Anti-imperialismo
na periferia do capitalismo
Se um país é dependente no plano externo,
isto significa que ele está subordinado a um império – a um país muito mais
poderoso econômica, militar e culturalmente. Nesta relação, o Império dá
prioridade a seus objetivos nacionais e transforma o conjunto dos países
dependentes de sua esfera em instrumento para o alcançamento dos seus próprios
objetivos. Como esses países são formalmente independentes, o Império não pode
submetê-los com o simples uso da força; ele precisa usar sua hegemonia
ideológica ou “soft power” – o nome que os próprios especialistas em
relações internacionais americanos dão a esse poder.
No mundo ocidental, o Império são os
Estados Unidos. Poderíamos também considerar os demais países ricos do
Ocidente, mas muitas vezes esses países são também vítimas do imperialismo,
como vimos em relação ao Japão ao qual, em 1985, foi imposto o Acordo de Plaza
que interrompeu seu grande crescimento desde a guerra. Mais recentemente, a
União Europeia, ao aceitar integralmente as políticas econômicas neoliberais
influenciadas pelos Estados Unidos, também entrou em estagnação, enquanto o
Império nunca as praticava de forma plena. Com Donald Trump e Joe Biden, esse
país tornou-se desenvolvimentista enquanto continuava a ser imperialista – com
o segundo Donald Trump, radicalmente imperialista.
Eu sei que falar em império é desagradável,
não tanto para os americanos que sabem que seu país é um império, é o centro do
sistema, mas não gostam que nós, na periferia, o chamemos como tal. Mas não
estou fazendo julgamento moral; o poder econômico leva ao imperialismo quase
inevitavelmente.
No Norte Global – um outro nome para o
Império em que fica claro que ele envolve mais países que os Estados Unidos –
não são apenas os intelectuais conservadores que não falam em imperialismo, a
não ser quando este fica explícito como no caso de Donald Trump.
Os acadêmicos falam em nacionalismo, mas
referem-se ao seu próprio nacionalismo, sua história, seu conceito; não falam
de imperialismo, muito menos do necessário anti-imperialismo. Gopal
Balakrishnan, organizou em 1996 um excelente livro com textos dos melhores
autores que escreveram sobre o tema.[ Já os ideólogos do Império criticam
o nacionalismo na periferia do capitalismo que para o establishment é sempre
populista e irracional. É o seu papel.
Por outro lado, intelectuais importantes
como Robert Gilpin e Charles Kindleberger, desenvolveram a teoria da estabilidade.
Ela é diferente da teoria realista de relações internacionais, que reconhece e
considera inevitável o imperialismo, e também da teoria liberal, que vê o mundo
como um grande espaço de cooperação coordenado pelo hegemon. Para
a teoria da estabilidade, o hegemon (os
Estados Unidos, no século XX) é o sistema de poder que estabiliza e permite
deixar funcionar todo o sistema internacional. Uma tese que tem suas razões e
argumentos, mas é muitíssimo discutível.
De fato, não é apenas o estado-nação que precisa
de ordem interna; as relações internacionais também precisam de certa ordem.
Mas para isto não é preciso que um único Império; basta que os países mais
poderosos conversem e façam acordos. Aceita simplesmente a tese da
estabilidade, o Império é legitimado.
O primeiro objetivo do Império Americano,
como havia sido antes o da Grã-Bretanha, é impedir que os países da periferia
do capitalismo se industrializem e se desenvolvam. Os dois impérios sempre
buscaram “chutar a escada” dos que queriam subir. Esta ameaça ao seu poder e
riqueza foi primeiro sentida pelos Estados Unidos quando, nos anos 1970,
surgiram os Novos Países Industrializados (NICs na sigla em inglês) – os quatro
tigres asiáticos, o Brasil e o México.
Em 1980 o Império, que até então era moderadamente
desenvolvimentista, cometeu um erro e fez a “virada neoliberal” de Margaret
Tatcher e Ronald Reagan, que teve como um dos seus objetivos interromper essa
competição incômoda. Falhou em relação aos países do Leste da Ásia, mas foi
bem-sucedido no Brasil, no México, em toda a América Latina.
O segundo objetivo é manter a “troca
desigual”, o Império exportando bens sofisticados com alto valor adicionado per
capita, que pagam bons salários, e importando commodities que têm as qualidades
inversas. A troca desigual é inerente ao subdesenvolvimento, mas o que os
países periféricos visam é adotar uma estratégia desenvolvimentista que supere
essa limitação – algo ao qual o Império procura inviabilizar.
O terceiro objetivo é exportar capitais.
Mas isso não interessa também aos países em desenvolvimento? Interessa, mas com
a condição de que as entradas líquidas de capitais não cheguem no país para
financiar um déficit na conta corrente e, portanto, o consumo em lugar do
investimento. Em outras palavras, que o país não apresente um déficit na conta
corrente crônico, como é a regra. O déficit externo implica necessariamente a
apreciação da taxa de câmbio, as empresas industriais perdem competitividade, a
poupança externa substitui a poupança interna ao invés de complementá-la, e a
industrialização aborta.
O principal instrumento do Império para
exercer sua dominação é o liberalismo econômico (ou neoliberalismo). É uma
contra estratégia liberal que: (i) impede o uso de tarifas de importação sobre
bens manufaturados as quais são essenciais para o início da industrialização;
(ii) impede também que os países pratiquem uma política industrial baseada em
subsídios; (iii) e no caso dos países exportadores de commodities, impede que
esses países usem os mecanismos que neutralizam a doença holandesa.
Dado o caráter estratégico que o
liberalismo econômico assume para o Império, este trata de pressionar e
persuadir as elites econômicas, os políticos e os economistas que o
neoliberalismo é a melhor estratégia para um país periférico se desenvolver,
mas isto não é verdade. Nenhum país fez a sua revolução industrial e
capitalista (seu take-off) no quadro do liberalismo; ela
sempre aconteceu no quadro do desenvolvimentismo, ou seja, a partir de uma
estratégia de desenvolvimento econômico caracterizada pela intervenção moderada
do Estado na economia e pelo nacionalismo econômico.
E é interessante observar que o
desenvolvimentismo, se usarmos a linguagem dos computadores, é a estratégia
“default” de industrialização – é a forma que, ao começar, a revolução
industrial assume em todos os países. Isto vale inclusive para os primeiros
países que se industrializaram (a Inglaterra, a Bélgica e a França); eles a
fizeram no quadro do mercantilismo que foi a primeira forma histórica de desenvolvimentismo.
Terminada a fase de revolução industrial, o
país tem duas possibilidades, ou continuar com a estratégia desenvolvimentista
ou optar pelo liberalismo econômico. A melhor alternativa é sempre o
desenvolvimentismo, que aos poucos vai se tornando mais moderado, mas a
tendência histórica é do liberalismo porque é a preferência da burguesia ou dos
ricos.
Como pode o país periférico realizar a
mudança estrutural que caracteriza a industrialização? Ele terá que adotar uma
posição anti-imperialista. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho, “o nacionalismo
implica sempre uma posição ‘anti’”.
A posição anti não significa que o país
deverá enfrentar o Império. Os custos são muito altos. Veja-se o caso da
Venezuela e do Irã. O Império é poderoso e quando é enfrentado, o imperialismo
por hegemonia, o soft power, é posto de lado e ele parte
para a violência, para mais e mais sanções econômicas.
A alternativa é a luta ideológica e a
resistência. Já houve uma luta ideológica entre o comunismo e o capitalismo que
terminou em 1989 com a vitória do capitalismo. Mas não acabou a luta ideológica
entre o Império e os países periféricos, o primeiro defendendo o liberalismo
econômico, os demais devendo adotar o desenvolvimentismo. Digo “devendo” porque
muitos países se submetem. Essa submissão não é completa, há graus de submissão
ou de autonomia, mas é suficiente para o país passar a crescer mais lentamente
senão estagnar.
Para resistir à pressão externa, o país
precisaria unir as suas forças em torno do desenvolvimentismo, mas nós sabemos
como isto é difícil. Vejamos o caso do Brasil. Desde a grande crise da dívida
externa dos anos 1980, as elites econômicas abandonaram o desenvolvimentismo e
seus interesses passaram a se identificar muito mais com os do Império do que
com o povo brasileiro.
Em 1990, no quadro da nova verdade liberal,
o governo fez o que se esperava dele, o Brasil abriu a sua economia e desde
então sua economia está quase-estagnada. O aumento da produtividade está
rigorosamente estagnado, e a economia vem crescendo a uma taxa que não lhe
permite fazer o catching up. Ao contrário, sua renda per capita vai se
distanciado da dos Estados Unidos.
A grande maioria dos políticos,
conservadores ou oportunistas, acompanham a posição das elites econômicas. O
mesmo acontece com a maioria dos economistas, alguns deles com doutorados nos
Estados Unidos ou no Reino Unido, ondem aprendem uma teoria econômica
rigorosamente liberal. E a maioria dos demais intelectuais (como a maioria dos
economistas) não entendem o problema e ficam distantes dele, paralisados.
Afinal, só o povão não se entregou ao Império, inclusive porque não é desejado.
Nos últimos 20 anos, um grupo de
economistas desenvolvimentistas e eu construímos a Teoria
novo-desenvolvimentista – uma continuação do Teoria estruturalista clássica de
Celso Furtado. Talvez essa teoria ajude os brasileiros e seus economistas,
intelectuais, políticos e uma parte dos empresários a compreender melhor por
que o nacionalismo econômico é anti-imperialista.
O quadro não nos permite o otimismo. A
esperança é sempre que um dia se reconstrua uma coalizão de classes
desenvolvimentista como houve no Brasil entre 1950 e 1980. O governo Lula é uma
tentativa nessa direção, mas a tarefa está muito além da capacidade do governo.
O problema não é do governo, mas da nação brasileira.
¨ Economia com
responsabilidade: os acertos do governo Lula. Por Alberto Cantalice
A cada dia que passa, ficam mais evidentes os acertos da equipe
econômica do governo Lula 3, chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A nova arquitetura fiscal, que recebeu o nome de Novo Arcabouço Fiscal, rompeu
com o verdadeiro Teto de Gastos herdado dos desgovernos Temer e Bolsonaro.
O rombo nas contas públicas deixado pelo governo anterior obrigou a
equipe de transição, ainda em 2022, a formular e propor a PEC da Transição.
Bolsonaro e Paulo Guedes, além de darem um calote nos precatórios, não deixaram
recursos provisionados no orçamento de 2023 para o pagamento do auxílio
emergencial de R$600.
Agindo de forma irresponsável, manipularam as contas públicas, deixando
milhões de brasileiros na fila do INSS para maquiar as projeções de despesas
futuras e divulgar um falso superávit.
Os números não deixam dúvidas. No governo Bolsonaro, os alimentos
chegaram a subir 14,09% em 2020 e mais 11,64% em 2022. No acumulado de quatro
anos, a alta superou 40%. Já nos dois primeiros anos do governo Lula, a
inflação dos alimentos foi de 8,72%. O IPCA médio também é menor sob Lula:
4,72% em dois anos, contra 6,17% no governo Bolsonaro e 5,57% nos dois
primeiros mandatos de Lula.
Não pode haver sinal trocado nas discussões sobre economia. É preciso
realçar a credibilidade e a previsibilidade, princípios essenciais para
qualquer economia globalizada. A queda nas taxas de juros e a redução no preço
dos alimentos virão, sem necessidade de pirotecnia ou discursos fáceis.
O crescimento econômico gerou mais empregos, e o combate à inflação
trará alívio para os mais pobres, que sentem no dia a dia o impacto dos preços.
A isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil e a nova alíquota
reduzida para rendimentos de até R$ 7,5 mil desafogará milhões de
contribuintes.
A comunicação correta é essencial para superar adversidades temporárias.
O país segue no rumo certo, e os resultados estão à vista.
Fonte: Luiz Carlos Bresser-Pereira, em A Terra é Redonda/Brasil 247
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