quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Sergio Ferrari: América Latina entre a fome e crise ambiental

Cataclismos naturais, exacerbados pelo aquecimento global, continuam a atingir todo o planeta. Mais uma vez, nos últimos anos, a América Latina sofreu o efeito da inclemência climática. O horizonte da região continua obscurecido devido ao baixo crescimento, à crise social e à perda de confiança dos cidadãos na democracia.

Mudanças climáticas abruptas e eventos climáticos extremos atingiram novamente a produção agrícola e afetaram a produtividade, confrontando o continente com as consequências do aumento da fome e da desnutrição. Em 2023, a fome afetou 41 milhões de pessoas na região, e uma em cada dez crianças menores de cinco anos sofreu de desnutrição crônica.

O Relatório das Nações Unidas, Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutricional 2024, que acaba de ser publicado, explica que as mudanças climáticas, bem como eventos extremos – secas, inundações e furacões -, afetaram a produtividade agrícola, interromperam as cadeias de abastecimento de alimentos e causaram aumentos nos preços dos alimentos.

Essa realidade faz da América Latina e do Caribe a segunda região do mundo mais exposta a situações climáticas severas, atrás apenas da Ásia. Pelo menos 20 países do continente, 74% dos analisados, enfrentam uma alta frequência de eventos extremos. De acordo com as Nações Unidas, esses eventos colocam em risco as conquistas regionais da década anterior na redução da fome e da desnutrição.

De acordo com esse relatório, elaborado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre 2019 e 2023 (período que inclui o impacto da pandemia de covid-19) a prevalência de desnutrição aumentou 1,5 pontos percentuais em todos os países afetados por extremos climáticos. Segundo o relatório, esse impacto negativo dos fenômenos naturais é exacerbado pelo agravamento de elementos estruturais, como conflitos locais e internacionais, desaceleração econômica e crises de todos os tipos, que se somam a fatores subjacentes, como altos níveis de desigualdade e falta de acesso a dietas saudáveis. Nos países com recessão econômica, sublinha o relatório, os setores mais vulneráveis da população são particularmente afetados porque são menos capazes de se adaptar a essas situações agravantes.

·        Fome não é fatalismo

Os 41 milhões de latino-americanos e caribenhos afetados pela fome em 2023 representam uma ligeira queda de 2,9 milhões em relação a 2022 e 4,3 milhões em relação a 2021. No entanto, existem disparidades notáveis entre as sub-regiões. Por exemplo, durante os últimos dois anos, a taxa de fome aumentou no Caribe, com 17,2% atualmente, enquanto permaneceu relativamente inalterada na Mesoamérica (inclui o sul do México, a Guatemala, El Salvador e Belize, parte da Nicarágua, Honduras e Costa Rica), onde afeta 5,8% de sua população.

Em termos de insegurança alimentar moderada ou grave, o continente também apresentou progressos pelo segundo ano consecutivo (menos 19,7 milhões do que em 2022), sendo que em 2023 ficou abaixo da média global pela primeira vez em dez anos. No entanto, os números totais reais permanecem dramáticos: mais de 187 milhões de pessoas (de um total de 630 milhões) experimentaram insegurança alimentar. De acordo com o relatório das Nações Unidas, essa ligeira tendência de queda é explicada pela recuperação econômica de vários países sul-americanos, além de programas de proteção social, esforços econômicos pós-pandemia e novas políticas específicas destinadas a melhorar o acesso aos alimentos.

A insegurança alimentar afeta as comunidades rurais e as mulheres de forma mais pronunciada. Em relação à desnutrição, o relatório observa que em 2022 o atraso no crescimento afetou 11,5% das crianças menores de 5 anos, percentual abaixo da média global (22,3%). No entanto, a tendência é preocupante, considerando que o progresso experimentado na região da América Latina e do Caribe desacelerou nos últimos anos.

A impossibilidade econômica de acesso a dietas saudáveis é um dos sintomas mais preocupantes. Corolário disso, o aumento do sobrepeso e da obesidade, condições que aumentam o fator de risco para doenças não transmissíveis. Embora uma dieta saudável seja a base para a saúde, o bem-estar, o crescimento ideal e o desenvolvimento humano, em 2023, 50% da população caribenha não podia pagar por esse direito básico. Tampouco a Mesoamérica (26,3%) e a América do Sul (26%). À luz dessas disparidades, o relatório pede aos Estados que priorizem as populações vulneráveis expostas a eventos climáticos extremos.

Por sua vez, os principais movimentos sociais rurais internacionais, como a Via Campesina, continuam exigindo uma melhor distribuição da terra e a promoção de um modelo agroecológico de produção que garanta a soberania alimentar. Essa proposta se opõe ao agronegócio, baseado em grandes propriedades e voltado exclusivamente para a exportação.

Em janeiro passado, a reunião da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil ratificou a necessidade de implementar a reforma agrária popular. Ele considera isso “como uma forma possível de superar a destruição ambiental, a concentração de riqueza e a desigualdade social”. O documento, assinado por 400 lideranças do MST dos 23 estados do país, denuncia o modelo destrutivo do agronegócio e compromete o Movimento a avançar em dois pontos fundamentais até 2025. O primeiro, a defesa da terra, do território e dos bens comuns, opondo-se à “especulação sobre os lotes de terra da reforma agrária e a todas as formas de assédio capitalista em nossos territórios”. O segundo, a produção de alimentos saudáveis para todos os brasileiros. Para isso, o MST considera fundamental “promover a agroecologia, respeitar a diversidade dos biomas, lutar contra os agrotóxicos e fortalecer a cooperação e a agroindustrialização camponesa para organizar a vida coletiva na produção, no trabalho e nas relações humanas”.

·        Horizonte desanimador para este ano

Ao avaliar a realidade e as tendências continentais em 2025, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) identifica em um documento divulgado em janeiro os cinco fatores mais importantes que marcarão a dinâmica integral do continente: mudanças climáticas, fraco crescimento econômico, baixa produtividade, desigualdades estruturais e desconfiança no sistema e na política.

“A mudança climática”, enfatiza o PNUD, “não é mais uma ameaça distante, mas uma realidade diária”. E refere-se, como exemplo, às frequentes e severas secas que estão afetando diariamente a agricultura, o comércio e a geração de energia. Se a atual tendência climática se mantiver, o PNUD defende que, se não forem tomadas medidas adicionais, “estas pressões poderão comprometer a qualidade de vida e a resiliência da população”. Sem mudanças significativas, quase metade dos países da América Latina e do Caribe em breve não terá água suficiente, com uma grave crise hídrica até 2080.

Quanto ao crescimento econômico, o PNUD projeta 2,5%, um pouco acima do nível do ano anterior, mas ainda abaixo da média mundial. Esse ritmo de crescimento econômico lento, característico da região há décadas, dificultará os esforços para reduzir a pobreza. As famílias nas cidades, intimamente ligadas à dinâmica do mercado, são particularmente vulneráveis a choques econômicos. E embora a pobreza rural permaneça maior, a experimentada nas áreas urbanas está aumentando mais rapidamente, com as novas pressões sobre os centros urbanos que essa dinâmica traz consigo.

Em relação à baixa produtividade, um dos maiores obstáculos históricos ao crescimento da região, o PNUD recomenda que o continente se concentre na “criação de empregos e negócios baseados no conhecimento e na inovação, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”. Essa proposta se choca com a realidade política de muitos países, como a Argentina, onde o desmantelamento sistemático da ciência e da pesquisa no último ano e a redução significativa dos orçamentos educacionais vão contra o que especialistas internacionais recomendam como prioridade.

O quarto fator, as profundas desigualdades estruturais na região, está começando a se manifestar em novas situações, como a exclusão digital. A América Latina e o Caribe, de acordo com o PNUD, não poderão se beneficiar plenamente da digitalização e da inteligência artificial enquanto as famílias de baixa renda e as áreas rurais permanecerem desconectadas de uma infraestrutura básica, como a Internet. No campo da educação, essa lacuna agrava ainda mais o problema, como ilustram os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), com dificuldades significativas por parte dos alunos em dominar habilidades complexas, como matemática e ciências. Enquanto isso, as desigualdades sociais, como a carga desproporcional de cuidados que recaem sobre as mulheres, limitam sua contribuição econômica.

Por último, mas não menos importante, a desconfiança no sistema e na política é crítica. Segundo o PNUD, essa desconfiança resulta da persistente desigualdade que vem corroendo a confiança do público na democracia e em suas instituições. Quando o Estado não responde às necessidades e expectativas básicas das comunidades locais, elas tendem a prescindir dele, o que intensifica as divisões dentro de um mesmo país. Nessas circunstâncias de desconfiança em relação ao sistema democrático, muitas pessoas estariam dispostas a justificar soluções radicais, como um golpe de Estado, se isso pudesse melhorar as suas condições de vida e segurança.

Várias crises em uma, em um continente que, apesar de seu grande potencial natural, continua mancando, condenado cada vez mais a um papel secundário, agroexportador e dependente das mudanças de humor dos grandes centros de poder. Uma América Latina e Caribe que hoje correm o risco de perpetuar um modelo de dependência em vez de construir ativamente a autonomia na unidade.

¨    Milhões de pessoas vão enfrentar a fome na América Latina até 2030, diz ONU

Cerca de 67 milhões de pessoas na América Latina devem enfrentar a insegurança alimentar até o ano de 2030. Em 2019, 47 milhões de latino-americanos e caribenhos passaram fome. Os dados alarmantes são do relatório Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo em 2020, da Organização das Nações Unidas (ONU). O estudo observou que 2019 foi o 5º ano de avanço da fome na região, impossibilitando o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2, de fome zero, até 2030. E, devido à pandemia, a fome na América Latina tende a se agravar.

Conforme Adriana Salay Leme, doutoranda do programa de pós-graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a fome na América Latina é consequência da desigualdade social que impossibilita o acesso à alimentação saudável das camadas desfavorecidas da sociedade, mas a fome também é fruto das relações monetárias estabelecidas no campo sobre a produção de alimentos. “Qual alimento produzimos hoje e para onde ele está sendo destinado? É para a alimentação das famílias ou é para exportação, produção de commodities e que não necessariamente alimentará famílias? O objetivo final da produção de alimentos hoje é a geração de lucro e a financeirização do campo, e isso tem consequências para o acesso ao alimento na nossa sociedade.”

A pesquisadora aponta que a pandemia intensificou problemas estruturais da sociedade em relação ao acesso ao alimento e, como consequência, piorou a fome na América Latina: “A pandemia piorou muito a fome na América Latina. Se, num quadro pré-pandêmico, já acontecia um aumento considerável de fome, agora isso se intensificou. Pensando numa relação monetizada para o acesso ao alimento, se hoje essas famílias precisam de renda e de dinheiro para acessar uma alimentação adequada, mas sofrem com uma perda significativa de emprego e renda, essas famílias têm consequentemente o aumento da fome”.

A insegurança alimentar tem consequências também no nível nacional, como a diminuição da produtividade da população. “Uma sociedade que vive com fome não produz direito. A  sociedade precisa estar alimentada para produzir e desenvolver. Nós moldamos uma sociedade onde algumas pessoas têm acesso ao alimento e outras não. Há um problema de formulação dessa sociedade e é preciso pensar numa sociedade que não esteja mediada pelo lucro e sim pelo bem-estar das pessoas.”

 

¨      Se não agirmos rápidos, o número de pessoas com fome extrema aumentará rapidamente, diz Lola Castro

O panorama é sombrio. O número de pessoas que não têm nada para comer hoje ou amanhã aumentará entre agora e maio de 2025. Os conflitos, mas também a devastação climática, alimentam a fome, que é usada em alguns casos como arma de guerra, e os recursos que são atribuídos à prevenção e a assistência humanitária diminuíram em 2024, pelo segundo ano consecutivo. “Temos um problema gravíssimo em 22 países e em cinco deles a situação é catastrófica. Se não agirmos rápido, o número de pessoas com fome extrema aumentará significativamente nos próximos meses”, alerta Lola Castro, diretora regional para a América Latina e o Caribe do Programa Alimentar Mundial da ONU (PMA).

O tempo é curto. O PMA, que fornece alimentos a mais de 120 países e territórios, e outra agência da ONU, a FAO, acabam de publicar um relatório no qual apontam a gravíssima situação em cinco países: SudãoPalestinaSudão do SulHaiti e Mali , onde, se nada acontecer, o conflito, as deslocações em massa, a devastação climática e a ajuda humanitária insuficiente colocarão em risco a vida de centenas de milhares de pessoas que não têm acesso aos alimentos mínimos necessários. A eles se somam outros 17 Estados que já estão próximos da catástrofe por falta de alimentação e água adequadas. A ONU chama-os de “pontos críticos” da fome.

<><> Eis a entrevista.

·        Na ONU, avaliam a fome de 1 a 5. O que significa na prática estar na fase 5 ou catastrófica?

Significa que você acorda de manhã e não tem nada para o café da manhã. O dia avança e ainda não há nada para comer, quando muito algo que se conseguiu ao sair para a rua, muitas vezes ervas cozidas, como aconteceu em Gaza, para dar às crianças e evitar que chorem de fome. Pais e mães não comem. E assim dias e dias. São famílias que vivem superlotadas, em sua maioria deslocadas em locais inadequados, como barracas precárias. São pessoas que, além de não conseguirem comer, não conseguem beber água em boas condições e não têm acesso a qualquer saneamento. Não existem banheiros dignos desse nome para fazer suas necessidades e isso afeta principalmente as mulheres. Ou seja, eles não têm chance de ter uma vida razoavelmente normal. É uma situação desesperadora.

·        Que alerta este relatório envia?

Temos um problema muito grave em 22 países, mais quatro do que no nosso último relatório de maio, e em cinco deles a situação é catastrófica. Se não agirmos rapidamente, o número de seres humanos que sofrem de fome extrema aumentará significativamente nos próximos meses. Os conflitos, as alterações climáticas e as dificuldades econômicas estão a mergulhar muitas pessoas em problemas que não serão resolvidos rapidamente e que poderão piorar. Precisamos de acesso seguro e de mais recursos para agir, porque em termos proporcionais, a percentagem da população destes países que sofre de fome extrema é muito elevada. Por exemplo, em Gaza quase ninguém come todos os dias e no Haiti quase metade da população sofre de insegurança alimentar. É a segunda vez na história da América Latina e do Caribe que uma população entra em situação de fome extrema, depois da registrada em 2022, também no Haiti.

O conflito é uma das maiores causas da fome, porque limita o acesso aos alimentos e é por isso que a fome pode ser considerada, em alguns casos, uma arma de guerra.

·        A senhora enfatiza que os conflitos são o grande acelerador da fome. A fome se tornou uma arma de guerra?

Neste momento, o conflito é uma das maiores causas da fome, porque limita o acesso aos alimentos e é por isso que a fome pode ser considerada em alguns casos uma arma de guerra. Em muitos lugares, vemos como as infraestruturas básicas foram destruídas para que as pessoas possam ter acesso a alimentos e água. Estou falando de estradas, mercados, centros de apoio nutricional para crianças...

·        Neste momento, confirma-se a fome no campo de deslocados de Zamzam, no Sudão, mas a senhora reconhece no seu relatório que existem outras situações igualmente graves, que, por falta de dados, não podem ser classificadas como tal.

Para declarar fome, certas condições têm de ser cumpridas e há critérios que temos de confirmar. No Zamzam essas informações foram coletadas. Temos de ter cuidado quando tomamos como certo algo que não conseguimos explicar, mas sim, há claramente zonas de catástrofe com uma possibilidade real de já estar a ocorrer fome. Nosso objetivo é tirar o maior número de pessoas dessa fase crítica, para prevenir. A prevenção é muito difícil de orçamentar e avaliar, mas deve centrar o nosso trabalho. É necessário encontrar soluções duradouras para evitar a necessidade de prestar ajuda humanitária às populações que sofrem diariamente de fome.

No Haiti, um dos cinco países em situação catastrófica, 18% da população sofre de extrema insegurança alimentar e 6.000 pessoas estão em situação catastrófica, talvez de fome. O que é o acesso às áreas mais vulneráveis e violentas?

O acesso é negociado dia a dia. Com as comunidades, com as ONG, com as associações católicas e também com as gangues (gangues criminosas). Se nos garantirem que respeitarão a ajuda humanitária, vamos em frente. Das 175 mil pessoas deslocadas em Porto Príncipe, a capital, já tivemos acesso a cerca de 130 mil ou 135 mil, mas o número aumenta a cada dia. Desde 2017, a situação piorou. Há um ano, a fome assolava os habitantes da capital, mas agora o conflito avança.

Os conflitos, as alterações climáticas e as dificuldades econômicas estão a mergulhar muitas pessoas em problemas que não serão resolvidos rapidamente e que poderão piorar. Precisamos de acesso seguro e de mais recursos para agir

·        Então, a fome também.

Sim. As bandas começam a atuar em zonas produtivas do país onde até agora era possível ter uma vida mais ou menos normal. As pessoas não têm acesso aos seus campos, não podem viajar pelas estradas, não podem vender os seus produtos e são frequentemente extorquidas por criminosos. Se não pagarem, eles os matam. Estamos a falar de pessoas que antes eram autossuficientes e que agora se juntam às fileiras dos famintos. Até então, só haviam sofrido falta de alimentos devido a furacões ou terremotos.

·        Haverá algumas notícias positivas em meio a este desastre?

Há. Por exemplo, a Grande Muralha Verde contra a desertificação, no Sahel. Meio milhão de pessoas deixaram de passar fome graças a este novo sistema de trabalho, do qual participam vários governos e agências da ONU. Outra observação que nos infunde otimismo é que na África grande parte dos alimentos adquiridos para prestar ajuda humanitária são produzidos localmente. E outro aspecto positivo são os manguezais, que em muitos lugares foram cortados e se os replantarmos evitamos que a água entre nas culturas costeiras e incentivamos peixes e mariscos próprios para consumo naquela vegetação. Estamos fazendo isso na América Latina e no Caribe.

·        É também uma forma de aliviar os estragos das alterações climáticas, outra das causas da fome.

Antes fenômenos como El Niño e La Niña ocorriam a cada dois ou três anos, agora chegam todos os anos. É muito preocupante. Este ano, na América Latina e no Caribe tivemos incêndios na Amazônia, inundações causadas por furacões que ocorrem fora de época, secas na América Central que causaram a perda de 25% das colheitas e estão sendo seguidas de inundações... Ninguém pode agora questionar o terrível efeito das alterações climáticas em todos os nossos países.

·        Já há algum tempo que está em cima da mesa a necessidade de descentralizar a cooperação e dar mais destaque aos intervenientes locais no trabalho de prevenção e implementação de soluções duradouras.

Trabalhamos cada vez mais com as comunidades para melhorar a vida das pessoas. Os sistemas alimentares não funcionam bem, estão cheios de desigualdades e contradições. Os sistemas agrícolas devem ser adaptados e diversificados para torná-los mais resilientes às alterações climáticas, para que a produção não seja paralisada em caso de fenómeno extremo. Damos grande importância ao conhecimento ancestral para resolver problemas alimentares. Por exemplo, na América do Sul existem cerca de 600 cereais, mas as pessoas comem três ou quatro. E as comunidades também são cruciais no respeito pela biodiversidade. Todos os dias perdemos sementes, plantas ou animais que podem nos ajudar a sobreviver.

·        A ajuda humanitária diminui. Para 2024, a ONU lançou um apelo para cerca de 49 mil milhões de dólares e em agosto apenas 29% deste montante tinha sido alcançado. O valor é ainda menor que o alcançado em 2023 nesse mesmo período. Somos menos generosos ou há mais necessidades?

O dinheiro existe, mas talvez não esteja sendo colocado no lugar certo e as necessidades continuam aumentando. Os fundos estão sendo utilizados principalmente em conflitos, que parecem estar em concorrência direta com pessoas afetadas pela fome, pelas alterações climáticas ou por crises econômicas.

 

Fonte: Outras Palavras/Jornal da USP/El País

 

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