Abusividade
da vedação ao home care pelos planos de saúde
O home
care tem se consolidado como um tema de grande relevância e merece ampla
discussão em diversos campos do conhecimento, especialmente no âmbito jurídico,
no qual se busca delimitar o alcance e as fronteiras dessa modalidade de
tratamento. Em um cenário contemporâneo marcado pelo envelhecimento
populacional, pelo aumento das doenças crônicas e degenerativas e pela
crescente preocupação com infecções hospitalares, o home care surge como uma
alternativa viável, humanizada e alinhada às novas demandas sociais e de saúde.
Em
síntese, os serviços contemplados pelo home care abrangem: acompanhamento por
equipe multidisciplinar; atendimento de urgência e emergência; capacitação e
orientação ao cuidador; administração de medicações injetáveis; realização de
curativos especiais; suporte nutricional parenteral; assistência de enfermagem
24 horas para pacientes em ventilação mecânica invasiva; além do fornecimento
de materiais e serviços para sondagem vesical de demora e cuidados com
estomias.
Nesse
sentido, o Parecer Técnico nº 05/GCITS/GGRAS/Dipro/2024 da ANS discorre acerca
das coberturas obrigatórias na atenção domiciliar a serem garantidas pelos
planos privados de saúde, enfatizando que, quando a operadora disponibilizar a
internação domiciliar em substituição à internação hospitalar —
independentemente de haver ou não previsão contratual —, deverá atender às
exigências estabelecidas pelas normas vigentes da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e às disposições contidas nas alíneas “c”, “d”,
“e” e “g” do inciso II do artigo 12 da Lei nº 9.656/1998, conforme o artigo 13
da Resolução Normativa nº 465/2021.
Destaca,
ainda, que, nos casos em que a atenção domiciliar não substitua a internação
hospitalar, sua prestação deverá seguir o que estiver previsto em contrato ou o
que for pactuado entre as partes, nos termos do parágrafo único do artigo 13 da
mesma resolução.
Por
fim, ressalta que, se a operadora — na ausência de previsão contratual —
recusar-se a fornecer o serviço de internação domiciliar mesmo havendo
indicação médica, o beneficiário deverá permanecer internado em ambiente
hospitalar até que seja concedida a alta médica.
Ou
seja, mesmo que este parecer tenha reafirmado que “somente o médico assistente
do beneficiário poderá determinar se há ou não indicação de internação
domiciliar em substituição à internação hospitalar”, admite a recusa de
fornecimento desse tratamento pelo plano de saúde quando inexistir previsão
contratual, ainda que se tenha indicação médica — o que vai de encontro ao
princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito da saúde do paciente.
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Decisão do STJ
À vista
desse cenário, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou os Recursos
Especiais nº 2.153.093/SP, 2.171.580/MG e 2.171.577/SP, de relatoria do
ministro João Otávio de Noronha, como Tema Repetitivo nº 1340, que visa a
delimitar se seria abusiva a cláusula contratual que veda a internação
domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar, à luz da Lei
nº 9.656/1998.
Em seu
voto pela afetação dos recursos, o ministro relator destacou que o caráter
repetitivo da matéria decorre, entre outros fatores, da existência de mais de
130 acórdãos e 2.000 decisões monocráticas proferidas pelo Superior Tribunal de
Justiça sobre controvérsia idêntica a dos recursos afetados, evidenciando
divergência interpretativa entre as Turmas do próprio STJ e entre os
posicionamentos adotados pelos tribunais estaduais.
Diante
disso, a 2ª Seção aceitou a proposta de afetação do tema, determinando a
suspensão do processamento dos feitos em que tenha havido a interposição de
recurso especial ou de agravo em recurso especial, em tramitação na segunda
instância ou no STJ, que versem sobre idêntica questão jurídica.
O
Ministério Público Federal apresentou parecer pela fixação da tese de
abusividade da cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care)
como alternativa à internação hospitalar, defendendo que seria devida a
cobertura pelo plano de saúde quando houver prescrição médica, mesmo que o
procedimento não esteja previsto no rol da ANS, desde que comprovada sua
eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano
terapêutico, nos termos do artigo 10, §13, I, da Lei nº 9.656/1998, com a
redação dada pela Lei nº 14.454/2022.
Até a
presente data, requereram ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae, a
União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas); a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS); e a Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde). Todas já adiantaram seu posicionamento, argumentando
pela não abusividade da cláusula contratual vedando a internação domiciliar
(home care) como alternativa à internação hospitalar.
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Impacto no setor da saúde
O
julgamento do Tema Repetitivo nº 1340 terá impacto significativo no setor da
saúde, especialmente pela crescente judicialização de temas relacionados à
saúde suplementar, que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
atingiu número recorde em junho de 2025.
Antes
da afetação dos referidos recursos especiais, o próprio Superior Tribunal de
Justiça, em alguns casos, já havia se posicionado no sentido de que a
internação domiciliar (home care) constitui desdobramento do tratamento
hospitalar contratualmente previsto, sendo indevida qualquer limitação por
parte da operadora do plano de saúde.
Vale
dizer, então, que, mesmo na ausência de previsão contratual, os planos de saúde
são obrigados a fornecer a internação domiciliar em substituição à internação
hospitalar quando houver prescrição médica demonstrando a premência dessa
modalidade de assistência.
Isso,
pois, já parece ser pacifico o entendimento de que o plano de saúde não pode
fazer às vezes do médico que assiste o paciente, podendo apenas limitar as
doenças cobertas — mas não o seu tipo de tratamento: “o plano de saúde pode
estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica
indicada por profissional habilitado na busca da cura, e que é abusiva a
cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento
imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário”
(STJ, AgInt no AREsp 1.100.866/CE , Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI , 3º Turma,
DJe de 30/11/2017).
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Recusa e vedação configura abuso
Portanto,
se há necessidade de internação domiciliar por enfermidade cuja cobertura
esteja estabelecida pelo plano de saúde, é evidente que a operadora deverá ser
obrigada a custeá-la, sendo abusiva sua recusa ou a inclusão de cláusula que
vede esse tipo de tratamento.
Concluir
pela não abusividade da cláusula que veda essa modalidade de assistência é
contrariar o próprio Direito. Se em outros casos, como os de medicamento, por
exemplo, o plano de saúde é obrigado a custeá-lo quando existente previsão de
cobertura da doença e indicação médica — mesmo não estando explicitamente
previsto no Rol da ANS —, por que seria diferente com a internação domiciliar?
Fato é
que, com a Lei 14.454/2022, a evidência científica alcançou novo patamar, sendo
considerada respaldo obrigatório para a concessão de medicamentos e tratamentos
pelas operadoras.
Dessa
maneira, havendo base científica conceituada e influente, negar o tratamento à
paciente acamado, com complexidades terapêuticas, e que tenha recomendação
médica de internação domiciliar, é completamente condenável e contrário ao
próprio direito, razão pela qual a cláusula contratual que veda a internação
domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar deve ser
considerada completamente abusiva.
Fonte:
por Daniel Paciornik e Maria Vitoria Sabino, na Conjur

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