sábado, 22 de fevereiro de 2025

Jeferson Miola: O que Nardes sabe sobre o dinheiro do agronegócio que financiou o golpe?

No dia 20 de novembro de 2022, oito dias após a reunião realizada na casa do general Braga Netto [em 12/11/2022] para planejar os assassinatos de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, o ministro do TCU João Augusto Nardes transmitiu uma mensagem em áudio para lideranças do agronegócio.

Na mensagem, Nardes explicou aos ruralistas: “falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana”.

E relatou que “está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana ou duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação. [De consequências] imprevisíveis”.

Demonstrando conhecimento sobre o plano conspirativo em andamento, ele profetizou que “a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas”.

Com tintas dramáticas, disse que “os próximos dias serão nebulosos, o que vai acontecer de desdobramentos não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias”.

Este “pior momento que a nação vai viver” só não acontecerá, Nardes previu, caso “haja uma capitulação por parte de alguns integrantes importantes e dirigentes, porque tudo se sente que vai pra um conflito social na nação brasileira”.

No depoimento à PF em novembro de 2024, o tenente-coronel Mauro Cid revelou que na reunião na casa do general Braga Netto os militares discutiram justamente as ações para causar caos e apreensão.

Os integrantes da organização criminosa liderada por Bolsonaro entendiam que era preciso “fazer alguma coisa para que haja uma mobilização de massa, que haja alguma ação que tenha repercussão, que faça que o Exército tenha que fazer uma coisa …”.

Cid esclareceu que o dinheiro para financiar as ações criminosas foi “obtido junto ao pessoal do agronegócio”, e foi “entregue numa sacola de vinho” para o próprio general Braga Netto.

“A gente sabia que o pessoal do agro tava sempre ali, trazendo manifestante e tudo. [E] teve essa parte do financiamento”, ele disse, acrescentando que “os grupos do agro estavam muito ouriçados para fazer uma ação mais contundente”.

É difícil crer que tenha sido apenas coincidência a cronologia de acontecimentos envolvendo a transmissão da mensagem do Nardes para ruralistas no dia 20/11/2022 prevendo “um desenlace bastante forte na nação”, e os desdobramentos graves dos atos planejados na casa do general Braga Netto oito dias antes, em 12/11/2022.

São notórios e históricos os vínculos de Nardes tanto com os militares, como com o segmento reacionário e extremista do agronegócio.

A trajetória político-parlamentar de Nardes foi inteiramente nos partidos que sucederam a ARENA, partido alicerce da ditadura militar. No áudio, Nardes até se jactou: “eu tive na época [anos 1980] conversando com Ernesto Geisel, com os líderes da época, João Figueiredo […]”.

Nardes foi correligionário de Bolsonaro nas siglas autoritárias e pró-ditadura. Além da identidade ideológica, eles estabeleceram laços de cumplicidade e confiança.

No seu sétimo dia de governo, no dia 7 de janeiro de 2019, numa das suas primeiras agendas oficiais, Bolsonaro recebeu Nardes para “falar de governança”.

Na mensagem aos aliados, Nardes também relembrou os vínculos com o setor agro-golpista: –“quando lá atrás negociamos a securitização, eu era o líder da bancada ruralista, articulei a reunião em 17 Estados pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em 1999”, disse.

E relembrou, com nostalgia terrorista, que “queimamos máquinas, tratores, fizemos um escarcéu …” – cenário semelhante aos atentados terroristas que incendiaram e quase explodiram Brasília nos dias 12 e 24 de dezembro de 2022.

É intrigante que até hoje, apesar do áudio comprometedor e de todas as “coincidências”, nem o TCU, nem a PGR, nem a PF tenham investigado o ministro Nardes, que no áudio admitiu que “eu conheço todos os líderes e sei da importância do agro”, e também disse ter “muitas informações, especialmente para o grupo do agro, mas eu acho que é o grande momento baseado no que falou esse caminhoniero lá de Sinop, de que é necessário acordar todo o Brasil”.

Nardes poderia, portanto, ajudar a esclarecer a origem do dinheiro do “time do agro” entregue ao general Braga Netto, assim como a ligaçao do agronegócio com o empreendimento golpista.

Uma investigação policial com acesso aos sigilos telemáticos deste ministro do TCU pode elucidar outras dimensões da atuação da organização criminosa que atentou contra o Estado de Direito.

A apuração pode, inclusive, constatar o papel do próprio Augusto Nardes como ator oculto da engrenagem golpista. Mesmo como ministro do Tribunal de Contas, fazia política partidária e conclamava a sociedade a “acordar, despertar, ter fé e crença, como nós tivemos lá em 15 [2015]”, disse, referindo-se ao impeachment fraudulento da presidente Dilma com a tese farsesca das pedadalas fiscais que ele inventou para o golpe de 2016 conduzido por Cunha, Aécio e Temer.

 

¨      Os pântanos do Judiciário e o juiz que monitorava Alexandre de Moraes. Por Moisés Mendes

A divulgação de vídeos da delação de Mauro Cid acrescenta um detalhe escabroso à atuação de um ex-juiz federal do TSE. O magistrado abastecia os golpistas com argumentos ‘técnicos’ contra o sistema eleitoral e, pelo que se sabe agora, também monitorava Alexandre de Moraes.

Surpreende-se quem ainda acha que pode ser surpreendido. Disseminam-se há muito tempo, em instâncias variadas, nos mais diversos níveis das hierarquias das instituições e com diferentes graduações de delitos, as criaturas habitantes dos labirintos e dos pântanos do sistema de Justiça no Brasil.

Confiram exemplos a seguir e acrescentem outros casos a gosto, porque o que mais tem hoje, além de golpista, é alto servidor do Judiciário trabalhando contra a imagem e as estruturas do sistema de Justiça:

1. Desembargadores de sete tribunais de Justiça estaduais vendiam sentenças ou deixavam, por descontrole ou omissão, que seus assessores vendessem. Alguns foram afastados, mas, pela dimensão das falcatruas, há suspeitos que continuam trabalhando normalmente, talvez ainda oferecendo sentenças a poderosos que têm dinheiro para comprar decisões que possam favorecê-los. São investigados pela Polícia Federal desembargadores, juízes e servidores dos TJs de Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão. Alguns desembargadores chegaram a usar, mas não se sabe se ainda usam, as mesmas tornozeleiras usadas por bandidos. 

2. Um juiz auxiliar do TSE era infiltrado dos golpistas dentro do tribunal e, segundo o coronel delator Mauro Cid, também passava informações aos militares sobre as rotinas e o paradeiro do ministro Alexandre de Moraes. Até o estagiário do TSE sabe o que Moraes já sabia: que o juiz federal acusado por Cid, que atuava como uma espécie de consultor da extrema direita nos questionamentos sobre o sistema eleitoral (o que já circulava antes da delação de Cid), chama-se Sandro Nunes Vieira e está afastado das suas atividades por decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Com remuneração, claro.

3. Relatório do delegado da Polícia Federal Élzio Vicente da Silva, elaborado como apoio à correição feita pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba, para investigação de delitos do lavajatismo, informou o seguinte, no começo do ano passado: o ex-juiz Sergio Moro, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol e a juíza federal Gabriela Hardt teriam agido em conluio para desviar R$ 2,5 bilhões de acordo que resultou em multa contra a Petrobras. A criação da fundação foi abortada por decisão da PGR e do Supremo. Mas até hoje os acusados não foram julgados, em nenhuma instância, por envolvimento nesse caso.

4. Oito desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina participaram, em dezembro do ano passado, de jantar promovido por um grande e famoso empresário que é parte em processos que pelo menos três deles iriam julgar. O Conselho Nacional de Justiça abriu sindicância. É visto como um dos desvios de conduta menos graves, no conjunto de investigações do CNJ. O empresário que chamou juízes da mais alta Corte do Estado para um banquete em Brusque é Luciano Hang, investigado em inquéritos variados também fora de Santa Catarina, alguns relatados pelo ministro Alexandre de Moraes. Entre os quais um sobre suspeita de articulação golpista com outros empresários. Pra que jantar com o véio da Havan numa hora dessas? O CNJ vai tentar descobrir.

5. Tramita desde outubro no Supremo a investigação sobre a já comprovada negociação de sentenças nos gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas ninguém da grande imprensa aborda esse que pode ser o grande escândalo do Judiciário. O que mais se repete nas notícias é que há suspeita de participação de pessoas com foro privilegiado. As negociatas teriam acontecido nos gabinetes de pelo menos quatro ministros. Mas ainda não há informações que esclareçam se os magistrados estão envolvidos ou apenas os assessores. O esquema é investigado em sigilo pela Polícia Federal. Mas a informação foi vazada para a revista Veja no ano passado. Os jornalões não querem saber do assunto.

6. Nesse momento, em algum lugar do país, um servidor de uma alta Corte pode estar vendendo uma sentença.

 

¨      Golpista aposentado dá lição de credibilidade a Lula. Por Paulo Henrique Arantes

Em evento promovido pela Fundação Ulysses Guimarães, na quinta-feira 20, Michel Temer afirmou que o problema do governo Lula é falta de credibilidade. Eis a fala do ex-presidente que se valeu de um impeachment sem crime ou quebra de decoro para chegar ao Palácio do Planalto: “Eu acho que o que está acontecendo com o atual governo é essa falta de credibilidade. E pelas mais variadas razões. Até  razões internas, daquela disputa entre ministérios ou do partido do governo com o próprio governo. Isso tira a credibilidade”.

Este jornalista entrevistou longamente o então vice-presidente da República Michel Temer, para uma revista dirigida a advogados. Naquela época pré-golpe, ele derretia-se em elogios a Dilma Rousseff: “Ela tem um estilo gerencial muito forte, de muita presença, e muitas vezes esse estilo, muito útil para o governo brasileiro, desmerece um pouco a ideia de sua habilidade política. Mas a presidente Dilma é de uma habilidade extraordinária. Eu tenho acompanhado as articulações políticas, as quais são feitas muitas vezes, evidentemente, com a minha colaboração. A suposta inabilidade política da presidente é desmentida precisamente pelo dia a dia dela com o Congresso Nacional e com os partidos políticos”.

O espírito bajulador de 2014, quando o entrevistei, daria lugar, em dezembro de 2015, à alma magoada. A famigerada carta de Temer a Dilma, praticamente justificando sua adesão ao golpe em curso, mostra que a perda de influência no governo poderia autorizá-lo à deslealdade de trabalhar, nas sombras, pela derrubada da presidente: “Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários. 3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone. 4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a Anac.’”

Se Temer reconhecia-se partícipe de articulações políticas em 2014, como disse a este jornalista, e em 2015 sentia-se jogado para escanteio, motivos houve. Perda de confiança por parte da presidente, que o via como um estimulador, ainda que de modo subliminar, do professo de impeachment?

Fato é que Dilma Rousseff caiu e Temer subiu. Qual a credibilidade do presidente da República Michel Temer? Ele foi depositário da esperança do povo brasileiro ou beneficiário do casuísmo-golpismo que tirou uma mulher honesta da Presidência da República? Teve a credibilidade que hoje diz que Lula não tem?

A credibilidade de Michel Temer certamente é bem alta nos saraus jurídico-políticos em que predominam as mesóclises. E no seio da alta finança. Os defensores da austeridade como fim em si estiveram eufóricos quando o governo Temer emplacou o teto de gastos, prova cabal de “credibilidade” para a Faria Lima. 

Como já escrevemos neste espaço, o constitucionalista Michel Temer vilipendiou a Constituição ao promover uma reforma trabalhista totalmente descolada da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), apregoando uma “modernização” das relações de trabalho e em nome disso criando uma legião de trabalhadores informais, precarizados.

A reforma da Previdência que Bolsonaro impingiu ao país, com ajuda do Congresso mais canhestro da História da República, foi concebida pelo governo Temer. Só não emplacou naquele mandato porque o ocupante do Planalto perdeu qualquer condição de negociar com os parlamentares, denunciado que fora por corrupção após o vazamento do áudio de sua conversa macabra com Joesley “Friboi” Batista - esse é o Temer credível. 

Repetimos o que já escrevemos, por oportuno: Michel Temer encarna a elite que traçou desde a proclamação da República a tragédia social brasileira. A elite do atraso, como bem definida pelo sociólogo e escritor Jessé Souza. Uma elite envernizada por uma oratória conciliadora, um discurso centrista hipócrita que mal disfarça a volúpia por privilégios, com um pé na academia e outro nos regabofes com doleiros e assemelhados.

 

Fonte: Brasil 247

 

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