Location & Event Data (ACLED),
organização internacional que monitora conflitos, e fornece dados em tempo real
sobre violência política e protestos no mundo. “Essa base disponibiliza os
dados além do fator dia em que aconteceu o protesto, também a localidade, a
cidade e, principalmente, uma variável mais qualitativa, descritiva, dizendo o
que aconteceu”, explicou a autora, a cientista política e pesquisadora do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Lilian Sendretti.
Segundo
o estudo, em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, 354 manifestações de rua
foram realizadas em apoio ao nome e pautas do ex-presidente, com grau “alto” de
mobilização popular. O auge da força do bolsonarismo nas ruas se deu em 2022,
ano eleitoral, com 1822 atos, e se estendeu pelos primeiros 8 dias de 2023, com
46 protestos contra o resultado das eleições, que culminaram com a depredação
dos prédios dos Três Poderes em nome de uma intervenção militar. Após o 8 de
janeiro, a frequência de manifestações caiu acentuadamente, registrando 62 atos
no restante do ano.
Em
comparação a 2022, os atos contabilizados em 2025 representam queda de 97,75%.
Além da quantidade, também houve perda de grau de mobilização. Segundo a
pesquisa, desde janeiro de 2025, 41 atos bolsonaristas foram registrados no
Brasil. Os movimentos foram classificados na pesquisa com grau “baixo” de
adesão. Um exemplo foi a “Marcha pela Liberdade”, em 30 de novembro, cinco dias
após a prisão de Jair Bolsonaro, exigindo a libertação do ex-chefe do Executivo
e a anistia dos condenados pelos atos golpistas do 8/1. O ato reuniu 130
manifestantes em Brasília.
<><>
Crise de imagem e coesão, desentendimentos e um projeto de poder
Bolsonaro
é tratado por alguns correligionários como uma “máquina de transferir votos”,
como já reiterou o presidente do PL. No entanto, Flávio, caso se estabeleça na
disputa ao Planalto, lidará com a imagem de um Bolsonaro bem diferente da
lógica do macho imbatível construída em 2018, o que dificultaria uma possível
transferência de apoio.
O
advogado Paulo Cunha Bueno, por exemplo, afirmou que Bolsonaro hoje tem “saúde
fragilizada”; já o filho “03”, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), declarou,
aos prantos, que o pai vive com a “saúde emocional sendo desgastada”.
O
professor do Departamento de Ciência Política da USP Sérgio Simoni Junior
lembrou que apesar de imagens expondo condições de saúde de Bolsonaro
repercutirem desde setembro de 2018, quando ele foi esfaqueado durante um ato
da campanha, a narrativa então era a de equilíbrio de um “homem forte” disposto
a enfrentar o sistema. “Fica pendente o lado da oferta e organização do líder.
Você tem essa demanda do eleitorado, mas ela não é automática, ela não vai
desaguar em alguém específico. É preciso construir isso.”
Na
compreensão da pesquisadora Lilian Sendretti, houve mudanças significativas nas
abordagens sobre Bolsonaro através de uma transformação da “construção de força
para a construção de fragilidade”. Essa fragilização, segundo a cientista, se
acentua diante da inelegibilidade do ex-presidente. Ele estava inelegível até
2030 após ser condenado pela Justiça Eleitoral por abuso de poder político e
uso indevido dos meios de comunicação nas Eleições de 2022. Todavia, após a
condenação no STF, a inelegibilidade pode durar até 2060 por conta da suspensão
dos direitos políticos. . “Há uma crise de força simbólica, do que esse líder
representa para a própria base, e uma crise no sentido de força política.”
O
desafio da família Bolsonaro de se manter coerente e da evidente falta de apoio
nas ruas, se somam à tentativa de não perder a imagem de defensores “da
família”, mesmo com rachaduras públicas. A sucessão do patriarca e o
posicionamento quanto às eleições de 2026 envolvem tensão entre os filhos,
aliados e a esposa de Bolsonaro, Michelle.
O
professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília
(UnB), Luís Felipe Miguel, avalia que a família tem foco estratégico mais
voltado à permanência no poder do que na continuação de uma estrutura
ideológica baseada no ultraconservadorismo. Isso levaria ao enfraquecimento de
uma “autoridade moral”. “Ele [Bolsonaro] opera numa lógica de clã. Primeiro vem
ele, depois a família, depois aqueles que são os seus agregados. A relação dele
com as lideranças políticas que o seguem é sempre algo com pé atrás, com medo
de ser traído”, observou Miguel.
Um
exemplo recente das divergências entre os membros do clã Bolsonaro foi a
crítica da ex-primeira dama ao deputado federal André Fernandes (PL-CE) pela
aliança do PL no Ceará com o ex-governador e presidenciável Ciro Gomes (PSDB).
Michelle se manifestou publicamente dizendo respeitar os enteados, mas pensar
diferente. “Como ficar feliz com o apoio à candidatura de um homem que xinga o
meu marido o tempo todo de ladrão de galinha, de frouxo e tantos outros
xingamentos? Como ser conivente com o apoio a uma raposa política que se diz
orgulhoso por ter feito a petição que levou à inelegibilidade do meu marido e
se diz satisfeito com a perseguição que ele tem sofrido?”, declarou.
Fernandes
alega que a aproximação com Ciro Gomes foi estimulada pelo próprio
ex-presidente. Ao comentar o caso, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse
que a madrasta pôs o colega parlamentar em situação de “humilhação”.
<><>
Difícil de defender? Perda de apoio também afetou ambiente digital
A
dificuldade em manter o apoio popular em torno do clã Bolsonaro também se
apresenta no ambiente virtual. Entre o momento em que a prisão do ex-presidente
foi decretada, em 22 de novembro, e a confirmação da decisão pela Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal dois dias depois, o bolsonarismo voltou a
exibir grande engajamento digital, mas o controle narrativo não se manteve,
aponta um relatório do Instituto Democracia em Xeque.
Após
compilar menções e assuntos relacionados ao ex-presidente no período da prisão,
o instituto constatou aumento da discussão sobre o assunto, mas também uma
mudança significativa no comportamento dos apoiadores de Bolsonaro após a
divulgação do vídeo em que ele assume ter usado ferro de solda para violar a
tornozeleira eletrônica que usava durante sua prisão domiciliar.
“Gerou
um ponto de quebra no debate digital sobre a detenção de Bolsonaro, em que por
um lado apoiadores moderados do ex-presidente silenciaram nas redes e, por
outro, apoiadores mais fiéis tiveram dificuldades de unificar linhas narrativas
e mensagens-chave”, destaca o relatório.
A
violação do dispositivo foi o principal motivador do pedido de prisão
preventiva solicitado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. A defesa do
ex-presidente justificou a violação por um “surto” que Bolsonaro teria sofrido
devido ao uso de medicamentos.
Para o
professor de departamento de comunicação da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RIO) e diretor de Metodologia e Inovação do Instituto
Democracia em Xeque, Marcelo Alves dos Santos Junior, o movimento bolsonarista
perdeu coesão e organização na formação de um bloco representativo da extrema
direita e centro no Brasil.
“Bolsonaro
historicamente se vendia como quem não pegaria covid pelo histórico de atleta.
Então, essa questão do ‘homem macho’, essa performance se alinha com um
movimento internacional. Se o argumento hoje vai na direção de enfraquecimento
físico, enfraquecimento emocional, sobretudo, você tem um conflito muito
grande”, ressaltou.
• Renúncia de Carlos Bolsonaro implode
articulação do PL em Santa Catarina
O
vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) anunciou nesta quinta-feira (11) que renuncia
ao mandato na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, encerrando mais de duas
décadas de atuação na política carioca. A decisão, comunicada em discurso na
tribuna, marca sua mudança para Santa Catarina, onde pretende disputar uma vaga
no Senado Federal em 2026.
“Vou
para Santa Catarina cumprir um chamado que não poderia realizar daqui. […] Levo
comigo o Rio, sempre, mas agora preciso contribuir em outra trincheira,
honrando tudo que aprendi e construí nesta cidade e agregando a todo um
movimento nacional”, afirmou Carlos, que está no sétimo mandato consecutivo e
foi eleito vereador pela primeira vez aos 17 anos.
Carlos
insistiu que a ida ao Sul não se trata de “fuga”, mas de continuidade da “luta
por liberdade, pela família, pela soberania”, num momento em que, segundo ele,
o país vive “um período conturbado” que exige buscar “equilíbrio entre os
Poderes”.
<><>
Defesa do pai e tensão no bolsonarismo catarinense
No
pronunciamento, o vereador dedicou parte da fala à defesa do pai, Jair
Bolsonaro (PL), preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília após
condenação por tentativa de golpe de Estado em 2022.
“O
presidente Jair Messias Bolsonaro, um homem que dedicou sua vida ao Brasil,
hoje enfrenta uma vida injusta, fruta de um processo recheado de contradições,
vícios e interpretações políticas”, declarou Carlos.
Apesar
da força do bolsonarismo em Santa Catarina, onde Bolsonaro obteve 69,27% dos
votos no segundo turno de 2022, a chegada de Carlos já provocou rachas no PL
local.
O
governador Jorginho Mello (PL) pretendia apoiar uma chapa ao Senado formada por
Espiridião Amin (PP) e Carol de Toni (PL). Com a pré-candidatura de Carlos,
Mello rifou a deputada e passou a avalizar a dupla Carlos-Amin. Carol de Toni,
por sua vez, passou a articular uma saída para o Novo, tentando manter sua
própria pré-candidatura.
Santa
Catarina terá duas vagas em disputa para o Senado em 2026.
Ao
encerrar o discurso, Carlos Bolsonaro afirmou: “Parto com a consciência
tranquila, dei ao Rio o melhor que poderia oferecer. Onde quer que esteja,
continuarei defendendo essa cidade, esse país e tudo aquilo que acredito.”
Fonte:
Por Dyepeson Martins, da Agencia Pública

Nenhum comentário:
Postar um comentário