As declarações de
vencedor de eleição na Alemanha que indicam mudança gigantesca na relação com
EUA
O provável futuro
primeiro-ministro da Alemanha não esperou pelos resultados finais
da eleição de seu país no domingo para anunciar uma nova era na Europa.
Em um debate na TV
após a eleição, Friedrich Merz disse que os
EUA estão indiferentes ao destino do continente, questionou o futuro da aliança
militar Otan e exigiu que a Europa reforce suas próprias defesas. E com
rapidez.
Este tom de um país
aliado próximo dos EUA — e de Friedrich Merz, que é conhecido por ser
entusiasta do atlanticismo (relações próximas entre América do Norte e Europa)
— teria sido inimaginável até mesmo alguns meses atrás.
É uma mudança
gigantesca. Isso pode soar como um exagero, mas o que estamos vivenciando agora
em termos de relações transatlânticas não tem precedentes nos 80 anos desde o
fim da Segunda Guerra Mundial.
Grandes potências
europeias estão chocadas com o governo Donald Trump e com os sinais que
ele vem dando de que pode revogar as garantias de segurança para a Europa que
estão em vigor desde 1945.
"Eu nunca
teria pensado que teria que dizer algo assim em um programa de TV, mas, depois
dos comentários de Donald Trump na semana passada... está claro que o seu
governo não se importa muito com o destino da Europa", disse Friedrich
Merz durante um debate pós-eleitoral no domingo.
"Minha
prioridade absoluta será fortalecer a Europa o mais rápido possível para que,
passo a passo, possamos realmente alcançar a independência dos EUA."
Merz deu a entender
que o esforço era tão urgente que ele não tinha certeza se os líderes da
aliança transatlântica reunidos para uma cúpula em junho "ainda estariam
falando sobre a Otan em sua forma atual ou se teríamos que estabelecer uma
capacidade de defesa europeia independente muito mais rapidamente".
O futuro
primeiro-ministro praticamente colocou os EUA de Donald Trump em pé de
igualdade com a Rússia — vista como uma ameaça à segurança da Europa de forma
mais ampla.
"Estamos sob
uma pressão tão grande de dois lados que minha prioridade absoluta agora é
realmente criar unidade na Europa", disse Merz.
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Sem soldados na Ucrânia
O primeiro-ministro
do Reino Unido, Keir Starmer, viaja para Washington na quinta-feira (27/2),
após a visita do presidente francês Emmanuel Macron nesta segunda-feira (24/2).
Friedrich Merz
admite, indiretamente, uma sensação de "fomo" ("fear of missing
out" ou medo de ficar de fora). Por direito, Berlim também deveria estar
representada em Washington esta semana, ele diz, já que a Alemanha é uma das
três grandes potências da Europa, ao lado da França e do Reino Unido.
E com os EUA e a
Rússia agora discutindo bilateralmente, sobre a Ucrânia (mas não com ela),
parece um retorno global à era das grandes potências — como na Guerra Fria.
Mas a Alemanha está
por fora há um bom tempo do cenário europeu e mundial. O governo de Olaf Scholz
que terminou foi enfraquecido e distraído por disputas internas cruéis. Isso
enfureceu os eleitores alemães — que queriam foco urgente na economia e imigração
— e aliados europeus, que pedem ações sobre a Rússia, segurança e defesa.
Merz diz que uma
das principais prioridades da Alemanha é se reengajar internacionalmente.
O país já é o
segundo maior fornecedor de ajuda militar para a Ucrânia, depois dos EUA.
Merz quer continuar
com esse apoio, mas, diferentemente da França e do Reino Unido, ele tem sido
reticente sobre a ideia de enviar soldados para a Ucrânia, para apoiar um
eventual cessar-fogo.
Mas baseado no
histórico da Alemanha, no entanto, um "não" para tropas alemãs na
Ucrânia agora não significa um "não" para sempre. No passado, a
Alemanha se arrastou em todas as etapas do apoio à Ucrânia e, apesar disso,
acabou entregando mais ajuda do que qualquer um de seus vizinhos europeus.
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Tropas americanas na Alemanha
Por enquanto, as
tropas com as quais os alemães mais se preocupam são os 35 mil soldados
americanos presentes em seu país, que os fazem se sentir seguros.
É incomum que a
política externa seja uma das principais preocupações dos eleitores em época de
eleição. Mas na Alemanha neste fim de semana, junto com a economia e a
migração, eleitores mostraram que estão preocupados com a paz na Europa e se
sentem muito inseguros.
Em novembro, o
ministério do Interior da Alemanha disse que estava elaborando uma lista de
bunkers que poderiam fornecer abrigo de emergência para civis.
A Ucrânia pode
estar longe, mas os alemães se sentem em grande risco com a Rússia por dois
motivos.
Primeiro, a
quantidade de equipamento militar que seu país enviou à Ucrânia. A extrema
direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), com seu slogan "Alemanha
Primeiro", fez campanha para que Berlim se desvinculasse de Kiev e
restabelecesse as relações com a Rússia. Uma estratégia não muito diferente da
de Donald Trump, como o partido gosta de apontar.
Em segundo lugar,
muitos na Alemanha pensam que se a Rússia quisesse realmente desestabilizar a
Europa, poderia ficar tentada a atacar uma das três grandes potências
(Alemanha, França e Reino Unido) com um míssil de longo alcance.
A França e o Reino
Unido são potências nucleares, mas a Alemanha não. Até mesmo suas forças
armadas convencionais são insuficientes e mal equipadas (para imensa irritação
dos parceiros europeus), então a Alemanha teme ser um alvo fácil.
Ainda mais se Trump
retirar seus militares ativos da Alemanha.
O presidente
americano prometeu reduzir significativamente a presença de tropas dos EUA na
Europa como um todo.
O sentimento alemão
de profunda insegurança doméstica levou Friedrich Merz a sugerir na semana
passada que ele buscaria França e Reino Unido para formar um guarda-chuva
nuclear europeu, para substituir as garantias nucleares dos EUA.
É uma ideia fácil
de trazer à tona na campanha eleitoral, mas que na realidade é extremamente
complexa — envolvendo questões de capacidades, comprometimento e controle.
O choque de
realidade: Friedrich Merz precisará de muito dinheiro para seus planos de
proteger a Alemanha e a Europa, e a economia da Alemanha está em crise.
Ele também precisa
chegar a um acordo com o parceiro de coalizão, ou parceiros, com quem formará o
próximo governo alemão — bem como com outros países europeus, como o Reino
Unido. Estes podem não querer usar um tom tão estridente contra os EUA.
Esta eleição pode
anunciar uma liderança mais forte da Alemanha. Mas o resto da Europa está
pronto para isso?
¨ Medo e impotência: imigrantes brasileiros na Alemanha
lamentam ascensão da direita radical
As eleições
parlamentares deste domingo (23/2) apenas confirmaram o cenário que já se
desenhava nos últimos anos: a direita radical está cada vez mais forte e tem
cada vez mais apoio da população na Alemanha.
O controverso
Alternative für Deutschland (AfD, ou Alternativa para a Alemanha), ficou em
segundo lugar nas urnas, com 20,6% dos votos. O conservador União
Democrata-Cristã (CDU) foi o vencedor, com 28,6% dos votos.
O partido foi
alçado principalmente por seu forte discurso anti-imigração. Para os eleitores
do AfD esse é o tema mais
importante,
com foco no aumento de refugiados e pedidos de asilo nas últimas décadas.
Durante a campanha,
a líder da legenda, Alice Weidel, chegou a apoiar oficialmente um projeto de
"remigração", ou o "retorno" em massa de imigrantes e seus
descendentes para seus países de origem.
O termo ganhou
destaque pela primeira vez no cenário político alemão no início de 2024, quando
a notícia de que políticos do AfD haviam participado de um encontro com
neonazistas para discutir a deportação em massa de milhões de imigrantes e
"cidadãos não assimilados" — independente de situação legal ou de
possuírem cidadania alemã — escandalizou o país.
O episódio provocou
uma onda de protestos nacionais e levou o AfD a se distanciar da ideia de
"remigração" — uma postura posteriormente abandonada ao longo da
campanha.
A possibilidade de
um endurecimento das políticas migratórias — e o sentimento cada vez mais
hostil em relação aos imigrantes — assusta brasileiros que moram na Alemanha.
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'Me sinto impotente'
Gabriela Badain,
estudante de 27 anos que mora há dois anos em Leipzig, no leste da Alemanha,
diz se sentir impotente diante do avanço da direita radical.
"Eu, assim
como muitos outros imigrantes, estamos muito preocupados", diz a mestranda
que estuda Alemão como Língua Estrangeira. "Sei o quanto o resultado dessa
eleição pode influenciar meu futuro, mas não tive o que fazer além de tentar
conversar com os eleitores alemães à minha volta, porque não posso votar."
No país, apenas pessoas
com cidadania alemã possuem direito ao voto em eleições nacionais.
"Me sinto
excluída totalmente do lugar onde vivo", lamenta a brasileira natural de
São Paulo.
O estado da
Saxônia, onde a cidade em que Gabriela mora está localizada, se tornou um dos
principais polos de crescimento do AfD nos últimos anos.
Desde setembro do
ano passado, o partido tem a segunda maior bancada no Parlamento local, com
apenas um assento a menos do que a União Democrata-Cristã (CDU).
A região leste da
Alemanha, aliás, vem sendo considerada um bastião da direita radical.
Também no ano
passado, o AfD comemorou um "sucesso histórico" após conquistar quase um
terço dos votos nas eleições locais do Estado de Turíngia. Foi a primeira
vitória da direita radical em uma eleição para parlamento estadual na Alemanha
desde a Segunda Guerra Mundial.
Gabriela afirma
nunca ter experimentado ataques xenofóbicos direcionados diretamente contra
ela, mas lamenta o aumento dos casos em todo o país — segundo dados compilados
pela Statista em 2024, 13,3% da população acredita que o país está em risco por
causa dos estrangeiros.
"Sou uma
pessoa branca e muitas vezes só percebem que sou imigrante quando ouvem meu
sotaque, mas já vivenciei situações muito tristes ao lado de colegas ou do meu
namorado, que é libanês."
A estudante relata
um episódio específico em que, durante um encontro em um restaurante com o
namorado e outros amigos de origem libanesa, um jovem alemão se aproximou da
mesa onde estavam sentados e estendeu o braço em um movimento que pode ser
comparado a uma saudação nazista.
"Fiquei
horrorizada e quis denunciar para a polícia, mas meus amigos disseram que não
era a primeira vez que isso acontecia com eles e que não daria em nada."
A própria AfD já
foi acusada de defender ideias neonazistas e integrantes do partido foram
condenados por apologia à ideologia.
No ano passado, o
partido foi expulso da coligação Identidade e Democracia (ID), formada por
partidos da direta radical do Parlamento Europeu, depois que um político da
sigla afirmou que os membros da SS nazista "não eram todos
criminosos".
A SS era uma força
paramilitar nazista e foi uma das organizações responsáveis pelo Holocausto.
Episódios como esse
fizeram com que todos os demais partidos, incluindo a CDU e o Partido Social
Democrata (SPD), do primeiro-ministro Olaf Scholz, prometessem nunca colaborar
com a AfD, isolando a ultradireita através de um chamado "cordão
sanitário".
Mas a tentativa de
Friedrich Merz de aprovar no Parlamento alemão um projeto que pedia restrições
à reunificação familiar e a rejeição de imigrantes nas fronteiras, em janeiro
deste ano, causou polêmica em todo o país. Isso porque, para aprovar a moção e
as linhas gerais do texto serem discutidas, o líder da CDU contou com apoio da
AfD.
O projeto de lei
acabou não sendo aprovado, mas Merz incluiu em sua lista de prioridades num
eventual governo a implementação da medida — algo que também assusta muitos
imigrantes.
"Ver CDU
compartilhando ideias com a AfD preocupou muita gente. Quando vi as notícias
sobre isso só consegui pensar 'nossa, agora ferrou'", conta Gabriela
Badain.
A estudante relata
ainda uma inquietação entre colegas estrangeiros que vivem na Alemanha com
visto de estudante. "Já estive em várias conversas em que a ideia de
terminar o mestrado em outro país surgiu", diz.
Ela mesma afirma
estar preocupada com seu futuro. "Trabalho meio período como professora de
alemão para crianças imigrantes e não sei o quanto essa intolerância crescente
pode afetar meu trabalho ou a busca por outras vagas", afirma.
Por tudo isso,
Gabriela afirma que pretende deixar a Alemanha caso a sensação de insegurança e
a hostilidade em relação aos imigrantes cresça ainda mais.
"As pessoas
imigrantes já passam por muitas dificuldades e desafios por não estarem no
próprio país. Então se eu me sentir ameaçada, mesmo eu estando em um lugar de
privilégio, me faria não querer continuar morando nesse país — e eu acho que
muitas pessoas do meu círculo também se sentem assim."
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'Única esperança é saber que não são maioria'
Luciano Luz, 38,
trabalha como entregador de comida por aplicativo desde que se mudou para a
cidade alemã de Mannheim há seis anos. O paranaense não nega já ter sido
tratado de forma diferente em seu dia a dia apenas por ser imigrante.
Ele relata ao menos
dois episódios em que se sentiu desrespeitado durante o trabalho. Em uma dessas
ocasiões, estava pedalando sua bicicleta quando um carro se aproximou e o
passageiro arremessou um copo de água com gelo em suas costas.
"Quase 100%
dos entregadores de aplicativo na minha cidade são imigrantes e não havia outro
motivo para fazerem isso", conta. "Foi a primeira vez que senti medo
por conta dessa onda anti-imigração."
Natural de Foz do
Iguaçu, Luciano imigrou para a Alemanha para ficar mais perto da única filha,
nascida de um relacionamento com uma mulher alemã que ele conheceu quando ainda
morava no Brasil.
Mas apesar de ter
sido ele mesmo vítima de preconceito, compartilha que está cada vez mais
cultivando um sentimento de apatia diante do crescimento da direita radical.
"Evito
carregar comigo o sentimento de medo ou raiva diante de tudo que está
acontecendo, porque não tem o que eu possa fazer e pensar demais nisso só vai
me adoecer", diz.
"Sinto que as
pessoas que votam na AfD sempre cultivaram algum tipo de sentimento
anti-imigrante ou anti-LGBT, mas estão se sentindo mais encorajadas e saindo do
armário agora. E elas vão continuar pensando assim, não tem jeito."
"Minha única
esperança é saber que elas não são a maioria da população e que muito
possivelmente não vão conseguir eleger um primeiro-ministro agora ou no
futuro", afirma.
Luciano diz que as
pessoas que o acolheram com respeito na Alemanha e que demonstram compaixão em
relação aos imigrantes têm ajudado a construir esse pequeno sentimento de
confiança em relação ao futuro, mas não de forma suficiente para que ele pense
em ficar no país para sempre.
O entregador tem
planos de voltar a viver no Brasil com a filha em breve. "A verdade é que
a extrema direita está crescendo em todo lugar, na Alemanha, nos Estados Unidos
e até no Brasil", diz. "Mas sinto falta da minha família e do clima
do Brasil, então prefiro voltar."
"E acho que
nunca me senti totalmente bem-vindo na Alemanha. Sempre notei um tratamento
diferente em relação a mim, mesmo falando alemão e respeitando todos os
costumes."
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'Enxergo uma outra parte da Alemanha'
Já Éder Souza, 40,
afirma não ter planos de deixar a Alemanha, apesar de também notar um
crescimento inegável do sentimento nacionalista e anti-imigrante ao seu redor.
"Enxergo uma
outra parte da Alemanha que bate de frente com essa onda de direita
nacionalista e xenofóbica", diz o paulista natural de Mauá, região
metropolitana de São Paulo. "É por isso que eu fico."
Éder deixou o
Brasil ao lado da esposa em 2018 após receber uma proposta para trabalhar como
consultor na área de software. Atualmente vive em Bruchsal, uma cidade
localizada perto da fronteira com a França.
Mas antes mesmo da
mudança, o especialista em tecnologia já se sentia preocupado pela forma como
seria recebido na Alemanha.
"Comecei a
aprender alemão alguns anos antes de me mudar e naquela época já ouvia relatos
sobre a AfD e as políticas anti-imigração", diz. "Confesso que isso
me fez sentir bastante receio sobre como seria recebido."
O brasileiro diz
ouvir constantemente relatos de colegas imigrantes sobre casos de xenofobia.
"Amigos negros foram xingados na rua mais de uma vez", lamenta.
"Mas felizmente eu e minha esposa nunca passamos por nenhuma situação de
xenofobia diretamente."
Para Éder, uma das
posições mais difíceis de entender é a de imigrantes ou cidadãos alemães com
origem estrangeira que apoiam a AfD e outros partidos com políticas
anti-imigração.
"Isso me causa
muito espanto", diz. "Mas vejo o quanto a extrema direita usa um
discurso populista, com o apoio de figuras como o Elon Musk, para atrair as
pessoas."
O bilionário
sul-africano apoiou o AfD ao participar por videoconferência de um comício da
legenda no final de janeiro.
"É bom ter
orgulho de ser alemão. Lutem por um futuro brilhante para a Alemanha",
disse Musk, reiterando seu apoio ao partido que encarna, segundo ele, "a
melhor esperança para a Alemanha".
Dono da SpaceX e da
rede social X (antigo Twitter), o bilionário também apoiou Donald Trump em sua
campanha pela presidência americana. Ele atualmente comanda o Departamento de
Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) dos EUA.
Fonte: BBC News
Brasil
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