Governo do ES gasta
R$ 8 mi sem licitação para concessão de reservas ambientais
“TELEFÉRICO,
TIROLESA, GLAMPING: confira os principais atrativos do Parque Estadual
Paulo César Vinha após a concessão”, anunciou o governo do Espírito Santo em
seu site no fim de agosto do ano passado.
Acompanhado de
imagens produzidas por inteligência artificial de turistas em restaurantes,
bondinhos e elegantes barracas sobre palafitas, o texto informava ainda que o
parque ganharia 500 novas vagas de estacionamento.
Apesar do tom de
informe comercial, trata-se do anúncio de um programa criado via decreto pelo
governo do estado que pretende conceder seis Unidades de Conservação (UCs) de
Proteção Integral à iniciativa privada por 35 anos.
Em maio de 2024,
antes da realização de qualquer audiência pública, o governador Renato
Casagrande apresentou
o projeto a investidores nos Estados Unidos. A reunião ocorreu no
escritório da consultoria Ernst & Young, responsável pelo plano de negócios
e pela modelagem das concessões, previstas para serem leiloadas no primeiro
semestre deste ano.
A empresa foi
contratada sem licitação por R$ 8,6 milhões, outro ponto questionado por
comunidades locais que se reuniram em torno do movimento “Em Defesa das UCs do
Espírito Santo”. Um abaixo-assinado contra o
projeto já reúne mais de 12 mil assinaturas.
Além do Parque
Paulo César Vinha, o Peduc (Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável
das Unidades de Conservação do Estado do Espírito Santo) inclui as UCs de
Itaúnas, Cachoeira da Fumaça, Forno Grande, Mata das Flores e Pedra Azul.
Ambientalistas e
moradores de comunidades tradicionais próximas às UCs ouvidos pela reportagem
reclamam da falta de transparência e de participação no processo. “Como é
possível fazer um programa dessa dimensão por decreto, sem debate com a
população do entorno das UCs?”, questiona a deputada estadual Camila Valadão
(PSOL), suplente da Comissão de Meio Ambiente.
A Repórter
Brasil entrou em contato com o governo do Espírito Santo. A assessoria de
imprensa informou que a Seama (Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos)
responderia pelo projeto. A pasta, no entanto, não retornou até a publicação
desta reportagem.
Em posicionamento
publicado no site da secretaria, porém, o governo argumenta que a contratação
da consultoria foi feita “em conformidade com todos os órgãos de controle e
seguiu integralmente as recomendações da Procuradoria-Geral do Estado
(PGE/ES)”. Ainda segundo o posicionamento, a empresa é “reconhecida como uma
das quatro maiores do mundo no segmento em que atua, oferecendo um serviço que
justifica a escolha”.
A reportagem também
procurou o Ministério Público Estadual e a Ernst & Young, mas não obteve
retorno. O texto será atualizado se os posicionamentos forem enviados.
Segundo a deputada
Camila Valadão, as únicas audiências públicas sobre o Peduc foram promovidas
pela Assembleia Legislativa após os anúncios dos “novos atrativos” dos parques.
“Eles alegam que ainda haverá debates, que estão na fase de estudos. Mas
anunciam como algo pronto, prestes a ser leiloado, em uma lógica voltada para o
turismo que transforma as UCs em resorts”, critica.
No caso da UC de
Itaúnas, famosa por abrigar um festival de forró na vila ao lado do parque, o
plano de negócios prevê duas pousadas, além de restaurante, piscina flutuante,
tirolesa e trilha suspensa. Área de proteção integral, o parque foi reconhecido
pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade em 1992 e abriga comunidades
quilombolas, indígenas e ribeirinhas em sua zona de amortecimento. As
populações não foram previamente consultadas, o que viola direitos previstos na
Convenção nº 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
“Fomos todos
surpreendidos com propostas já consolidadas, noticiadas na imprensa, para a
construção de estruturas turísticas”, diz Clovis Mendes, biólogo e membro do
Conselho Estadual de Cultura. Morador da vila há 40 anos, ele participou do
movimento para transformar o local em área de conservação no começo dos anos
1990.
Ele lembra que o
movimento começou justamente para impedir a construção de um hotel nas dunas do
local. “E hoje o próprio governo prevê essas estruturas. Estamos comprometendo
ecossistemas protegidos por lei”, afirma, ao citar os possíveis danos
ambientais que as modificações previstas no plano de negócios poderiam causar à
restinga, aos manguezais e ao patrimônio arqueológico tombado do parque.
· ‘Impactos mínimos’
Tanto no texto que
apresenta o projeto do Parque Paulo César Vinha quanto no que trata do Parque
de Itaúnas, o secretário de Meio Ambiente Felipe Rigoni, idealizador do
programa, afirma que as áreas afetadas representam uma porção ínfima da extensão
total dos parques. “Os impactos são mínimos e amplamente superados pelos
benefícios socioculturais e econômicos previstos pelo projeto”, defende.
Rigoni também cita
Foz do Iguaçu como exemplo de uma concessão de UC bem-sucedida. Para o biólogo
Walter Có, a comparação não se sustenta. Ele explica que qualquer intervenção
em uma área de proteção gera impactos, mas que essa situação é ampliada em
espaços menores, como as reservas do Espírito Santo, já que a fauna, em
especial, é atraída pelas luzes e sons dos empreendimentos, como hoteis e
restaurantes.
Itaúnas, por
exemplo, tem cerca de 2% da área total do Parque Nacional do Iguaçu. Já o
Parque Paulo César Vinha representa aproximadamente 0,81% da reserva localizada
no Paraná. “Nenhuma das estruturas propostas favorece a conservação da flora e
da fauna. Pelo contrário”, afirma Walter Có.
O artigo 11 da Lei
Federal 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza e é citado no plano de negócios entre as justificativas legais para
a concessão, afirma que as unidades de conservação têm como “objetivo básico a
preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”.
Na avaliação de
Walter Có, no entanto, as concessões representam uma subversão da legislação,
já que as intervenções propostas vão muito além do turismo ecológico. “O grau
de mudanças proposto pelo projeto é incompatível com a preservação das áreas”,
afirma o biólogo.
A Assiema
(Associação dos Servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos) também cita a legislação federal ao questionar o Peduc e o que
considera uma ação de privatização dos parques.
“Compreendemos a
importância de melhorar a gestão dos parques estaduais, mas ressaltamos que
qualquer proposta para essa finalidade não pode comprometer o objetivo
principal de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, que é preservar a
natureza, conforme preconizado na Lei Federal nº 9.985/2000 e na Lei Estadual
nº 9.462/2010”, afirma em um manifesto
publicado no começo de fevereiro.
Servidores do Iema,
atual responsável pela gestão das UCs do estado, afirmam que nem mesmo o
Instituto recebeu os estudos de impacto referentes ao projeto, apresentado de
forma simplificada após a divulgação dos planos na imprensa, por meio de uma
apresentação de PowerPoint.
“Atualmente, não há
servidores em número suficiente sequer para fazer a fiscalização ambiental nos
parques. Para assegurar a proteção do nosso patrimônio natural, é fundamental
ampliar o investimento público, em vez de promover sua privatização.”
Clovis Mendes
questiona ainda a posição do governador Renato Casagrande, atual presidente do
Consórcio Brasil Verde, fórum de governadores criado para tratar de questões
climáticas. “Isso torna essa decisão ainda mais contraditória para alguém que
defende publicamente a questão climática. Em vez de promover reflorestamento e
preservação, estão planejando exploração comercial”, finaliza.
Fonte: Repórter
Brasil
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