quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Até quando a Ucrânia consegue se manter na guerra contra a Rússia

Após quase três anos da invasão da Ucrânia pela Rússia, muitos apontam que, embora os exércitos possam vencer batalhas, são as economias que vencem as guerras. A Ucrânia tem capacidade de continuar lutando?

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, enfatizou recentemente que a Ucrânia quer "não apenas um fim rápido, mas justo" para a guerra.

Mas com um grande aliado, os EUA, congelando sua ajuda e insinuando reduzir o apoio no futuro, a economia da Ucrânia, afetada pela guerra, terá condições de seguir mais um ano de luta?

·        Economia de guerra

A Ucrânia, embora grande em comparação com outros países da Europa, é muito menor que a Rússia, em termos de população, território e economia. Antes da guerra em larga escala, a economia russa era estimada em 10 vezes maior que a da Ucrânia.

A guerra trouxe ao país o pior choque financeiro da história recente, mesmo em comparação com a década de 1990, quando, após o colapso da União Soviética, o caos econômico e a alta inflação estavam no ápice.

Desde fevereiro de 2022, o governo gastou a maior parte das receitas do Estado para pagar pela defesa. Encontrar dinheiro para cobrir outras áreas vitais -—serviços públicos, saúde e educação — provou ser um desafio e criou um enorme buraco no orçamento.

Nos primeiros meses da ofensiva russa, a Ucrânia tentou cobrir seu déficit vendendo títulos de dívida e imprimindo dinheiro.

No final de 2022, a economia da Ucrânia encolheu em quase um terço, com a inflação disparando para mais de 25%.

A estabilização veio com a ajuda dos aliados internacionais da Ucrânia.

Originalmente, os EUA eram seu principal doador e facilitador em termos de todos os tipos de ajuda: militar, humanitária e financeira voltada para a manutenção da estabilidade econômica.

Mas depois esse papel, especialmente no apoio financeiro, foi passado para a União Europeia.

"Hoje, 80% do custo da guerra é [coberto pela] Ucrânia e Europa, e 20% são dos EUA", disse o presidente Zelensky aos repórteres enquanto se dirigia à Conferência de Segurança de Munique em 14 de fevereiro.

·        Que apoio financeiro a Ucrânia está recebendo?

Em 2022-2024, a Ucrânia recebeu mais de US$ 115 bilhões do exterior, principalmente em empréstimos, subsídios e compromissos de alívio da dívida.

Isso inclui US$ 44,8 bilhões da União Europeia , US$ 31,2 bilhões dos EUA e US$ 12,4 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Dos US$ 60,7 bilhões do pacote de ajuda principalmente militar, prometido pelos EUA em 2024, US$ 7,9 bilhões em empréstimos foram alocados para apoiar a economia da Ucrânia.

Também em 2024, o G7 (o grupo das sete maiores economias do mundo) comprometeu-se com cerca de US$ 50 bilhões em empréstimos extraordinários, a serem pagos com a receita de ativos russos congelados.

A Ucrânia espera receber US$ 38,4 bilhões de seus aliados em 2025 (incluindo US$ 22 bilhões dos empréstimos extraordinários).

·        Como o dinheiro está ajudando?

Graças à ajuda estrangeira, após o declínio inicial acentuado em 2022, a economia da Ucrânia cresceu 5,3% em 2023, e novamente 3,6% em 2024, de acordo com estimativas oficiais.

A ajuda internacional permitiu que a Ucrânia reabastecesse suas reservas de moeda estrangeira, mantivesse uma moeda nacional relativamente estável, bem como cobrisse seu déficit orçamentário.

"A Ucrânia precisa de cerca de US$ 40 bilhões por ano para continuar lutando", afirma Dmytro Boyarchuk, chefe do think tank Centre for Social and Economic Research (CASE Ukraine).

"Se a ajuda acabar, essa será uma história muito triste."

·        Front da guerra

O dinheiro não é o único problema para a economia de guerra da Ucrânia – ela também enfrenta falta de energia e força de trabalho.

Acredita-se que a Rússia tenha destruído ou ocupado mais da metade da capacidade de geração de energia da Ucrânia antes da guerra.

Entre outubro de 2022 e setembro de 2024, a infraestrutura de energia sofreu mais de mil ataques russos, diz o Ministério de Energia da Ucrânia.

A demanda por energia está sendo atendida principalmente por usinas nucleares que evitaram grandes ataques russos, e o déficit é coberto por importações de eletricidade, unidades eólicas e solares, bem como turbinas a gás móveis.

Tudo isso afetou o custo de vida e aumentou as despesas para empresas e indústrias inteiras.

Outro grande problema para a economia da Ucrânia é a força de trabalho, que se acredita ter diminuído em um terço.

Mortes e baixas de guerra, migração, bem como a mobilização em andamento são uma das principais causas.

Quase 880 mil pessoas estão atualmente lutando no exército, diz Zelensky.

Além disso, a invasão russa forçou quase um quarto da população da Ucrânia a deixar suas casas. De acordo com a ONU, quase sete milhões de refugiados da Ucrânia estão agora vivendo no exterior (6,3 deles na Europa), e mais de 4,6 milhões estão deslocados internamente.

·        Por quanto tempo a economia da Ucrânia poderá continuar funcionando?

O FMI, que administra a assistência global para a Ucrânia, declarou recentemente em sua revisão que a "economia do país continua resiliente" apesar das condições desafiadoras.

O especialista em economia Dmytro Boyarchuk diz que em uma guerra todos os recursos são cruciais, e a resiliência econômica é um fator-chave.

De acordo com o chefe do Banco Nacional da Ucrânia, Andriy Pyshnyi, a derrota da Ucrânia na guerra teria efeitos cascata no mundo inteiro em termos de segurança alimentar, novas ondas de refugiados e países priorizando gastos militares em vez de investimentos verdes.

Embora dependa de ajuda estrangeira em grande parte, a Ucrânia demonstrou iniciativa na resolução dos desafios econômicos da guerra.

Quando a Rússia abandonou o acordo de grãos do Mar Negro, um acordo facilitado pela ONU e Turquia para continuar exportando alimentos para países distantes, a Ucrânia e seus parceiros estabeleceram uma nova rota no Mar Negro, evitando o risco de ataques russos.

Isso permitiu à Ucrânia não apenas levar sua exportação agrícola ao nível pré-guerra, mas também renovar a exportação de outros bens.

Em 2024, as exportações aumentaram 15% e geraram mais de US$ 41,6 bilhões em receita — o equivalente à assistência internacional naquele ano.

·        Perspectivas da Ucrânia para 2025

O Ministério das Finanças da Ucrânia diz que em 2024 gastou quase US$ 52 bilhões na guerra, com cada dia custando cerca de US$ 142 milhões.

Para 2025, o governo alocou outros US$ 49 bilhões em defesa e segurança, o que equivale a mais de um quarto do PIB do país.

Todos os gastos não militares planejados estão sendo cobertos em grande parte por ajuda internacional, com alguma contribuição de fontes de receita interna, de acordo com o Ministério.

Alguns impostos foram aumentados para financiar gastos orçamentários em 2025, mas há o risco de que mais pressão fiscal possa prejudicar a atividade empresarial, levando a receitas menores, não maiores.

Andriy Pyshnyi, chefe do Banco Nacional da Ucrânia, diz que não há razão para duvidar que a assistência internacional prometida chegará no devido tempo.

Mas o novo presidente dos EUA, Donald Trump, ainda não revelou sua abordagem aos acordos existentes.

Embora o governo anterior, de Joe Biden, tenha tomado medidas para garantir que a ajuda prometida fosse entregue por seus sucessores, a situação "ainda pode mudar de curso em 180 graus", diz o economista Dmytro Boyarchuk.

Muita atividade diplomática está em andamento para resolver a crise provocada pela guerra Rússia-Ucrânia e potenciais acordos entre os EUA, Rússia, Ucrânia e Europa estão sendo observados de perto.

Mas a perspectiva de uma paz duradoura parece remota por enquanto.

 

¨      EUA e Rússia concordam em trabalhar juntos para acabar com guerra na Ucrânia

Poucos dias antes do terceiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, Washington e Moscou decidiram encerrar o conflito "o mais rápido possível".

Para atingir esse objetivo, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, concordaram na terça-feira (18/2) em nomear "equipes de alto nível" para encontrar uma solução "duradoura, sustentável e mutuamente aceitável".

Este foi um dos resultados da reunião entre as delegações dos Estados Unidos e da Rússia em Riad, capital da Arábia Saudita, para a qual não foram convidados representantes da Ucrânia ou de qualquer país europeu.

O encontro entre Rubio e Lavrov foi o primeiro encontro deste nível desde que Vladimir Putin lançou sua chamada "operação militar especial" contra a Ucrânia em 22 de fevereiro de 2022.

Além de encerrar os combates, as autoridades concordaram em "preparar o terreno" para uma cooperação futura em "questões de interesse geopolítico mútuo e nas oportunidades históricas econômicas e de investimento que surgirão de uma resolução bem-sucedida do conflito na Ucrânia", disse o comunicado divulgado pelo Departamento de Estado.

"Um telefonema seguido de uma reunião não é suficiente para estabelecer uma paz duradoura. Precisamos agir, e hoje demos um importante passo à frente", acrescentou a declaração.

Moscou, por sua vez, simplesmente afirmou que as negociações "não correram mal".

·        Marco Rubio: 'Ninguém ficou de fora'

Após a reunião, que durou cinco horas, Rubio negou que a ausência de representantes da Ucrânia e da União Europeia pudesse ser interpretada como uma exclusão destes países das conversas sobre um acordo de paz.

"Ninguém ficou de fora aqui", disse o chefe da diplomacia dos Estados Unidos durante uma entrevista coletiva.

Rubio disse então que essas negociações poderiam produzir "algumas coisas muito positivas para os Estados Unidos, para a Europa, para a Ucrânia, para o mundo".

"Mas, primeiro, temos que pôr fim a esse conflito", disse Rubio.

Ele disse que esta reunião é "o primeiro passo de um longo e difícil caminho" para acabar com a guerra e que ele busca "estabelecer linhas de comunicação" entre Washington e Moscou.

O ministro russo, por sua vez, considerou que as conversas foram importantes porque "ouvimos uns aos outros".

Rubio disse estar "convencido" de que a Rússia está "disposta a começar a se envolver em um processo sério" para acabar com a guerra na Ucrânia.

Ele disse que os Estados Unidos e a Rússia restabeleceriam mutuamente seus embaixadores, porque precisariam de missões diplomáticas ativas "que pudessem funcionar normalmente para continuar" as negociações.

Sobre as sanções contra a Rússia, ele disse que "todas as partes" devem fazer "concessões" para acabar com "qualquer conflito".

Ele resumiu a reunião de hoje como "o primeiro passo de uma longa e difícil jornada" para acabar com a guerra na Ucrânia.

·        Rússia reforça suas linhas vermelhas

Sergei Lavrov, por sua vez, descreveu as conversas de terça-feira como "muito úteis".

"Tenho motivos para acreditar que o lado americano agora entende melhor nossa posição", disse ele.

Sobre a reintegração de embaixadores, ele explicou que os Estados Unidos fará primeiro sua nomeação, e a Rússia fará o mesmo em seguida.

Ele disse que ambos os governos também removeriam "obstáculos às missões diplomáticas", incluindo restrições às transferências bancárias.

O ministro das Relações Exteriores russo reiterou a posição de seu governo de que qualquer expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a admissão da Ucrânia seriam uma "ameaça direta" a Moscou.

O chefe da diplomacia russa também rejeitou a possibilidade de enviar soldados estrangeiros para garantir o cumprimento de um possível acordo de paz.

"A presença de forças armadas sob outra bandeira não muda nada. Claro, é totalmente inaceitável", disse ele.

Lavrov se recusou a comentar as declarações feitas pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que disse nos últimos dias que não aceitará nenhum acordo do qual seu país não participe.

O Kremlin insistiu que Putin está pronto para conversar com Zelensky "se necessário".

Da Turquia, o presidente ucraniano lamentou que "as conversas sobre (a guerra na) Ucrânia tenham sido realizadas sem a participação da Ucrânia" e pediu aos seus aliados que "não cometam erros".

A reunião em Riad ocorreu dias depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, falar por telefone com Putin sobre o assunto.

Moscou descreveu a possibilidade de um encontro presencial entre os dois líderes nos próximos dias como "improvável".

"Concordamos que uma equipe separada de negociadores estabelecerá contato no devido tempo", disse Yuri Ushakov, conselheiro de relações exteriores de Putin.

Zelensky: 'Temos que participar'

Enquanto os ministros das Relações Exteriores dos Estados Unidos e da Rússia realizavam conversas na Arábia Saudita, Zelensky estava na Turquia para uma reunião com o presidente do país, Recep Tayyip Erdogan.

Zelensky reafirmou sua posição de que a Ucrânia deve participar das negociações de paz.

"A Ucrânia e a Europa no sentido mais amplo — e isso inclui a União Europeia, a Turquia e o Reino Unido — devem estar envolvidas nas negociações e no desenvolvimento das garantias de segurança necessárias com os Estados Unidos", disse ele.

Ele acrescentou: "Queremos que tudo seja justo e que ninguém decida nada pelas nossas costas... Não fomos convidados para esta reunião russo-americana na Arábia Saudita. Foi uma surpresa para nós, assim como para muitas outras pessoas. Soubemos disso pela mídia."

Sobre a disputa territorial da guerra, ele disse que "por mais difícil que seja para nós, a Ucrânia não reconhecerá legalmente as partes ocupadas pela Rússia".

Ele afirmou ainda: "O leste (da Ucrânia) é nosso, a Crimeia é nossa, e também todas as outras cidades e vilas que são importantes para nós."

"Sabemos que os Estados Unidos e vários parceiros europeus não apoiam nossa filiação à Otan. Acho que esse é um grande desejo da Rússia e coincide com esse resultado", disse ele.

Ele também revelou que adiou para para 10 de março uma visita à Arábia Saudita que programada para esta semana.

<><> Essa é exatamente a imagem que a Rússia quer passar ao mundo. Análise de Sarah Rainsford, correspondente da BBC na Europa Oriental

A visão de altos representantes russos e americanos sentados novamente ao redor de uma grande mesa de madeira é extraordinária no contexto atual e provavelmente muito difícil de digerir para muitos, especialmente os ucranianos.

Mas é exatamente essa a imagem que Moscou quer transmitir ao mundo: a Rússia na "mesa principal" da diplomacia global, parecendo estar no mesmo nível dos Estados Unidos e até mesmo ter capacidade de tomar decisões.

Porque não se trata de uma Rússia derrotada, forçada a sentar-se à mesa de negociações. É como se os Estados Unidos estivessem convidando o agressor a definir seus termos para a paz.

Uma destas autoridades russas, o veterano ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, é até mesmo alvo de sanções dos Estados Unidos por seu envolvimento em uma "guerra intencional brutal" que ele apoia totalmente.

Os Estados Unidos dizem que estão tentando sondar Moscou para checar se eles estão falando sério sobre acabar com a invasão.

Mas a Rússia projetará neste momento a imagem em torno da brilhante mesa saudita como prova de que a guerra na Ucrânia e o subsequente isolamento da Rússia foram apenas um incidente isolado e que tudo logo voltará a ser como era antes.

 

Fonte: BBC News

 

Nenhum comentário: