Quais
são os minerais raros da Ucrânia – e por que Trump está de olho neles?
O presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky, havia dito que não
iria "vender nosso Estado" após rejeitar uma proposta de Donald Trump para
dar aos EUA acesso às vastas reservas minerais do país.
Neste domingo
(23/2), porém, Zelensky recuou no tom e disse "estar pronto para conversar
sobre minerais" com os americanos. "Estamos prontos para
compartilhar", disse.
A Ucrânia possui
enormes depósitos das chamadas "terras raras" e minerais
estratégicos, mas muitos estão em áreas controladas por tropas russas.
Trump afirmou que
esses recursos deveriam ser trocados pelo contínuo apoio dos EUA à Ucrânia na
guerra contra a Rússia.
"Eu disse [à
Ucrânia] que quero o equivalente a, tipo, US$ 500 bilhões [cerca de R$ 2,9
trilhões] em terras raras, e eles essencialmente concordaram em fazer
isso", disse Trump ao repórter da Fox News, Bret Baier, em 10 de
fevereiro.
A proposta de Trump
destacou a importância desses minerais para os EUA, mas para que eles servem e
o que podem oferecer ao país?
·
O
que são os minerais de terras raras?
"Terras
raras" é um termo coletivo para 17 elementos quimicamente semelhantes
amplamente utilizados na tecnologia e na indústria modernas.
Esses elementos são
cruciais para a produção de smartphones, computadores, equipamentos médicos e
vários outros produtos.
Eles incluem: Sc –
escândio, Y – ítrio, La – lantânio, Ce – cério, Pr – praseodímio, Nd –
neodímio, Pm – promécio, Sm – samário, Eu – európio, Gd – gadolínio, Tb –
térbio, Dy – disprósio, Ho – hólmio, Er – érbio, Tm – túlio, Yb – itérbio, Lu –
lutécio.
Os minerais são
chamados de "raros" porque é muito incomum encontrá-los em forma
pura, embora existam depósitos de alguns deles em várias partes do mundo.
No entanto, as
terras raras frequentemente ocorrem junto a elementos radioativos, como tório e
urânio, e separá-los exige o uso de muitos produtos químicos tóxicos, tornando
o processo de extração às vezes difícil e caro.
·
Quais
minerais a Ucrânia tem?
A Ucrânia possui 21
das 30 substâncias que a União Europeia define como "materiais brutos
essenciais", representando cerca de 5% das reservas mundiais.
Muitas das áreas
que contêm esses elementos estão localizadas no sul do Escudo Cristalino
Ucraniano (grande área de rochas), principalmente sob o Mar de Azov. A maioria
desses territórios está atualmente ocupada pela Rússia.
No entanto, ainda
há projetos promissores na região do rio Bug, no oeste do país, assim como nas
regiões de Kiev, Vinítsia e Jitomir.
Especialistas
afirmam que, embora centenas de locais geológicos promissores tenham sido
identificados, apenas alguns deles podem se tornar depósitos viáveis, caso seu
desenvolvimento seja considerado economicamente factível.
"As
estimativas divulgadas são, de fato, apenas estimativas", diz Adam Webb,
chefe de Materiais Brutos para Baterias na Benchmark Mineral Intelligence, uma
agência de informações especializadas sobre esse mercado.
"É necessário
muito mais trabalho para transformar esses depósitos minerais em reservas
economicamente exploráveis."
Quanto a outros
recursos minerais importantes da Ucrânia, segundo a Forbes Ucrânia, cerca de
70% deles estão localizados nas regiões de Donetsk, Dnipro e Luhansk. Portanto,
muitos estão em territórios invadidos e ainda ocupados pela Rússia.
Além dos minerais
raros, a Ucrânia também possui o que são conhecidos como "minerais
críticos" — ou estratégicos —, como o lítio.
De acordo com o
governo da Ucrânia, o país possui cerca de 450 mil toneladas de reservas de
lítio. No entanto, ainda não está sendo extraído, embora haja planos para que a
mineração comece em breve.
A Rússia ocupou
pelo menos dois depósitos de lítio: Shevchenkivske, na região de Donetsk, e o
complexo de minério de Kruta Balka, na região de Berdyansk.
Os depósitos de
minério de lítio na região de Kirovohrad permanecem sob controle ucraniano.
·
O
que Trump quer com esses minerais?
O interesse dos EUA
em controlar a produção de terras raras e, possivelmente, minerais críticos,
deve-se em grande parte à competição com a China, que atualmente domina o
fornecimento global.
Nas últimas
décadas, a China se tornou líder tanto na mineração quanto no processamento de
minerais raros, respondendo por 60% a 70% da produção mundial e quase 90% da
capacidade de processamento.
A dependência dos
EUA em relação à China nesse aspecto provavelmente é preocupante para a administração
Trump – tanto em termos de segurança nacional quanto economicamente.
Esses materiais são
necessários para tecnologias altamente sofisticadas – desde carros elétricos
até equipamentos militares.
·
Análise:
'um paradoxo'
Por
Navin Singh Khadka, repórter de Meio Ambiente do Serviço Mundial da BBC
À primeira vista,
parece um paradoxo.
Trump ordenou a
expansão da produção de combustíveis fósseis, abandonando as políticas de
energias renováveis.
Mas, ao mesmo
tempo, ele quer garantir os minerais críticos – que são essenciais para a
transição para uma energia limpa – de onde seja possível.
No entanto, esses
minerais também são os blocos fundamentais para produtos eletrônicos de
consumo, equipamentos militares e de navegação, e – mais importante ainda – centros
de dados de inteligência artificial (IA).
Trump anunciou uma
grande iniciativa para expandir a infraestrutura de IA em seu país. Isso
exigirá um enorme fornecimento de minerais críticos – principalmente cobre,
silício, paládio e elementos de terras raras.
E o fornecimento
desses minerais já começou a declinar, tornando-se uma das principais causas do
desaceleramento do crescimento global das energias limpas.
Especialistas
afirmam que a dominância chinesa dos minerais críticos, incluindo elementos de
terras raras, é o principal fator para o desejo de Trump, devido à disputa
geopolítica entre os EUA e a China.
Após décadas
aperfeiçoando tecnologias de processamento e expertise, a China atualmente
controla 100% do fornecimento refinado de grafite natural e disprósio, 70% de
cobalto e quase 60% de todo o lítio e manganês processados, de acordo com a
Agência Internacional de Energia Renovável.
A potência asiática
também produz predominantemente elementos de terras raras e mantém um controle
rigoroso sobre metais-chave ao redor do mundo, com a posse de grandes minas na
África, Ásia e América do Sul.
"Para combater
o crescente domínio da China sobre a cadeia de suprimentos global", disse
o Comitê de Serviços Armados da Câmara dos Representantes dos EUA durante a
administração de Biden, "é essencial que os EUA assegurem seu próprio
fornecimento inovador de minerais críticos e estratégicos."
A administração
Trump parece ver locais como a Ucrânia e a Groenlândia como áreas para
utilizar métodos inovadores a fim de adicionar à sua cadeia de suprimentos.
<><> Elon Musk nega que vá cortar sinal da
Starlink na Ucrânia se país não aceitar acordo sobre minérios
Elon Musk afirmou neste sábado (22) que é falso que o sinal de internet
da Starlink será cortado caso não haja acordo sobre minérios da Ucrânia.
O empresário compartilhou a declaração no X após
uma reportagem publicada pela agência de notícias Reuters relatar que foi
cogitada a possibilidade de cortar o serviço se um acordo sobre recursos
minerais ucranianos não for firmado com os Estados Unidos.
"Isto é falso. A Reuters está mentindo. Eles
só perdem para a AP (Associated Press) como mentirosos da mídia tradicional.'
A reportagem da Reuters dizia que três fontes
informaram sobre a possibilidade de corte do acesso ao serviço foi levantada
durante discussões entre autoridades norte-americanas e ucranianas depois
que Volodymyr Zelensky,
presidente ucraniano, recusou uma proposta inicial dos EUA.
Segundo uma das fontes ouvidas, a Ucrânia
"funciona com a Starlink. Eles a consideram sua estrela do norte. (...)
Perder a Starlink (...) seria um grande golpe".
¨ Paz na
Ucrânia pode tornar petróleo barato demais
Um dos aliados mais próximos
do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Europa, o primeiro-ministro
húngaro Viktor Orbán, afirmou em fevereiro que os EUA poderiam encerrar a
guerra na Ucrânia em menos de seis meses. Segundo o Middle East
Eye, a tentativa acelerada dos EUA de retomar as
relações com a Rússia e pôr fim ao conflito deixou a Europa em estado de
choque.
O Golfo Árabe está de olho
no que isso pode significar para os preços da
energia e o comércio de petróleo.
Os países do Golfo, ricos em
petróleo, foram diretamente afetados pela decisão dos EUA e da União Europeia
de impor sanções à Rússia, que, junto com a Arábia Saudita, lidera uma aliança
de produtores de petróleo conhecida como Opep+.
Um fim rápido para a guerra
na Ucrânia poderia resultar em commodities mais baratas, desde petróleo até
metais e outros produtos, como fertilizantes, que dependem do gás natural para
sua produção.
“A normalização das relações
com a Rússia é um grande impulso para obter qualquer commodity a um preço mais
baixo do que antes. Grandes partes do mercado de commodities estarão facilmente
disponíveis novamente”, disse Viktor Katona, chefe de análise de petróleo da
empresa de inteligência Kpler, ao Middle
East Eye.
É claro que isso depende de
os EUA suspenderem as sanções à Rússia. O governo Trump tem sido bastante
transparente desde que iniciou as negociações com a Rússia na Arábia Saudita
nesta semana, afirmando que, como parte de um amplo acordo para encerrar a
guerra na Ucrânia, as sanções dos EUA serão suspensas.
“As sanções foram resultado
desse conflito. Para encerrar qualquer conflito, todas as partes precisam fazer
concessões”, disse o secretário de Estado, Marco Rubio.
Agora, vamos ao petróleo.
<><> ‘Negativo
para os preços’
Em uma nota esta semana,
analistas do Bank of America disseram que um acordo de paz na Ucrânia poderia
resultar em uma queda de US$ 5 a US$ 10 no preço do barril de Brent. Essa é uma
queda significativa, considerando os preços atuais.
Na tarde de sexta-feira, o
Brent estava sendo negociado com uma queda de 2%, a US$ 74,96 por barril.
Katona afirmou que o fim da
guerra na Ucrânia é “negativo para os preços”.
“Os russos não vão produzir
mais petróleo porque não têm muita capacidade ociosa, mas o sistema se tornará
mais previsível. O preço do petróleo será mais barato no final de 2025 do que é
agora”, disse ele.
Para os países do Golfo,
especialmente a Arábia Saudita, isso é uma má notícia.
O FMI afirma que a Arábia
Saudita precisa que o preço do petróleo esteja em torno de US$ 96 por barril
para equilibrar seu orçamento. Esse número aumentou à medida que o reino tenta
reduzir a oferta para elevar os preços.
A Arábia Saudita tem um
preço de equilíbrio mais alto do que seu “frenemy” na Opep, e cada vez mais
rival geopolítico, os Emirados Árabes Unidos (EAU).
O reino está investindo
bilhões de dólares da receita do petróleo em megaprojetos caros, projetados
para reduzir sua dependência de energia no futuro e diversificar sua economia.
Riad teve que reduzir alguns
projetos, como Neom, a megacidade futurística. Em vez de 1,5 milhão de pessoas
vivendo lá até 2030, autoridades sauditas agora esperam menos de 300 mil
residentes.
Uma cidade linear de 170 km,
conforme planejada, deve atingir apenas 2,4 km até 2030.
<><> Limite de
preço do Ocidente à Rússia fracassou
O governo Biden ressentiu-se
da decisão da Arábia Saudita de não liberar mais petróleo durante a guerra na
Ucrânia. Um ex-alto funcionário da inteligência dos EUA ecoou muitos colegas ao
dizer ao MEE que Riad havia “ficado contra nós (os EUA) e sustentado a economia
da Rússia”.
Até Trump, que mantém bons
laços com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e defendeu a cooperação
econômica com a Rússia uma vez que a guerra na Ucrânia termine, pediu que a
Arábia Saudita inundasse o mercado em janeiro.
“Se o preço caísse, a guerra
Rússia-Ucrânia terminaria imediatamente. Agora, o preço está alto o suficiente
para que a guerra continue – é preciso reduzir o preço do petróleo”, disse
Trump.
Logicamente, o reino não
tinha interesse em derrubar o preço de sua principal exportação em prol dos
interesses políticos dos EUA.
Independentemente disso,
Trump está buscando um acordo de paz na Ucrânia com os preços do petróleo
praticamente nos mesmos níveis de janeiro, quando fez esses comentários.
Os preços do petróleo, que
começaram 2022 sendo negociados em torno de US$ 76 por barril, dispararam para
mais de US$ 100 quando a Rússia invadiu a Ucrânia, mas caíram mais de 20% nos
últimos três anos. A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022.
Gregg Priddy, consultor de
energia da Spout Run Advisory, sediada em Washington, disse ao MEE que o fim
da guerra na Ucrânia pode ser neutro para os preços do petróleo.
Como o fornecimento russo
não caiu substancialmente, o fim das sanções à Rússia não significará uma
inundação de petróleo no mercado para deprimir os preços.
“Não houve uma grande
redução no volume russo no mercado. Apenas foi deslocado. O limite de preço não
funcionou muito bem”, disse ele, acrescentando que China e Índia absorveram o
petróleo russo.
<><> Por que a
Índia compra petróleo russo em dirhams dos Emirados?
Aqueles que têm mais a
perder com o fim das sanções são os proprietários de navios, que se
beneficiaram ao repassar prêmios de risco de guerra para a Rússia. Como o
petróleo russo está percorrendo rotas indiretas para chegar aos destinos, os
navios-tanque estão em falta e as taxas aumentaram.
“As sanções ocidentais
tornaram o mercado de navios-tanque, que já estava saturado, mais apertado.
Então, isso é ruim se você é um proprietário de navios”, disse Priddy.
Houve uma série de efeitos
colaterais devido às sanções do Ocidente.
Os EUA expulsaram a Rússia
do Swift, o sistema global de mensagens financeiras dominado pelo dólar
americano. Em resposta, a Rússia se moveu para se isolar do sistema de comércio
baseado no dólar.
O petróleo russo destinado à
China atravessa sua fronteira no extremo leste. Esse comércio já migrou para o
yuan. Analistas dizem que a China não tem motivação para trazer esse comércio
de volta ao dólar.
Com outros clientes, a
Rússia usou proxies para o dólar. Os EAU foram grandes beneficiários. Eles se
tornaram um centro de comércio de petróleo russo. Por exemplo, a Índia começou
a comprar petróleo russo em dirhams dos Emirados, que são atrelados ao dólar
para estabilidade.
A ascensão do dirham como um
proxy do dólar no comércio de petróleo russo ajudou a trazer bilhões de dólares
para os bancos dos Emirados.
O status de Dubai como a
“nova Genebra” para o comércio de petróleo russo pode ser afetado se os EUA
abrirem as portas para a Rússia retornar ao sistema baseado no dólar.
O governo Trump e seus
aliados na mídia estão constantemente destacando a ameaça que acreditam que as
sanções representam para o status do dólar como moeda de reserva global.
“Devemos implantar sanções
com cuidado… e, crucialmente, garantir que o dólar americano permaneça a moeda
de reserva mundial”, disse o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, em
sua audiência de confirmação no Senado.
<><> A Arábia
Saudita espera recuperar participação de mercado na China
A Arábia Saudita espera que
o fim das sanções dos EUA permita que ela recupere participação de mercado na
China. Em 2024, as exportações russas para a China atingiram um recorde
histórico, enquanto as compras chinesas de petróleo saudita caíram 9%.
Mas analistas dizem que isso
é improvável de acontecer.
Katona disse que o petróleo
russo está sendo negociado com um desconto de US$ 4 por barril em relação ao
petróleo saudita. Se os EUA suspenderem as sanções, os russos poderão reduzir
os preços e ainda assim serem mais baratos que a Arábia Saudita. A China também
tem o benefício adicional de negociar em yuan com a Rússia.
<><> A Turquia
poderia enviar petróleo russo para a Europa?
Outro grande fator
determinante é a Europa. A União Europeia ainda importa algum gás russo, mas
proibiu totalmente a importação de petróleo bruto e produtos refinados russos
transportados por mar.
“A Europa não vai comprar
petróleo russo novamente”, disse Katona.
Priddy disse que podemos ver
uma divisão entre a União Europeia e os EUA.
“A Europa e os Estados
Unidos podem seguir caminhos diferentes em relação às sanções. Não acho que a
União Europeia voltará a comprar petróleo russo”, afirmou.
Claro, há outras maneiras pelos
quais os estados da UE poderiam importar petróleo russo. Se os EUA aliviarem as
sanções, isso permitiria que a Turquia importasse petróleo russo com mais
liberdade, refinasse e revendesse para estados europeus.
Isso já está sendo feito com
o gás russo através do gasoduto Turkstream. O fornecimento de gás russo para a
Europa através do Turkstream atingiu um recorde histórico em janeiro.
<><> A Arábia
Saudita depende da China
A Arábia Saudita depende das
refinarias chinesas para comprar seu petróleo. Ela também investiu em produção
downstream lá. Mas a economia chinesa está desacelerando, e analistas
questionam se ela já atingiu o pico de demanda por petróleo. Se a Arábia
Saudita não conseguir expulsar a Rússia da China, resta um outro concorrente: a
República Islâmica do Irã.
Trump prometeu retomar uma
campanha de “pressão máxima” contra o Irã. No mês passado, a Reuters informou
que o grupo estatal chinês Shandong Port Group decidiu começar a bloquear
navios-tanque sob sanções dos EUA. Isso é um grande golpe para o Irã, cuja
frota clandestina envelhecida transporta a maior parte de seu petróleo para a
China.
“[A Arábia Saudita] tem a
chance de os EUA eliminarem as exportações de petróleo do Irã. Essa é uma
oportunidade brilhante”, disse Katona.
Fonte: BBC News
Mundo/O Cafezinho
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