Novo
licenciamento ambiental é desregulação e pode chegar ao STF, diz presidente do
Ibama
Entre
os órgãos do governo federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é um dos mais impactados pela nova
legislação sobre o licenciamento ambiental. Isso porque é função do Ibama
executar políticas nacionais de meio ambiente, atuar no licenciamento
ambiental, no controle da qualidade ambiental, na autorização de uso dos
recursos naturais e na fiscalização, monitoramento e controle ambientais.
Para o
presidente do Instituto, o biólogo e ex-deputado federal Rodrigo Agostinho, a
atual Lei Geral do Licenciamento Ambiental traz diversos desafios não apenas
para os órgãos de preservação do meio ambiente, mas para outros atores que
terão que pensar como atender às novas exigências da legislação.
A
situação, para Agostinho, pode gerar judicialização e processos no Supremo
Tribunal Federal (STF), já que o texto aprovado, em alguns pontos, vai na
direção oposta ao da Constituição Federal. “O fim das licenças, por exemplo,
para atividade agropecuária no Brasil. São pontos que, de fato, suscitam
debates sobre a sua constitucionalidade. A mesma coisa em relação a não levar
em consideração povos indígenas, populações tradicionais, unidades de
conservação, áreas quilombolas”, afirma em entrevista exclusiva à Agência
Pública.
Quando
estava sendo discutido no Congresso Nacional, o projeto de lei ficou conhecido
como “PL da Devastação”, foi aprovado por deputados federais e senadores e, no
fim do mês de novembro, teve 52 dos 63 vetos colocados pelo presidente Lula
derrubados.
Outros
pontos levantados pelo ambientalista como “complicados” na nova lei referem-se
a falta de padronização nos estados da estrutura responsável pelo
licenciamento, o “autolicenciamento”, e alterações em outras leis já aprovadas.
Agostinho cita, entre elas, o Estatuto da Cidade, a Lei de Gerenciamento
Costeiro, a Lei dos Crimes Ambientais e a Lei da Mata Atlântica.
“Agora,
como é que a gente pode fazer para reduzir um pouco esses conflitos? Nós vamos
ter que fazer um esforço muito grande na regulamentação da lei. E, obviamente,
melhorar as estruturas de todos para poder dar conta. Porque agora os prazos
são bem mais curtos”, adverte o presidente do Ibama.
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Por que isso importa?
• A Lei Geral de Licenciamento Ambiental,
desde o seu projeto no Congresso Nacional é criticada por ambientalistas
• Entre os problemas estão aumentar o
risco de desmatamento, diminuir o controle em estruturas como barragens de
rejeito de mineradoras e retirar o licenciamento ambiental no setor
agropecuário.
Outro
alerta é relativo aos “atributos ambientais supersensíveis” do Brasil, que são
tratados no licenciamento ambiental. “O Brasil tem 17% da água doce do mundo”,
lembra Agostinho.
“Seria
diferente se a gente estivesse falando de um país todo desmatado. É muito mais
fácil fazer uma obra em São Paulo do que no meio da Amazônia, por razões
óbvias. Então, esses pontos não são resolvidos por meio de alteração
legislativa”, adverte.
O
surgimento de novas propostas legislativas, para resolver questões que ficaram
em aberto na nova lei, também é citado pelo presidente do Instituto. Assim como
a participação da sociedade civil.
“A
gente tem ouvido que a sociedade civil e alguns partidos políticos devem buscar
o judiciário. E acho natural, porque é uma lei que altera algumas das questões
mais relevantes do ponto de vista de conservação e de proteção ambiental do
país”, afirma.
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Leia os principais trechos da entrevista:
• O que o senhor considera mais grave com
relação às derrubadas dos vetos? O que o senhor considera que o governo pode
fazer para diminuir as consequências disso?
O
licenciamento ambiental no país foi uma construção que se deu basicamente nos
anos 1980. A gente teve um ciclo de grandes obras de infraestrutura no Brasil
no período da ditadura militar. Era aquela coisa de grandes obras, obras
faraônicas, a Transamazônica, Transpantaneira, usinas nucleares, grandes
hidrelétricas. Todas essas obras tinham um impacto ambiental assustador.
A gente
tinha um processo de industrialização muito mal organizado, mas isso fez com
que a gente começasse a organizar um sistema de licenciamento, que começou por
São Paulo, ainda no final dos anos 1970.
Depois,
em 1981, é aprovada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que coloca o
licenciamento como a principal ferramenta, e o Conama [Conselho Nacional do
Meio Ambiente] como o balizador do licenciamento, para que todo mundo
licenciasse com base nos mesmos parâmetros.
Cada
órgão estadual tem a sua estrutura, tem o seu nome, tem as suas regras, mas os
parâmetros eram basicamente os mesmos. Agora, na ideia desse novo projeto de
licenciamento, que virou a lei 15.190/2025, primeiro que cada um cria as suas
próprias regras, cada um com os seus parâmetros.
Isso já
é algo bastante complicado. Esse foi um dos itens a serem vetados. Por quê?
Porque a gente começa a criar estados que facilitam e estados que dificultam.
Isso é péssimo, porque o licenciamento não é nem para ser facilitado, nem
dificultado. O licenciamento é para acontecer com eficiência, num prazo
razoável. Então, esse é um primeiro ponto bem complicado.
O
segundo ponto é o reconhecimento de que muitos órgãos não têm estrutura para o
licenciamento. Então, passa a ser o próprio empreendedor fazendo a sua própria
licença, que é o chamado autolicenciamento. E aí, o que acontece?
O
Supremo Tribunal Federal [STF] já decidiu várias vezes que para o chamado médio
impacto, médio risco, isso seria inconstitucional. Para o baixo risco, tem
casos que deveriam ser, inclusive, dispensados de licenciamento ambiental. Vou
dar um exemplo: limpeza de acostamento de rodovia. Para mim, não faz sentido
você ter que licenciar a limpeza de acostamento. Agora, construir uma nova
pista não dá. Esse era o ponto de equilíbrio que o governo tentou quando fez os
vetos, de tentar colocar as coisas no lugar.
Então,
além dos vetos, foi apresentado um projeto de lei [e] uma medida provisória.
Nós tivemos 52 vetos derrubados, só não derrubaram os vetos do LAE
[Licenciamento Ambiental Especial] . Essa semana já alteraram o texto da LAE
com a lei. Talvez buscando reduzir a judicialização, também foram alterados
outros artigos. Notadamente, as licenças autodeclaratórias foram alteradas,
então ficou um pouco mais restrito.
E tem
um outro projeto de lei tramitando de licenciamento, que eu não sei o que o
Congresso vai decidir sobre ele, mas provavelmente vai ficar no limbo.
Provavelmente, não será votado e vai ficar no limbo.
Mas,
basicamente, a gente tem riscos, né? A gente tem riscos do ponto de vista dessa
desregulação, de aumentar desmatamento, de obras que possam ter a sua natureza
questionada, as suas licenças questionadas no judiciário.
Porque
os principais problemas do licenciamento não estão sendo resolvidos. Qual o
problema do licenciamento? Primeiro, é a baixa estrutura dos órgãos ambientais.
Tem estados da [região da] Amazônia que 100% do quadro de licenciamento é
servidor temporário terceirizado.
O
segundo problema do licenciamento diz respeito à baixa qualidade de projetos e
estudos no Brasil. E, obviamente, também temos uma outra questão muito
relevante. A gente tem atributos ambientais supersensíveis, atributos sociais
que são debatidos e discutidos na licença ambiental.
O
Brasil tem 17% da água doce do mundo. Seria diferente se a gente estivesse
falando de um país todo desmatado. É muito mais fácil fazer uma obra em São
Paulo do que no meio da Amazônia, por razões óbvias. Então, esses pontos não
são resolvidos por meio de alteração legislativa.
Então,
para nós, o licenciamento ficou algo bastante sensível. E a gente agora, como é
que a gente pode fazer para reduzir um pouco esses conflitos? Nós vamos ter que
fazer um esforço muito grande na regulamentação da lei. E, obviamente, melhorar
as estruturas de todos para poder dar conta. Porque agora os prazos são bem
mais curtos. E isso vai implicar, obviamente, uma necessidade de melhor
estrutura, tanto do governo federal quanto dos estados e municípios.
• O governo avalia ir ao STF para tentar
resolver algumas das questões?
Essa
não é uma decisão que cabe ao Ibama. As instâncias do governo vão avaliar. Mas
a gente tem ouvido que a sociedade civil e alguns partidos políticos devem
buscar o judiciário. E acho natural, porque é uma lei que altera algumas das
questões mais relevantes do ponto de vista de conservação e de proteção
ambiental do país.
• O senhor avalia que algum dos pontos da
lei, como ficou agora, pode ser considerado inconstitucional?
Eu acho
que tem pontos muito complicados. Têm pontos do licenciamento por adesão e
compromisso que são muito sensíveis. A exclusão de setores. O fim das licenças,
por exemplo, para atividade agropecuária no Brasil. São pontos que, de fato,
suscitam debates sobre a sua constitucionalidade.
A mesma
coisa em relação a não levar em consideração povos indígenas, populações
tradicionais, unidades de conservação, áreas quilombolas. Porque, em algum
momento, a demarcação não foi concluída, o reconhecimento, a titulação, não foi
reconhecida.
Por que
eu falo isso? Porque as populações estão lá. A população indígena está lá.
Embora a área possa não ter sido reconhecida, concluído o processo de
demarcação, eles estão lá. Não tem como o licenciamento ignorar a presença
deles no território.
Esse é
um ponto que eu não tenho dúvida que alguém vai levar para o judiciário. É
matéria constitucional. O próprio licenciamento ambiental está na Constituição,
no artigo 225. As terras indígenas estão no [artigo] 231. Então, não tem como
não dizer que é uma matéria constitucional.
• Atualmente, alguns estados e municípios
têm leis ambientais próprias que muitas vezes entram em conflito com as leis
federais e os casos acabam judicializados. Como fica essa questão agora, por
exemplo, com a Lei da Mata Atlântica?
A gente
só tinha lei para bioma para Mata Atlântica. Agora, recentemente, foi aprovada
uma para o Pantanal. A nova lei de licenciamento, agora com os vetos, suspendeu
a aplicação da lei da Mata Atlântica no que diz respeito às anuências para
desmatamento da Mata Atlântica.
Esse é
um ponto muito complicado porque você fragiliza a proteção de um bioma já
bastante sensível. A agricultura andou, nas últimas duas décadas, abandonando
as áreas de montanha, porque não consegue mecanizar.
Então,
a Mata Atlântica está tentando se regenerar. Hoje, a cobertura chega a 26%. Mas
é um dos biomas mais ameaçados do mundo, com número recorde de espécies
ameaçadas.
Várias
outras leis foram alteradas. Então, está sendo alterado o Estatuto da Cidade, a
Lei de Gerenciamento Costeiro, a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei da Mata
Atlântica. Tem muitas leis sendo alteradas nessa mudança da Lei de
Licenciamento Ambiental.
Todos
esses pontos também são sensíveis. No caso da Mata Atlântica, está dispensado
de anuência do Ibama para desmatamento da Mata Atlântica. Desmatamento
primário, vegetação primária e vegetação secundária.
• Sobre a mudança sobre a dispensa de
licenciamento para atividades da agropecuária, o que o senhor pensa que vai
acontecer a partir de agora?
O
licenciamento de uma propriedade dava uma tranquilidade para o proprietário
rural, de entender que a propriedade dele estava regularizada do ponto de vista
ambiental. Com o fim deste licenciamento, começa a ganhar força a ideia de que
quem vai cumprir com esse papel é o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Acontece
que, com a queda dos vetos, tirou o veto sobre [a necessidade de] o cadastro
ser validado, analisado. Então, o que acontece? Você vai ter situações de
propriedades rurais que não têm o CAR analisado pelo órgão que iria dizer se
aquela propriedade está cumprindo com a função socioambiental.
Também
vão ter dificuldade de comprovar que estão regulares perante as questões
ambientais. Isso vai dificultar porque muitos compradores de produtos
agrícolas, muitas traders, estavam exigindo o licenciamento ambiental para
poder comprar um determinado produto.
Estavam
exigindo já o Cadastro Ambiental Rural validado. O próprio Ibama, para poder
desembargar alguém que desmatou ilegalmente exigia a licença ambiental, mais o
Cadastro Ambiental Rural validado.
E
caíram as duas coisas. Caiu a licença e caiu o Cadastro Ambiental validado no
âmbito do licenciamento. Então, a gente não sabe ainda. Tem coisas que a gente
ainda não tem respostas de como é que vai ficar. Mas, obviamente, isso tem um
impacto.
E,
provavelmente, tem um impacto, inclusive, sobre financiamento. Porque muitos
bancos estavam exigindo a licença ambiental da propriedade para poder aprovar o
financiamento rural. Sem a licença ambiental, isso muda de figura.
• Neste ano, no licenciamento da quarta
etapa do pré-sal, o Ibama exigiu da Petrobras um programa de combate às
mudanças climáticas, para a empresa compensar não só o impacto ambiental, mas
também o impacto climático. Como está esse debate internamente no Ibama e por
que é importante?
O tema
das mudanças climáticas não aparece em nenhum momento da nova lei de
licenciamento. Então, era de se esperar que, se falasse em ter uma lei de
licenciamento moderna, ela deveria estar interessada em soluções para os
problemas de hoje. Um deles é o problema das mudanças climáticas.
Outro,
por exemplo, como lidar com as novas tecnologias. Como, por exemplo, vou lidar
com o uso de inteligência artificial no licenciamento. Isso também não aparece
em nenhum momento da nova legislação. Mas, a gente não tem dúvida de que os
novos poluentes são justamente os poluentes ligados às mudanças climáticas.
É onde
entra o CO2. Que sempre foi negligenciado. Nunca foi tratado como algo
significativo no âmbito do licenciamento ambiental. No pré-sal novo, pré-sal
fase 4, a gente está falando de uma produção de petróleo muito grande. Estamos
falando de 12 plataformas a serem construídas agora, de imediato, nos próximos
dois anos. Então, a equipe técnica entendeu por bem que um dos grandes impactos
que precisava ser mitigado, reduzido, são os impactos decorrentes das emissões
de gases de efeito estufa.
[Por
isso] a equipe exigiu um plano de mitigação. Num primeiro momento, houve uma
resistência da Petrobras. E depois a Petrobras acabou apresentando esse plano.
O plano foi aprovado. A gente entende que foi um gesto importante. E a
Petrobras acabou conseguindo essa licença. Essa semana, o Ministério Público
entrou com ação contra esse licenciamento. Mas o Ibama entende que era
necessário incluir nesse licenciamento o tema das mudanças climáticas.
Apesar
de não ter nenhum texto sobre esse assunto no âmbito da legislação na obra de
licenciamento ambiental, a gente acha que é um tema relevante. É um tema que
precisa ser tratado. Não é o licenciamento que vai decidir sobre a matriz
energética. Isso é um tema recorrente, não só no Brasil. Todo licenciamento
ambiental no mundo está sendo chamado a discutir essa questão. Matriz
energética é uma outra instância de discussão.
Esse
mesmo debate a gente enfrentou agora no âmbito da licença da Foz do Amazonas. A
decisão do governo sobre se vai ou não explorar petróleo não é do
licenciamento. O licenciamento tem que garantir segurança na atividade.
• Se toda essa discussão sobre a foz do
Amazonas fosse feita agora, depois dessas mudanças na lei, teria alguma
mudança?
Muito
provavelmente não. Ela foi fruto de um debate que durou 11 anos aqui dentro da
instituição. Só saiu porque, de fato, a Petrobras decidiu construir uma
instalação lá em Oiapoque [AP]. Melhorou muito o plano de emergência dela.
Foram feitas exigências que normalmente não se fazem na etapa de pesquisa.
Fonte:
Entrevista com Rodrigo Agostinho, para Amanda Audi, da Agencia Pública

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