quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Auditores-fiscais paralisam atividades após ministro fragilizar combate a trabalho escravo

Mais de 380 auditores fiscais do trabalho paralisaram suas atividades em protesto após ações do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, beneficiarem empregadores que foram flagrados pelos fiscais mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão. Os auditores consideram que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) tem vivido sob um “regime administrativo de exceção” que fragiliza o combate à escravização e assedia moralmente os funcionários públicos.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores citam ao menos três interferências do ministro, chamadas avocações, em processos que haviam concluído pela inclusão de empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo. Entretanto, fontes ouvidas pela Agência Pública alertam que o número pode ser maior, já que o ministro colocou as decisões a respeito das avocações sob sigilo.

O caso mais conhecido envolve a JBS Aves, que foi retirada da lista após Marinho decidir pela reavaliação do processo que envolvia a empresa pela consultoria jurídica do ministério, o que não é parte do trâmite normal para inclusão de um empregador no cadastro. De acordo com os auditores, a ação do ministro é inédita e cria uma instância recursal administrativa extra e que não atende aos critérios técnicos de Inspeção ao Trabalho. Entre as justificativas para a avocação, um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) citou a “relevância econômica” da empresa envolvida. A Pública revelou que a ação fez com que todos os coordenadores estaduais de combate ao trabalho escravo deixassem seus postos.

Na última terça-feira, 2 de dezembro, a Justiça do Trabalho determinou que a JBS Aves e as outras duas empresas sejam incluídas imediatamente na lista suja. A decisão argumentou que houve tentativa do governo federal de barrar a divulgação dos nomes por motivos políticos e econômicos, e não com base em critérios técnicos ou legais. O MTE afirmou que recorrerá da decisão.

No documento em que comunicam a paralisação, os auditores classificam as avocações como “indevidas” e criticam a declaração de sigilo em relação às análises do ministério. Os funcionários públicos também ressaltam que a “dispensa de publicidade” dos atos “é incompatível com o Estado Democrático de Direito”.

Os auditores afirmam que não realizarão “novas operações de fiscalização de combate ao trabalho escravo em âmbito nacional e regional”, mas que as operações já iniciadas serão concluídas. Como condições para o retorno ao trabalho, eles pedem a anulação ou suspensão dos efeitos das avocações, a garantia formal de que nenhum auditor sofrerá retaliação e a abertura dos processos sigilosos para escrutínio público.

“Esse movimento é em resposta ao recrudescimento que está ocorrendo por parte do Ministro do Trabalho na autonomia da inspeção do trabalho e nas ações dos auditores fiscais do trabalho”, explicou à reportagem o auditor e membro da coordenação executiva nacional da Anafitra (Associação Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho), Mário Diniz.

Interferência do ministro resultou em anulação e auditores denunciam assédio moral

Outra interferência de Marinho envolve a empresa baiana Santa Colomba, cujos seguranças privados algemaram, agrediram, e trancaram um trabalhador em um quarto, conforme revelado pelo Brasil de Fato. Como o processo está sob sigilo, não é possível acessar a conclusão da consultoria jurídica do ministério sobre o caso.

No caso que envolve a APAEB (Associação Comunitária de Produção e Comercialização) do SISAL, entretanto, um documento obtido pela Pública indica que a consultoria do MTE concluiu “nulidade absoluta” dos autos de infração que haviam baseado a inclusão da APAEB na Lista Suja do Trabalho Escravo ainda em 2024. Ou seja, após a avocação, o processo e a punição foram extintos. Na carta de informe do protesto, os auditores afirmam que, após a decisão, o caso foi enviado à Corregedoria, “configurando ameaça direta e criminalização da atividade técnica regular” dos fiscais.

“Os auditores estão em choque com essa atitude do ministro, que não aconteceu nem nos regimes de exceção, nem no governo anterior e nem no governo que se organizou depois da deposição da presidente [Dilma Rousseff]”, afirmou Diniz.

O documento assinado pelos auditores que aderiram à paralisação concluiu que “a realidade apresentada, para além das flagrantes ilegalidades demonstradas, possui claros indícios de prática de assédio moral e institucional contra a categoria”.

Além de já terem apresentado uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ao STF (Supremo Tribunal Federal), que aguarda análise do magistrado que substituirá o ex-ministro Luís Roberto Barroso, os auditores também pretendem levar o caso à OIT (Organização Internacional do Trabalho).

•        Justiça atende MPT e determina retorno imediato da JBS à Lista Suja do Trabalho Escravo

Após ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT) apontar a gravidade dos atos do Ministério do Trabalho e Emprego e processar a União para restabelecer a transparência da Lista Suja, a juíza do Trabalho Substituta Katarina Roberta Mousinho de Matos determinou que JBS Aves, Santa Colomba e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal (Apaeb) retornem em cinco dias ao Cadastro de Empregadores, a chamada Lista Suja de Trabalho Escravo.

O Cadastro é gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e uma das políticas públicas mais importantes no combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Apenas empresas que já tenham esgotado todos os recursos administrativos, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, e que recebam decisões administrativas finais são incluídas na Lista.

Recentemente, o ministro do Trabalho e Emprego adotou uma série de medidas que impediram a inclusão de empresas na lista, mesmo após processos administrativos concluídos. JBS Aves, Santa Colomba Agropecuária e Apaeb foram beneficiadas por avocação do ministro do Trabalho e Emprego, que retirou as empresas do Cadastro. A situação foi ainda mais grave porque um dos despachos determinou que o ato não fosse publicado, impedindo a transparência sobre medidas de combate ao trabalho escravo. Diante do cenário, o MPT processou a União para determinar o retorno das empresas flagradas explorando trabalho análogo ao de escravo ao Cadastro de Empregadores.

Segundo o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT, Luciano Aragão, “a avocação pelo ministro do Trabalho e Emprego expõe uma ferida profunda no Estado de Direito: a captura do devido processo legal pelo poder econômico. O episódio não é apenas mais um caso de interferência política – é o sintoma de um sistema que protege grandes corporações enquanto abandona trabalhadores à própria sorte”.

A juíza Katarina Roberta classificou como grave o ato de impor um “sigilo injustificável, que visa blindar os atos do controle social e judicial”. Ela lembrou que a Portaria Interministerial nº 4/2016, que dispõe sobre o Cadastro de Empregadores, veda a interferência política e que a avocação “afronta a finalidade administrativa, a impessoalidade, a moralidade, a jurisprudência do STF e a própria Portaria”.

Para a magistrada, a gravidade dos fatos narrados, envolvendo tráfico de pessoas, falsas promessas, endividamento e condições degradantes tornam ainda mais inadmissível a tentativa de obstrução.

O procurador Luciano Aragão destacou que o argumento da relevância econômica “esconde escolha política clara: priorizar interesses corporativos sobre direitos trabalhistas. Aceitar que empresas poderosas merecem tratamento diferenciado é admitir que o Estado brasileiro se curva ao capital, mesmo quando este escraviza”.

Além do retorno das empresas flagradas explorando trabalho análogo ao de escravo, a decisão judicial proíbe a avocação indevida pelo ministro do Trabalho e Emprego. Também fica proibido o sigilo de atos decisórios ou a dispensa de publicação, garantindo a transparência da ferramenta do Cadastro de Empregadores. A magistrada alerta que eventual descumprimento pode caracterizar crime de responsabilidade e desobediência, improbidade administrativa e responsabilização pessoal da autoridade omissa.

 

Fonte: Por Laura Scofield, da Agencia Pública

 

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