sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Abusividade da vedação ao home care pelos planos de saúde

O home care tem se consolidado como um tema de grande relevância e merece ampla discussão em diversos campos do conhecimento, especialmente no âmbito jurídico, no qual se busca delimitar o alcance e as fronteiras dessa modalidade de tratamento. Em um cenário contemporâneo marcado pelo envelhecimento populacional, pelo aumento das doenças crônicas e degenerativas e pela crescente preocupação com infecções hospitalares, o home care surge como uma alternativa viável, humanizada e alinhada às novas demandas sociais e de saúde.

Em síntese, os serviços contemplados pelo home care abrangem: acompanhamento por equipe multidisciplinar; atendimento de urgência e emergência; capacitação e orientação ao cuidador; administração de medicações injetáveis; realização de curativos especiais; suporte nutricional parenteral; assistência de enfermagem 24 horas para pacientes em ventilação mecânica invasiva; além do fornecimento de materiais e serviços para sondagem vesical de demora e cuidados com estomias.

Nesse sentido, o Parecer Técnico nº 05/GCITS/GGRAS/Dipro/2024 da ANS discorre acerca das coberturas obrigatórias na atenção domiciliar a serem garantidas pelos planos privados de saúde, enfatizando que, quando a operadora disponibilizar a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar — independentemente de haver ou não previsão contratual —, deverá atender às exigências estabelecidas pelas normas vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e às disposições contidas nas alíneas “c”, “d”, “e” e “g” do inciso II do artigo 12 da Lei nº 9.656/1998, conforme o artigo 13 da Resolução Normativa nº 465/2021.

Destaca, ainda, que, nos casos em que a atenção domiciliar não substitua a internação hospitalar, sua prestação deverá seguir o que estiver previsto em contrato ou o que for pactuado entre as partes, nos termos do parágrafo único do artigo 13 da mesma resolução.

Por fim, ressalta que, se a operadora — na ausência de previsão contratual — recusar-se a fornecer o serviço de internação domiciliar mesmo havendo indicação médica, o beneficiário deverá permanecer internado em ambiente hospitalar até que seja concedida a alta médica.

Ou seja, mesmo que este parecer tenha reafirmado que “somente o médico assistente do beneficiário poderá determinar se há ou não indicação de internação domiciliar em substituição à internação hospitalar”, admite a recusa de fornecimento desse tratamento pelo plano de saúde quando inexistir previsão contratual, ainda que se tenha indicação médica — o que vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito da saúde do paciente.

<><> Decisão do STJ

À vista desse cenário, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou os Recursos Especiais nº 2.153.093/SP, 2.171.580/MG e 2.171.577/SP, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha, como Tema Repetitivo nº 1340, que visa a delimitar se seria abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar, à luz da Lei nº 9.656/1998.

Em seu voto pela afetação dos recursos, o ministro relator destacou que o caráter repetitivo da matéria decorre, entre outros fatores, da existência de mais de 130 acórdãos e 2.000 decisões monocráticas proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça sobre controvérsia idêntica a dos recursos afetados, evidenciando divergência interpretativa entre as Turmas do próprio STJ e entre os posicionamentos adotados pelos tribunais estaduais.

Diante disso, a 2ª Seção aceitou a proposta de afetação do tema, determinando a suspensão do processamento dos feitos em que tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial, em tramitação na segunda instância ou no STJ, que versem sobre idêntica questão jurídica.

O Ministério Público Federal apresentou parecer pela fixação da tese de abusividade da cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar, defendendo que seria devida a cobertura pelo plano de saúde quando houver prescrição médica, mesmo que o procedimento não esteja previsto no rol da ANS, desde que comprovada sua eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, nos termos do artigo 10, §13, I, da Lei nº 9.656/1998, com a redação dada pela Lei nº 14.454/2022.

Até a presente data, requereram ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas); a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). Todas já adiantaram seu posicionamento, argumentando pela não abusividade da cláusula contratual vedando a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar.

<><> Impacto no setor da saúde

O julgamento do Tema Repetitivo nº 1340 terá impacto significativo no setor da saúde, especialmente pela crescente judicialização de temas relacionados à saúde suplementar, que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atingiu número recorde em junho de 2025.

Antes da afetação dos referidos recursos especiais, o próprio Superior Tribunal de Justiça, em alguns casos, já havia se posicionado no sentido de que a internação domiciliar (home care) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto, sendo indevida qualquer limitação por parte da operadora do plano de saúde. 

Vale dizer, então, que, mesmo na ausência de previsão contratual, os planos de saúde são obrigados a fornecer a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar quando houver prescrição médica demonstrando a premência dessa modalidade de assistência.

Isso, pois, já parece ser pacifico o entendimento de que o plano de saúde não pode fazer às vezes do médico que assiste o paciente, podendo apenas limitar as doenças cobertas — mas não o seu tipo de tratamento: “o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura, e que é abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário” (STJ, AgInt no AREsp 1.100.866/CE , Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI , 3º Turma, DJe de 30/11/2017).

<><> Recusa e vedação configura abuso

Portanto, se há necessidade de internação domiciliar por enfermidade cuja cobertura esteja estabelecida pelo plano de saúde, é evidente que a operadora deverá ser obrigada a custeá-la, sendo abusiva sua recusa ou a inclusão de cláusula que vede esse tipo de tratamento.

Concluir pela não abusividade da cláusula que veda essa modalidade de assistência é contrariar o próprio Direito. Se em outros casos, como os de medicamento, por exemplo, o plano de saúde é obrigado a custeá-lo quando existente previsão de cobertura da doença e indicação médica — mesmo não estando explicitamente previsto no Rol da ANS —, por que seria diferente com a internação domiciliar?

Fato é que, com a Lei 14.454/2022, a evidência científica alcançou novo patamar, sendo considerada respaldo obrigatório para a concessão de medicamentos e tratamentos pelas operadoras.

Dessa maneira, havendo base científica conceituada e influente, negar o tratamento à paciente acamado, com complexidades terapêuticas, e que tenha recomendação médica de internação domiciliar, é completamente condenável e contrário ao próprio direito, razão pela qual a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar deve ser considerada completamente abusiva.

 

Fonte: por Daniel Paciornik e Maria Vitoria Sabino, na Conjur

 

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