Edelberto Behs: Um
bufão pacifista guerreiro
Como entender um
presidente Donald
Trump preocupado
com a paz na Ucrânia, mas disposto a
avançar suas garras sobre Gaza e torná-la
“habitável” para turistas e investidores estadunidenses? Mais uma vez, o “dono
do mundo” esquece agregar europeus na conversa de paz com a Rússia, empurra pro limbo
milhares de habitantes de Gaza, descartando gente que ama sua terra como
se joga uma lâmpada queimada no lixo.
Trump planeja
uma “Riviera
do Oriente Médio” para a Faixa de Gaza, melhor que Mônaco, principado
europeu famoso pelos seus cassinos e hotéis de luxo, realocando palestinos para
países vizinhos. Daí é assim: o dono do mundo não quer imigrantes nos Estados
Unidos, mas sugere que o Egito e outros
países árabes recebam os palestinos.
Estimativas
calculam que os custos de reconstrução de Gaza chegariam aos 100 bilhões de
dólares (cerca de 575 bilhões de reais). Ao lado do primeiro-ministro
israelense Benjamin
Netanyahu,
Trump disse, em entrevista coletiva, que “seremos responsáveis por desmantelar
todas as bombas perigosas não detonadas e outras armas no local”.
Trata-se,
para Trump, de um grande investimento imobiliário. Como já anteviu há anos
seu genro, Jared
Kuschner,
herdeiro de uma administradora de imóveis, as propriedades na “orla
de Gaza poderiam ser muito valiosas”. Num encontro em Harvard,
em 2024, ele descreveu o conflito árabe-israelense como “nada mais do que uma
disputa imobiliária entre israelenses e palestinos”.
Simples assim. Não
existe amor e apego pela terra, o sentido de pertença é negociável, como talvez
queira Trump ao anunciar sua pretensão de anunciar a anexação do Canadá,
a retomada
do Canal do Panamá e a ocupação da Groenlândia.
E este ser, que
serve mais para bufão do que presidente de um grande país, com um poderio
bélico capaz de acabar com a raça humana, foi eleito! Com toda a empáfia, o
dono do mundo anunciou: “Os Estados
Unidos assumirão o controle da Faixa de Gaza e faremos um bom trabalho com
ela também... vamos desenvolvê-la, criar milhares e milhares de empregos, e
será algo de que todo o Oriente Médio poderá ser orgulhar”.
E o bufão,
demonstrando toda a falta de empatia, anunciou ainda: “Todos com quem conversei
adoram a ideia de os Estados Unidos possuírem aquele pedaço de
terra”. Benjamin Netanyahu se calou.
¨ Lítio e mais: o tesouro do Donbass que Trump deseja
Os combates em Velyka
Novosilka nos últimos dois anos foram particularmente violentos. Os russos
e ucranianos fizeram de tudo para manter esta localidade em Donbass sob controle, com
várias reviravoltas na frente. Kiev perdeu-a no início da invasão;
depois a reconquistou na contraofensiva do verão de 2023 e foi finalmente
forçada a abandoná-la no fim de janeiro: ao contrário do que acontece no resto
de Donetsk, aqui o comando geral ucraniano nunca economizou em reforços e
não se pode descartar que volte à carga nas próximas semanas. Por
que Velyka Novosilka é tão importante? A resposta não é militar, mas
econômica: naquele território está o “Campo de Shevchenko”, um dos maiores
depósitos de lítio do mundo, um elemento-chave para a construção das baterias
elétricas que estão substituindo os motores de combustão interna.
<><> Sob
as trincheiras
A alegação de Donald
Trump de
explorar minerais ucranianos como pagamento pela ajuda americana destacou um
aspecto da guerra que até agora permaneceu em segundo plano: o campo de batalha
muitas vezes foi condicionado pelo mapa de recursos subterrâneos. Não tanto das
“terras
raras”,
cuja presença é muito duvidosa: o Kyiv Independent escreveu que
quatro delas foram encontradas – para ser mais preciso, cério, ítrio, lantânio
e neodímio – mas não há provas e elas só puderam ser encontradas em áreas
do Donbass que estão em mãos russas desde 2014.
Mas há outros
recursos preciosos para a indústria de alta tecnologia do presente e do futuro:
vinte dos minerais mais procurados em termos absolutos. O lítio, essencial
para baterias e motores elétricos, é talvez o mais significativo: estima-se que
existam reservas equivalentes a meio milhão de toneladas. Uma avaliação
teórica, porque a extração ainda não começou: se confirmada, colocaria
a Ucrânia entre os vinte principais países do mundo em
disponibilidade deste mineral. O Serviço Geológico estadual foi além, sugerindo
que 3% de todo o lítio está lá: mais de três milhões de toneladas. O
“Campo Shevchenko” é considerado um dos depósitos mais ricos do mundo.
Em dezembro de
2021, enquanto os tanques russos se concentravam na fronteira, o governo Zelensky entregou os
direitos de mineração à empresa australiana European Lithium, que teve que
interromper todas as operações no verão de 2023 devido aos conflitos. Antes
mesmo de ocupá-la, Moscou preparou a papelada para conceder novas concessões.
Alguns especialistas, incluindo Edward Topol, estão convencidos de que, ao
capturar depósitos naturais de lítio, o Kremlin quer manter a pressão
sobre o mercado de energia na UE. Ele já havia conseguido assumir o controle do
campo petrolífero de Kruta Balka, enquanto as autoridades de Kiev ainda têm
mais dois – Polokhivske e Dobra – que estão
localizados na região de Kirovohrad, onde a situação atualmente parece calma.
Não há estimativas de quanto eles podem ganhar.
<><> A
indústria do titânio
O outro tesouro é o
titânio, que combina leveza e resistência em tecnologias militares e civis. Em
2021, a mineração de ilmenita – um dos principais minerais dos quais o titânio
é obtido – foi responsável por 5% da mineração mundial. Depois, a invasão
causou uma queda de 40% e algumas minas foram conquistadas pelos russos, mas a
Ucrânia continua ativa no processamento e produção de material básico para
titânio: a fonte é a planta de Zaporizhzhia, confiscada do
oligarca Dmytro Firtash e nacionalizada. A outra empresa estatal
ativa neste setor – a United Mining and Chemical
Company (UMCC) – foi vendida em outubro passado por cem milhões de
dólares ao grupo do empresário azeri Nasib Hasanov. Oitenta depósitos
foram identificados no país: metade foi objeto de exploração geológica e apenas
10% deles são explorados. A estimativa convencional é que 1% dos recursos
do mundo estão aqui, enquanto alguns cientistas acreditam que seja muito mais,
até um quinto do total do planeta.
<><> O
valor do tesouro
A lista de
depósitos ucranianos valiosos é muito maior: grafite, urânio, manganês, zinco,
cobalto, além dos tradicionais ferro e carvão, ainda abundantes apesar da
enorme extração soviética. Quanto eles valem? É difícil dizer, pois as
estimativas variam de US$ 15 trilhões a dez vezes esse valor. Mas as maiores
concentrações estão no Donbass ocupado por Moscou, um tesouro de
recursos minerais. Até que ponto a linha de cessar-fogo será ditada pela
localização desses recursos? Mais da metade da riqueza mineral da Ucrânia está
localizada nas quatro regiões
anexadas pela Rússia em setembro de 2022 – e controladas apenas
parcialmente até agora: em Lugansk, Donetsk, na província
de Zaporizhia e – embora em extensão muito
menor – Kherson.
O distrito
de Dnipropetrovsk, também um centro da indústria siderúrgica, é
fundamental, frequentemente bombardeado e agora muito próximo da retaguarda das
linhas de batalha: de acordo com o Kyiv Independent, o subsolo ali contém
reservas no valor de 3,5 trilhões de dólares.
<><> O
apetite de Trump
Por que Donald
Trump agora está exigindo esses tesouros como compensação pela ajuda
militar americana à Ucrânia? A motivação mais nobre é a estratégica: garantir o
fornecimento desses materiais de países não hostis é uma prioridade para o
Pentágono, especialmente à luz do desafio com Pequim. Nos últimos cinco
anos, o Departamento de Defesa gastou US$ 440 milhões para garantir terras
raras de nações “amigas” e desenvolver pesquisas nos Estados Unidos. A mesma
consideração se aplica ao titânio, que é usado para construir
elementos-chave de aeronaves, cruzadores e mísseis: o ucraniano pode reduzir a
dependência do que os EUA importam da China ou do que antes
de 2022 importavam da Rússia.
Além disso, há uma
oportunidade de proteger o lítio de Kiev da atração das empresas
chinesas. Mas as declarações de Trump estão sobretudo
em sintonia com as posições populistas apoiadas durante a campanha
eleitoral: a crítica aos armamentos "doados" por Biden à
custa dos contribuintes, especialmente para um conflito que é um "problema
europeu". Agora, o presidente percebeu a disposição
de Zelensky em vender os direitos minerais – o que já está sendo
discutido concretamente com empresas norte-americanas do setor – e está se
preparando para se gabar de outro de seus "acordos" concluídos,
aparentemente tornando o apoio a Kiev economicamente vantajoso para a
Casa Branca.
Por enquanto, o
governo ucraniano está satisfeito com qualquer coisa, desde que mantenha o
fluxo de suprimentos militares americanos. Nesta manobra, que, como nos planos
imobiliários para Gaza, coloca em primeiro plano os interesses mais
grosseiros e diretos em relação às considerações geopolíticas tradicionais, há,
no entanto, um risco sério: o de fazer os ucranianos parecerem duplamente
derrotados. As alegações de mineração de Trump lembram a exploração
francesa de carvão e ferro no Ruhr após a Primeira Guerra
Mundial: uma reparação de guerra que não apenas empobreceu a República de
Weimar, mas acima de tudo inflou o apoio a Hitler. A isto se soma o fato
de que os russos – conforme relatado pelo Washington Post – já
assumiram o controle de ativos de energia e mineração ucranianos no valor de 12
trilhões de dólares. Que futuro pode ter um país que é saqueado por inimigos e
aliados? A história recente nos mostra que humilhar um povo nunca constrói uma
paz estável.
¨ Três anos de guerra na Ucrânia: necessidades
médico-humanitárias seguem urgentes
Três anos após a
invasão da Ucrânia pelas forças russas, que intensificou dramaticamente o
conflito armado iniciado em 2014, as pessoas continuam sofrendo as
consequências devastadoras da guerra. Os impactos são visíveis na perda de
vidas, no grande número de pessoas mutiladas e na destruição de seus lares. As
necessidades humanitárias médicas resultantes são mais evidentes do que nunca.
A pressão sobre os serviços médicos da Ucrânia só aumentou, agravada pelos
frequentes ataques a hospitais, ambulâncias e estruturas médicas.
Desde 2022, Médicos
Sem Fronteiras tem atendido mais pacientes com traumas relacionados à guerra
que precisam de reabilitação precoce, ou seja, fisioterapia pós-amputação. Há
também um aumento no número de pacientes que necessitam de tratamento para
transtorno de estresse pós-traumático. Em áreas próximas às linhas de frente,
os bombardeios diários significam que alguns dos mais vulneráveis, incluindo
idosos e pessoas com doenças crônicas, têm acesso extremamente limitado a
cuidados médicos.
MSF administra um
projeto de reabilitação precoce com centros em Cherkasy e Odesa, onde os
pacientes recebem fisioterapia pós-operatória, apoio em saúde mental e cuidados
de enfermagem após traumas violentos. A organização tratou 755 pacientes em
2023 e 2024. De um ano para o outro, houve um aumento de 10% no número de
pacientes que necessitaram de cuidados pós-operatórios para amputações de
pernas.
Em 2024, metade dos
pacientes do projeto foram diagnosticados com transtorno de estresse
pós-traumático ou depressão. A necessidade de suporte em saúde mental na
Ucrânia é significativa. Além dos centros em Cherkasy e Odesa, MSF estabeleceu
um projeto focado em transtorno de estresse pós-traumático em Vinnytsia.
“A ferocidade desta
guerra não diminuiu, e as necessidades humanitárias médicas só se tornaram mais
complexas”, afirmou Thomas Marchese, coordenador de programas de Médicos Sem
Fronteiras na Ucrânia. “Mesmo que a guerra acabe amanhã, centenas de milhares
de pessoas precisarão de anos de fisioterapia de longo prazo ou de apoio
psicológico para transtorno de estresse pós-traumático. Garantir esse cuidado
exige um compromisso humanitário contínuo”, lembrou ele.
Atualmente, o
sistema de saúde da Ucrânia enfrenta uma pressão imensa, equilibrando respostas
emergenciais com as necessidades contínuas dos pacientes afetados pela guerra.
Durante três anos, ataques diários com drones e mísseis têm ocorrido, em alguns
casos atingindo cidades a mais de 1.000 km da linha de frente. As instalações
médicas e os sistemas de saúde foram forçados a se adaptar ao tratamento de
pacientes em abrigos subterrâneos ou porões, além de lidarem com cortes
frequentes de energia causados por ataques à infraestrutura energética.
Em resposta a essa
situação, MSF opera ambulâncias para transferir pacientes de hospitais
sobrecarregados próximos à linha de frente para instalações médicas em regiões
no centro e oeste da Ucrânia com maior capacidade. Nos últimos três anos, as
ambulâncias da organização transferiram mais de 25.000 pacientes, sendo que
mais da metade sofreu ferimentos causados por traumas violentos.
Em 2024, as equipes
de ambulâncias e clínicas móveis de MSF que trabalhavam perto das linhas de
frente viram um aumento significativo nos encaminhamentos de pacientes com
doenças crônicas, como problemas cardiovasculares, diabetes e câncer. Em 2023,
esses casos representavam 24% de todas as referências, subindo para 33% em
2024. No entanto, os bombardeios e ataques contínuos significam que o acesso
das equipes de MSF não é garantido. Muitas das pessoas que vivem com doenças
crônicas são idosas e têm mobilidade reduzida. Em algumas áreas, as pessoas começaram
a viver em seus porões ou em bunkers, devido ao intenso bombardeio.
“Para algumas das
pessoas mais vulneráveis, o deslocamento não é uma opção”, disse Marchese. “Nem
todo mundo é capaz de deixar suas casas e começar sua vida novamente, mas os
combates contínuos significam que essas pessoas são frequentemente impedidas de
receber cuidados médicos, assim como as equipes médicas de MSF às vezes não
conseguem viajar para certas áreas devido ao bombardeio contínuo.”
No momento em que a
guerra na Ucrânia entra em seu quarto ano, as equipes de MSF testemunham
diariamente o agravamento da crise humanitária médica. A força do sistema de
saúde ucraniano diante da violência extrema é clara, mas a necessidade de
cuidados médicos sustentados e apoio à saúde mental é maior do que nunca.
A infraestrutura da
Ucrânia também sofreu danos massivos, com hospitais sendo diretamente atacados.
Centenas de milhares de pessoas precisarão de cuidados, reabilitação e terapia
contínuos para o trauma muito depois da última bomba cair. Médicos Sem
Fronteiras continua trabalhando na Ucrânia, tanto perto da linha de frente
quanto em outras áreas do país, mas mais apoio é necessário.
¨ Sem mencionar negociação de paz, Zelensky recebe
enviado dos EUA e diz estar pronto para ‘acordo’ com Trump
O presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se reuniu nesta quinta-feira (20/02) com o enviado
especial dos Estados Unidos, Keith Kellogg, para discutir a proposta de Washington para o fim
da guerra com a Rússia, que está prestes
a completar três anos de duração.
O mandatário
ucraniano classificou a reunião como “produtiva”, em que “muitos detalhes
importantes” foram debatidos. Por meio de suas redes sociais, disse ser “grato
aos Estados Unidos por toda a
assistência e apoio”.
“Tivemos uma
conversa detalhada sobre a situação do campo de batalha, como devolver nossos
prisioneiros de guerra e garantias de segurança efetivas”, afirmou ainda.
Sem mencionar as
negociações, Zelensky ainda disse que a “a Ucrânia está pronta para um acordo
forte e eficaz de investimento e segurança” com Trump. “Propusemos a maneira
mais rápida e construtiva de alcançar resultados. Nossa equipe está pronta para
trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana”.
O enviado
norte-americano chegou a Kiev na última quarta-feira (20/02), quando disse
entender a necessidade da Ucrânia por “garantias de segurança”.
O encontro ocorreu
horas depois do líder ucraniano ser chamado de “ditador não eleito” pelo presidente
dos Estados Unidos, Donald Trump. O mandatário norte-americano também recomendou
que a Ucrânia realize eleições presidenciais o mais rápido possível “ou não vai
sobrar nada do país”.
PC russo apoia acordo com EUA, mas com
ressalvas
Nesta mesma
quarta-feira (19/02), o presidente do Comitê Central do Partido Comunista
da Rússia, Gennady Zyuganov,
disse apoiar as negociações entre o país e os Estados Unidos – que tiveram
início na última terça-feira (18/02) em Riad, capital da Arábia Saudita, mas
advertiu que “é preciso recordar que as tratativas estão sendo feitas com um
país que declarou guerra à Rússia e com a OTAN, que trava essa guerra há três
anos”.
Zyuganov
classificou o alcance de um acordo de paz como “uma tarefa extremamente
difícil”. “Não temos o direito de errar! Afinal, qualquer erro levará à
desestabilização dentro do país e a uma derrota que as próximas gerações não
nos perdoarão”, advertiu.
Em discurso na Duma
Estatal da Assembleia Federal da Federação Russa o político alertou que “as
ações de Trump não são caóticas, mas que sua estratégia é bem pensada e
calibrada”.
Em referência às
ameaças de Trump ao Canadá e ao Canal do Panamá na questão comercial, Zyuganov
afirmou que os EUA “já dobraram o Canadá e roubaram a Europa. As mercadorias já
são transportadas de forma barata pelo Canal do Panamá. E eles ditarão seus
termos para todos”.
“Devemos fazer de
tudo para apoiar o presidente e a equipe que vai negociar. Mas lembro que é preciso
estar claramente ciente de com quem estamos lidando”, concluiu.
Fonte: IHU/La
Reppublica/MSF/Opera Mundi
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