Como
novas terapias estão mudando tratamento de um câncer sem cura
Eliana
Mafra, 60, sempre foi ativa e frequentava a academia de musculação com
disciplina. Mesmo assim, em 2022, começou a sentir uma dor persistente na
costela direita — e depois na esquerda — que não melhorava com analgésicos.
Após uma investigação inicial que apontou uma pedra no rim, a suspeita de sua
filha hematologista a levou a novos exames: era mieloma múltiplo. Ela iniciou
tratamento, passou por transplante de medula óssea e obteve melhoras, mas a
doença voltou no início de 2025.
A
história de Nícia Ribeiro Dalfré, 67, diagnosticada anos antes, também começou
com dores inexplicáveis na costela, que surgiram enquanto andava de bicicleta.
Os exames mostravam fragilidade óssea incompatível com sua idade e uma vértebra
já fraturada. O diagnóstico de mieloma veio graças ao olhar atento de um
estagiário. Nícia passou por quimioterapia, transplante e iniciou novas linhas
de tratamento — algumas tão intensas que a deixavam sem conseguir fazer tarefas
simples, como calçar seu sapato para trabalhar. Ela precisou se afastar do
ofício.
O
mieloma múltiplo, considerado uma doença rara e ainda sem cura, é um câncer dos
plasmócitos — células responsáveis pela produção de anticorpos. Os tumores
resultantes provocam anemia, dor e fragilidade óssea, cálcio elevado e, muitas
vezes, insuficiência renal. A maior parte dos pacientes alterna entre períodos
de remissão e recidiva, acumulando diferentes linhas de tratamento, que incluem
quimioterapia, transplante, corticoides, imunomoduladores e anticorpos
monoclonais.
Nos
últimos anos, porém, o avanço de novas terapias tem mudado esse cenário.
Estudos recentes mostram respostas mais profundas, remissões mais longas e
melhor qualidade de vida — aproximando a doença de uma possível cura. Muitas
dessas inovações foram apresentadas na 67ª Reunião Anual da ASH (Sociedade
Americana de Hematologia), realizada em Orlando entre 6 e 9 de dezembro,
acompanhada presencialmente pela CNN Brasil. Entenda mais a seguir.
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CAR-T e os avanços no tratamento oncológico
Um dos
tratamentos mais promissores para o mieloma múltiplo é o CAR-T, uma terapia que
usa as células do próprio paciente para atacar o tumor. Em um processo similar
à hemodiálise, chamado aférese, as células T são extraídas do sangue do
paciente e enviadas para laboratórios especializados, onde serão modificadas
geneticamente. Essas células são recolocadas na corrente sanguínea do paciente,
com a função de se multiplicar e atacar as células que formam tumores.
Em
estudo apresentado no ASH 2025, uma das opções de CAR-T já aprovadas pela
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Carvykti (ciltacabtagene
autoleucel; cilta-cel) mostrou que a terapia leva a remissão duradoura em
pacientes já na segunda linha de tratamento do mieloma. Segundo o trabalho, em
80% dos pacientes com mieloma múltiplo que retornou ou não respondeu bem aos
tratamentos anteriores que receberam o Carvykti após a primeira recidiva, a
doença não progrediu e nenhum tratamento adicional foi necessário em 2,5 anos.
"O
CAR-T está revolucionando o tratamento do mieloma e está sendo passado para as
linhas mais precoces de tratamento, fazendo com que o paciente tenha um maior
benefício e maior tempo de resposta. Realmente é uma nova era", afirma
Angelo Maiolino, hematologista e presidente da ABHH (Associação Brasileira de
Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular), à CNN Brasil.
Apesar
de promissora, a terapia CAR-T ainda apresenta um grande desafio: seu elevado
custo. O processo todo pode custar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões por
paciente.
Em
julho deste ano, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o Brasil
iria desenvolver a terapia em território nacional. Nesta semana, o Einstein
Hospital Israelita divulgou os resultados do primeiro estudo nacional de CAR-T
aprovado pela Anvisa. Segundo o trabalho, 81% dos pacientes responderam bem ao
tratamento e 72% alcançaram a remissão completa.
O
projeto propõe desenvolver a terapia com células CAR-T localmente a um custo
menor e, consequentemente, com disponibilidade mais rápida. Isso possibilitará
levar o tratamento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, a longo prazo, adotá-lo
em maior escala, segundo a pesquisa, divulgada na revista Blood.
"Eu
diria que é um marco histórico para a oncologia e a hematologia
brasileira", diz Nelson Hamerschlak, coordenador do departamento de
Hematologia no Einstein e líder do estudo. "A manufatura acadêmica permite
adaptar o processo à realidade do SUS, com protocolos padronizados e negociação
centralizada."
Atualmente,
Eliana é uma paciente em remissão do mieloma graças ao tratamento com CAR-T, ao
qual teve acesso pelo plano de saúde após judicialização. A infusão das células
geneticamente modificadas aconteceu em julho deste ano. Hoje, ela afirma que se
sente curada.
"Eu
voltei para a academia. Faço ioga. Eu voltei a trabalhar em uma empresa de
móveis planejados", conta. "Eu me sinto curada e privilegiada",
completa.
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Diferentes opções de imunoterapia aprovadas e em estudo
Outro
tipo de tratamento inovador é a combinação de anticorpos, como a união entre
Tecvayli (teclistamab) e o Darzalex Faspro (daratumumab), ambos da Johnson
& Johnson.
O
teclistamab é um anticorpo biespecífico que atua se ligando a duas células: a
do mieloma e a da célula T, a principal do sistema imunológico. Ele faz com que
o sistema imune ataque as células do mieloma, aumentando a taxa de morte
celular maligna (ou seja, destruindo o câncer). Já o daratumumab é um anticorpo
específico que atua atraindo as células de defesa do corpo para atacar a célula
do mieloma, combatendo o câncer.
Um
estudo, também apresentado no ASH 2025, mostrou que a combinação desses dois
anticorpos reduziu em 83% o risco de avanço da doença ou morte, em comparação
com o tratamento padrão (daratumumab e dexametasona com pomalidomida ou
bortezomibe - DPd/DVd). A terapia já foi submetida para aprovação pela Anvisa.
Para
Vânia Hungria, onco-hematologista e cofundadora da IMF (International Myeloma
Foundation) na América Latina, o novo tratamento mostra uma superioridade muito
alta em relação à estratégia terapêutica padrão.
"Hoje
nós podemos falar na expectativa de ter uma cura funcional, que é aquele
paciente que tem uma resposta tão profunda e sustentada por muitos anos [com os
novos tratamentos]", afirma a especialista.
Após
receber duas linhas de tratamento, sem melhora nos sintomas e qualidade de
vida, Nícia passou a fazer parte do protocolo de estudo com a combinação de
teclistamab e daratumumab. Ela considera que sua qualidade de vida melhorou
após o início da terapia.
"Eu
me sinto bem, com limitações, mas bem", conta. "A minha doença não
tem cura, mas eu estou vivendo e eu tenho bastante expectativa da minha
vida."
Ainda
em relação a anticorpos, a Johnson & Johnson também apresentou durante o
ASH 2025 os resultados de outro estudo, publicado no New England Journal of
Medicine. O trabalho testou uma terapia que combina dois anticorpos
biespecíficos, o talquetamab e o teclistamab, para o tratamento de mieloma
extramedular, que é um tipo mais raro e agressivo do mieloma múltiplo.
Do
total de 90 pacientes que participaram do estudo, 79% tiveram resposta positiva
ao tratamento, ou seja, tiveram o tumor reduzido ou controlado. Desses, 64%
mantiveram essa resposta por pelo menos um ano.
"Essa
é uma característica de doença muito agressiva e os pacientes tinham uma
sobrevida muito curta, infelizmente, de cerca de seis meses ou até menos",
explica o hematologista Edvan Crusoé à CNN Brasil. "Com essa nova terapia,
o paciente consegue ter até 15 meses de sobrevida sem progressão da doença. É
um estudo pequeno, porque é uma condição muito rara, mas deu um respiro muito
grande", afirma.
Em
outubro deste ano, a Anvisa aprovou um outro medicamento para mieloma múltiplo.
O blenrep (belantamabe mafodotina), desenvolvido pela GSK, é um medicamento
conjugado que combina um anticorpo monoclonal direcionado ao antígeno de
maturação de células B (BCMA), com a mafodotina, uma carga citotóxica.
Essa
combinação permite a ligação seletiva às células do mieloma, liberando o agente
quimioterápico no interior da célula e induzindo sua morte. Em estudos, a
terapia foi capaz de reduzir o risco de avanço e morte pela doença em pacientes
que tiveram recaída ou que não responderam com sucesso ao tratamento anterior.
Fonte:
CNN Brasil

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