Comida cara? Que tal trocar o modelo de produção, diz João
Pedro Stédile do MST
Janeiro de 2025 foi o quinto mês consecutivo com
registro de aumento do preço dos alimentos, de acordo com o último levantamento
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um dos itens que teve maior impacto sobre o valor
foi o café. O pó que dá origem à bebida consumida diariamente pela maioria da
população brasileira subiu em 50,35%, nos últimos 12 meses, segundo o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Essas altas refletem diretamente na compra, levando
algumas pessoas a optar por versões genéricas de alimentos básicos, como bebida
sabor café, composto lácteo e requeijão com amido, misturas de baixo valor
nutricional. No entanto, essa não precisa ser a única alternativa para driblar
a alta dos preços, defende João Pedro Stédile, economista e líder do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele afirma que é preciso pensar
soluções que possibilitem o acesso a alimentos saudáveis por valores justos, e
que isso tem tudo a ver com a reforma agrária.
“Eu diria que o Estado brasileiro, e tudo que ele
representa dos interesses dos capitalistas e do agronegócio, não quer fazer
reforma agrária. O governo Lula não tem uma visão clara desses
modelos que se enfrentam na agricultura, não fez uma opção prioritária pela
agricultura familiar”, critica.
Na entrevista para o Pauta Pública desta semana, Stédile analisa os
fatores que influenciam a alta dos preços e explica como a reforma agrária que
o MST defende evoluiu ao longo dos anos para incluir também a defesa da
agroecologia, o banimento dos agrotóxicos e a preocupação com a natureza e o
clima.
Leia os principais pontos da entrevista:
·
Qual é sua avaliação sobre a fala do presidente
Lula, quando ele disse que a população precisa deixar de comprar produtos caros
para controlar os preços dos alimentos?
A figura do presidente tem toda a autoridade do mundo
para fazer frases feitas e tentar motivar a população. Mas o problema dos
alimentos é um problema crônico da sociedade brasileira, porque há muito tempo,
quiçá duas ou três décadas, a sociedade brasileira vem pagando um alto preço
pela existência de dois modelos de agricultura muito perversos.
Um é o modelo do latifúndio predador, que são as
grandes propriedades financiadas pelo capital financeiro, às vezes até por
empresas transnacionais, que em tempos de crise tentam acumular riqueza se
apropriando dos bens da natureza. Eles não produzem nada, eles só fazem
desmatamento, se apropriam de minério, de biodiversidade, de árvores, água.
Enriquece, mas não produz nada.
O segundo modelo é do agronegócio, cantado em verso e
prosa como moderno, como a solução da agricultura brasileira, como se
carregasse o mundo nas costas. Na verdade é um modelo que refaz a velha plantation,
só que agora, em vez de trabalho escravo, eles têm nas suas grandes fazendas o
agrotóxico e as máquinas. O modelo do agronegócio produz fundamentalmente
cinco commodities para exportação: soja, milho, algodão, cana
e pecuária bovina.
O terceiro modelo é o da agricultura familiar, que são
5 milhões de agricultores que vivem, como diz o nome, com as suas famílias, que
trabalham no campo, que praticam uma policultura e que são os que produzem os
alimentos para o mercado interno. Nós ganhamos as eleições com o Lula, mas, na
essência, a política agrícola não mudou. Então, o poder do Estado, o poder
financeiro dos bancos, a influência das empresas transnacionais que vendem os
insumos e compram as commodities, não se alterou. E por isso, ao
longo do tempo, estruturalmente, a produção de alimentos vem sendo
desprestigiada.
·
O debate deveria ser em torno do modelo de
produção? Já que no Plano Safra o governo depositou mais de R$ 400 bilhões em
créditos para o agronegócio, enquanto a agricultura familiar recebeu menos de
R$ 70 bilhões. A discussão aqui deveria gerar em torno de quem produz alimento?
As duas coisas. O governo, se tivesse força, deveria
atuar para controlar o preço, pelo menos dos três produtos subiram muito: café,
carne e o óleo de soja. Há muitos mecanismos de controle de preço. Ele poderia
impor imposto de exportação. Assim como a Conab [Companhia Nacional de
Abastecimento] poderia comprar carne, café, açúcar e óleo de soja e
disponibilizar para as redes de mercados que chegam na periferia. Há muitas
medidas paliativas, mas que funcionam, que poderiam controlar o preço. Não
estou falando de tabelamento, mas formas governamentais de induzir a baixa do
preço.
E a médio prazo, aí sim, é preciso reconstruir uma
política agrícola e agrária que coloque a agricultura familiar no centro das
prioridades do governo. Isso significa que o governo vai ter que colocar muitos
recursos na Conab, porque o mais importante para aumentar a produção de
alimentos pela agricultura familiar é quando o governo garante a compra. Ele
chegou a fazer isso no Lula 2. Porém, agora, a Conab está meio esgualepada, não
tem recurso, é aquela burocracia tremenda.
Então, o governo deveria botar muitos recursos na
Conab, porque a Conab administra um programa que se chama Plano de Aquisição de
Alimentos (PAA). Esse plano permite que a Conab vá lá, faça contratos com as
associações de agricultores familiares, sindicatos, cooperativas, ou até
individual. É um poderoso instrumento que, inclusive, substitui o crédito.
Porque o agricultor tem medo de entrar no banco, com toda razão. Mas, se ele
tiver a segurança que o governo vai comprar, ele, com a sua força de trabalho,
pede ajuda aqui e acolá, ele aumenta muito a produção.
Com isso, o produtor leva essa produção para uma
associação na periferia, no presídio, no quartel do Exército, num hospital
público ou numa escola. A pessoa que recebe lá da entidade assina um documento,
confere que os produtos são aqueles, com aquela nota ele vai em qualquer banco
público, ou mesmo nas loterias, e recebe a visita.
Isso é um incentivo muito grande. Inclusive, no
passado, nós tínhamos uma norma dentro da Conab, que a Conab pagava, inclusive,
30% a mais no preço, desde que os produtos fossem agroecológicos. E, com isso,
então, teria um estímulo a mais para o agricultor familiar, produzir sem
venenos.
·
Nós já estamos vivendo a crise climática.
De que maneira a pauta da reforma agrária, da agricultura familiar, se encontra
numa iniciativa para mitigar justamente os efeitos da crise ambiental?
Lá no início do movimento, diríamos nos primeiros 20
anos, a nossa concepção de reforma agrária era, no fundo, uma reforma agrária
clássica, que nós tínhamos aprendido com a experiência mexicana: terra para
quem nela trabalha. Ou seja, era uma reforma agrária camponesa. Distribuía a
terra para resolver o problema para os camponeses terem trabalho, renda e
seguirem a sua vida.
Porém, nas últimas duas décadas, com o domínio do
capital financeiro sobre a agricultura, com o domínio das grandes empresas
transnacionais e com a ausência de interesse do Estado e dos capitalistas por
uma reforma agrária clássica, nos últimos 10, 15 anos, atualizamos o nosso
programa de reforma agrária. Incluímos alguns pilares fruto desse debate
coletivo.
O primeiro continua sendo a distribuição de terra com a
condição, inclusive, de justiça social. Por que um capitalista tem direito a
ter 200 mil hectares, como o seu Blairo Maggi [empresário e ex-governador do
estado de Mato Grosso], e um trabalhador rural não tem direito a nenhum
hectare? Então, há um problema de injustiça de uma sociedade extremamente
desigual.
A prioridade absoluta para uma reforma agrária é
produzir alimento para todo o povo, respeitando a culinária, a diversidade
cultural e produzindo de forma saudável. Portanto, incluímos na nossa concepção
que a reforma agrária tem que também adotar a agroecologia, como a matriz
produtiva que vai nos permitir, com conhecimentos científicos e com a sabedoria
popular, aumentar a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos.
O terceiro paradigma que nós adotamos foi a defesa da
natureza. Para quem vive no campo, defender a natureza é defender a vida. Nessa
nova concepção da reforma agrária, que nós chamamos de reforma agrária popular,
notem que não é só uma questão de retórica. Antes, a nossa reforma agrária era
camponesa para atender os interesses dos camponeses, que são muitos, milhares.
Agora, a nossa reforma agrária é popular. Significa que ela tem que atender as
necessidades de todo o povo brasileiro. E é nisso que nós estamos.
·
A reforma agrária está fora da agenda do
governo?
Eu diria que o Estado brasileiro, e tudo que ele
representa dos interesses dos capitalistas e do agronegócio, não quer fazer
reforma agrária. O governo Lula não tem uma visão clara desses modelos que se
enfrentam na agricultura, não fez uma opção prioritária pela agricultura
familiar. Então, o próprio governo fica apagando incêndio. Ele tem uma política
agrária de apenas resolver conflitos.
Mesmo assim, tal a incompetência do atual ministério
que em dois anos eles só resolveram dois conflitos. Um lá de Cascavel [no
Paraná], que eu fui inclusive na missão de posse, onde os companheiros estavam
há 21 anos acampados em cima de um latifúndio; e na semana passada o governo
anunciou a desapropriação de uma área que é resquícios do que foi o nascimento
das ligas camponesas lá na Paraíba. Mas isso é ridículo. Em dois anos, você
resolver dois conflitos, que atingem 60 famílias cada um.
Para você fazer um programa de reforma agrária, tem que
enfrentar o problema de milhares de camponeses.
¨ Preço dos
alimentos deve desacelerar em 2025 com clima favorável e oferta ampliada
O preço dos
alimentos deve sofrer menor pressão inflacionária em 2025, segundo projeções
econômicas. A expectativa é que a inflação do setor fique em torno de 6%,
impulsionada pela melhoria das condições climáticas e pelo aumento da produção
agrícola. O Ministério da Fazenda através da Secretaria de Política Econômica
(SPE) aponta um arrefecimento nos preços das carnes e alimentos in natura, o
que pode aliviar os custos para os consumidores. O Correio Braziliense destaca que fatores como uma safra recorde e menor
impacto de eventos climáticos extremos devem contribuir para essa tendência.
A política
tarifária de Donald Trump também pode influenciar o mercado brasileiro. Caso os
EUA aumentem tarifas sobre produtos exportados pelo Brasil, como soja e carne
bovina, parte dessa produção pode ser redirecionada ao mercado interno,
ampliando a oferta e reduzindo preços. O economista Otto Nogami explica que a
maior oferta interna poderia impactar diretamente a alimentação dos
brasileiros, especialmente em itens essenciais como ração animal, carne suína e
frango.
Mesmo com
previsão de melhora, a inflação dos alimentos continua sendo uma preocupação do
governo. Em 2024, a desvalorização cambial e a alta das exportações
impulsionaram o preço das carnes, resultando em um aumento de 19% no IPCA. A
Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) aponta que os custos
industriais subiram 9,3%, pressionando os preços dos alimentos processados.
Para 2025, a expectativa é de que uma safra robusta e um câmbio mais estável
aliviem essas pressões.
O governo
busca alternativas para conter a inflação alimentar, incluindo reuniões com
atacadistas para discutir soluções. Medidas como subsídios e estoques
reguladores são debatidas, mas especialistas alertam para os riscos dessas
intervenções. Nogami enfatiza que interferências excessivas podem desestimular
a produção e elevar os custos a longo prazo. Apesar dos desafios, a tendência é
de que os preços apresentem maior estabilidade em 2025, trazendo algum alívio para
os consumidores.
¨ MST em Goiás prova que Usina não cumpre a
função social
Nesta quarta-feira (19/02/25) ocorreu a
audiência de instrução e oitiva de testemunhas no processo judicial de
reintegração de posse que a Usina Santa Helena move contra as famílias do
acampamento Leonir Orback, do MST em Santa Helena de Goiás/GO. Por cerca de 2
horas, foram ouvidos informantes arrolados pela Usina (que não chegaram a ser
qualificados como testemunhas por terem vínculos com a empresa) e testemunhas
arroladas pelos advogados populares que fazem a defesa das famílias.
Na audiência ficou comprovado que o Grupo
Naoum, que exerce o controle da Usina Santa Helena desde a década de 1960 até
2024, descumpriu abertamente a função social da posse, prevista no art. 184 da
Constituição e o art. 2º, § 1º, do Estatuto da Terra. No aspecto econômico, a
empresa apresentou como tese que os míseros 19 hectares ocupados pelas famílias
geraram um enorme prejuízo à empresa, e não à sua gestão temerária; no aspecto
trabalhista, procuraram tentar (em vão) apagar anos de calote nos direitos
trabalhistas e as diversas mobilizações que os empregados da Usina fizeram por
falta de pagamento; no aspecto ambiental, tentaram imputar aos trabalhadores o
“crime” de abrir fossas sépticas no local da ocupação e nada disseram a
respeito da intensa quantidade de agrotóxicos despejados na área; e no aspecto
social alegaram sem provas que estão em negociações de dívidas fiscais que já
foram renegociadas com o governo federal e cujas cláusulas já foram descumpridas.
A defesa das famílias insiste na
realização de uma nova inspeção judicial na área da ocupação, feita
presencialmente pela juíza do caso e com a comunicação prévia do horário e do
local aos advogados populares, como forma de evidenciar ainda mais o
cumprimento da função social da posse da Fazenda Ouro Branco por parte do MST.
Cabe pontuar que as famílias permanecem
desde 2016 sem sofrer uma reintegração de posse (despejo), além da bravura das
famílias que ali resistem, graças à parceira imprescindível entre advogados e
advogadas populares da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
(RENAP-GO), do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Josiane
Evangelista e da Direção Estadual do MST.
Fonte: Por Andrea
DiP, Claudia Jardim, Ricardo Terto e Stela Diogo, da Agência
Pública/Pagina
do MST/Brasil 247
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