sábado, 13 de dezembro de 2025

Como novas terapias estão mudando tratamento de um câncer sem cura

Eliana Mafra, 60, sempre foi ativa e frequentava a academia de musculação com disciplina. Mesmo assim, em 2022, começou a sentir uma dor persistente na costela direita — e depois na esquerda — que não melhorava com analgésicos. Após uma investigação inicial que apontou uma pedra no rim, a suspeita de sua filha hematologista a levou a novos exames: era mieloma múltiplo. Ela iniciou tratamento, passou por transplante de medula óssea e obteve melhoras, mas a doença voltou no início de 2025.

A história de Nícia Ribeiro Dalfré, 67, diagnosticada anos antes, também começou com dores inexplicáveis na costela, que surgiram enquanto andava de bicicleta. Os exames mostravam fragilidade óssea incompatível com sua idade e uma vértebra já fraturada. O diagnóstico de mieloma veio graças ao olhar atento de um estagiário. Nícia passou por quimioterapia, transplante e iniciou novas linhas de tratamento — algumas tão intensas que a deixavam sem conseguir fazer tarefas simples, como calçar seu sapato para trabalhar. Ela precisou se afastar do ofício.

O mieloma múltiplo, considerado uma doença rara e ainda sem cura, é um câncer dos plasmócitos — células responsáveis pela produção de anticorpos. Os tumores resultantes provocam anemia, dor e fragilidade óssea, cálcio elevado e, muitas vezes, insuficiência renal. A maior parte dos pacientes alterna entre períodos de remissão e recidiva, acumulando diferentes linhas de tratamento, que incluem quimioterapia, transplante, corticoides, imunomoduladores e anticorpos monoclonais.

Nos últimos anos, porém, o avanço de novas terapias tem mudado esse cenário. Estudos recentes mostram respostas mais profundas, remissões mais longas e melhor qualidade de vida — aproximando a doença de uma possível cura. Muitas dessas inovações foram apresentadas na 67ª Reunião Anual da ASH (Sociedade Americana de Hematologia), realizada em Orlando entre 6 e 9 de dezembro, acompanhada presencialmente pela CNN Brasil. Entenda mais a seguir.

<><> CAR-T e os avanços no tratamento oncológico

Um dos tratamentos mais promissores para o mieloma múltiplo é o CAR-T, uma terapia que usa as células do próprio paciente para atacar o tumor. Em um processo similar à hemodiálise, chamado aférese, as células T são extraídas do sangue do paciente e enviadas para laboratórios especializados, onde serão modificadas geneticamente. Essas células são recolocadas na corrente sanguínea do paciente, com a função de se multiplicar e atacar as células que formam tumores.

Em estudo apresentado no ASH 2025, uma das opções de CAR-T já aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Carvykti (ciltacabtagene autoleucel; cilta-cel) mostrou que a terapia leva a remissão duradoura em pacientes já na segunda linha de tratamento do mieloma. Segundo o trabalho, em 80% dos pacientes com mieloma múltiplo que retornou ou não respondeu bem aos tratamentos anteriores que receberam o Carvykti após a primeira recidiva, a doença não progrediu e nenhum tratamento adicional foi necessário em 2,5 anos.

"O CAR-T está revolucionando o tratamento do mieloma e está sendo passado para as linhas mais precoces de tratamento, fazendo com que o paciente tenha um maior benefício e maior tempo de resposta. Realmente é uma nova era", afirma Angelo Maiolino, hematologista e presidente da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular), à CNN Brasil.

Apesar de promissora, a terapia CAR-T ainda apresenta um grande desafio: seu elevado custo. O processo todo pode custar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões por paciente.

Em julho deste ano, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o Brasil iria desenvolver a terapia em território nacional. Nesta semana, o Einstein Hospital Israelita divulgou os resultados do primeiro estudo nacional de CAR-T aprovado pela Anvisa. Segundo o trabalho, 81% dos pacientes responderam bem ao tratamento e 72% alcançaram a remissão completa.

O projeto propõe desenvolver a terapia com células CAR-T localmente a um custo menor e, consequentemente, com disponibilidade mais rápida. Isso possibilitará levar o tratamento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, a longo prazo, adotá-lo em maior escala, segundo a pesquisa, divulgada na revista Blood.

"Eu diria que é um marco histórico para a oncologia e a hematologia brasileira", diz Nelson Hamerschlak, coordenador do departamento de Hematologia no Einstein e líder do estudo. "A manufatura acadêmica permite adaptar o processo à realidade do SUS, com protocolos padronizados e negociação centralizada."

Atualmente, Eliana é uma paciente em remissão do mieloma graças ao tratamento com CAR-T, ao qual teve acesso pelo plano de saúde após judicialização. A infusão das células geneticamente modificadas aconteceu em julho deste ano. Hoje, ela afirma que se sente curada.

"Eu voltei para a academia. Faço ioga. Eu voltei a trabalhar em uma empresa de móveis planejados", conta. "Eu me sinto curada e privilegiada", completa.

<><> Diferentes opções de imunoterapia aprovadas e em estudo

Outro tipo de tratamento inovador é a combinação de anticorpos, como a união entre Tecvayli (teclistamab) e o Darzalex Faspro (daratumumab), ambos da Johnson & Johnson.

O teclistamab é um anticorpo biespecífico que atua se ligando a duas células: a do mieloma e a da célula T, a principal do sistema imunológico. Ele faz com que o sistema imune ataque as células do mieloma, aumentando a taxa de morte celular maligna (ou seja, destruindo o câncer). Já o daratumumab é um anticorpo específico que atua atraindo as células de defesa do corpo para atacar a célula do mieloma, combatendo o câncer.

Um estudo, também apresentado no ASH 2025, mostrou que a combinação desses dois anticorpos reduziu em 83% o risco de avanço da doença ou morte, em comparação com o tratamento padrão (daratumumab e dexametasona com pomalidomida ou bortezomibe - DPd/DVd). A terapia já foi submetida para aprovação pela Anvisa.

Para Vânia Hungria, onco-hematologista e cofundadora da IMF (International Myeloma Foundation) na América Latina, o novo tratamento mostra uma superioridade muito alta em relação à estratégia terapêutica padrão.

"Hoje nós podemos falar na expectativa de ter uma cura funcional, que é aquele paciente que tem uma resposta tão profunda e sustentada por muitos anos [com os novos tratamentos]", afirma a especialista.

Após receber duas linhas de tratamento, sem melhora nos sintomas e qualidade de vida, Nícia passou a fazer parte do protocolo de estudo com a combinação de teclistamab e daratumumab. Ela considera que sua qualidade de vida melhorou após o início da terapia.

"Eu me sinto bem, com limitações, mas bem", conta. "A minha doença não tem cura, mas eu estou vivendo e eu tenho bastante expectativa da minha vida."

Ainda em relação a anticorpos, a Johnson & Johnson também apresentou durante o ASH 2025 os resultados de outro estudo, publicado no New England Journal of Medicine. O trabalho testou uma terapia que combina dois anticorpos biespecíficos, o talquetamab e o teclistamab, para o tratamento de mieloma extramedular, que é um tipo mais raro e agressivo do mieloma múltiplo.

Do total de 90 pacientes que participaram do estudo, 79% tiveram resposta positiva ao tratamento, ou seja, tiveram o tumor reduzido ou controlado. Desses, 64% mantiveram essa resposta por pelo menos um ano.

"Essa é uma característica de doença muito agressiva e os pacientes tinham uma sobrevida muito curta, infelizmente, de cerca de seis meses ou até menos", explica o hematologista Edvan Crusoé à CNN Brasil. "Com essa nova terapia, o paciente consegue ter até 15 meses de sobrevida sem progressão da doença. É um estudo pequeno, porque é uma condição muito rara, mas deu um respiro muito grande", afirma.

Em outubro deste ano, a Anvisa aprovou um outro medicamento para mieloma múltiplo. O blenrep (belantamabe mafodotina), desenvolvido pela GSK, é um medicamento conjugado que combina um anticorpo monoclonal direcionado ao antígeno de maturação de células B (BCMA), com a mafodotina, uma carga citotóxica.

Essa combinação permite a ligação seletiva às células do mieloma, liberando o agente quimioterápico no interior da célula e induzindo sua morte. Em estudos, a terapia foi capaz de reduzir o risco de avanço e morte pela doença em pacientes que tiveram recaída ou que não responderam com sucesso ao tratamento anterior.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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