sábado, 13 de dezembro de 2025

Crise? Mesmo com prisão de Jair, bolsonarismo já perdeu quase 90% da força nas ruas

Ruas abarrotadas de camisas verde-amarelas e bandeiras do Brasil já não descrevem as atuais manifestações em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A ameaça de correligionários de que o Brasil iria “parar”, caso o principal líder da ultradireita no país fosse preso, não se concretizou e, após a prisão, a maioria dos atos foram discretos e isolados. É nesse contexto em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se coloca como indicado pelo pai para as eleições de 2026 – assumindo a responsabilidade de contornar uma crise na imagem do próprio bolsonarismo.

A pré-candidatura de Flávio à Presidência da República foi confirmada em nota assinada pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. A escolha do sucessor veio do próprio Jair Bolsonaro, que cumpre pena de 27 anos e três meses em regime fechado, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, por tentativa de golpe de Estado, que culminou nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A decisão é tratada como “blefe” por membros do Centrão.

<><> Por que isso importa?

•        Levantamento mostra mudança de comportamento de apoiadores de Bolsonaro após o 8 de janeiro e após vídeo que provou violação de tornozeleira eletrônica, um indicativo do desafio por apoio que será enfrentado por Flávio Bolsonaro.

A falta de apoio de Flávio vai além dos colegas parlamentares e as ruas traduzem o que seria a crise enfrentada pelo bolsonarismo, que o senador agora herda. A Agência Pública obteve um mapeamento exclusivo da frequência de manifestações bolsonaristas no Brasil desde 2018, feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (Usp), que revelam o tamanho do desafio do filho “01” do ex-presidente.

No último ano pré-eleitoral disputado por Jair Bolsonaro, 769 atos foram registrados no Brasil, enquanto ao longo de 2025, mesmo com a prisão do ex-presidente, apenas 41 manifestações ganharam as ruas. Mesmo com um apoio quase 19 vezes maior à época, o candidato do PL saiu derrotado nas eleições contra o atual presidente Lula (PT), que busca a reeleição em 2026.

A pesquisa utilizou dados da Armed Conflict Location & Event Data (ACLED), organização internacional que monitora conflitos, e fornece dados em tempo real sobre violência política e protestos no mundo. “Essa base disponibiliza os dados além do fator dia em que aconteceu o protesto, também a localidade, a cidade e, principalmente, uma variável mais qualitativa, descritiva, dizendo o que aconteceu”, explicou a autora, a cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Lilian Sendretti.

Segundo o estudo, em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, 354 manifestações de rua foram realizadas em apoio ao nome e pautas do ex-presidente, com grau “alto” de mobilização popular. O auge da força do bolsonarismo nas ruas se deu em 2022, ano eleitoral, com 1822 atos, e se estendeu pelos primeiros 8 dias de 2023, com 46 protestos contra o resultado das eleições, que culminaram com a depredação dos prédios dos Três Poderes em nome de uma intervenção militar. Após o 8 de janeiro, a frequência de manifestações caiu acentuadamente, registrando 62 atos no restante do ano.

Em comparação a 2022, os atos contabilizados em 2025 representam queda de 97,75%. Além da quantidade, também houve perda de grau de mobilização. Segundo a pesquisa, desde janeiro de 2025, 41 atos bolsonaristas foram registrados no Brasil. Os movimentos foram classificados na pesquisa com grau “baixo” de adesão. Um exemplo foi a “Marcha pela Liberdade”, em 30 de novembro, cinco dias após a prisão de Jair Bolsonaro, exigindo a libertação do ex-chefe do Executivo e a anistia dos condenados pelos atos golpistas do 8/1. O ato reuniu 130 manifestantes em Brasília.

<><> Crise de imagem e coesão, desentendimentos e um projeto de poder

Bolsonaro é tratado por alguns correligionários como uma “máquina de transferir votos”, como já reiterou o presidente do PL. No entanto, Flávio, caso se estabeleça na disputa ao Planalto, lidará com a imagem de um Bolsonaro bem diferente da lógica do macho imbatível construída em 2018, o que dificultaria uma possível transferência de apoio.

O advogado Paulo Cunha Bueno, por exemplo, afirmou que Bolsonaro hoje tem “saúde fragilizada”; já o filho “03”, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), declarou, aos prantos, que o pai vive com a “saúde emocional sendo desgastada”.

O professor do Departamento de Ciência Política da USP Sérgio Simoni Junior lembrou que apesar de imagens expondo condições de saúde de Bolsonaro repercutirem desde setembro de 2018, quando ele foi esfaqueado durante um ato da campanha, a narrativa então era a de equilíbrio de um “homem forte” disposto a enfrentar o sistema. “Fica pendente o lado da oferta e organização do líder. Você tem essa demanda do eleitorado, mas ela não é automática, ela não vai desaguar em alguém específico. É preciso construir isso.”

Na compreensão da pesquisadora Lilian Sendretti, houve mudanças significativas nas abordagens sobre Bolsonaro através de uma transformação da “construção de força para a construção de fragilidade”. Essa fragilização, segundo a cientista, se acentua diante da inelegibilidade do ex-presidente. Ele estava inelegível até 2030 após ser condenado pela Justiça Eleitoral por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nas Eleições de 2022. Todavia, após a condenação no STF, a inelegibilidade pode durar até 2060 por conta da suspensão dos direitos políticos. . “Há uma crise de força simbólica, do que esse líder representa para a própria base, e uma crise no sentido de força política.”

O desafio da família Bolsonaro de se manter coerente e da evidente falta de apoio nas ruas, se somam à tentativa de não perder a imagem de defensores “da família”, mesmo com rachaduras públicas. A sucessão do patriarca e o posicionamento quanto às eleições de 2026 envolvem tensão entre os filhos, aliados e a esposa de Bolsonaro, Michelle.

O professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Luís Felipe Miguel, avalia que a família tem foco estratégico mais voltado à permanência no poder do que na continuação de uma estrutura ideológica baseada no ultraconservadorismo. Isso levaria ao enfraquecimento de uma “autoridade moral”. “Ele [Bolsonaro] opera numa lógica de clã. Primeiro vem ele, depois a família, depois aqueles que são os seus agregados. A relação dele com as lideranças políticas que o seguem é sempre algo com pé atrás, com medo de ser traído”, observou Miguel.

Um exemplo recente das divergências entre os membros do clã Bolsonaro foi a crítica da ex-primeira dama ao deputado federal André Fernandes (PL-CE) pela aliança do PL no Ceará com o ex-governador e presidenciável Ciro Gomes (PSDB). Michelle se manifestou publicamente dizendo respeitar os enteados, mas pensar diferente. “Como ficar feliz com o apoio à candidatura de um homem que xinga o meu marido o tempo todo de ladrão de galinha, de frouxo e tantos outros xingamentos? Como ser conivente com o apoio a uma raposa política que se diz orgulhoso por ter feito a petição que levou à inelegibilidade do meu marido e se diz satisfeito com a perseguição que ele tem sofrido?”, declarou.

Fernandes alega que a aproximação com Ciro Gomes foi estimulada pelo próprio ex-presidente. Ao comentar o caso, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que a madrasta pôs o colega parlamentar em situação de “humilhação”.

<><> Difícil de defender? Perda de apoio também afetou ambiente digital

A dificuldade em manter o apoio popular em torno do clã Bolsonaro também se apresenta no ambiente virtual. Entre o momento em que a prisão do ex-presidente foi decretada, em 22 de novembro, e a confirmação da decisão pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal dois dias depois, o bolsonarismo voltou a exibir grande engajamento digital, mas o controle narrativo não se manteve, aponta um relatório do Instituto Democracia em Xeque.

Após compilar menções e assuntos relacionados ao ex-presidente no período da prisão, o instituto constatou aumento da discussão sobre o assunto, mas também uma mudança significativa no comportamento dos apoiadores de Bolsonaro após a divulgação do vídeo em que ele assume ter usado ferro de solda para violar a tornozeleira eletrônica que usava durante sua prisão domiciliar.

“Gerou um ponto de quebra no debate digital sobre a detenção de Bolsonaro, em que por um lado apoiadores moderados do ex-presidente silenciaram nas redes e, por outro, apoiadores mais fiéis tiveram dificuldades de unificar linhas narrativas e mensagens-chave”, destaca o relatório.

A violação do dispositivo foi o principal motivador do pedido de prisão preventiva solicitado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. A defesa do ex-presidente justificou a violação por um “surto” que Bolsonaro teria sofrido devido ao uso de medicamentos.

Para o professor de departamento de comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e diretor de Metodologia e Inovação do Instituto Democracia em Xeque, Marcelo Alves dos Santos Junior, o movimento bolsonarista perdeu coesão e organização na formação de um bloco representativo da extrema direita e centro no Brasil.

“Bolsonaro historicamente se vendia como quem não pegaria covid pelo histórico de atleta. Então, essa questão do ‘homem macho’, essa performance se alinha com um movimento internacional. Se o argumento hoje vai na direção de enfraquecimento físico, enfraquecimento emocional, sobretudo, você tem um conflito muito grande”, ressaltou.

•        Renúncia de Carlos Bolsonaro implode articulação do PL em Santa Catarina

O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) anunciou nesta quinta-feira (11) que renuncia ao mandato na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, encerrando mais de duas décadas de atuação na política carioca. A decisão, comunicada em discurso na tribuna, marca sua mudança para Santa Catarina, onde pretende disputar uma vaga no Senado Federal em 2026.

“Vou para Santa Catarina cumprir um chamado que não poderia realizar daqui. […] Levo comigo o Rio, sempre, mas agora preciso contribuir em outra trincheira, honrando tudo que aprendi e construí nesta cidade e agregando a todo um movimento nacional”, afirmou Carlos, que está no sétimo mandato consecutivo e foi eleito vereador pela primeira vez aos 17 anos.

Carlos insistiu que a ida ao Sul não se trata de “fuga”, mas de continuidade da “luta por liberdade, pela família, pela soberania”, num momento em que, segundo ele, o país vive “um período conturbado” que exige buscar “equilíbrio entre os Poderes”.

<><> Defesa do pai e tensão no bolsonarismo catarinense

No pronunciamento, o vereador dedicou parte da fala à defesa do pai, Jair Bolsonaro (PL), preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília após condenação por tentativa de golpe de Estado em 2022.

“O presidente Jair Messias Bolsonaro, um homem que dedicou sua vida ao Brasil, hoje enfrenta uma vida injusta, fruta de um processo recheado de contradições, vícios e interpretações políticas”, declarou Carlos.

Apesar da força do bolsonarismo em Santa Catarina, onde Bolsonaro obteve 69,27% dos votos no segundo turno de 2022, a chegada de Carlos já provocou rachas no PL local.

O governador Jorginho Mello (PL) pretendia apoiar uma chapa ao Senado formada por Espiridião Amin (PP) e Carol de Toni (PL). Com a pré-candidatura de Carlos, Mello rifou a deputada e passou a avalizar a dupla Carlos-Amin. Carol de Toni, por sua vez, passou a articular uma saída para o Novo, tentando manter sua própria pré-candidatura.

Santa Catarina terá duas vagas em disputa para o Senado em 2026.

Ao encerrar o discurso, Carlos Bolsonaro afirmou: “Parto com a consciência tranquila, dei ao Rio o melhor que poderia oferecer. Onde quer que esteja, continuarei defendendo essa cidade, esse país e tudo aquilo que acredito.”

 

Fonte: Por Dyepeson Martins, da Agencia Pública

 

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