Marcio
Chaer: Manual de como fabricar escândalos, escamoteando fatos
Está em
cartaz mais um factoide que, se fosse checado, não seria notícia — muito menos
escândalo. O mote tem ares de verossimilhança: o ministro do Supremo Tribunal
Federal que relata causa que envolve o Banco Master viajou no mesmo avião em
que estava um dos muitos advogados que atuam no caso.
Para
construir o espetáculo, como de hábito, omitem-se fatos que esfriariam a
narrativa. Por exemplo, a viagem em questão começou no dia 28, uma sexta, pela
manhã. No STF, o processo só seria distribuído no final do dia.
Quem
entrou com o pedido, diferentemente da notícia errada, não foi o passageiro
Augusto Botelho, mas os advogados de Daniel Vorcaro. A reclamação foi
distribuída livremente ao ministro Dias Toffoli.
Botelho,
na condição de advogado do diretor de compliance do Master, só pediria para se
habilitar no processo — algo de rotina — na segunda-feira (1º/12).
Depois
que a imprensa entregou a análise dos fatos jurídicos e judiciários a cronistas
que se apresentam como “cientistas sociais” e outros especialistas — para
evitar profissionais do Direito que não cumprem a pauta dos jornais — tudo
virou imoral. Instalou-se o estado de presunção da desonestidade.
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Cautela imprescindível
No caso
da decisão do ministro Toffoli (na apreciação preliminar das acusações contra o
Master), a lógica jurídica teve a finalidade de evitar nulidade do processo.
Durante a investigação, o juiz de primeira instância autorizou medida de busca
e apreensão, em que determinou que a polícia recolhesse todos os elementos que
fossem de interesse da investigação.
Na
execução, um agente policial apreendeu um documento com o nome de um deputado
federal, entendendo que se tratava de elemento de interesse da investigação.
Reconheceu-se ainda que também o parlamentar era de interesse da investigação.
Logo, a remessa para o STF — em razão das regras de prerrogativa de foro —
tornou-se inevitável.
Mais do
que isso, já que é bastante provável que nos aparelhos celulares e nos
documentos apreendidos existam menções a outras autoridades com prerrogativa de
foro. Nesse caso, toda e qualquer decisão do juiz de primeiro grau, a partir
daí, representaria nulidade apta a invalidar toda a investigação feita.
Inclusive os resultados da busca e apreensão.
Diante
disso, e para evitar uma reviravolta, o ministro determinou que toda e qualquer
decisão nos autos deveria passar por ele. Não suspendeu as investigações, não
interrompeu as análises. Apenas, por cautela, assegurou que o juiz competente,
no caso ele, decidisse sobre qualquer questão. Nada de absurdo, nada de ilegal,
nada de estranho. Apenas uma cautela para evitar nulidades futuras.
• Toffoli viaja com advogado palmeirense e
vira alvo da velha mídia. Por Esmael Moraes
A
viagem do ministro Dias Toffoli em jato privado com um advogado palmeirense
ligado ao caso Master repercutiu intensamente num momento em que o magistrado
passou a enfrentar a herança tóxica da Lava Jato. No STF, Toffoli ordenou busca
e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba, gesto raro que atingiu o coração
do lavajatismo e desmontou um dos últimos pilares simbólicos da operação.
No
sábado (29/11), o Flamengo venceu o Palmeiras por 1 a 0 e conquistou sua quarta
Libertadores. A final foi disputada no Estádio Monumental, em Lima, no Peru.
A
coincidência entre as duas frentes, a jurídica e a midiática, despertou a
sensação de contraofensiva. A velha mídia, historicamente alinhada às teses da
Lava Jato e ao sistema de poder que a sustentou, reagiu com velocidade ao
episódio do jatinho. A narrativa ganhou tintas de escândalo justamente depois
de o ministro tocar num dos nervos expostos da República, conforme registraram
análises recentes do Blog do Esmael.
Nas
reportagens e editoriais dos grandes veículos, a viagem palmeirense passou a
ser explorada como se representasse quebra de imparcialidade. Mas o contexto
revela outra face, oculta, que a velha mídia não mostra. Toffoli havia
determinado a devassa na 13ª Vara, a mesma que por anos operou em harmonia com
a imprensa corporativa, formou o “consórcio lavajatista” e alimentou manchetes
construídas em simbiose com procuradores e juízes que depois foram
desmoralizados.
A
atuação do ministro incomodou setores que preferem enterrar o passado sem
prestar contas à sociedade. A ordem de busca e apreensão expôs fluxos de
documentos, práticas internas e arranjos processuais que a Lava Jato sempre
tentou blindar. Não surpreende que, dias depois, Toffoli tenha sido alçado ao
centro de um linchamento público cuidadosamente roteirizado.
No
episódio da viagem, o ministro voou a Lima num jatinho do empresário Luiz
Oswaldo Pastore, acompanhado do advogado Augusto Arruda Botelho, que defende um
diretor do Master. O caso envolve R$ 14,4 bilhões em fundos que podem ser
liquidados. A informação é grave, mas ganhou proporção política ampliada pela
conjuntura. Toffoli ainda não se pronunciou.
O
simples fato de Augusto Arruda Botelho advogar para um dos diretores do Master
não o vincula aos supostos malfeitos atribuídos ao cliente. No direito
brasileiro, a defesa técnica é exercício profissional, não endosso moral nem
participação nos fatos sob investigação. A atividade do advogado se limita a
garantir o devido processo legal, e não deve ser confundida com as condutas que
o Estado atribui aos investigados.
Nos
bastidores, lideranças jurídicas avaliam que a Lava Jato perdeu o poder
institucional, mas conserva poder narrativo por meio da velha mídia, que nunca
digeriu a revelação dos abusos, das colaborações ilegais e da manipulação de
processos. Essa infraestrutura comunicacional estaria reocupando seu velho
papel: atacar ministros do Supremo que não se enquadram em sua agenda.
A
ofensiva contra Toffoli, portanto, não se resume ao caso Master. Ela se encaixa
no movimento maior de recompor a autoridade discursiva de um lavajatismo
derrotado nos tribunais, mas ainda ativo na batalha de opinião pública. Cada
gesto do ministro é interpretado como ameaça a esse passado que não passa.
O
Supremo enfrenta desgaste, e episódios como este ganham dimensão explosiva
porque ainda vivemos sob a sombra do desmonte institucional provocado pela Lava
Jato. Mas enxergar o quadro completo ajuda a entender quem lucra com o ataque,
por que ele ocorre agora e de que forma tenta reequilibrar uma narrativa que
vinha sendo desmontada passo a passo pelas decisões do próprio ministro.
• Decisão de Toffoli paralisa apuração
sobre fraude no Banco Master
As
apurações sobre o Banco Master foram paralisadas depois que o ministro Dias
Toffoli determinou que apenas ele poderia autorizar qualquer nova medida
relacionada ao caso. A decisão tomada na última quarta-feira (3) interrompeu o
andamento da investigação que ocorria na Justiça Federal de Brasília.
De
acordo com a coluna de Malu Gaspar, de O Globo, as oitivas previstas após a
prisão de executivos do banco foram canceladas, assim como as perícias em
celulares e computadores recolhidos na operação Compliance Zero, que apura a
fraude em contratos de crédito de R$ 12,2 bilhões vendidos pelo banco de Daniel
Vorcaro ao BRB.
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Decisão do ministro trava operação e congela diligências
Toffoli
ainda não encaminhou o caso à Procuradoria-Geral da República, etapa
tradicional do processo. A ordem foi emitida após análise de um pedido
apresentado por Luiz Antônio Bull, diretor do Master com atuação nas áreas de
riscos, compliance, RH, operações e tecnologia. Preso pela Polícia Federal no
mês anterior e posteriormente solto, Bull buscava suspender a investigação.
No
pedido, sua defesa alegou que os atos estariam sendo praticados sem a garantia
de competência judicial adequada. “A continuidade desses atos, quando emanados
de autoridade judicial potencialmente incompetente, compromete a própria
validade da investigação, visto que anula atos praticados à margem da
competência constitucionalmente fixada”, sustentou.
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Defesa de executivo do Master acionou o Supremo
A
defesa de Daniel Vorcaro também apresentou reclamação ao STF, afirmando que a
Justiça Federal de Brasília não seria o foro adequado para conduzir o caso
devido a um contrato imobiliário apreendido pelos investigadores, no qual
aparece mencionada uma empresa ligada ao deputado João Carlos Bacelar (PL-BA).
Poucos dias depois, Toffoli concordou com os argumentos dos advogados e
determinou que o Supremo seria o foro competente para analisar a investigação,
o que retirou o caso da primeira instância.
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Viagem a Lima antecedeu ampliação de sigilo
Em 28
de novembro, o ministro viajou em um jato privado para Lima, onde acompanhou a
final da Copa Libertadores. No mesmo voo estava o advogado de Bull, Augusto
Arruda Botelho, ex-secretário nacional de Justiça e autor do pedido que buscava
travar o caso Master. Horas depois do retorno, na mesma data, Toffoli ampliou o
sigilo da ação.
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STF passa a controlar o processo após pedido das defesas
Nesta
segunda-feira (8), o juiz Antonio Claudio Macedo da Silva rejeitou o recurso do
Ministério Público Federal e manteve a decisão que envia o caso ao Supremo,
consolidando a paralisação da investigação em Brasília e concentrando no STF o
controle total sobre as próximas etapas.
• Estadão diz que caso Master 'toma rumo
estranho' após decisão de Toffoli
O
jornal Estado de S. Paulo, em editorial, afirmou que o caso do Banco Master
“toma rumo estranho” após a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo
Tribunal Federal (STF), de atrair para si a investigação de crimes financeiros
envolvendo o empresário Daniel Vorcaro, dono da instituição. O texto critica
tanto a justificativa usada para deslocar o processo quanto o nível de sigilo
imposto pelo ministro.
Segundo
o editorial, Toffoli centralizou totalmente o fluxo de informações em seu
gabinete e decretou “elevado grau de sigilo” aos atos processuais, o que, para
o jornal, não resiste “a um exame jurídico primário”, além de contrariar o
princípio de transparência que deve nortear a atuação dos Poderes da República.
A
defesa de Vorcaro acionou o STF alegando que o empresário teria mantido
negócios com o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), o que justificaria a
retirada do caso da primeira instância por conta da prerrogativa de foro.
Entretanto, conforme destacou o Estado de S. Paulo, o documento que menciona
Bacelar refere-se a uma transação imobiliária de R$ 250 milhões que jamais foi
concluída e que não tem relação com a investigação sobre suspeita de fraude na
venda de carteiras de crédito do Banco Master ao Banco de Brasília (BRB) —
operação que pode ter injetado R$ 12 bilhões na instituição de Vorcaro.
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Editorial aponta falta de nexo e critica o sigilo imposto
O
jornal afirma que, mesmo diante do argumento da defesa, Toffoli poderia ter
mantido no STF apenas o trecho referente ao parlamentar, preservando a
investigação sobre Vorcaro e seus sócios na primeira instância, por não terem
prerrogativa de foro.
Mais
grave, para o editorial, é o sigilo considerado “inexplicável”. O texto cita o
artigo 5º, inciso LX, da Constituição, segundo o qual somente a intimidade ou o
interesse social justificam a restrição à publicidade dos atos processuais.
Também lembra que o Código de Processo Civil admite segredo de Justiça apenas
em quatro hipóteses específicas — nenhuma delas aplicável ao caso de Vorcaro,
na visão do jornal.
O
editorial defende que, por envolver potenciais impactos financeiros sobre
fundos públicos de aposentadoria, suspeitas de tráfico de influência e indícios
de relações impróprias entre o empresário e autoridades dos Três Poderes, o
caso exige “absoluta transparência”, e não o contrário.
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Possíveis conflitos de interesse envolvendo Toffoli
O
Estado de S. Paulo também menciona dois episódios que, segundo o jornal,
deveriam levar qualquer magistrado a se declarar impedido:
• Em 2024, Toffoli participou de um
evento empresarial em Londres patrocinado pelo Banco Master, sem esclarecer até
hoje quem custeou suas despesas.
• A esposa do ministro, Roberta Rangel,
foi sócia de um dos advogados que hoje defendem Vorcaro no STF.
Para o
editorial, a mera aparência de parcialidade já seria suficiente para afastar o
ministro da relatoria.
O
jornal afirma que não há razão jurídica ou factual para manter o caso no
Supremo, nem para sustentar o sigilo imposto por Toffoli. E encerra afirmando
que espera que o STF esteja conduzindo o caso de forma republicana, embora, até
o momento, a sensação seja de que “há algo inconfessável sendo escondido dos
olhos dos cidadãos”, sobretudo diante da capacidade de Vorcaro de cultivar
relações nos altos escalões de Brasília.
• Fachin quer código de conduta para
ministros após voo de Toffoli em jatinho para final da Libertadores
O
presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, apresentou a ministros da
Corte e dirigentes de outros tribunais superiores a proposta de criação de um
código de conduta unificado voltado a reforçar padrões de transparência e
integridade no Judiciário brasileiro. A iniciativa surge em meio a debates
recentes sobre a participação de magistrados em eventos privados e a relação
com atores que têm interesses em julgamento. As informações são do g1.
A
proposta de Fachin se baseia no código de boas práticas adotado pelo Tribunal
Constitucional da Alemanha, reconhecido internacionalmente por seu rigor e
clareza quanto aos limites éticos de seus integrantes.
O
interesse em revisitar as normas de conduta no Brasil ganhou força após vir a
público que o ministro Dias Toffoli viajou em um jatinho pertencente ao
empresário Luiz Oswaldo Pastore, de quem é amigo. Segundo informou a
interlocutores, Toffoli confirmou o voo ocorrido durante a final da
Libertadores, em Lima, entre Flamengo e Palmeiras. Ele afirmou que, à época, o
advogado Augusto Botelho — que mais tarde representaria um cliente em ação no
STF — ainda não havia ingressado com recurso na Corte.
A
situação, no entanto, gerou questionamentos porque Toffoli foi sorteado em 28
de novembro como relator de um processo envolvendo o Banco Master, liquidado
pelo Banco Central sob acusação de fraudes. O recurso apresentado pela defesa
do empresário Daniel Vorcaro, dono da instituição, chegou ao STF em 3 de
dezembro, quando o ministro decretou sigilo no inquérito e formalizou sua
transferência da Justiça Federal para o Supremo. A situação teria deixado
Fachin "irritadíssimo", o que pode agilizar as discussões sobre o
código de conduta.
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Regras rígidas como referência
O
modelo alemão que inspira Fachin estabelece parâmetros claros para evitar
conflitos de interesse. O texto determina que “os juízes podem aceitar
remuneração por palestras, participação em eventos e publicações apenas se, e
na medida em que, isso não comprometa a reputação do Tribunal nem gere dúvidas
quanto à independência, imparcialidade, neutralidade e integridade de seus
membros”. Também é exigido que qualquer renda extra seja divulgada.O documento
ressalta ainda que “não há objeção se o organizador do evento cobrir despesas
apropriadas de viagem, acomodação e alimentação”, além de estipular que
presentes ou benefícios só podem ser aceitos em contextos sociais e quando não
colocarem em risco a integridade e a autonomia do magistrado.
Se
adotadas no Brasil, normas como essas reabririam a discussão sobre a
possibilidade de ministros do STF utilizarem jatinhos de empresários ou
participarem de eventos financiados por grupos que tenham ações em tramitação
na Corte — especialmente quando tais processos se encontram sob a relatoria do
próprio magistrado convidado.
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Independência, discrição e moderação pública
Outro
trecho do código alemão reforça que os juízes devem exercer o cargo com total
imparcialidade, sem qualquer influência de vínculos sociais, políticos ou
econômicos. Ele destaca que, “em toda a sua conduta, zelam para que não surjam
dúvidas sobre sua neutralidade no exercício do cargo em relação a grupos
sociais, políticos, religiosos ou ideológicos”.O documento também aborda a
postura pública dos magistrados, recomendando cautela em manifestações sobre
decisões judiciais ou debates jurídicos que possam afetar processos em curso.
Em outro trecho, explicita que “os juízes não emitem pareceres sobre questões
constitucionais nem fazem previsões sobre o resultado de processos pendentes ou
que possam ser decididos em futuro próximo”.
Fonte:
Brasil 247

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