Até dezembro do ano passado,
o publicitário Adriano Costa era coordenador regional da Associação Nacional
das Torcidas Organizadas, a Anatorg. Saiu por sentir que precisava encerrar seu ciclo na entidade, no qual
enfrentou “desgaste pessoal altíssimo”. Durante os anos em que coordenou a
organização, participou de audiências públicas convocadas pela Câmara Municipal
do Recife e pela Assembleia Legislativa, articulou diálogos com a OAB-PE,
propôs que as autoridades escutassem os torcedores que frequentam os estádios e
conseguiu juntar dirigentes das torcidas rivais de Santa Cruz, Sport e Náutico
para tentar costurar acordos de paz. Na maioria das vezes, seus esforços foram
inúteis.
Em entrevista exclusiva,
Costa afirma ter fica perplexo com as dimensões, a intensidade e a crueldade da
briga entre as torcidas, mas não pelo fato dela ter acontecido. Na verdade,
quem acompanha minimamente as redes sociais, sabia que o clima entre as duas
maiores torcidas pernambucanas era o pior possível há alguns dias.
De acordo com ele, as
autoridades de segurança pública do estado simplesmente não atuaram. Ele se
pergunta “quantos culpados existem pela violência do sábado de Clássicos das
Multidões?” e já emenda que existem vários responsáveis, não só aqueles que
apareceram nos inúmeros vídeos da selvageria no bairro da Torre.
“Pela Lei Geral de Esportes,
o Grupo de Trabalho de Futebol coordenado pelo secretário de segurança, por exemplo,
pode ser responsabilizados judicialmente pelos problemas de segurança e
organização deste último sábado”, provoca Adriano Costa.
LEIA A ENTREVISTA:
·
Os vídeos da pancadaria nas ruas da Madalena e da
Torre passaram a impressão que a violência entre as torcidas organizadas de
Pernambuco mudou de patamar, escalando alguns degraus nas dimensões, na
intensidade e, principalmente, na crueldade. O que você pensou e sentiu ao
assistir àquelas cenas?
Adriano Costa
– Antes de mais nada precisamos repudiar com vigor o
que ocorreu ontem [sábado, 1º de fevereiro]. Além de repetitivo, é absurdo que
atos como este continuem a se repetir em um estado com histórico tão pesado de
notícias no âmbito nacional de violência e mortes entre torcedores organizados.
Não tenho nenhuma intenção de eximir a responsabilidade de quem praticou crimes
tão violentos e bárbaros, mas é preciso apontar os verdadeiros culpados pelo
fato.
·
E quem são esses
culpados?
Para começar, o Estado de
Pernambuco, que não tem se colocado no papel de construtor de soluções, são
anos evitando o diálogo, criando medidas populistas e inócuas sempre após uma
grande crise. A violência de ontem foi prevista, premeditada, repetitiva e,
sobretudo, proposital. O Estado promove, permite e proporciona.
·
Por que é proposital?
Em que você se baseia para afirmar isso?
Primeiro, há muita gente
interessada em tirar proveito dessa violência. Policiais pressionando por
diárias e gratificações de maior valor; gestores públicos querendo “vender”
pacotes de soluções e tecnologia; dirigentes de futebol mais interessados em
fazer marketing pessoal ou impor um modelo autoritário e excludente nas
arquibanacadas. Então, uma briga de grandes proporções atende a muitos
interesses.
Mas, vamos aos fatos.
Durante a semana já circulava em grupos do futebol e fora dele, vídeos e fotos
de um possível furto de instrumentos e bandeiras entre torcidas do Santa Cruz e
Sport, uma disputa de quem levava mais, cada lado, tricolor ou rubro-negro,
querendo mostrar os seus devidos “troféus” expostos em praça pública, viadutos
e ruas.
Ontem, antes do ocorrido,
entre 09h e 10h da manhã, já era possível receber em grupos de WhatsApp e
páginas de Instagram, vídeo de pequenos focos de correrias em bairros na
perfiferia da Região Metropolitana, além de uma grande concentração de
torcedores tricolores na avenida Caxangá. Ao meio-dia, a cidade inteira já
sabia do confronto na rua Real da Torre, a cinco quilômetros de distância do
Arruda.
Depois, já à noite, a
Explosão Inferno Coral divulgou um documento que tinha protocolado no Comando
Geral da PM e no Batalhão de Choque solicitando escolta policial e informando o
trajeto com plano de acesso aos torcedores, cumprindo aquilo que diz a nova
legislação da Lei Geral do Esporte. O ofício enviado à PM detalhava os pontos
de concentração de torcedores, rotas seguras para deslocamento até o estádio do
Arruda para evitar qualquer encontro entre torcidas organizadas adversárias,
solicitação de escolta policial, garantindo um trajeto controlado e livre de
conflitos. Então, porque a Polícia Militar não agiu?
A violência de
ontem foi prevista, premeditada, repetitiva e, sobretudo, proposital. O Estado
promove, permite e proporciona.
·
Então a culpa é
apenas da PM?
Não só. Veja o caso do Grupo
de Trabalho Coordenado pelo Secretário da Segurança Pública. É inoperante, não
se reúne, não planeja, não ouve os verdadeiros atores do espetáculo esportivo
e, sobretudo, tem caráter autoritário populista e ineficaz. Em geral toma
atitudes – quando toma – que promovem e colaboram com a cultura de violência em
dias de jogos de futebol, além de medidas que se desloca da realidade da
arquibancada e, por essa razão, toma decisões irresponsáveis.
Pela Lei Geral de Esportes,
o GT pode ser responsabilizados judicialmente pelos problemas de segurança e
organização deste último sábado. Afinal, segundo o artigo 151 da nova Lei Geral
de Esportes, que diz “é direito do espectador a implementação de planos de ação
referentes a segurança, a transporte e a contingências durante a realização de
eventos esportivos com público superior a 20.000 (vinte mil) pessoas”.
·
Se a lei diz que
o torcedor tem esse direito, qual sua opinião sobre a decisão da governadora
Raquel Lyra de determinar que Santa Cruz e Sport joguem sem torcida?
A Governadora Raquel Lyra
está cassando um direito dos torcedores que não brigaram, que vão incentivar
seus times de coração. Ao centralizar a decisão e proibir que qualquer torcedor
veja os jogos de seu time por cinco partidas, até que seja implementado o
reconhecimento facial nas catracas, é um atestado de incapacidade do Estado e
de falta de assessoria do executivo estadual. Ora bolas, equipamentos da SDS,
não fazem reconhecimento facial? Eles estão funcionando? Como não viram com
antecedência a possibilidade de encontro de torcedores naquele bairro? O
comando da PM não viu o oficio de uma das torcidas organizadas?
Cabe perguntar então quanto
tem de responsabilidade dos clubes neste cenário, a ponto de serem prejudicados
com portões fechados? Para o Santa Cruz pode representar a inviabilidade total,
pois vai ficar sem renda quando está em recuperação judicial. Para o futebol de
Pernambuco é a inviabilidade total do campeonato estadual, pois pode ter uma
decisão sem sem público. Para a Federação será uma grande perda de arrecadação.
Isso sem falar no prejuízo para os trabalhadores formais e informais,
comerciantes, ambulantes, motoristas de transporte por aplicativo, seguranças
privados e públicos que dependem financeiramente desta atividade econômica,
pois o futebol movimenta a economia local.
Cabe à governadora Raquel
Lyra e a SDS/PE intervir e reorganizar com urgência as forças policiais que
fazem a segurança dos eventos esportivos em Pernambuco, com a abertura de um
canal direto com a sociedade civil e comunidade pernambucana de torcedores.
Especialmente na criação de um batalhão da PM especializado em eventos
esportivos.
·
Por falar em
federação, qual o papel do presidente da Federação Pernambucana de Futebol?
O Presidente da Federação
Pernambucana de Futebol, Evandro de Carvalho, poderia ser o grande fiador de um
fórum de diálogo e planejamento que fortaleça o futebol local, reunindo com
antecedência, chamando atores dos clubes e da arquibancada que entendam sobre
operação de jogo, logística, segurança e transporte, além disso poderia trazer técnicos,
profissionais e torcedores com experiência e vivenciam de arquibancada,
permitindo analisar o grau de tensão que cada jogo representa. Poderia, mas, ao
contrário, ele tem incentivado atos de violência chamando torcedores para
trocar tapa e a bala, como no áudio vazado nesta última semana. Sempre com seu
caráter autoritário, me parecer ter um vício em microfone e aparições públicas
que gerem noticia e visibilidade para satisfazer seu ego.
·
Qual a
responsabilidade dos clubes?
Sinceramente, os clubes têm
a cada dia menos a ver com os atos de violência que acontecem longe da arena
esportiva e, equivocadamente, são os que tem recebido a represália pela má
gestão da governadora. No entanto, ao serem convocados como ouvintes pelo GT,
têm enviado representantes que não sabem nada do sentimento da arquibancada e
do jogo, são representantes meramente protocolares e burocráticos, pessoas que
não tem um pingo de entendimento de operação de jogo e que sempre assistiu ao
jogo pela TV ou camarote, gente que vai ao estádio de carro e o estaciona com
segurança em vagas privadas dentro do próprio clube.
·
Você vislumbra
uma solução possível?
Sim. E qualquer solução
passa pela participação da sociedade civil, incluindo aí a representação de
torcedores, torcedoras e torcidas. Esse é o primeiro pilar para encontrar um
caminho.
Apesar de críticas que podem
existir à Anatorg, ela foi a única instituição que tem conseguido reunir as
maiores organizadas arquirrivais para, minimamente, dialogar e tentar construir
coletivamente ações e debates em torno de soluções para evitar mortes,
confrontos e garantir o direito de torcer.
Medidas como torcida única,
futebol sem torcida, já se comprovaram ineficazes. A autoridade pública que
defender isso, como a governadora Raquel Lyra, achando que vai receber
vários likes se engana. Impor jogos sem torcida é demagogia
barata. Quem vive e participa diretamente do futebol sabe que não é esse o
caminho.
O segundo pilar é a punição
direta aos indíviduos, aos CPFs dos responsáveis, a transferência de
responsabilidade para as entidades ou torcidas organizadas enquanto CNPJ, já se
mostrou inútil. Pior ainda é transferir a culpa para os clubes. É esconder o
problema debaixo do tapete. Não há neste governo nem no anterior interesse em
construir ações que minimizem a violência entre as organizadas. Nem no âmbito
estadual muito menos no nacional.
Por fim, há um terceiro
pilar: o incentivo a política cultural da arquibancada, incentivar a festa, a
música, as cores, a dança, a alegria e a alegoria, essas são as soluções
básicas sociais que diminuem a violência, não há metodologia “inglesa” que dê
certo em um país de culturas, tradições e desigualdades totalmente diferentes
como é o Brasil.
Pernambuco precisa entender
a importância da cultura torcedora pulsante na arquibancada, e o poder que ela
tem para reforçar e expandir a cultura pernambucana, basta ver os exemplos dos
estados de Bahia e Ceará, onde as organizadas fazem belas festas na
arquibancada. Nesses estados têm violência? É claro que tem, mas seus gestores
que é um problema de sociedade de forma geral, não uma exclusividade do futebol
ou do torcedor.
Fonte: Marco Zero
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