segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Agroecologia pode retardar efeitos da crise climática nas lavouras

O excesso de calor dos últimos dias está afetando lavouras de soja, milho e arroz na Região Sul do Brasil e também plantações de café e de frutas na Região Sudeste. A cada ano aumentam os impactos causados pelas mudanças climáticas sobre a produção de alimentos.

De acordo com a climatologista Francis Lacerda, pesquisadora do Instituto Agronômico de Pernambuco, estratégias de agroecologia podem retardar esses efeitos e diminuir a ameaça de insegurança alimentar. Pelo menos por enquanto. “Existem práticas que podem ainda reduzir esses efeitos. Eu digo ainda porque daqui a pouco não vai poder mais”, alerta a especialista.

A primeira missão é reflorestar. “Uma prática que se faz muito na agroecologia é o consórcio. Você planta uma árvore frutífera e, do lado, você planta uma leguminosa, feijão, milho, faz esse plantio todo junto… E essas plantas vão interagir de uma forma que vão beneficiar umas às outras. Tem uma que vai buscar água lá no fundo, porque a raiz dela é pivotante, mas outra que não consegue. Aquelas plantas que não aguentam muita incidência de radiação ficam melhores [quando] associadas a árvores grandes, que fazem sombra para elas. A gente precisa fazer um reflorestamento e implementar esse modelo do sistema agroflorestal,” diz a especialista.

Ela acrescenta que a diversificação de culturas favorece a fertilidade e proteção dos solos, além de reduzir os riscos de pragas e doenças, “contribuindo para a não utilização de agrotóxicos e garantindo ao agricultor vantagens ambientais e financeiras, tais como investimentos mais baixos e colheita de produtos diversificados, evitando riscos econômicos provenientes de condições climáticas extremas”.

·        Mudanças surpreendem agricultores

A climatologista lembra que a grande maioria dos alimentos consumidos pelas famílias brasileiras é produzida por agricultores familiares, que se veem cada vez mais surpreendidos com as mudanças no clima.

“Porque eles não conseguem mais ter as práticas que tinham de plantar em tal período, de colher em outro. E geralmente quando a gente tem essas ondas de calor, [o total] de alguns organismos no ecossistema que são mais resilientes – insetos, fungos e bactérias – aumenta muito e eles arrasam com a produção”, acentua.

Por isso, Francis defende também políticas públicas de implementação de tecnologias para que as comunidades consigam captar e armazenar a própria água e gerar a energia consumida, ficando menos vulneráveis aos efeitos climáticos.

Deve-se “dar autonomia a essas comunidades para produzir o próprio alimento dentro dessas condições, e ainda fazer o reflorestamento da sua propriedade, é possível, é barato e os agricultores querem”, salienta.

Enquanto isso não é feito em larga escala, a incidência de algumas espécies vegetais endêmicas dos biomas brasileiros está diminuindo, de acordo com a climatologista, “inclusive espécies adaptadas para se desenvolver em áreas secas e quentes”.

·        Água nas raízes

“O umbuzeiro, por exemplo, uma planta que é uma referência para o semiárido. Ela é muito resiliente e guarda água nas suas raízes porque está acostumada a lidar com as secas. Os umbuzeiros estão sumindo da paisagem porque eles não conseguem mais se adaptar a essas variáveis climáticas atuais”, avalia.

A climatologista do Instituto Agronômico de Pernambuco diz também que essas lições podem ser aplicadas ao meio urbano, “reservando espaços na cidade que possam servir para o cultivo de alimento, como quintais produtivos e farmácias vivas. Mas é preciso ter uma política pública que oriente e que financie. Porque quem tem dinheiro manda buscar a comida, mas sem justiça social não se combate as mudanças climáticas. É preciso pensar em formas inovadoras de produzir e garantir a segurança hídrica, energética e alimentar para as populações do campo e da cidade”, finaliza.

¨         Obras da hidrovia do rio Paraguai podem secar ainda mais o Pantanal, alertam pesquisadores

Em outubro de 2024, a régua de monitoramento do rio Paraguai indicava o nível mais baixo desde 1900, ano em que o medidor passou a funcionar, na base da Marinha do Brasil em Ladário (MS). Para pesquisadores da região, esse é mais um alerta sobre os riscos das obras da hidrovia do rio Paraguai, projeto atualmente em fase de consulta pública.

Os especialistas alertam que a crise climática pode acentuar as secas no rio, impedindo a passagem de grandes embarcações e inviabilizando a proposta da concessão. Além disso, as obras de adaptação do rio podem ter impactos negativos no Pantanal, bioma já bastante ameaçado pela seca e incêndios.

“O que aconteceu no ano passado foi a maior seca dos últimos 124 anos monitorados pela Marinha do Brasil. Então, eu ouso dizer que essa questão colocada da previsibilidade não vai existir”, alerta Débora Calheiros, bióloga e pesquisadora da Embrapa cedida ao Ministério Público Federal (MPF), em audiência pública realizada no dia 6 de fevereiro de 2025. “As embarcações têm que se adaptar aos rios, e não os rios às embarcações”, sugere.

A proposta de concessão inclui intervenções no rio para facilitar a passagem de grandes embarcações, permitindo aumento na quantidade de minério de ferro e soja escoados pela hidrovia para o mercado externo. O investimento previsto é de R$ 63,8 milhões, além de gastos operacionais no valor anual de R$ 14,2 milhões. O período de vigência do contrato é de 15 anos, que podem ser prorrogados por mais 15.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) informa que “a hidrovia vai contar com um calado de 3 metros quando o rio estiver cheio e de 2 metros em períodos de seca, o que vai garantir a trafegabilidade das embarcações durante todo o ano, ou pelo menos a maior parte dele”.

Os especialistas, no entanto, apontam a necessidade de mais pesquisas que considerem os impactos ambientais na região, já que o rio Paraguai é o principal responsável pela inundação do Pantanal.

“Qualquer tipo de discussão sobre esse assunto exige um arcabouço enorme de estudos científicos multi, inter e transdisciplinares”, alerta o antropólogo social, arqueólogo e historiador Jorge Eremites de Oliveira, que realiza pesquisas sobre o Pantanal desde o final dos anos 80.

<><> Retirada de rochas pode sugar água do Pantanal

A proposta apresentada pela Antaq para as intervenções no rio prevê o derrocamento, procedimento que consiste na remoção de rochas do fundo do rio; e a dragagem, que consiste na retirada de sedimentos.

As interferências serão feitas em alguns pontos do trecho de aproximadamente 600 km, nomeado como Tramo Sul, entre o município de Corumbá (MS) e o rio Apa, em Porto Murtinho (MS).

Embora o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) indique “não haverá alterações significativas na morfologia (forma e profundidade) do rio, devido ao baixo impacto das intervenções comparadas às dimensões do rio”, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Pierre Girard aponta a ausência de simulações que projetem a dimensão do impacto. “A questão toda, que não é bem resolvida, é: como eu dimensiono isso?”, diz.

Girard é doutor em hidrologia pela Université du Québec, no Canadá e autor de um artigo assinado com mais 41 pesquisadores do Brasil, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, publicado na revista Science of the Total Environment, com o título “O fim de todo um bioma? O Pantanal, a mais vasta terra alagável do mundo, está sendo ameaçada por um projeto de hidrovia cuja capacidade para suportar tráfego em larga escala de maneira sustentável é incerta”.

O estudo aponta a função das rochas no fundo do rio, que atuam como barragens e garantem a cheia da parte norte da hidrovia, principal responsável pela inundação do bioma. “O Pantanal alaga porque todo esse trecho que vai até o rio Apa é uma planície. Então, a água escoa devagar, porque é plano (…) E também tem alguns afloramentos rochosos dentro do leito do rio que dificultam o escoamento da água”, explica o professor. Assim, o Tramo Sul, onde serão realizadas as obras, influencia no ritmo de cheias e secas do Tramo Norte.

Girard indica que, sem estudos de modelagem que simulem os impactos, não é possível garantir a manutenção do fluxo das águas. A Antaq informa que foram realizados testes de modelagem para investigar o impacto do derrocamento no rio Paraguai, mas os estudos são de acesso restrito.

 “A gente sabe que qualquer intervenção nesse sentido, pode gerar impactos que talvez o bioma responda de alguma forma que a gente não tenha muito controle sobre a situação”, afirma Eduardo Rosa, pesquisador da plataforma MapBiomas.

De acordo com o EVTEA, o Tramo Sul é muito importante para as exportações e importações brasileiras. “Este segmento do rio é essencial para o transporte de minérios, produtos agrícolas e grãos do Centro-Oeste do Brasil. Especificamente, identifica-se o minério de ferro como a principal carga movimentada”, informa o documento.

A hidrovia servirá, principalmente, para o transporte de minério de ferro brasileiro que, de acordo com a projeção da Antaq, corresponderá a mais de 77% da carga escoada. A maior parte desse minério terá origem no município de Corumbá. Em segundo lugar, está a soja brasileira com origem no Mato Grosso (7,4%) e a soja boliviana (6,9%).

<><> Mais seco, Pantanal é mais suscetível a incêndios

De acordo com Rosa, a última grande cheia do Pantanal, registrada em 2018, indicou uma mudança no fluxo de água no bioma. “O bioma alagou uma menor área e foi um pulso de inundação mais rápido”, diz.

Informações da plataforma MapBiomas, que usa dados captados por satélites para fazer as análises, indicam que 2023 foi 38% mais seco que 2018.

Os estudos, resultantes de monitoramento do bioma desde 1985, mostram uma mudança no padrão de secas e cheias no Pantanal. “A água que fica no bioma no período de seca está diminuindo muito também”, alerta Rosa. “E outra coisa importante que a gente entenda, é que esse pulso de inundação está completamente ligado ao rio Paraguai”, diz.

A seca no Pantanal tem uma consequência trágica: o aumento dos incêndios no bioma. Em 2024, Corumbá – ponto inicial do Tramo Sul da hidrovia do rio Paraguai – foi o segundo município mais devastado pelo fogo, ficando atrás apenas de São Félix do Xingu (PA). “A gente não consegue produzir nada na aldeia, porque tá seco. Tudo que você planta, morre”, relatou o cacique Negré, do povo Guató, em uma reportagem publicada pelo Brasil de Fato em outubro de 2024.

Na audiência pública realizada no início de fevereiro, não havia representantes dos povos indígenas e ribeirinhos do Pantanal, que serão impactados pelas obras e pelo aumento do tráfego de grandes embarcações na hidrovia.

“Não é que nós sejamos contra o progresso, o desenvolvimento econômico”, explica Oliveira, que publicou os primeiros estudos sobre os impactos da hidrovia na década de 90. “Acontece que esse debate é como você pegar uma galinha que bota ovos de ouro e, ao invés de você tratá-la bem e preservá-la, mata o animal e abre a barriga dela para ver o que tem dentro. É o que estão fazendo com o Pantanal”, lamenta.

<><> Sobre a consulta pública

A Antaq abriu período de consulta pública para receber contribuições para o aprimoramento dos documentos e da modelagem proposta para a concessão da hidrovia do rio Paraguai. Qualquer pessoa, empresa ou entidade pode participar do processo, que é realizado on-line, por meio de preenchimento de formulário disponível neste link. A consulta pública vai até o dia 10 de março de 2025.

 

Fonte: Agencia Brasil/Brasil de Fato

 

 

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