terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Comida cara? Que tal trocar o modelo de produção, diz João Pedro Stédile do MST

Janeiro de 2025 foi o quinto mês consecutivo com registro de aumento do preço dos alimentos, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um dos itens que teve maior impacto sobre o valor foi o café. O pó que dá origem à bebida consumida diariamente pela maioria da população brasileira subiu em 50,35%, nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Essas altas refletem diretamente na compra, levando algumas pessoas a optar por versões genéricas de alimentos básicos, como bebida sabor café, composto lácteo e requeijão com amido, misturas de baixo valor nutricional. No entanto, essa não precisa ser a única alternativa para driblar a alta dos preços, defende João Pedro Stédile, economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele afirma que é preciso pensar soluções que possibilitem o acesso a alimentos saudáveis por valores justos, e que isso tem tudo a ver com a reforma agrária.

“Eu diria que o Estado brasileiro, e tudo que ele representa dos interesses dos capitalistas e do agronegócio, não quer fazer reforma agrária. O governo Lula não tem uma visão clara desses modelos que se enfrentam na agricultura, não fez uma opção prioritária pela agricultura familiar”, critica.

Na entrevista para o Pauta Pública desta semana, Stédile analisa os fatores que influenciam a alta dos preços e explica como a reforma agrária que o MST defende evoluiu ao longo dos anos para incluir também a defesa da agroecologia, o banimento dos agrotóxicos e a preocupação com a natureza e o clima.

Leia os principais pontos da entrevista:

·        Qual é sua avaliação sobre a fala do presidente Lula, quando ele disse que a população precisa deixar de comprar produtos caros para controlar os preços dos alimentos?

A figura do presidente tem toda a autoridade do mundo para fazer frases feitas e tentar motivar a população. Mas o problema dos alimentos é um problema crônico da sociedade brasileira, porque há muito tempo, quiçá duas ou três décadas, a sociedade brasileira vem pagando um alto preço pela existência de dois modelos de agricultura muito perversos.

Um é o modelo do latifúndio predador, que são as grandes propriedades financiadas pelo capital financeiro, às vezes até por empresas transnacionais, que em tempos de crise tentam acumular riqueza se apropriando dos bens da natureza. Eles não produzem nada, eles só fazem desmatamento, se apropriam de minério, de biodiversidade, de árvores, água. Enriquece, mas não produz nada.

O segundo modelo é do agronegócio, cantado em verso e prosa como moderno, como a solução da agricultura brasileira, como se carregasse o mundo nas costas. Na verdade é um modelo que refaz a velha plantation, só que agora, em vez de trabalho escravo, eles têm nas suas grandes fazendas o agrotóxico e as máquinas. O modelo do agronegócio produz fundamentalmente cinco commodities para exportação: soja, milho, algodão, cana e pecuária bovina.

O terceiro modelo é o da agricultura familiar, que são 5 milhões de agricultores que vivem, como diz o nome, com as suas famílias, que trabalham no campo, que praticam uma policultura e que são os que produzem os alimentos para o mercado interno. Nós ganhamos as eleições com o Lula, mas, na essência, a política agrícola não mudou. Então, o poder do Estado, o poder financeiro dos bancos, a influência das empresas transnacionais que vendem os insumos e compram as commodities, não se alterou. E por isso, ao longo do tempo, estruturalmente, a produção de alimentos vem sendo desprestigiada.

·        O debate deveria ser em torno do modelo de produção? Já que no Plano Safra o governo depositou mais de R$ 400 bilhões em créditos para o agronegócio, enquanto a agricultura familiar recebeu menos de R$ 70 bilhões. A discussão aqui deveria gerar em torno de quem produz alimento?

As duas coisas. O governo, se tivesse força, deveria atuar para controlar o preço, pelo menos dos três produtos subiram muito: café, carne e o óleo de soja. Há muitos mecanismos de controle de preço. Ele poderia impor imposto de exportação. Assim como a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] poderia comprar carne, café, açúcar e óleo de soja e disponibilizar para as redes de mercados que chegam na periferia. Há muitas medidas paliativas, mas que funcionam, que poderiam controlar o preço. Não estou falando de tabelamento, mas formas governamentais de induzir a baixa do preço.

E a médio prazo, aí sim, é preciso reconstruir uma política agrícola e agrária que coloque a agricultura familiar no centro das prioridades do governo. Isso significa que o governo vai ter que colocar muitos recursos na Conab, porque o mais importante para aumentar a produção de alimentos pela agricultura familiar é quando o governo garante a compra. Ele chegou a fazer isso no Lula 2. Porém, agora, a Conab está meio esgualepada, não tem recurso, é aquela burocracia tremenda.

Então, o governo deveria botar muitos recursos na Conab, porque a Conab administra um programa que se chama Plano de Aquisição de Alimentos (PAA). Esse plano permite que a Conab vá lá, faça contratos com as associações de agricultores familiares, sindicatos, cooperativas, ou até individual. É um poderoso instrumento que, inclusive, substitui o crédito. Porque o agricultor tem medo de entrar no banco, com toda razão. Mas, se ele tiver a segurança que o governo vai comprar, ele, com a sua força de trabalho, pede ajuda aqui e acolá, ele aumenta muito a produção.

Com isso, o produtor leva essa produção para uma associação na periferia, no presídio, no quartel do Exército, num hospital público ou numa escola. A pessoa que recebe lá da entidade assina um documento, confere que os produtos são aqueles, com aquela nota ele vai em qualquer banco público, ou mesmo nas loterias, e recebe a visita.

Isso é um incentivo muito grande. Inclusive, no passado, nós tínhamos uma norma dentro da Conab, que a Conab pagava, inclusive, 30% a mais no preço, desde que os produtos fossem agroecológicos. E, com isso, então, teria um estímulo a mais para o agricultor familiar, produzir sem venenos.

·        Nós já estamos vivendo a crise climática. De que maneira a pauta da reforma agrária, da agricultura familiar, se encontra numa iniciativa para mitigar justamente os efeitos da crise ambiental?

Lá no início do movimento, diríamos nos primeiros 20 anos, a nossa concepção de reforma agrária era, no fundo, uma reforma agrária clássica, que nós tínhamos aprendido com a experiência mexicana: terra para quem nela trabalha. Ou seja, era uma reforma agrária camponesa. Distribuía a terra para resolver o problema para os camponeses terem trabalho, renda e seguirem a sua vida.

Porém, nas últimas duas décadas, com o domínio do capital financeiro sobre a agricultura, com o domínio das grandes empresas transnacionais e com a ausência de interesse do Estado e dos capitalistas por uma reforma agrária clássica, nos últimos 10, 15 anos, atualizamos o nosso programa de reforma agrária. Incluímos alguns pilares fruto desse debate coletivo.

O primeiro continua sendo a distribuição de terra com a condição, inclusive, de justiça social. Por que um capitalista tem direito a ter 200 mil hectares, como o seu Blairo Maggi [empresário e ex-governador do estado de Mato Grosso], e um trabalhador rural não tem direito a nenhum hectare? Então, há um problema de injustiça de uma sociedade extremamente desigual.

A prioridade absoluta para uma reforma agrária é produzir alimento para todo o povo, respeitando a culinária, a diversidade cultural e produzindo de forma saudável. Portanto, incluímos na nossa concepção que a reforma agrária tem que também adotar a agroecologia, como a matriz produtiva que vai nos permitir, com conhecimentos científicos e com a sabedoria popular, aumentar a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos.

O terceiro paradigma que nós adotamos foi a defesa da natureza. Para quem vive no campo, defender a natureza é defender a vida. Nessa nova concepção da reforma agrária, que nós chamamos de reforma agrária popular, notem que não é só uma questão de retórica. Antes, a nossa reforma agrária era camponesa para atender os interesses dos camponeses, que são muitos, milhares. Agora, a nossa reforma agrária é popular. Significa que ela tem que atender as necessidades de todo o povo brasileiro. E é nisso que nós estamos.

·        A reforma agrária está fora da agenda do governo?

Eu diria que o Estado brasileiro, e tudo que ele representa dos interesses dos capitalistas e do agronegócio, não quer fazer reforma agrária. O governo Lula não tem uma visão clara desses modelos que se enfrentam na agricultura, não fez uma opção prioritária pela agricultura familiar. Então, o próprio governo fica apagando incêndio. Ele tem uma política agrária de apenas resolver conflitos.

Mesmo assim, tal a incompetência do atual ministério que em dois anos eles só resolveram dois conflitos. Um lá de Cascavel [no Paraná], que eu fui inclusive na missão de posse, onde os companheiros estavam há 21 anos acampados em cima de um latifúndio; e na semana passada o governo anunciou a desapropriação de uma área que é resquícios do que foi o nascimento das ligas camponesas lá na Paraíba. Mas isso é ridículo. Em dois anos, você resolver dois conflitos, que atingem 60 famílias cada um.

Para você fazer um programa de reforma agrária, tem que enfrentar o problema de milhares de camponeses.

 

¨      Preço dos alimentos deve desacelerar em 2025 com clima favorável e oferta ampliada

O preço dos alimentos deve sofrer menor pressão inflacionária em 2025, segundo projeções econômicas. A expectativa é que a inflação do setor fique em torno de 6%, impulsionada pela melhoria das condições climáticas e pelo aumento da produção agrícola. O Ministério da Fazenda através da Secretaria de Política Econômica (SPE) aponta um arrefecimento nos preços das carnes e alimentos in natura, o que pode aliviar os custos para os consumidores. O Correio Braziliense destaca que fatores como uma safra recorde e menor impacto de eventos climáticos extremos devem contribuir para essa tendência.

A política tarifária de Donald Trump também pode influenciar o mercado brasileiro. Caso os EUA aumentem tarifas sobre produtos exportados pelo Brasil, como soja e carne bovina, parte dessa produção pode ser redirecionada ao mercado interno, ampliando a oferta e reduzindo preços. O economista Otto Nogami explica que a maior oferta interna poderia impactar diretamente a alimentação dos brasileiros, especialmente em itens essenciais como ração animal, carne suína e frango.

Mesmo com previsão de melhora, a inflação dos alimentos continua sendo uma preocupação do governo. Em 2024, a desvalorização cambial e a alta das exportações impulsionaram o preço das carnes, resultando em um aumento de 19% no IPCA. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) aponta que os custos industriais subiram 9,3%, pressionando os preços dos alimentos processados. Para 2025, a expectativa é de que uma safra robusta e um câmbio mais estável aliviem essas pressões.

O governo busca alternativas para conter a inflação alimentar, incluindo reuniões com atacadistas para discutir soluções. Medidas como subsídios e estoques reguladores são debatidas, mas especialistas alertam para os riscos dessas intervenções. Nogami enfatiza que interferências excessivas podem desestimular a produção e elevar os custos a longo prazo. Apesar dos desafios, a tendência é de que os preços apresentem maior estabilidade em 2025, trazendo algum alívio para os consumidores.

¨      MST em Goiás prova que Usina não cumpre a função social

Nesta quarta-feira (19/02/25) ocorreu a audiência de instrução e oitiva de testemunhas no processo judicial de reintegração de posse que a Usina Santa Helena move contra as famílias do acampamento Leonir Orback, do MST em Santa Helena de Goiás/GO. Por cerca de 2 horas, foram ouvidos informantes arrolados pela Usina (que não chegaram a ser qualificados como testemunhas por terem vínculos com a empresa) e testemunhas arroladas pelos advogados populares que fazem a defesa das famílias.

Na audiência ficou comprovado que o Grupo Naoum, que exerce o controle da Usina Santa Helena desde a década de 1960 até 2024, descumpriu abertamente a função social da posse, prevista no art. 184 da Constituição e o art. 2º, § 1º, do Estatuto da Terra. No aspecto econômico, a empresa apresentou como tese que os míseros 19 hectares ocupados pelas famílias geraram um enorme prejuízo à empresa, e não à sua gestão temerária; no aspecto trabalhista, procuraram tentar (em vão) apagar anos de calote nos direitos trabalhistas e as diversas mobilizações que os empregados da Usina fizeram por falta de pagamento; no aspecto ambiental, tentaram imputar aos trabalhadores o “crime” de abrir fossas sépticas no local da ocupação e nada disseram a respeito da intensa quantidade de agrotóxicos despejados na área; e no aspecto social alegaram sem provas que estão em negociações de dívidas fiscais que já foram renegociadas com o governo federal e cujas cláusulas já foram descumpridas.

A defesa das famílias insiste na realização de uma nova inspeção judicial na área da ocupação, feita presencialmente pela juíza do caso e com a comunicação prévia do horário e do local aos advogados populares, como forma de evidenciar ainda mais o cumprimento da função social da posse da Fazenda Ouro Branco por parte do MST.

Cabe pontuar que as famílias permanecem desde 2016 sem sofrer uma reintegração de posse (despejo), além da bravura das famílias que ali resistem, graças à parceira imprescindível entre advogados e advogadas populares da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP-GO), do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Josiane Evangelista e da Direção Estadual do MST.

 

Fonte: Por Andrea DiP, Claudia Jardim, Ricardo Terto e Stela Diogo, da Agência Pública/Pagina do MST/Brasil 247

 

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