Jeferson
Miola: O que Nardes sabe sobre o dinheiro do agronegócio que financiou o golpe?
No dia 20 de
novembro de 2022, oito dias após a reunião realizada na casa do general Braga
Netto [em 12/11/2022] para planejar os assassinatos de Lula, Alckmin e
Alexandre de Moraes, o ministro do TCU João Augusto Nardes transmitiu uma
mensagem em áudio para lideranças do agronegócio.
Na mensagem,
Nardes explicou aos ruralistas: “falei longamente com o time do Bolsonaro essa
semana”.
E relatou que
“está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão
de horas, dias, no máximo uma semana ou duas, ou talvez menos que isso, que vai
acontecer um desenlace bastante forte na nação. [De consequências] imprevisíveis”.
Demonstrando
conhecimento sobre o plano conspirativo em andamento, ele profetizou que “a
situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar
desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas
horas”.
Com tintas
dramáticas, disse que “os próximos dias serão nebulosos, o que vai acontecer de
desdobramentos não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes
nos próximos dias”.
Este “pior
momento que a nação vai viver” só não acontecerá, Nardes previu, caso “haja uma
capitulação por parte de alguns integrantes importantes e dirigentes, porque
tudo se sente que vai pra um conflito social na nação brasileira”.
No depoimento
à PF em novembro de 2024, o tenente-coronel Mauro Cid revelou que na reunião na
casa do general Braga Netto os militares discutiram justamente as ações para
causar caos e apreensão.
Os integrantes
da organização criminosa liderada por Bolsonaro entendiam que era preciso
“fazer alguma coisa para que haja uma mobilização de massa, que haja alguma
ação que tenha repercussão, que faça que o Exército tenha que fazer uma coisa
…”.
Cid esclareceu
que o dinheiro para financiar as ações criminosas foi “obtido junto ao pessoal
do agronegócio”, e foi “entregue numa sacola de vinho” para o próprio general
Braga Netto.
“A gente sabia
que o pessoal do agro tava sempre ali, trazendo manifestante e
tudo. [E] teve essa parte do financiamento”, ele disse, acrescentando que “os
grupos do agro estavam muito ouriçados para fazer uma ação mais contundente”.
É difícil crer
que tenha sido apenas coincidência a cronologia de acontecimentos envolvendo a
transmissão da mensagem do Nardes para ruralistas no dia 20/11/2022 prevendo
“um desenlace bastante forte na nação”, e os desdobramentos graves dos atos
planejados na casa do general Braga Netto oito dias antes, em 12/11/2022.
São notórios e
históricos os vínculos de Nardes tanto com os militares, como com o segmento
reacionário e extremista do agronegócio.
A trajetória
político-parlamentar de Nardes foi inteiramente nos partidos que sucederam a
ARENA, partido alicerce da ditadura militar. No áudio, Nardes até se jactou:
“eu tive na época [anos 1980] conversando com Ernesto Geisel, com os líderes da
época, João Figueiredo […]”.
Nardes foi
correligionário de Bolsonaro nas siglas autoritárias e pró-ditadura. Além da
identidade ideológica, eles estabeleceram laços de cumplicidade e confiança.
No seu sétimo
dia de governo, no dia 7 de janeiro de 2019, numa das suas primeiras agendas oficiais, Bolsonaro recebeu Nardes para “falar de
governança”.
Na mensagem
aos aliados, Nardes também relembrou os vínculos com o setor agro-golpista:
–“quando lá atrás negociamos a securitização, eu era o líder da bancada
ruralista, articulei a reunião em 17 Estados pra colocar 20.000 pessoas em
Brasília em 1999”, disse.
E relembrou,
com nostalgia terrorista, que “queimamos máquinas, tratores, fizemos um
escarcéu …” – cenário semelhante aos atentados terroristas que incendiaram e
quase explodiram Brasília nos dias 12 e 24 de dezembro de 2022.
É intrigante
que até hoje, apesar do áudio comprometedor e de todas as “coincidências”, nem
o TCU, nem a PGR, nem a PF tenham investigado o ministro Nardes, que no áudio
admitiu que “eu conheço todos os líderes e sei da importância do agro”, e
também disse ter “muitas informações, especialmente para o grupo do agro, mas
eu acho que é o grande momento baseado no que falou esse caminhoniero lá de
Sinop, de que é necessário acordar todo o Brasil”.
Nardes poderia, portanto, ajudar a esclarecer a
origem do dinheiro do “time do agro” entregue ao general Braga Netto, assim como a ligaçao do agronegócio com o empreendimento
golpista.
Uma
investigação policial com acesso aos sigilos telemáticos deste ministro do TCU
pode elucidar outras dimensões da atuação da organização criminosa que atentou
contra o Estado de Direito.
A apuração
pode, inclusive, constatar o papel do próprio Augusto Nardes como ator oculto
da engrenagem golpista. Mesmo como ministro do Tribunal de Contas, fazia política
partidária e conclamava a sociedade a “acordar, despertar, ter fé e crença,
como nós tivemos lá em 15 [2015]”, disse, referindo-se ao impeachment fraudulento
da presidente Dilma com a tese farsesca das pedadalas fiscais que ele inventou
para o golpe de 2016 conduzido por Cunha, Aécio e Temer.
¨ Os pântanos do
Judiciário e o juiz que monitorava Alexandre de Moraes. Por Moisés Mendes
A divulgação
de vídeos da delação de Mauro Cid acrescenta um detalhe escabroso à atuação de
um ex-juiz federal do TSE. O magistrado abastecia os golpistas com argumentos
‘técnicos’ contra o sistema eleitoral e, pelo que se sabe agora, também
monitorava Alexandre de Moraes.
Surpreende-se
quem ainda acha que pode ser surpreendido. Disseminam-se há muito tempo, em
instâncias variadas, nos mais diversos níveis das hierarquias das instituições
e com diferentes graduações de delitos, as criaturas habitantes dos labirintos
e dos pântanos do sistema de Justiça no Brasil.
Confiram
exemplos a seguir e acrescentem outros casos a gosto, porque o que mais tem
hoje, além de golpista, é alto servidor do Judiciário trabalhando contra a
imagem e as estruturas do sistema de Justiça:
1.
Desembargadores de sete tribunais de Justiça estaduais vendiam sentenças ou
deixavam, por descontrole ou omissão, que seus assessores vendessem. Alguns
foram afastados, mas, pela dimensão das falcatruas, há suspeitos que continuam
trabalhando normalmente, talvez ainda oferecendo sentenças a poderosos que têm
dinheiro para comprar decisões que possam favorecê-los. São investigados pela
Polícia Federal desembargadores, juízes e servidores dos TJs de Mato Grosso,
Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão.
Alguns desembargadores chegaram a usar, mas não se sabe se ainda usam, as
mesmas tornozeleiras usadas por bandidos.
2. Um juiz
auxiliar do TSE era infiltrado dos golpistas dentro do tribunal e, segundo o
coronel delator Mauro Cid, também passava informações aos militares sobre as
rotinas e o paradeiro do ministro Alexandre de Moraes. Até o estagiário do TSE
sabe o que Moraes já sabia: que o juiz federal acusado por Cid, que atuava como
uma espécie de consultor da extrema direita nos questionamentos sobre o sistema
eleitoral (o que já circulava antes da delação de Cid), chama-se Sandro Nunes
Vieira e está afastado das suas atividades por decisão do CNJ (Conselho
Nacional de Justiça). Com remuneração, claro.
3. Relatório
do delegado da Polícia Federal Élzio Vicente da Silva, elaborado como apoio à
correição feita pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba, para investigação de
delitos do lavajatismo, informou o seguinte, no começo do ano passado: o
ex-juiz Sergio Moro, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol e a juíza
federal Gabriela Hardt teriam agido em conluio para desviar R$ 2,5 bilhões de
acordo que resultou em multa contra a Petrobras. A criação da fundação foi
abortada por decisão da PGR e do Supremo. Mas até hoje os acusados não foram
julgados, em nenhuma instância, por envolvimento nesse caso.
4. Oito
desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina participaram, em
dezembro do ano passado, de jantar promovido por um grande e famoso empresário
que é parte em processos que pelo menos três deles iriam julgar. O Conselho
Nacional de Justiça abriu sindicância. É visto como um dos desvios de conduta
menos graves, no conjunto de investigações do CNJ. O empresário que chamou
juízes da mais alta Corte do Estado para um banquete em Brusque é Luciano Hang,
investigado em inquéritos variados também fora de Santa Catarina, alguns relatados
pelo ministro Alexandre de Moraes. Entre os quais um sobre suspeita de
articulação golpista com outros empresários. Pra que jantar com o véio da Havan
numa hora dessas? O CNJ vai tentar descobrir.
5. Tramita
desde outubro no Supremo a investigação sobre a já comprovada negociação de
sentenças nos gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas
ninguém da grande imprensa aborda esse que pode ser o grande escândalo do
Judiciário. O que mais se repete nas notícias é que há suspeita de participação
de pessoas com foro privilegiado. As negociatas teriam acontecido nos gabinetes
de pelo menos quatro ministros. Mas ainda não há informações que esclareçam se
os magistrados estão envolvidos ou apenas os assessores. O esquema é
investigado em sigilo pela Polícia Federal. Mas a informação foi vazada para a
revista Veja no ano passado. Os jornalões não querem saber do assunto.
6. Nesse
momento, em algum lugar do país, um servidor de uma alta Corte pode estar
vendendo uma sentença.
¨ Golpista aposentado
dá lição de credibilidade a Lula. Por Paulo Henrique Arantes
Em evento
promovido pela Fundação Ulysses Guimarães, na quinta-feira 20, Michel Temer
afirmou que o problema do governo Lula é falta de credibilidade. Eis a fala do
ex-presidente que se valeu de um impeachment sem crime ou quebra de decoro para
chegar ao Palácio do Planalto: “Eu acho que o que está acontecendo com o atual
governo é essa falta de credibilidade. E pelas mais variadas razões. Até
razões internas, daquela disputa entre ministérios ou do partido do
governo com o próprio governo. Isso tira a credibilidade”.
Este
jornalista entrevistou longamente o então vice-presidente da República Michel
Temer, para uma revista dirigida a advogados. Naquela época pré-golpe, ele
derretia-se em elogios a Dilma Rousseff: “Ela tem um estilo gerencial muito
forte, de muita presença, e muitas vezes esse estilo, muito útil para o governo
brasileiro, desmerece um pouco a ideia de sua habilidade política. Mas a
presidente Dilma é de uma habilidade extraordinária. Eu tenho acompanhado as
articulações políticas, as quais são feitas muitas vezes, evidentemente, com a
minha colaboração. A suposta inabilidade política da presidente é desmentida
precisamente pelo dia a dia dela com o Congresso Nacional e com os partidos
políticos”.
O espírito
bajulador de 2014, quando o entrevistei, daria lugar, em dezembro de 2015, à
alma magoada. A famigerada carta de Temer a Dilma, praticamente justificando
sua adesão ao golpe em curso, mostra que a perda de influência no governo
poderia autorizá-lo à deslealdade de trabalhar, nas sombras, pela derrubada da
presidente: “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A
Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e
que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as
votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados
para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros
acessórios, secundários, subsidiários. 3. A senhora, no segundo mandato, à
última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco
fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma
indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato
no dia seguinte, ao telefone. 4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele
deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o
governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil
técnico que ele, Ministro da área, indicara para a Anac.’”
Se Temer
reconhecia-se partícipe de articulações políticas em 2014, como disse a este
jornalista, e em 2015 sentia-se jogado para escanteio, motivos houve. Perda de
confiança por parte da presidente, que o via como um estimulador, ainda que de
modo subliminar, do professo de impeachment?
Fato é que
Dilma Rousseff caiu e Temer subiu. Qual a credibilidade do presidente da
República Michel Temer? Ele foi depositário da esperança do povo brasileiro ou
beneficiário do casuísmo-golpismo que tirou uma mulher honesta da Presidência
da República? Teve a credibilidade que hoje diz que Lula não tem?
A
credibilidade de Michel Temer certamente é bem alta nos saraus
jurídico-políticos em que predominam as mesóclises. E no seio da alta finança.
Os defensores da austeridade como fim em si estiveram eufóricos quando o
governo Temer emplacou o teto de gastos, prova cabal de “credibilidade” para a
Faria Lima.
Como já
escrevemos neste espaço, o constitucionalista Michel Temer vilipendiou a
Constituição ao promover uma reforma trabalhista totalmente descolada da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho), apregoando uma “modernização” das relações
de trabalho e em nome disso criando uma legião de trabalhadores informais,
precarizados.
A reforma da
Previdência que Bolsonaro impingiu ao país, com ajuda do Congresso mais
canhestro da História da República, foi concebida pelo governo Temer. Só não
emplacou naquele mandato porque o ocupante do Planalto perdeu qualquer condição
de negociar com os parlamentares, denunciado que fora por corrupção após o
vazamento do áudio de sua conversa macabra com Joesley “Friboi” Batista - esse
é o Temer credível.
Repetimos o
que já escrevemos, por oportuno: Michel Temer encarna a elite que traçou desde
a proclamação da República a tragédia social brasileira. A elite do atraso,
como bem definida pelo sociólogo e escritor Jessé Souza. Uma elite envernizada
por uma oratória conciliadora, um discurso centrista hipócrita que mal disfarça
a volúpia por privilégios, com um pé na academia e outro nos regabofes com
doleiros e assemelhados.
Fonte: Brasil 247
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